As secas continuam a ser um drama humano no sertão
nordestino, onde o acesso à água e à alimentação permanece escasso. Os
moradores do semiárido avaliam, no entanto, que as condições de vida hoje são
bem melhores que as do passado.
18/06/2012
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/06/120615_seca_personagens_pc.shtml
Paulo Cabral
Enviado especial a Salitre (CE) e Ouricuri (PE)
"Eu acho que umas dez secas já aconteceram
comigo. Esta de hoje não está tão ruim porque tem mais ajuda (do governo) e tem
estas cisternas para armazenar água", conta o agricultor José Raimundo da
Silva, de 64 anos, de Salitre (CE).
Notícias relacionadas
- Sertão enfrenta desafio de criar nova relação com a seca
- Semiárido brasileiro 'ganhará um Alagoas' até 2070, prevê Inpe
- Galeria de Fotos: Cúpula dos Povos mostra diversidade na Rio+20
Tópicos relacionados
O sertanejo conta que sua pior seca foi a de
1993. "Fui obrigado a ir para São Paulo porque não tinha como sobreviver
aqui. Eu larguei a família e fui pra São Paulo trabalhar por quatro
meses", diz.
A secretária nacional de segurança alimentar e
nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Maya Takagi, afirma
que as famílias do semiárido "estão reagindo bem às adversidades" da
seca.
"A cada ano, o Brasil fica melhor preparado
para enfrentar essa adversidade, que nós já sabemos que ocorre
periodicamente", diz Takagi.
"É uma situação muito diferente daquela das
grandes secas de meados do século passado, quando populações inteiras migravam
simplesmente porque não tinham condições de sobrevivência", acrescenta.
O agricultor Manuel Francisco dos Santos, de 87
anos, ainda tem lembranças de uma das estiagens mais marcantes da história do
Nordeste: a grande seca de 1932, quando o Estado do Ceará criou instituições,
apelidadas de "currais do governo", para confinar os retirantes que
ameaçavam se deslocar em passa para Fortaleza.
"Seca perigosa", relembra o veterano.
Pouco avanço
Para José Francisco, 79 anos, programas de
transferência de renda melhoram sua vida.
Apesar da melhora na qualidade de vida das
populações, o sertão tem grande parcela de responsabilidade no fraco desempenho
dos índices sociais no Nordeste.
A região ocupa as últimas posições em
praticamente todos os indicadores sociais, como analfabetismo (20,7% no
Nordeste contra média de 10,5% no Brasil), pobreza (42,1% da população contra
28% na media nacional), IDH (0,75 no NE e 0,82 no Brasil) e expectativa de vida
(70,1 anos no NE e 73 na média do Brasil).
O coordenador-geral do Centro de Assessoria e a
Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não-Governamentais Alternativas
(Caatinga), Paulo Pedro de Carvalho, diz que é essencial uma estratégia que
pense o desenvolvimento sustentável do sertão no longo prazo, agora que as
condições de vida melhoraram.
"O sertão não é um problema para o Brasil.
Ele tem de ser parte da solução", diz Carvalho.
O sertão nordestino não se beneficiou do recente
surto de desenvolvimento que vem ocorrendo na região, com a instalação de
indústrias e o grande crescimento no comércio e no setor de serviços, diz.
Para os moradores da região, os problemas comuns
nas secas do passado - como saques, cenas de crianças subnutridas e levas de
migrantes indo para as grandes cidades - não se repetiram na atual estiagem por
causa dos programas de transferência de renda, principalmente o Bolsa Família.
Em maio, o governo liberou também uma "Bolsa
Estiagem" para complementar a renda de moradores das 170 cidades mais
atingidas pela seca, como Salitre (CE).
"Se essa seca estivesse acontecendo 15 anos
atrás, agora já ia ter gente saqueando as cidades. Hoje as pessoas mais
carentes e os agricultores que perderam suas safras estão se segurando através
dos programas sociais", diz o prefeito de Salitre, Agenor Ribeiro.
Lembranças piores
Francisco Manoel de Souza, de 72 anos, diz que passou
fome na seca de 1950.
Os 1.133 municípios que integram oficialmente o
semiárido brasileiro – semelhante à área do antigo "Polígono das
Secas" – também têm algumas vantagens na concessão de créditos para a
produção e na utilização dos recursos do Fundo Constitucional de Financiamento
do Nordeste (FNE).
"Nos outros tempos é que era mais difícil.
Agora é muito diferente, tem aposentadoria", diz o agricultor José
Francisco, de 79 anos.
Durante os anos 1980 e 1990, antes da introdução
dos programas de transferência de renda, eram as aposentadorias de trabalhador
rural, concedidas aos 65 anos de idade, que sustentavam famílias inteiras em
épocas de seca.
Com quase oito décadas de vida no sertão, José
Francisco se lembra de um tempo em que nem havia a aposentadoria rural, que só
começou a ser criada no fim dos anos 1960. "(Minha pior seca) Foi a de 50.
A gente plantou e cresceu bastante, mas depois morreu tudo."
O agricultor Francisco Manoel de Souza, de 72
anos, também tem as secas dos anos 1950 como as piores de sua memória.
"A gente chegou a passar fome mesmo. Não
tinha nem estrada, então mesmo que tivesse dinheiro não tinha como conseguir
comida", recorda. "Hoje é moleza, em vista de como eu fui
criado."
Colaborou João Fellet, de Brasília
Nenhum comentário:
Postar um comentário