quarta-feira, 28 de maio de 2014

MOTE PERSUASÓRIO PARA A CAMPANHA VELHO CHICO VIVO: EU VIRO CARRANCA PARA DEFENDER O VELHO CHICO

Conforme fora definido na XXIV reunião plenária do CBHSF, ocorrida nos dias 5 e 6 de dezembro em Recife (Jaboatão dos Guararapes/PE), o dia 3 de junho foi instituído como o Dia Nacional em Defesa do Velho Chico. Para divulgar essa data o CBHSF lançou a campanha “Eu viro carranca pra defender o Velho Chico”, que marcará o Dia Nacional de Mobilização em Defesa do Rio São Francisco. A mobilização está marcada para o dia 3 de junho e deverá contar com atividades em toda a extensão da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, nas 4 regiões fisiográficas da Bacia (Alto, Médio, Submédio e Baixo São Francisco) compreende 504 municípios, 6 estados e mais o Distrito Federal, conglobando quase 19 milhões de pessoas. No dia 3 de junho de 2014 teremos em Juazeiro e Petrolina (além de outras cidades) uma caminhada para concentração na Ilha do Fogo, onde serão realizados dois atos simbólicos, deflagrando a Campanha no Submédio São Francisco. Em que pese ser uma Campanha, não se pode dissociar o contexto de argumentativo de apresentar diversas problemáticas atinentes ao rio, sem as quais não se consegue validar o mote da revitalização. Nesta esteira, num contexto sinóptico da problemática degradatória, quem vê o rio a partir de Petrolina e Juazeiro nem imagina os impactos terríveis que ocorrem a montante e a jusante por diversos fatores de degradação que comprometem quali-quantitativamente as águas do rio São Francisco No Alto São Francisco tem-se a gravíssima situação da grande mortandade de peixes na região da Represa de Três Marias (MG) A seguir, a imagem da ponte entre Pirapora e Buritizeiro (MG) demonstra sobejamente a situação após 3 meses em comparação com a situação anterior. No Médio São Francisco também, de forma recorrente, tem-se a grande mortandade de peixes denunciada pela Associação Quilombola Lagoa das Piranhas (foto abaixo) Ainda no Médio São Francisco tem-se um processo acentuadíssimo de assoreamento e grande vulnerabilidade das matas ciliares, mormente, na entrada do lago de Sobradinho. Concomitantemente, foi verificado recentemente por pesquisadores da EMBRAPA grande contaminação por diversos agrotóxicos e metais pesados, lançados no Lago de Sobradinho, por conta de falta de controle nos projetos de irrigação aí existentes. A maioria dos agrotóxicos utilizados na região já foram, inclusive, banidos para sempre na Europa e na América do Norte. Assoreamento na região do final do Médio e também no início do Submédio São Francisco, antes e depois do Lago de Sobradinho Foto:http://www.sertaonoticias.com/noticias/brasil/18184 No Baixo São Francisco temos os escombros da Igreja de Petrolândia (PE) reaparecendo em meio a um acelerado processo de eutrofização das águas no Lago de Itaparica, chegando até a região do Lago de Xingó (SE), com a proliferação acentuada de macrófitas deixando a água esverdeada, podendo, futuramente, tornar-se inapropriada para beber. Fato constatado pelo notável hidrólogo, Pedro Molinas. Outro cenário igualmente preocupante é o que se vê no Baixo São Francisco, na região de Propriá (SE), onde a estiagem prolongada está fazendo surgir no Velho Chico, diversos bancos de areia que crescem a cada dia. Na imagem abaixo, amplamente divulgada nas redes sociais, é possível se ver o baixíssimo nível do rio sob a ponte de Propriá. Outrora chegava a uma profundidade de mais de 33 metros. Agora, muitas pessoas da região estão conseguindo realizar a travessia a vau (a pé) entre as cidades de Propriá (SE) e Porto Real do Colégio (AL), tanto pela formação dos bancos de areia como pela perda de caudal do Rio São Francisco, estimado em 35%. Na foz, entre Alagoas e Sergipe temos os mais acentuados impactos sócio-hidroambientais, relacionados com a perda de caudal e ainda mais pelas vazões restritivas impostas pelo Operador Nacional do Sistema (O.N.S) que atua com seu hegemonismo autocrático, de forma draconiana, atropelando a instância legitimada do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Os efeitos da vazão restritiva imposta draconianamente pelo O.N.S tem causado impactos tão avassaladores que existem comunidades ribeirinhas bebendo água salobra, por conta da intrusão salina, que se caracteriza pela invasão das águas do mar, em processo reverso, do mar avançando dentro do rio. Uma expedição formada por vários pesquisadores de Universidades e de várias outras instituições constataram verazmente que a água do mar já chega a Piaçabuçu, município que fica distante 12 Km da foz, afetando o abastecimento de comunidades aí existentes se valem da escavação para retirada de água para beber, porque a água do rio já apresenta acentuada salinidade (foto abaixo). Lamentavelmente, a letra da música do saudoso Luiz Gonzaga está desfocada pela triste realidade, pois o Riacho do Navio não corre mais para o rio Pajeú. Tampouco o rio Pajeú despeja no São Francisco. Finalmente, constata-se que o rio São Francisco não bate mais no meio do mar. O povoado do Cabeço desapareceu, “tragado” pelas águas do mar. No mesmo diapasão, recorremos ao poema da música do grande violoncelista juazeirense e dileto companheiro de infância, Marcos Roriz. Ele assinala que a água doce já virou lágrimas... lágrimas que o barranqueiro derramou, com sói acontecer na região da foz em Piaçabuçu. De há muito que o mar tem avançado e invadido o rio São Francisco, ocasionando ao grande desequilíbrio biótico, ecossistêmico e para as atividades de pesca, como se observa na foto abaixo. No âmbito social temos o vilipêndio e menoscabo multissecular das comunidades ribeirinhas e tradicionais autóctones pela ausência das políticas públicas do Estado Brasileiro, agravada ainda mais pela situação de vulnerabilidade acentuada existente na porção semiárida da Bacia do São Francisco, com muitas pessoas passando fome e sem oportunidades e até sede ao longo de mais de 1.800 Km de margem, dentro do território da Bahia. Incapazes de atender os usos mais prioritários dentro da bacia, intenta de forma tinhosa, validar um projeto de transposição, sabidamente, eivado de anomalias, absurdidades e inviabilidades técnicas, econômicas, sociais, culturais e hidroambientais, numa obra comprovadamente insustentável em todas as dimensões. No aspecto humano e social indissociável das demais dimensões e relacionado com a dimensão cultural, política e institucional temos as comunidades de povos tradicionais ribeirinhos representados por indígenas,quilombolas e demais denominações. Em artigo publicado neste conceituado Portal ECODEBATE foi postada a: Reedição Crítica da Transposição do Rio São Francisco, artigo de Luiz Alberto Rodrigues Dourado Na publicação, foi feita uma releitura, com reavaliação crítica do malfadado processo de transposição do rio São Francisco diante da grave crise sócio-hidroambiental e demais dimensões que perpassam sua Bacia Hidrográfica. Neste contexto de diversos e multifacetados processos degradatórios se pergunta: Como retirar “sangue” de um “paciente” em UTI como é o caso do rio São Francisco? Como aceitar a transposição sem a prévia e impostergável revitalização? A TRISTE REALIDADE DEMONSTRADA EM FATOS E FOTOS, NÃO PODE SER TERGIVERSADA POR NENHUMA FALÁCIA SOFISMA DE ENGANAÇÃO O Velho Chico que tanto nos deu água em abundância e peixe em fartura agora precisa de nós para não morrer. Não é boato ribeirinho, não, mas a constatação óbvia da terrível realidade: rio de tantas vidas não corre mais primaveral e não canta mais o amor pois no mar não mais deságua. Parafraseando o poema musicado “BOATO RIBEIRINHO” (de Nilton Freitas, Wilson Freitas e Wilson Duarte) temos que nos conscientizar da triste realidade do Rio São Francisco que perdeu cerca de 35% de seu caudal. Por conseguinte, não se trata de um boato ribeirinho, o rio São Francisco pode de fato morrer se não o socorrermos urgentemente. Não podemos depender das chuvas, sobretudo agora que recrudescem as secas e estiagens prolongadas recorrentes, por conta das Mudanças Climáticas, cada vez mais intensas. O escoamento de base ou subterrâneo, proveniente do Aquífero Urucuia (Oeste da Bahia) está comprometido quali-quantitativamente, pelo agronegócio insustentável, sem do devido controle sócio-hidroambiental. Aliás, campeia o desregramento em todas as vertentes tanto pela omissão deliberada, como pelo beneplácito dos órgãos de controle hídrico e ambiental que se associam espuriamente ao poder hegemônico do grande capital, especialmente advindo das multinacionais da mineração que reservam água, das multinacionais do agronegócio que exportam água, a fertilidade da terra, exploram mão-de-obra barata e, todas elas deixam um rastro irremediável de degradação sócio-hidroambiental. Não temos mais o rio São Francisco como antes para nadar, navegar e pescar. Quiçá não o teremos para beber se o processo degradatório continuar, de forma intensa, acelerado e exponencial, comprometendo a quantidade e a qualidade das águas e, mormente, a vida das comunidades ribeirinhas da Bacia do São Francisco. Por isso conclamamos a todos nesta Campanha Nacional valendo-se do contexto parafrástico contido na letra e música inspiradoras, Boato Ribeirinho (Nilton Freitas, Wilson Freitas e Wilson Duarte): Não deixemos o Velho Chico morrer! Não deixe o Velho Chico morrer! Não deixemos o Velho Chico morrer! O que será de nós e das gerações futuras??? Qual será o nosso destino e dos nossos pósteros? Que rio deixaremos para nossos descendentes??? Não deixemos o Velho Chico morrer, porque senão morrerá o ribeirinho de fome, de sede, de esperança e de sei lá o quê.... O Rio São Francisco está em risco e é preciso defendê-lo. Por isso, o Comitê do rio São Francisco lançou a campanha “Eu viro carranca pra defender o Velho Chico”, que busca conscientizar a população sobre a necessidade da preservação e revitalização do rio. Mobilize-se! Participe! Juntos vamos eleger o dia 3 de junho como o Dia Nacional em Defesa do rio São Francisco! O Chico é um velho guerreiro, rio do povo brasileiro! Quem maltrata o São Francisco, maltrata o Brasil inteiro! O rio São Francisco periclita, mas não pode morrer! Ajudemos na sensibilização, parceria e mobilização desta Campanha e vire carranca para defender o Velho Chico... Porque se não cuidarmos, sequer teremos lágrimas para chorar a falta d’água no Velho Chico! Foto de National Geographic Channel India Luiz Alberto Rodrigues Dourado Turismólogo, pós-graduado em Educação Sócio-Hidroambiental Membro da Comissão da Campanha do Velho Chico Vivo Membro da CTIL e GACG do CBHSF Link para conexão com a: música:https://www.youtube.com/watch?v=H0UdRRlX3F0 Acesse, conheça, divulgue e participe da campanha em defesa do Velho Chico! http://virecarranca.com.br/

O pássaro Carão voltou a cantar no semiárido nordestino! Artigo de João Suassuna


Saga da Transposição do Rio São Francisco - Artigo 77 - 10/06/2009
[EcoDebate] Fazemos parte de um movimento social em defesa do rio São Francisco e contra a transposição, projeto este que, infelizmente, já se encontra em fase de implantação pelo governo federal e cujos impactos no bioma da Caatinga são danosos e bastante conhecidos por todos que habitam a região.

Muitos ambientalistas que têm acompanhado o nosso trabalho o têm comparado à saga dos seguidores de Antônio Conselheiro na defesa do Arraial de Canudos – ocorrida no sertão baiano, no final do século XIX, entre o Exército da República e um movimento popular de fundo sócio-religioso – confronto cujos resultados ficaram marcados na história pela insistência e devoção do povo sertanejo na defesa de uma causa, a qual julgavam justa.
Guardadas as devidas proporções com o que ocorreu em Canudos, o nosso trabalho tem sido marcado na realidade pela defesa incessante da vida do Velho Chico, embora entendamos ser uma luta desigual, tendo emvista a interrupção do diálogo, pelas autoridades, acerca das questões técnicas inerentes ao projeto, dando a entender que a disputa, doravante, é por recursos financeiros, conforme bem definido pelo secretário de recursos hídricos de Pernambuco, em evento realizado no Recife, em novembro de 2007.

Não é para menos, pois há uma estimativa de investimentos na região, nos próximos 25 anos, via esse projeto, da ordem de R$ 20 bilhões. Esse é um volume de recursos expressivo, o suficiente para eleger um presidente da república e ainda por cima fazer o seu sucessor. Atualmente, o projeto está sendo implantado a todo custo, embora com a nossa discordância, pois entendemos que o mesmo é desnecessário, tendo em vista à existência de água na região semiárida em volumes suficientes ao atendimento das necessidades de toda sua população, faltando-lhe, apenas e tão somente, a efetivação de uma política específica para nortear o uso desse recurso de forma a mais racional possível.

As autoridades insistem em afirmar que o percentual volumétrico a ser retirado do rio é muito pequeno (cerca de 1,4%) se comparado com a sua vazão média (cerca de 2.800 m³/s). Entretanto, entendemos que elas estão equivocadas ao tratarem essa questão sob esse prisma, tendo em vista não levarem em consideração o volume alocável existente no rio (cerca de 360 m³/s) e a parte que já foi outorgada (cerca de 335 m³/s), resultando desse balanço um volume de apenas 25 m³/s, conforme comentado por nós em artigo da Carta Maior, em 2004. Além do mais, se levarmos em consideração o volume médio de 65 m³/s e o volume máximo de até 127 m³/s demandados pelo projeto, estes significam 25% e 47% do volume alocável do rio, respectivamente, portanto percentuais bem mais expressivos do que aquele de 1,4% informado pelas autoridades.
Divergências à parte, se as autoridades entendem que 1,4 % é um percentual pequeno a ser retirado do rio para ser levado até o nordeste setentrional, entendemos que esse volume transposto também é insignificante para ser somado ao potencial hídrico existente no Nordeste (cerca de 1% para serem somados a um potencial de cerca de 37 bilhões de m³).

Chegamos a essa conclusão em artigo publicado no Repórter Brasil em 2006, após análise realizada conjuntamente com Apolo Lisboa, coordenador do projeto Manuelzão (MG).

Em se tratando da existência de água na região, em fevereiro de 2004, por exemplo, editamos um artigo na internet intitulado “As armadilhas do clima”, no qual, entre outros assuntos, fizemos alusão às crenças populares de que o cantar do pássaro Carão – ave de hábitos aquáticos do sertão nordestino – é indicativo de invernadas rigorosas na região, sendo a intensidade de seu canto proporcional ao volume de água caído durante as chuvas.

Ocorre que no ano de 2009 o Carão voltou a dar seus piados, e um novo cataclismo abateu-se sobre o Nordeste, trazendo conseqüências desastrosas iguais àquelas ocorridas em 2004, com o rompimento de barragens, destruição de lavouras e estradas e, como se isso não bastasse, com a morte de muitos nordestinos. A presença da ave voltou a ser indesejada na região.

Chuvas torrenciais no Semiárido nordestino, no período de suas águas, sempre fizeram parte do nosso discurso e, inclusive, são dadas como certas em períodos subseqüentes. O que não se sabe ao certo é a intensidade e distribuição – no espaço e no tempo – de sua ocorrência. Sempre afirmamos em nossos estudos que a região, mesmo com características climáticas de semiaridez, apresenta-se como uma das mais habitadas e chuvosas do planeta. E o resultado disso é essa situação que a população brasileira está acompanhando pelos noticiários televisivos e que tem assustado a todos. O Semiárido voltou a submergir.

Para exemplificar a gravidade desse quadro, a maior represa nordestina – o Castanhão – com 6,7 bilhões de m³ de capacidade, voltou a ter suas comportas abertas, para que fossem drenados os volumes acumulados emexcesso, pelas fortes chuvas caídas em todo o estado do Ceará. Essa represa sozinha tem capacidade para abastecer, e com certa folga, toda a população cearense, estimada em cerca de 7,4 milhões de pessoas, nos próximos 15 anos. A exemplo do Castanhão, outras represas de grande porte, como a de Boa Esperança, no rio Parnaíba (PI), e várias outras espalhadas pelo Nordeste vieram a ter suas comportas igualmente abertas, para se evitar os acúmulos volumétricos preocupantes nos períodos invernosos mais severos, os quais poderiam ser causadores de rompimentos, conforme se verificou na represa do açude Algodões I, no estado do Piauí, onde as chuvas nas cabeceiras do rio que foi por ela represado ocorreram em intensidade inimaginável, conforme relatos de especialistas no assunto. São as forças da natureza cuja ação não se tem como evitar. A abertura de todas as comportas de uma represa dessas dimensões, ou mesmo o seu rompimento, habitualmente trazem conseqüências desastrosas a jusante, com alagamentos de cidades e lavouras, prejuízos na economia regional e, em muitos casos, mortes de pessoas.

Diante de tudo isso, o que nos tem preocupado sobremaneira é a incapacidade das autoridades, que não dispõem, ainda, de um plano alternativo emergencial capaz de reter esses volumes escoados em excesso, os quais são destinados, invariavelmente, ao mar. Em se tratando do estrago que as águas fazem nesse percurso até alcançar o mar é de difícil prognóstico, ficando este, na nossa percepção, na dependência direta dos mistérios e das forças da natureza, com possibilidades de serem agravados, evidentemente, pela intensidade do canto do Carão.

Ainda sobre a questão da ausência de políticas de gerenciamento hídrico em si, podemos relatar um fato que ocorreu em 2007, ano no qual foram registradas chuvas acima da média em toda a bacia do rio São Francisco, o que veio a resultar no vertimento da represa de Sobradinho no mês de abril daquele ano. Com o sistema elétrico brasileiro interligado, e havendo carências de chuvas nas bacias das principais hidrelétricas do sul do país naquele período, a Chesf passou a gerar energia no complexo de Paulo Afonso, em quantidades suficientes para atender as demandas nordestinas e enviar o excedente de energia para suprir as deficiências da região sul do país.

O que resultou dessa operação foi uma rápida diminuição volumétrica da represa de Sobradinho, oito meses após o seu vertimento (sangria), chegando a atingir cerca de 15% de seu volume útil, ou seja, as autoridades conseguiram exaurir uma represa do porte de Sobradinho (ela tem uma capacidade de 34 bilhões de m³, equivalente a cerca de 13 baias da Guanabara), no processo de geração de energia, em apenas 240 dias de operação. Com esse nível crítico em Sobradinho, as conseqüências no dia-a-dia daqueles que dependem do rio São Francisco para sobreviver são imediatas e preocupantes. Normalmente o pescado desaparece e o pescador passa necessidades. O mais grave de tudo isso é que o fato voltou a se repetir em 2008, prova inequívoca da falta de controle no gerenciamento desses recursos. Sobre a recuperação volumétrica de Sobradinho, tivemos oportunidade de relatar essa questão em artigo editado em maio de 2008, mostrando a preocupação da Chesf em liberar, da represa, volumes menores (defluentes) do que aqueles que chegavam nesta (volumes afluentes).

No Nordeste, a falta de gestão no setor hídrico, não ocorre, apenas, com as águas dos rios, mas, também, com as águas das represas. Esse fato denunciamos em outro artigo no portal ECODEBATE, em fevereiro de 2009, no qual enaltecemos o trabalho de Hypérides Macedo, ex-secretário de recursos hídricos do estado do Ceará, técnico que conseguiu estabelecer um programa de interligação de bacias cearenses e, com isso, resolver, em definitivo, os problemas de abastecimento das populações da zona rural do estado.
Recentemente, com o inverno rigoroso que se abateu sobre o Ceará, nos preocupou sobremaneira depoimento de Macedo sobre os volumes atuais no Castanhão, segundo o qual “o Ceará está em risco por conta da grandequantidade de água acumulada, ressaltando que, caso houvesse a previsão de que os volumes de chuvas seriam tão violentos em 2009, as comportas do açude deveriam ter sido abertas com mais antecedência. Segundo ele, adotou-se uma gestão conservadora”. Através de seu relato é fácil concluir que as autoridades cearenses – o Ceará é o estado nordestino portador do maior volume de água em superfície – não estão sabendo gerenciar o potencial hídrico existente no estado.

Anteriormente, comentava-se que o Semiárido não tinha segurança hídrica suficiente para o atendimento das necessidades de sua população. Agora a população corre o risco de morrer afogada.
Ora, diante desse quadro de excessos hídricos, ficamos a questionar a necessidade de se implantar um projeto de transposição numa região que, freqüentemente, apresenta esse tipo de ocorrência em seu ambiente natural. Na nossa ótica, é o fazer por fazer, é a obra pela obra. Caso o projeto já estivesse operando, qual seria o destino da água? Se nossas autoridades sequer estão sabendo gerir as águas que existem na região, muito menos saberão gerenciar o projeto da Transposição.
Foi exatamente levando em conta a existência dessas questões no semiárido nordestino que iniciamos nossa luta em defesa do rio São Francisco e contra a transposição. Na nossa ótica, não há o menor sentido em não se fazer uso das águas que já existem na região para a solução dos problemas de abastecimento de sua população e ir-se buscá-las no Velho Chico, distando cerca de 500 km do local do consumo. Isso é insustentável!
Finalmente, temo-nos preocupado sobremaneira com o quadro de denúncias ora vivenciado na área ambiental do nosso país, sobre a repetição de erros de nossas autoridades em nome de um pretenso desenvolvimento. Essas questões têm que ser enfrentadas pelo ministro Carlos Minc com rapidez e determinação. Sua excelência precisa dirigir-se à população para explicar as pretensões de seu ministério diante da possível realização de um projeto caríssimo que irá levar águas para locais no Nordeste onde elas já são abundantes e, além do mais, não resolver os problemas de abastecimento de sua população mais carente.
Enquanto isso não acontece, concluímos o texto com uma frase de Leonardo Boff citada na assembléia geral da ONU: “se a crise econômica é preocupante, a crise da não sustentabilidade da Terra se manifesta, cada dia mais, ameaçadora”.
Recife, 10/06/2009
João Suassuna – Engº Agrônomo e Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, colaborador e articulista do EcoDebate.
Não deixem de acessar o Portal da Rede Marinho Costeira e Hídrica do Brasil, para terem informações sobre a realidade nordestina.


por João Suassuna  Última modificação 27/05/2014 15:07

Águas do São Francisco na Paraíba em 2010: pura ilusão, artigo de João Suassuna


Saga da Transposição do Rio São Francisco - Artigo 78 - 26/08/2009
[EcoDebate] No início do mês de agosto, em visita à Paraíba, nos deparamos com a notícia que circulava na imprensa local, de que as águas do rio São Francisco iriam chegar ao estado, via transposição, já em 2010.
Esforçamo-nos no entanto por entender melhor aquela estultice proveniente da Secretaria de Infraestrutura paraibana, pois temos acompanhado de perto as obras do projeto da transposição e sabemos que o seucronograma de execução está com certo atraso (apenas com cerca de 14% em andamento), sendo improvável o cumprimento, pelas autoridades da Paraíba, do prazo que havia sido estabelecido para as águas do rio chegarem àquela região já no ano que vem.

A notícia, do jeito que foi divulgada, deu-nos a entender que a população paraibana está sendo iludida e, o que é mais grave, com probabilidade de voltar a cair nas armadilhas e espertezas políticas, já que 2010 será um ano eleitoral. Ficou muito claro para todos nós, que os políticos deram os seus primeiros passos visando à campanha presidencial.

Nesse sentido, ficou evidente a má fé das autoridades, ao não informar o povo paraibano das dificuldades de se realizar um projeto dessa magnitude em uma região com características ambientais tão diversas.

Para se ter uma idéia dessa problemática, as águas do São Francisco, para chegarem, via Eixo Leste, na represa de Boqueirão e abastecerem Campina Grande, por exemplo, terão que vencer um divisor de águas, próximo ao município de Arcoverde, em Pernambuco, de cerca de 304 metros. Os pernambucanos bem sabem da existência da serra do Mimoso, com sua topografia acidentada, localizada entre os municípios de Pesqueira e Arcoverde, sendo naquelas imediações o local em que as águas do Velho Chico serão elevadas para atingirem o território paraibano. Aquelas formações rochosas do Mimoso, que nada mais são do que os contrafortes da Borborema, fazem a divisa entre os dois estados. Portanto, para as águas vencerem aquele divisor, será necessário proceder-se a potentes bombeamentos, com uso de sistemas elevatórios extremamente sofisticados, obra que, embora prevista no projeto, sequer foi iniciada no local.

Outra questão diz respeito à dificuldade de se construir, naquela região, um canal nas dimensões previstas no projeto (25 m de largura, 5 m de profundidade e 622 km de extensão, quando somados os dois eixos), dadas as peculiaridades do seu subsolo, denominada de escudo cristalino. Nesse tipo geológico, as rochas que dão origem aos solos estão praticamente à superfície, chegando a aflorar em alguns lugares. A dureza da rocha que constitui o escudo cristalino pernambucano e a necessidade do uso de explosivos para se proceder à abertura dos canais são, para nós, os obstáculos que têm dificultado o bom andamento das obras, sendo, portanto, os principais causadores dos atrasos verificados.

O Eixo Leste terá aproximadamente 220 km de extensão. Já o Eixo Norte, cerca de 402 km. Caso as autoridades consigam construir no Eixo Leste, que irá destinar as águas para a Paraíba, uma média de cerca de 100 metros do canal por dia (média verificada em obras dessa envergadura em todo mundo), teremos um tempo estimado em cerca de 2.200 dias, o equivalente a aproximadamente 6 anos, para de execução da obra. Diante dessa constatação, como é que as autoridades paraibanas dão como certa a chegada das águas do São Francisco no estado, já no ano vindouro?

Além do mais, as autoridades não estão interessadas em discutir as questões técnicas do projeto. A prova disso se deu recentemente com o convite que recebemos da TV Brasil – órgão governamental pertencente ao antigo sistema Radiobrás – para participação em um debate técnico, ao vivo, sobre o projeto da Transposição, na capital federal. Pegos de surpresa, dias após o recebimento do convite e de maneira pouco compreensível, fomos informados pela referida emissora de que a pauta dos debates havia sido modificada, sob a alegação de que as obras já haviam sido iniciadas e iria transcorrer sob outros aspectos, notadamente aqueles referentes às gestões dos eixos, à dimensão da obra, onde as águas iriam chegar e para quem e como esses recursos seriam aproveitados. Evidentemente, foi uma forma educada encontrada pela emissora para nos “desconvidar” do debate.
Obviamente, tais justificativas vieram desagradar não apenas a nós, que havíamos aquiescido ao convite, mas, também, a maioria dos movimentos sociais envolvidos com as questões sanfranciscanas, os quais apostavam na força dos debates para a elucidação de aspectos técnicos pendentes, que fatalmente iriam ser evidenciados no programa da TV Brasil. Portanto, se houve alguém que “amarelou” perante o debate, esse alguém não fomos nós.

Diante de tudo isso, o que lamentamos é a total ausência do diálogo com as autoridades, fato que tornará difícil a apuração, tanto de denúncias de aspectos técnicos que porventura mereçam ser considerados, como da mal versação dos recursos públicos que surjam na implantação do projeto. As autoridades, nesse aspecto, costumam invariavelmente agir de forma unilateral, sem  receio de que possa haver comprometimento futuroem suas prestações de contas. Não é bem assim. É preciso que as autoridades fiquem cientes, dos frequentes processos de auditorias internas realizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Para se ter uma idéia dessa sistemática, recentemente o TCU suspendeu a contratação de empresas para a realização e acompanhamento dos projetos ambientais referentes à transposição. Segundo o Tribunal, o edital para contratar a empresa tinha uma norma que permitia a variação de preços fora do limite legal. Os preços que constavam no orçamento em questão não eram compatíveis com os praticados no mercado. Isso terá que ser muito bem apurado e explicado a sociedade, sendo mais um complicador de atraso para a execução das obras.

Finalmente, gostaríamos de deixar claro que o nosso trabalho anteriormente vinha sendo pautado, prioritariamente, na análise dos riscos que porventura pudessem ocorrer com a implantação do projeto. Atualmente, com as obras em fase de implantação, nos limitaremos a divulgar as conseqüências que elas certamente trarão ao ambiente natural do Semiárido.


por João Suassuna  Última modificação 27/05/2014 15:15

segunda-feira, 19 de maio de 2014

ÁGUAS DO NORDESTE: O DESCASO DAS OBRAS PÚBLICAS, ARTIGO DE JOÃO SUASSUNA.


Saga da Transposição do Rio São Francisco - Artigo 47 - 11/04/2005
Colunista 

O Brasil é um país por demais pródigo na realização de algumas de suas obras públicas. Os “elefantes brancos”, assim chamados devido à falta de planejamento na sua condução, vêm-se acumulando em todo território nacional, clamando por iniciativas de conclusão.
Já é sabido pelo povo brasileiro que o Brasil é um país por demais pródigo na realização de algumas de suas obras públicas. Os ¿elefantes brancos¿, assim chamados devido à falta de planejamento na sua condução, vêm-se acumulando em todo território nacional, clamando por iniciativas de conclusão, por representarem, além de enormes prejuízos ao erário público, desrespeito ao cidadão brasileiro, especialmente o nordestino, que necessita de obras estruturadoras na região para promoção do seu desenvolvimento.
Recentemente, maus exemplos como esses vieram a público, desta feita nas regiões semi-áridas da Paraíba e do Ceará, como bem o atesta a matéria editada no Diário de Pernambuco do dia 26 de novembro de 2004, intitulada "Interesse Político no Combate à Seca", e em notícias veiculadas na internet sobre o abastecimento de Fortaleza (CE) através do Canal do Trabalhador.

A notícia do Diário demonstra a importância de se fazer bom uso das águas existentes na Paraíba, aduzindo-as da represa de Coremas para a irrigação do município de Souza, através do projeto denominado ¿Várzea de Souza¿, e 
revela, ao mesmo tempo, o descaso havido nesse mesmo projeto com o uso do dinheiro público, numa obra marcada por disputas pelo poder político local, decorrentes da rivalidade existente entre o ex-governador da Paraíba, José Maranhão e o Senador Ronaldo Cunha Lima pai do atual governador.
A iniciativa da realização desse projeto partiu do ex-governador José Maranhão, que o considerava a menina-dos-olhos do seu governo, por entender a importância de serem utilizadas prioritariamente as fontes hídricas já disponíveis no Estado, através de uma política coerente de uso de suas águas interiores. Maranhão investiu cerca de R$ 105 milhões no projeto ¿Várzea de Souza¿, metade dos quais na construção de 37 quilômetros de um canal (Canal da Redenção), objetivando a adução de parte das águas daquela represa até o município de Souza, para a irrigação de cerca de 5 mil hectares. Além do mais, com vistas a auxiliar na infraestrutura do projeto, foram investidos mais R$ 55 milhões na construção de barragens auxiliares e na aquisição de bombas e tubos. Com essas ações, o governo de José Maranhão deixou pronta a irrigação de 1.320 hectares em uma primeira fase, faltando apenas a continuidade dos investimentos e a necessária vontade política por parte do seu sucessor no governo, para a conclusão das obras.
Lamentavelmente, passados cerca de dois anos, o atual governador da Paraíba não deu a menor prioridade às ações do projeto ¿Várzea de Souza¿, o que resultou, segundo a matéria do jornal, na não realização da licitação dos lotes a serem irrigados, em avarias no canal construído e em vandalismos na rede de alta tensãodo projeto. Por enquanto, a água que é conduzida no canal serve apenas para abastecer o pequeno povoado de Aparecida e para algumas poucas captações, muitas delas irregulares. Em suma, hoje o projeto encontra-se entregue à dura sorte.
O outro projeto citado é o Canal do Trabalhador, obra construída às pressas pelo então governador do Ceará, Ciro Gomes, no início da década de 90, para a solução dos graves problemas de abastecimento da população metropolitana de Fortaleza. Com 110 km de extensão e capacidade para transportar 5 m³/s de água, equivalentes a 70% do consumo da população de Fortaleza, o canal encontra-se atualmente praticamente inoperante e sem cumprir os objetivos para os quais foi construído: o de irrigar 40 mil ha em suas margens e o de auxiliar no abastecimento da Grande Fortaleza.
Segundo as informações na internet o projeto teve vida curta, pois só operou durante sete meses evitando o colapso no abastecimento da capital cearense. Com as fortes chuvas ocorridas em 2004, os açudes cearenses voltaram a encher e o canal passou a não ter mais a importância demonstrada na época de sua construção. Hoje a manutenção do canal se restringe à água bombeada do açude de Pacajús e despejada por um tubo plástico no seu leito, para uso na irrigação de uma fazenda particular e a uma área da Embrapa, evitando-se assim que venha a secar e sofrer danos estruturais com as altas temperaturas existentes no local.
Essa subutilização do canal decorreu dos bons resultados alcançados pelo programa de interligação de bacias existente no estado, trabalho esse que deveria ser seguido pelos demais Estados da região semiárida. A ideia, no Ceará, é a de solucionar possíveis desabastecimentos que venham a ocorrer no Estado, através do seu pronto suprimento com águas oriundas de outras bacias da região, as quais estejam em condições de fornecimento. 
A situação dos projetos acima referidos é a cara do nosso país. Diante dessas constatações de falta de planejamento e da existência de ¿pendengas políticas¿, preocupa-nos o fato de não terem prosperado projetos que objetivavam o uso coerente das águas existentes em Estados considerados receptores das águas do projeto de transposição do rio São Francisco. A falta de uma política adequada de gerenciamento hídrico, aliada à falta de vontade política, certamente prejudicou o andamento das ações desses projetos nas referidas regiões.
Essas questões nos fazem refletir sobre a possibilidade desses problemas voltarem a ocorrer, desta feita com o uso das águas do Velho Chico. Quem irá garantir ao povo brasileiro que um canal que leve água do rio São Francisco para o semiárido nordestino não irá ter a mesma sorte (ou azar) dos canais da Paraíba e do Ceará? Embates políticos e falta de um adequado planejamento e gerenciamento das águas existentes na região são componentes de uma receita que tem prejudicado o desenvolvimento do Nordeste.
A continuarem existindo esses lamentáveis exemplos de falta de respeito para com a coisa pública, para com o meio ambiente e para com a vida do cidadão nordestino, a milionária obra da transposição do rio São Francisco em nada irá contribuir para a solução dos problemas hídricos do Nordeste, representando um benefício apenas para os autores do projeto e para as empreiteiras encarregadas da sua construção.


 por João Suassuna — Última modificação 16/05/2014 14:40
Em entrevista ao CMI Brasil, João Suassuna fala sobre a transposição do São Francisco.


Saga da Transposição do Rio São Francisco - Artigo 46 - 05/03/2005

Através de uma entrevista por e-mail, João Suassuna, engenheiro agrônomo e técnico em recursos hídricos da fundação Joaquim Nabuco no Recife (PE), esclareceu alguns pontos quanto ao projeto de transposição do rio São Francisco, rio que ele estuda há dez anos.

CMI: Quais os aspectos positivos e negativos do projeto?

João Suassuna:  Estamos envolvidos com as questões do rio São Francisco há dez anos. Nesse período, temos denunciado a degradação exacerbada existente na 
bacia hidrográfica do rio, motivada pela ação antrópica, principalmente no que diz respeito aos desmatamentos havidos e aos lançamentos de esgotos sanitários e industriais na sua bacia. Temos denunciado, também, as limitações hídricas e os riscos hidrológicos existentes, o que têm causado conflitos, principalmente nas áreas energéticas e de irrigação. Por tudo isso, temos nos posicionado contrários ao projeto de transposição, por entendermos que o rio já não dispõe mais dos volumes necessários ao atendimento das demandas do projeto. Portanto, não vislumbramos nenhum ponto que possa ser positivo, ao contrário, cremos que, da forma como o projeto é apresentado à sociedade, demonstra, claramente, equívocos que poderão por em risco o desenvolvimento de toda região.

CMI: Há uma grande oposição de diversos grupos da sociedade quanto ao projeto. Na sua opinião, 
por que o governo parece ignorar as manifestações e prosseguir com o projeto?

JS: Seguramente, existe um lobby formado pelos 
grandes empresários da região que querem, a todo custo, que o projeto seja realizado. Além do mais, existe, seguramente, interesses políticos para perpetuação no poder. Candidaturas a governos de estados e a cargos políticos mais importantes, também estão em jogo. Quem irá se beneficiar com o projeto de transposição é o grande empresário, aquele que irriga para exportar os seus produtos, o carcinicultor (criador de camarões), o cultivador de flores, que atualmente tem mercado em expansão. Esse tipo de agronegócio costuma utilizar volumes expressivos de água, numa região onde a sua escassez é comprovada.

CMI: A obra trará algum ganho social para as populações realmente necessitadas?

JS: A população difusa 
do Nordeste, aquela que reside nos pés de serra, grotões, sítios e fazendas, a qual é assistida sistematicamente por frotas de carros-pipa, esta não verá uma gota sequer das águas do rio São Francisco. Nesse sentido, existem fortes indícios de que a realização do projeto possa perpetuar a chamada Indústria da Seca na região.

CMI: Há quem diga que o projeto só beneficiará empresários e latifundiários. O que leva a crer que isso ocorrerá?

JS: Isso irá ocorrer, principalmente no eixo norte do projeto. As águas desse eixo irão beneficiar, além da Paraíba e o 
Rio Grande do Norte, o Ceará, estado que possui metade da água represada de toda a região. O Nordeste possui um volume estimado de 37 bilhões de m3 em seus açudes, a metade desse volume está no Ceará. Isso credencia o Nordeste a possuir o maior volume de água represado em regiões semi-áridas do mundo.

O Ceará possui a maior represa do Nordeste (a represa Castanhão) com cerca de 6, 7 bilhões de m3, a qual encontra-se cheia no momento. Essa represa resolve os problemas de 
abastecimento da Grande Fortaleza e do Baixo Jaguaribe, por gerações. O estado possui um projeto de interligação de suas bacias para solucionar os problemas de abastecimento de sua população que reputamos da maior importância e que deveria ser seguido pelos demais estados da região. Fazer chegar as água do São Francisco no interior dessa represa é “chover no molhado”. No nosso modo de entender, só existe uma explicação para a chegada das águas do São Francisco nessa represa: como a irrigação, o cultivo de camarão e de flores demandam volumes expressivos de água, logicamente é de se supor o grande interesse de se promover garantias hídricas em toda região, para o atendimento ao empresariado.

CMI: Qual a participação de empresas estrangeiras e o interesse delas no projeto?

JS: As empresas estrangeira, principalmente os consórcios internacionais, tiveram papel de destaque na elaboração dos estudos iniciais do projeto. A ENGECORPS/HARZA, de capital estrangeiro, nas ações inerentes à viabilidade técnico-econômica do projeto, bem como a do consórcio internacional JAAKKO PÖYRY-TAHAL nos estudos de impactos ambientais. Estes estudos já demandaram cerca de R$ 70 milhões do projeto. Cremos que, em assuntos relevantes como esses, que necessitam de um conhecimento profundo das questões ambientais da área de implantação do projeto, não se possa abrir concessões para atuações de empresas estrangeiras, em razão de se estar pondo em risco a nossa soberania, principalmente com relação à atuação técnica nacional. Essa preocupação procede, principalmente em um país plural como é o Brasil, detentor de uma biodiversidade extremamente variável (existem vários Brasís no território nacional) e possuidor de grupos técnicos de excelência, atuantes nas diversas áreas do conhecimento, espalhados em Universidades, Centros de Pesquisas, Companhias de Desenvolvimento e em Órgãos de Gestão Ambiental, capazes de proporcionar o apoio necessário à elaboração e realização de trabalhos dessa natureza. Diante desse quadro, é inadmissível que, no nosso país, não se possa contar com equipes técnicas, oriundas dessas instituições, que sejam capazes de assumir e de dar conta de trabalhos como esses. Claro que nós temos e podemos fazê-lo. Talvez o que esteja faltando aos nossos dirigentes é um pouco mais de seriedade para com o tratamento das questões nacionais. É fundamental que nossos dirigentes voltem a se emocionar ao toque do hino nacional brasileiro. A leitura que fazemos acerca dessas questões é a de que esses estudos foram "encomendados" pelo governo para tornar viável a transposição, sem  restrições. O lamentável de tudo isso é que as contas a serem pagas às empresas estrangeiras, pela realização de tais estudos, serão demasiadamente caras para a nação, pois serão efetuadas em dólar (evasão de divisas) e, como se isso não bastasse, às expensas do contribuinte brasileiro. Se, na fase de elaboração dos estudos, já estamos encontrando situações como essas, imaginem na fase de execução do projeto... Se a implantação, operação e manutenção das ações não forem bem conduzidas, em poucos anos poderemos ter estações de bombeamento, canais, túneis e aquedutos, verdadeiras obras fantasmas, sem a menor utilidade. Aliás, nesses maus exemplos o Brasil é um país por demais pródigo.

CMI: Qual será o impacto na produção de energia? Em caso da necessidade de ampliar a produção; isso seria possível com a transposição concluída? 

JS: Esse é o ponto mais importante, sobre o qual nos embasamos para demonstrar a ineficiência do projeto. O nordestino não pode apresentar-se desmemoriado com relação a mais séria crise energética de sua história ocorrida na região, em 2001.

Existe um potencial gerador na bacia do São Francisco estimado em cerca de 10 mil MW, com poucas chances de ser ampliado. Esse potencial gera anualmente cerca de 50 milhões de MW/h. Se considerarmos o atual crescimento do PIB do país entre 4 e 5%, isso significa que a demanda de energia elétrica está na faixa de 6 a 7% (esse crescimento se dá 2% acima do crescimento do PIB). Nesse aspecto, em 12 anos teremos que dobrar a produção de energia para satisfazer a demanda da região e assegurar o nosso desenvolvimento. Ao invés de 50 milhões, teremos que gerar, em 2017, cerca de 100 milhões de MW/h. A pergunta que não quer calar é a seguinte: onde será gerada essa energia, tendo em vista a impossibilidade de se ampliar o nosso potencial gerador no São Francisco? Lembramos que para cada m3/s de água retirado do rio, anualmente deixam de ser gerados 22 milhões de kw. Essa energia que deixa de ser gerada em cada m3/s é suficiente para eletrificar uma cidade de 35 mil habitantes.

CMI: Das comunidades que vivem próximas ao rio, 80% não possuem saneamento básico e despejam todo seu esgoto nas água do São Francisco. Caso essa grande obra se realize, ela levará água em bom estado para sua utilização?

JS: O 
governo federal deveria envidar todos os seus esforços na revitalização do rio. Ao invés disso, vem dando prioridade ao projeto de transposição. Esse fato fica bem claro no montante de recursos alocados nos projetos.
A revitalização deveria merecer prioridade nesse caso. São 14 milhões de pessoas na bacia do rio, drenando seus esgotos na calha do rio. A Grande Belo Horizonte, por exemplo, despeja seus esgotos, urbanos e industriais, nos rios das Velhas e Paraopeba, dois importantes afluentes do São Francisco. O resultado disso é a péssima qualidade de água que, por vezes, fica imprópria para o banho, devido a grande incidência de coliformes fecais. A solução para esse tipo de problema passa, necessariamente, pela realização de projetos de esgotamento sanitário. Caso o projeto venha a ser realizado, sem se levar em consideração essas questões, seguramente iremos ter, no futuro, um grande problema de saúde pública a ser enfrentado.

CMI: Quais as alternativas existentes à transposição? 

JS: É importante que sejam utilizadas as águas que já existem em cada um dos estados do Nordeste. É importante, e muito mais barata, a utilização das águas das represas. Não tem o menor sentido deixar-se de utilizar as águas de uma determinada represa, pronta para se utilizada através de um sistema de adução, para se trazer as águas do rio São Francisco, distando cerca de 500 km de distância do local onde será utilizada. No nosso modo de entender, além de um crime ambiental, é de uma inadequação econômica sem limite.

Outra alternativa é a construção de cisternas rurais. Uma cisterna de 15 mil litros, tem capacidade de abastecer uma família de 5 pessoas, durante os 8 meses sem chuvas na região. Com uma vantagem: quando bem manejadas, as águas das cisternas não se contaminam. A alternativa das cisternas resolve os problemas de abastecimento da população difusa do Semi-árido.


 por João Suassuna — Última modificação 16/05/2014 14:29

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