CAPITAL NATURAL: COMO RECOLOCAR O PAÍS NOS TRILHOS?
artigo de Washington Novaes
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Mata Atlântica, em São Paulo. Foto de arquivo
[O
Estado de S.Paulo] Diante da afirmação do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon –
confirmada em alto e bom som na Rio+20 por vários chefes de Estado e de governo
-, de que “o atual sistema econômico no mundo está falido”, que se pretende
fazer? E com que acordos, já que as transformações terão ou teriam de ser
planetárias e na conferência nem se conseguiu chegar a acordos setoriais sobre
águas oceânicas, biodiversidade, metas de desenvolvimento sustentável e combate
à pobreza?
Melhor, então, ficar
com a nossa própria casa e ver por onde seria possível avançar. Embora, no
momento em que se apregoa que o País já tem um modelo de desenvolvimento
sustentável, se continuem praticando políticas que incentivam o consumo, até
com isenções de impostos em áreas problemáticas, e apesar de o próprio
representante do Instituto Ethos ter mencionado essa insustentabilidade, na
conferência do Rio de Janeiro (Valor, 15/6).
Pode-se começar pela
questão do consumo. Anteontem, este jornal divulgou a estimativa do WWF segundo
a qual, se todas as pessoas no mundo tivessem o mesmo padrão de consumo dos
paulistanos, seriam necessários 2,5 planetas como a Terra para provê-lo. Se o
padrão fosse o da média dos paulistas, menor, ainda assim seriam necessários 2
planetas. A chamada “pegada ecológica” dos paulistanos (hectares necessários
para atender ao consumo de uma pessoa) seria de 4,38 hectares e a dos
paulistas, de 3,52 hectares – quando a média disponível no mundo é de 1,8
hectare por pessoa. Mas a pegada, aqui, varia por extrato social: 1,8 hectare
para quem recebe até dois salários mínimos; e 11,5 hectares, para acima de 25
salários mínimos.
Quando se vai para o
Semiárido brasileiro, vê-se que nada menos do que 12 milhões de pessoas (60% do
total) afetadas pela seca passam por fortes dificuldades. Não são diferentes de
2,1 bilhões de pessoas que já vivem em terras áridas no mundo – com a agravante
de que a desertificação avança 12 milhões de hectares (120 mil quilômetros
quadrados) a cada ano no planeta. Já se decidiu que 40% de R$ 1,2 bilhão
destinado ao plano estratégico de combate à desertificação que o País começa a
construir irá para o Semiárido. Mas será suficiente, se os últimos diagnósticos
do clima no País dizem que a região poderá perder, em poucas décadas, pelo
menos 20% das chuvas já escassas?
Mostrou-se, no Rio de
Janeiro, que 85% dos estoques pesqueiros nos oceanos estão esgotados ou
diminuindo rapidamente. Por isso seria necessário pôr fim aos subsídios ao
setor pesqueiro, cerca de US$ 50 bilhões por ano, mas os países donos das
maiores frotas (Japão, Noruega, Estados Unidos, entre outros) se opõem com
vigor. E menos de 1% das águas oceânicas está protegido. Também aqui, no
Brasil, há subsídios e o respectivo ministério fala em multiplicar por dez as
capturas, ainda que os estudos científicos mostrem toda a costa nacional, da
Bahia ao Sul, com as principais espécies capturadas já a caminho da extinção.
Na área da
biodiversidade o panorama também é melancólico. No mundo, as perdas ficam entre
US$ 2 trilhões e US$ 4,5 trilhões por ano, como disse no Rio o secretário da
Convenção de Biodiversidade, Bráulio Dias. E há quase 20 mil espécies com risco
de extinção, segundo estudo da União Internacional para a Conservação da
Natureza e dos Recursos Naturais. Seriam necessários US$ 18,8 bilhões anuais
para enfrentar o problema, criar áreas de conservação. Mas só 5 dos 92 países
que assinaram o respectivo protocolo em Nagoya (2010) o ratificaram.
No Brasil, de acordo
com o IBGE (Estado, 19/6), 38% da vegetação nativa já desapareceu – 14% na
Amazônia; 49,1% no Cerrado; quase 90% na Mata Atlântica; 46% na Caatinga; 64%
nos Pampas; e 15% no Pantanal. Na Amazônia, apesar de ter havido redução, ainda
perdemos mais 6,4 mil quilômetros quadrados no último levantamento.
Apesar disso tudo, em
matéria de “capital natural” o Brasil ainda se situa em 5.º lugar entre os
países estudados pela Universidade da ONU e pelo Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (Pnuma). Mas essa não é a nossa prioridade, quando ainda
parecemos imersos numa mistura de desenvolvimento econômico a qualquer custo e
política externa independente, como se estivéssemos no fim do governo
Kubitschek e início do governo Jânio Quadros. O IBGE assegura que já estuda a
implantação da contabilidade ambiental nas contas nacionais, considerando os
recursos hídricos, florestais e energéticos – tal como fazem países como a
Costa Rica, a Colômbia, Filipinas, Botswana e Madagascar. Seria o discutido
Produto Interno Bruto (PIB) Verde, caminho pelo qual a Costa Rica, por exemplo,
teria triplicado o seu PIB.
Mas é um caminho
difícil, já que seria necessário calcular também as perdas de capital. E já se
mencionou aqui o levantamento da Universidade da ONU, que, ao estudar o período
1990-2008, viu o aumento do PIB chinês (422% no período) cair para apenas 37%.
O próprio PIB brasileiro caiu para pouco mais de um terço do registrado no
período, pelo mesmo critério.
Há um impasse no mundo,
diante do diagnóstico de que o consumo global está 50% acima da disponibilidade
e de que se configura uma crise de finitude de recursos naturais. Sem caminhos
planetários aceitos por todos os países para enfrentá-la.
Mas isso não quer dizer
que estejamos condenados à inação. Ao contrário, países com capital natural
abundante em tantas áreas, como o Brasil, certamente têm uma vantagem
comparativa que será extraordinária nos tempos que se avizinham. Mas ela terá
de ser acompanhada por estratégias de produção e consumo compatíveis. Será essa
a marca de uma política que se pretenda sustentável no tempo e no espaço.
Que se fará,
entretanto, nesta quadra de tantas mesquinharias políticas, que ignora todas as
grandes questões no mundo e no País? É este o desafio para a sociedade: definir
quem vai representá-la para colocar o País nos trilhos adequados.
Washington Novaes é jornalista
EcoDebate,
04/07/2012
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