Estão chegando as duas caravanas da verdade que irão percorrer o Sertão nordestino.
A transposição das águas do rio
São Francisco foi um blefe eleitoreiro, que custou R$ 4,8 bilhões - no começo,
mas venceu a eleição e emplacou Dilma no poder e, agora, duas caravanas vão
catequizar os sertanejos, uma pró e outra contra, uma da verdade e outra da
mentira deslavada. Caberá ao sertanejo descobrir qual será a caravana certa.
Revista O BERRO, N. 155 - Maio de 2012
http://www.revistaberro.com.br/?materias/ler,1875
A transposição foi o mais gritante equívoco da
gestão do PT de Lula: de benefícios duvidosos, viabilidade questionável,
possível teatro de cunho eleitoreiro. A única coisa certa é a montanha de
desperdício do dinheiro público que daria, com relativa facilidade, para
resolver os problemas do Semiárido, dando uma orientação permanente e
inaugurando um novo período na sofrida história do Sertão. O governo optou por
não resolver o problema e a fábrica de mentiras, agora, vai continuar, para não
confessar a enormidade do dinheiro jogado fora.
Mais uma vez a obra presta-se a “transpor” votos
e recursos: não liquida, antes realimenta a indústria política da seca. Nova
precisão de data para conclusão: 2014 e - maravilha! - eis que vem aí uma
eleição em 2012 e outra em 2014!
Os R$ 4,8 bilhões saltaram para R$ 6,8 bilhões em
julho de 2011 e, agora, já estão em R$ 8,2 bilhões, sem uma única gota ter
chegado ao Semiárido. Para quem irá tanto dinheiro? Quem teria coragem de
investigar? Os custos da construção civil aumentaram, nesse período, apenas 7%,
mas o reinício da obra aumentou 71% e ainda irá subir mais. Há quem já cria
coragem de dizer que o custo vai passar de R$ 15 bilhões e não irá garantir
água para as pessoas.
A caravana da primeira
verdade
No início de 2012, a vedete do PAC da ex-ministra
Dilma, está no ponto-morto, com avanço de apenas 5%. O eixo-norte que deveria
ficar pronto em 2012, mas está com apenas 19% prontos, devendo ser concluído -
talvez! - em 2015. O eixo-leste, prometido para 2010, tem 48% prontos e já foi
agora prometido para o final do governo de Dilma - para eleger o sucessor,
claro!
O pior é enfiar goela abaixo dos sertanejos que
haverá água para todos beberem. Mentira! Apenas 4% da água será para consumo
humano (Washington Novaes, no jornal "O Estado de São Paulo").
Mais de 70% da água irá para irrigação em grandes projetos de exportação,
outros 26% para uso industrial. O povo? Ora, o povo. Ele, permanecendo
sofredor, votará no candidato que prometer mais!
Por outro lado, cansado de esperar, o sertanejo
emplacou o programa de cisternas de concreto, disposto a beneficiar 1,2 milhão
de estabelecimentos rurais. Vendo o sucesso desse programa, o Governo Dilma
tentou escanteá-lo, contratando uma empresa mexicana para implantar cisternas
plásticas e granjear milhares de prefeitos sertanejos, com vistas para as
próximas eleições. Tais cisternas plásticas, porém, não suportaram o calor e
também custam cinco vezes mais, além de não treinar mão-de-obra local. Dois
desastres da Dilma: tentar derrubar as cisternas já provadas e contratar um
produto inútil, mais caro.
Profetizou o bispo Dom Luis Cappio: “A
transposição não irá acontecer porque é mentirosa, anti-ética, antissocial,
injusta e economicamente inaceitável (...) O projeto é socialmente injusto
porque vai beneficiar um pequeno grupo, enquanto que projetos alternativos
podem beneficiar quase toda a população do Nordeste do Semiárido. É
ecologicamente insustentável porque, enquanto o projeto de transposição agride
a realidade do Rio São Francisco, os projetos alternativos são altamente
sustentáveis. É eticamente inaceitável porque é mentirosa, enquanto os projetos
alternativos estão aí para poder atender as necessidades do povo”.
Leonardo Boff foi claro: “O governo bolou o seu
projeto, enfiou-o goela abaixo no povo, inventou audiências, discussões no
Congresso que nunca houve (perguntei a vários deputados que negaram
absolutamente que tenha havido tal discussão). Não tomou em conta a opinião da
comunidade científica como a de Aldo Rebouças, nosso maior cientista em águas;
Ab’Saber e de outros do próprio Nordeste. Não considerou a proposta da ANA
(Agência Nacional de Águas) que fez o Mapa de Águas do Nordeste com a proposta
de abastecimento urbano (omitiu a inclusão da área rural) envolvendo 34 milhões
de pessoas (a do governo apenas 12 milhões) beneficiando mais de 1.300
municípios (o do governo são algumas centenas). A um preço que é metade daquele
orçado oficialmente (cerca de 6 bilhões de reais contra 3,6 da ANA), não incluindo
o que já está em curso – o projeto da ASA (Articulação do Semiárido) - com a
construção de um milhão de cisternas (já se construíram mais de 200 mil) num
projeto inteligente (2 em 1: duas cisternas, uma para beber, outra para irrigar
e um pedaço de terra)”.
Manoel Bonfim Ribeiro enfatiza: “O Nordeste já
possui um grande manancial de água construído pela tenacidade do homem do
Nordeste; 37 quilômetros cúbicos de água armazenados nos milhares de
reservatórios espalhados por todos os quadrantes do Semiárido. Falta apenas
uma grande e potente rede de adutoras para levar essa água a todos os recantos
desta grande região, faltando tão somente dotações e recursos para o
aceleramento das obras. Essas adutoras independem do canal da Transposição
porque as águas já estão acumuladas nos seus reservatórios”.
(...) No ano de 2001, uma consulta ao BIRD feita
pelo Ministério da Integração Nacional sobre empréstimo para a Transposição,
recebeu uma resposta negativa; o Banco exigia, antes, que se fizesse o aproveitamento
das águas já existentes no Semiárido, pois seria muito mais barato. Foi um
tapa na cara! A partir daí nenhuma instituição internacional vai colocar
recursos numa obra inútil”.
(...) Vale lembrar que numa só noite chuvosa, com
precipitação de 700 mm num terço do Semiárido (300.000 km²) desabam exatamente
2,1 bilhões de m³ de água, o volume que querem levar com tanto trabalho e
despesas. Isso é realidade, não é sofisma. No meu livro, “A potencialidade do
Semiárido brasileiro”, detalhamos que as águas transportadas serão despejadas
em oito açudes que já detêm 13 bilhões de m³ de água. Ora, o Semiárido já
acumula 37 bilhões de m³ de água, que, segundo o governo, não resolveram o
problema hídrico da região. Agora, entretanto, vai ser resolvido com 2,1 bilhões.
Tenham a santa paciência! Isso é uma afronta aos técnicos do país, uma total
falta de respeito aos engenheiros do Brasil. Até o leigo, até o analfabeto não
entende porque 2,10 bilhões de m³ vão abastecer 12 milhões de habitantes e os
37 bilhões não abastecem. Ridículo”!
(...) E pior: os três Estados ditos como ávidos
por mais água, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará já acumulam nos seus
imensos reservatórios 26 bilhões de metros cúbicos, 70% das águas reservadas no
Semiárido brasileiro, 11 vezes as águas da baia da Guanabara. Tem água
sobrando.
(...) "Por tudo, pela vulnerabilidade desse
grande projeto, numa análise cartesiana, somos levados a pensar que ele não
resistirá a uma travessia administrativa e pode morrer na praia.“ (in
“Transposição: uma análise cartesiana”).
João Abner Guimarães Jr. foi muito claro: “A
Transposição é um projeto politicamente inconsequente, economicamente inviável,
socialmente injusto e ecologicamente covarde. Bastaria qualquer uma dessas três
condições para justificar o abandono do projeto. A transposição é politicamente
inconsequente porque gera um conflito que será permanente na federação
brasileira e nos Estados do Nordeste, com tendência a se agravar - uma briga
pelo uso da água. No momento em que se tira água da bacia do São Francisco para
levar para o Ceará, a Paraíba e o Rio Grande do Norte (os Estados receptores),
uma injustiça é cometida com o povo doador (alagoanos, baianos, mineiros,
pernambucanos e sergipanos) que possui disponibilidade hídrica de 360 m³/s para
abastecer uma população de 13 milhões de pessoas.
No Ceará, por exemplo, a disponibilidade per
capita é melhor: 215 m³/s para 7,5 milhões, sendo que fenômeno semelhante
acontece também com o Rio Grande do Norte. Então, a água não será para as
pessoas”!
(...) A transposição do Rio São Francisco
transformou-se em um grande atoleiro e não vejo nenhuma perspectiva de ser
concluída, pois as obras estão praticamente paradas em vários trechos. Nenhum
agricultor que, hoje, recebe água do carro-pipa receberá água da transposição
desse rio, porque a água vai escoar em grandes rios, vai para as maiores
barragens da região e será utilizada pelo agronegócio.
(...) A transposição já é o mais caro dos
projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Só no governo Dilma
Rousseff, os preços aumentaram 71% e saltaram para R$ 8,2 bilhões. A obra se
transformou num “ralo do dinheiro público”, descaradamente.
(...) “Com um terço do custo da transposição do
rio São Francisco seria possível construir um grande sistema de abastecimento
de água para atender a todo o Nordeste e abastecer todas as casas da região”.
(...) “O mal menor seria terminar logo a
transposição do rio para mostrar que a obra não tem nada a ver com o
desenvolvimento do Nordeste; que não foi feita para acabar com o carro-pipa;
que não vai servir para nada. Assim, ao menos ela ficaria exposta como um
monumento para denunciar a indústria da seca. O problema é que, enquanto a obra
estiver sendo construída, não será possível discutir um projeto específico e alternativo
para o Nordeste. Acontece que a indústria da seca não tem interesse que essa
obra seja concluída, porque, quando o for, a indústria da seca será
desmascarada”. Então, pelo visto, a obra nunca será tecnicamente terminada!
(...) “O principal e mais forte argumento do
governo - de que a obra garantiria a segurança hídrica na região Semiárida a
12 milhões de pessoas virou uma falácia. Existem dois discursos: de que a água
seria usada para consumo humano e para uso econômico. Mas a primeira fraude diz
respeito ao beneficiamento de 12 milhões de pessoas. Nós fizemos um
levantamento das populações que possivelmente serão atendidas pelos sistemas
adutores, que captam a água das bacias que receberão a água da transposição do
rio São Francisco, e contabilizamos apenas 3,0 (três) milhões de pessoas”. A
outra fraude é que essa água não irá perenizar rios secos. Essa água só será
despejada na cabeceira de dois rios, onde já se concentram 70% das reservas
típicas da região”. Então, essa história de associar a transposição com a seca
é a maior fraude que existe.
João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco,
dispara: “A obra é um grande erro e se transformou num mico nas mãos de Dilma,
uma das heranças malditas deixadas por Lula” (in artigo “O grande erro”).
A transposição caracteriza-se como um “projeto tecnicamente ruim, socialmente
preocupante e politicamente desastroso”.
Rubens Siqueira acrescenta: “Certo estava o bispo
Dom Cappio ao afirmar que “quando a razão se extingue, a loucura é o caminho”.
As obras começaram regidas pela loucura
presidencial de Lula, apressadas sob pressão político-eleitoral, substanciando
um gesto nitidamente ditatorial. “Foram aprovados e iniciados projetos sem
suficiente detalhamento. Ignoraram-se solenemente as condições climáticas e geológicas
da região. A razão foi substituída pelas dinamites! O resultado apareceu,
quando nem água escorria: canais rachados, túneis desabando, deslizamento de
solo, infiltrações. Montanhas de dinheiro público jogado fora! O governo diz
que a responsabilidade pela reconstrução é das empresas, mas estranhamente
permitiu o fabuloso acréscimo de 36%, e a dilatação do prazo para 2015. E ainda
faltam 30% do eixo leste (287 km) e 54% do eixo norte (426 km). Se tudo ficar
pronto mesmo, pleno funcionamento só em 2030! Até lá quanto ainda vai custar
aos cofres públicos, à paciência sertaneja e nacional e à verdade científica e
ética?
(...) Empregos frustrados, caatinga devastada,
animais mortos, lavouras perdidas, difícil recomeço para quem perdeu o que
tinha e foi mal indenizado.
(...) Todo estardalhaço da mirabolante
transposição até agora apenas confirmou a “sina” nordestina de conformismo e
resistência, do que o bispo Cappio bem entende há quase 40 anos. A luta de
sempre continua, vendo a dinheirama escoando pelo ralo da corrupção.
Frei Gilvander Luís Moreira arremata: “A
transposição começou, mas não irá muito longe, nem muito menos terminará, pois
é um projeto inviável economicamente, ilegal e imoral segundo as leis
ambientais e segundo a Constituição de 1988; injusto eticamente, politicamente
autoritário e ecologicamente insustentável. A história julgará o Presidente
Lula e os apoiadores deste insano e covarde projeto, a obra mais cara da
história do Brasil referida ao Nordeste.
(...) “Nosso projeto é muito maior. Queremos água
para 44 milhões, não só para 12. Para nove estados, não apenas quatro. Para
1.356 municípios, não apenas 397. Tudo pela metade do preço. O Atlas e as iniciativas
da ASA (sociedade civil) são muito mais abrangentes e têm finalidade no abastecimento
humano”.
Pedro Ângelo Almeida Abreu enfatiza: “Se
realmente o Nordeste não interessa ao povo brasileiro, poderíamos vendê-lo ou
doá-lo para outra nação, acompanhado de um sonoro pedido de desculpas aos
nordestinos e aos holandeses”. (Professor Titular da Faculdade de Ciências
Agrárias/FAFEID; Doutor em Ciências Naturais pela Universidade de Freiburg -
Alemanha).
A água na cisterna e outros dispositivos
baratos, o clima, caprinos e ovinos - eis a bandeira que poderia ser muito mais
redentora para os sertanejos, na linguagem que eles compreendem. Tudo o mais,
viria depois.
A Caravana da Segunda Verdade
Agora, Dilma vai financiar a “Caravana da
Transposição”, com total apoio da mídia (claro!) para continuar a ilusão dos
sertanejos, com um teatro bem montado, pois as eleições logo estarão batendo às
portas.
Esta Segunda Caravana da Verdade vai tentar
comprar a confiança dos sertanejos, insuflando mais esperança, distribuindo
presentes e agradando toda sorte de cabo eleitoral em pequenos municípios. Não
irá visitar canteiros de obra, para não ser flagrada diante do desastre; não
irá mostrar a caatinga destruída; não irá mostrar os casebres destruídos e as
pessoas que ficaram sem teto. Nada irá falar sobre técnicas de convivência com
o clima, com a viabilidade econômica de caprinos e ovinos. Nada disso! Estará
falando para os brasileiros do resto do país e não para os nordestinos!
O Sertão da realidade, então, é bem diferente
daquele do discurso oficial que será bombasticamente apresentado em todo
lugarejo nordestino. A realidade é bem pior, lamentavelmente, e será o que
restará no final da maratona governamental.
Como reagirá o sertanejo diante da fabulosa
Caravana? Sem dúvida, as televisões irão mostrar dezenas de mulheres piedosas
afirmando que a água da Transposição irá inaugurar uma vida nova, etc. Jamais
alguém será punido por essa mentira já tão veiculada. Será a apoteose da
impunidade. Mostrará jovens com uniformes escolares dizendo que começam a viver
uma vida nova, etc. Mostrará programas de saúde em pleno funcionamento. Nos
programas do Governo, o Nordeste “nunca antes teve um período de tantos
investimentos futurosos”.
Será o Nordeste-maravilha; será que o sertanejo
irá engolir mais essa proeza dos encantadores das massas?
l Ovelhas e lobos- Por outro
lado, o sertanejo vive em pleno século XXI, uma parte das pessoas já sabe das
mentiras e está cansada de ver bilhões sendo jogados no ralo, beneficiando a
indústria da seca que mora dentro dos prédios governamentais. Essas pessoas
poderão reagir e isso seria interessante, pois lembraria os feitos históricos
do passado, quando os nordestinos pegaram em armas para defender sua terra, ou
o próprio país. Não ganharam nada em troca. Muito pelo contrário: suas fontes
de dinheiro foram escamoteadas e transferidas para outras plagas, impunemente.
Qualquer governador nordestino sabe a resposta
certa para o Semiárido; qualquer senador também sabe; qualquer deputado federal
também. Os políticos sabem tudo, pois têm assessoria em fartura, verbas
especiais, etc. - para conhecerem os problemas e proporem soluções. Então, se
não propõem, é porque preferem o lado das pressões externas. São fracos e
rapidamente esquecem-se dos sertanejos que vivem, há séculos, no Semiárido,
esperando chegar o dia da libertação.
Diz o velho ditado: "uma nação de ovelhas
acaba sendo comandada pelos lobos". No Nordeste, já deveria ter acabado a
época dos lobos, mas eles são alimentados pelo lobo-maior da incompetência!
Talvez esse mirabolante projeto da Transposição
sirva para isso: acabar com os lobos e com as mentiras. E, em seu lugar,
entrarão cabras e ovelhas e, depois, um jardim do Éden para os sertanejos - que
o bem merecem.
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