Cisterna sai do sertão nordestino e vai para a favela.
A sertaneja Lindinalva Martins e
o pedreiro Eduardo Cavalcanti: oito dias para cavar o buraco e mais cinco para
construir artesanalmente a cisterna.
Publicado em junho 28, 2012 por HC
http://www.ecodebate.com.br/2012/06/28/cisterna-sai-do-sertao-nordestino-e-vai-para-a-favela/
Tags: água
A sertaneja Lindinalva Martins, 27 anos, aprendeu
a conviver com a seca que neste ano mais uma vez castiga a zona rural de
Mossoró (RN). Em junho, viajou 277 km até a capital potiguar e de lá voou para
o Rio de Janeiro, quando percebeu que a resiliência da vida severina tem valor
inclusive para quem mora no frescor da Mata Atlântica bem longe do semiárido.
No alto de um dos morros próximos ao Complexo do Alemão, no bairro Engenho da
Rainha, ela encontrou o pedreiro Eduardo Cavalcanti, 28 anos. A missão:
ensiná-lo a construir cisternas que acumulam água da chuva, transferindo para
as favelas cariocas a tecnologia de adaptação às adversidades do clima que está
dando certo no sertão. Matéria no Valor Econômico, socializada
pelo ClippingMP.
A diferença é que, nas encostas densamente
povoadas do Rio de Janeiro, a nova água servirá para irrigar hortas
comunitárias e projetos de reflorestamento para conter deslizamentos – e não
para matar a sede, como no assentamento Barreira Vermelha, onde mora
Lindinalva. “Antes das cisternas, caminhávamos horas diariamente para encher
tonéis nos açudes e trazê-los no lombo do jumento”, recorda. Hoje cada família
tem nos quintais uma reserva de 16 mil litros, provenientes das chuvas
irregulares na região. Não se sabe até quando os estoques durarão na estiagem
atual, que só tem previsão de amainar a partir de outubro. “A solução é ir cada
vez mais longe para conseguir abastecimento no chafariz de adutoras”, diz.
No Rio de Janeiro, foram oito dias para cavar o
buraco e mais cinco para construir artesanalmente a cisterna, na comunidade
Sérgio Silva, onde há um projeto agroflorestal de 1,5 mil metros quadrados para
produção de alimento e ervas medicinais, além do plantio de mudas nativas. “É
uma dificuldade para a água encanada da companhia de abastecimento chegar no
alto da favela, principalmente nas épocas de calor, quando o consumo na cidade
é maior”, justifica Eduardo. Ele conta que muitas vezes a saída é a ligação
clandestina para a distribuição através de bombeamento feito pelos moradores,
sem vazão suficiente para irrigar plantios – apenas abastecer torneiras.
Uma segunda cisterna começou a ser construída na
vizinhança, também na Serra da Misericórdia, onde existem mais de cem
comunidades. “A região é a última área verde da Zona Norte da capital e
apresenta quadro avançado de degradação, sendo necessário um processo de
resiliência para a adaptação mais rápida às mudanças no clima”, adverte Edson
Gomes, diretor da ONG Verdejar. “A ideia é fazer a comunidade se apropriar e
replicar a tecnologia das cisternas”, diz Claiton Mello, diretor da Fundação
Banco do Brasil, que apoia o projeto. No Nordeste, a entidade auxiliou a
construção de 60 mil cisternas, ao custo de R$ 2.080 cada.
“Mais que a obra propriamente dita, o importante
é o modelo que envolve qualificação, participação social e mobilização das
comunidades”, ressalva Naidson Baptista, da Articulação no Semiárido Brasileiro
(ASA). Desde 2004, a organização construiu 410 mil cisternas com apoio do
Ministério do Desenvolvimento Social e patrocínio de entidades privadas, como a
Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Fundação Pepsico. No total, foram
investidos até o momento R$ 750 milhões, com meta de atingir 750 mil cisternas
até 2014, reduzindo a dependência da população em relação aos carros-pipa e à
manipulação política da chamada “indústria da seca”. O desafio, segundo
Baptista, não é combater a seca, mas “permitir a convivência com ela”.
“A estratégia é desenvolver sistema produtivo de
referência que torna o agricultor familiar mais resiliente às mudanças
climáticas”, acrescenta Daniele Cesano, da Rede de Desenvolvimento Humano. “O
modelo não pode ser paliativo, mas estruturante, capaz de inspirar planos de
contingência para o enfrentamento de secas”, ressalta. No projeto Adapta
Sertão, a entidade mobilizou 60 produtores no município de Pintadas (BA), no
vale do rio Jacuípe, para a produção de ração animal armazenada em silos como
reserva, cultivos de subsistência em sistemas agroflorestais e organização em
cooperativas para garantia de assistência técnica e microcrédito. Foi instalada
uma fábrica de polpa de frutas nativas da caatinga e estão em testes sistemas
para dessalinização de água subterrânea, que é salobra em grande parte do
semiárido. “O projeto piloto, previsto para terminar neste ano, está se
transformando em política pública e será replicado na região na forma de planos
de contingência”, revela Cesano.
Estudo da Coppe/UFRJ indica que as chuvas no
Nordeste tendem a diminuir entre 2 e 2,5 mm/dia até 2100, causando perdas
agrícolas em todos os Estados da região. O déficit hídrico reduziria em 25% a
capacidade de pastoreio de bovinos de corte, o que poderá forçar o retrocesso à
pecuária de baixo rendimento. A vazão dos rios, diz a pesquisa, diminuiria em
média até 90% entre 2070 e 2100. “É preciso correr, ir mais rápido que os
impactos do clima”, conclui Cesano.
EcoDebate, 28/06/2012
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