quarta-feira, 30 de novembro de 2011

FONTES ALTERNATIVAS DE ENERGIA LIMPA.

“Primeiro parque eólico da Bahia,

em Brotas de Macaúbas, entra em

operação em janeiro/2012.

Instalada pela Desenvix na Chapada Diamantina, usina dos ventos teve investimento de R$ 400 milhões.
Publicado em novembro 29, 2011 por HC
http://www.ecodebate.com.br/2011/11/29/primeiro-parque-eolico-da-bahia-em-brotas-de-macaubas-entra-em-operacao-em-janeiro2012/
Tags: energia, energia eólica

O primeiro parque eólico baiano, instalado pela Desenvix em Brotas de Macaúbas, 590 quilômetros a oeste de Salvador, na Chapada Diamantina, deve entrar em operação no início do ano que vem. São três áreas licitadas, cada uma com capacidade de 30 megawatts (MW), onde foram instaladas 57 torres eólicas. Reportagem de O Estado de S.Paulo.

O investimento é de R$ 400 milhões, incluindo a aquisição de 40% da área onde está instalado o parque. Os 60% restantes pertencem a pequenos produtores rurais, que vão receber royalties pela operação.

Até o fim de 2012, é esperada a inauguração de 18 parques no Estado, responsáveis pela produção de 413,6 MW, que vão fazer da Bahia o principal polo de energia eólica no País. Até 2014, espera-se que o montante produzido alcance pelo menos 1 mil MW.

O maior parque eólico brasileiro, da Renova Energia, será distribuído entre os municípios vizinhos de Caetité, Guanambi e Igaporã, no centro-sul baiano, tem previsão de inauguração para julho do próximo ano.
Inicialmente, o parque, fruto da compra de 14 áreas pela empresa no primeiro leilão do governo federal, em 2009, terá 184 aerogeradores, com capacidade de produção de 294,4 MW.

O investimento para o início da operação é de R$ 1,17 bilhão – e será acrescido de R$ 800 milhões para a ampliação do parque, com as aquisições das seis áreas adquiridas no leilão de 2010, que vão anexar mais 153 MW à produção a partir do fim de 2013.

No leilão deste ano, realizado em agosto, a empresa adquiriu mais nove áreas na região, para exploração de 212,8 MW.

Agricultores ganham com as fazendas de vento

Além dos produtores de energia e dos fabricantes de aerogeradores, agricultores começam a se beneficiar com a iminente produção de energia eólica na Bahia.

Os proprietários dos terrenos onde estão sendo instalados os geradores, em geral pequenos produtores da agricultura familiar, vão receber entre R$ 5 mil e R$ 8 mil por ano por gerador e valor semelhante por hectare de terra utilizado. “É o pré-sal do sertão”, comemora o vice-governador baiano e secretário de Infraestrutura, Otto Alencar.

De acordo com ele, estão no semiárido baiano 258 dos 417 municípios do Estado – e a maior parte deles tem potencial de produção de energia eólica. “A chegada dessa tecnologia representa uma revolução na vida dessas pessoas. Estamos criando fazendas de vento”, diz Alencar. Em Brotas de Macaúbas, município da Chapada Diamantina onde será inaugurado, no início do próximo ano, o primeiro parque eólico da Bahia, por exemplo, a principal atividade nas áreas onde foram instaladas as torres é o cultivo de mandioca.

“Os agricultores ganham de várias formas: o governo fornece infraestrutura para a chegada dos investimentos, há a criação de postos de trabalho durante a implantação do parque e, com o início da operação, tem o pagamento dos royalties. Tudo muda com a chegada de um empreendimento como esse”, diz Alencar."

EcoDebate, 29/11/2011”

MINERAÇÃO DE URÂNIO NA BAHIA.

"Relatório que denuncia violação de direitos humanos em mineração de urânio na Bahia será lançado na UFBA
O “Relatório da Missão Caetité: Violações de Direitos Humanos no Ciclo do Nuclear” será apresentado pela socióloga da PUC-SP, Dra. Marijane Lisboa, relatora para o Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Dhesca Brasil (Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), às 14 horas, do dia 25 próximo (sexta-feira), no auditório do Instituto de Geociências da UFBA, numa realização do “Geografando nas sextas: o campo baiano em debate”. Em Salvador, o evento é promovido pela Pós-Graduação em Geografia, Mestrado em Economia/Projeto GeografAR da UFBA e Rede Brasileira de Justiça Ambiental e contará com depoimentos de representantes das comunidades atingidas e de trabalhadores. A apresentação do relatório acontecerá também em Caetité (26/11) e Vitória da Conquista (28/11)
O documento aponta os danos causados à saúde de trabalhadores e população, ao meio ambiente e à economia da região pela Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que, em Caetité (Ba), a 750 KM de Salvador, opera a única mineração de urânio ativa na América Latina. A INB instalou-se no município em janeiro de 2000, e é responsável pela extração e transformação do mineral em concentrado de urânio, principal matéria prima do fabrico do combustível atômico para as usinas nucleares de Angra 1 e 2, no Rio de Janeiro.
PREJUIZOS SÓCIO AMBIENTAIS
Os prejuízos causados pela exploração do urânio sobre o meio ambiente de uso comum da população local, conflitos pelo uso da água, o crescente déficit hídrico na região e a desinformação da população sobre os riscos à saúde, associados à contaminação radioativa, foram estudados pela Dhesca Brasil, que atua com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. A Plataforma Dhesca cumpre importante papel no monitoramento, mediação e promoção de Direitos Humanos no Brasil.
A Missão Caetité, integrada por Marijane Lisboa, José Guilherme Carvalho Zagallo (relatores) e Cecília Campello do A. Mello (assessora) incluiu viagens a Caetité (2010) e Salvador (2011), visitas à comunidades rurais da região, entrevistas com autoridades e audiência pública. Mais de dois anos de investigação tornaram possível constatar as contradições que envolvem a exploração de urânio e o investimento do Brasil no Ciclo do Nuclear, no qual Caetité tem uma função primordial. O relatório aponta a falta de transparência que cerca todas as atividades nucleares desde a mineração, o fabrico de material radioativo, o funcionamento das usinas até a destinação final do lixo atômico.
A Missão investigou a insegurança das instalações da INB, as denúncias de desastres e crimes ambientais, como a contaminação da água e do meio ambiente em Caetité, Lagoa Real e Livramento e o índice crescente de mortes por câncer na região. Considerou preocupante a atuação dos órgãos de fiscalização nas três esferas administrativas, devido à conivência dos poderes públicos com as irregularidades, com o sigilo imposto pelo setor nuclear, resultando na falta de assistência aos trabalhadores e às populações afetadas pelas atividades da INB.
A Plataforma apontou as ameaças à saúde dos trabalhadores e da população local como os aspectos mais graves e que exigem urgentes soluções e apresentou diversas recomendações às autoridades competentes, relativas ao monitoramento da saúde dos trabalhadores e da população, a proteção do meio ambiente, à segurança da água, reparação por danos materiais e imateriais, acesso à justiça e ao licenciamento ambiental das atividades de mineração e processamento de urânio. Também defendeu a necessidade de uma auditoria independente para avaliar todos os aspectos referentes ao funcionamento da INB, reivindicada pelas populações da região desde o ano 2001.
O lançamento do Relatório em Salvador é apoiado pela Associação Movimento Paulo Jackson –Ética, Justiça, Cidadania; Associação dos Engenheiros Agrônomos da Bahia – AEABA; Bloco Dandara; CESE; Comissão Paroquial de Meio Ambiente de Caetité; CREA-BA; CPT-Ba; Gambá; Greenpeace; Instituto Búzios; Instituto Quilombista; Jubileu Brasil Sul; O Lixo somos nós?; Raízes/Organismo; Sindae; Suport-Ba.
Serviço:
Lançamento do “Relatório da Missão Caetité: Violações de Direitos Humanos no Ciclo do Nuclear” da Plataforma DHESCA Brasil sobre violações de Direitos Humanos relacionados à mineração de urânio em Caetité (BA).
Data: 25 de novembro (sexta-feira), às 14h.
Local: auditório do Instituto de Geociências da UFBA
Remetido por João Suassuna."

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

SETE BILHÕES DE CARNÍVOROS. E AGORA?


Artigo de Eloy Casagrande Jr.
Publicado em novembro 8, 2011 por HC
Tags: fome, população, segurança alimentar

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[EcoDebate] Chegamos a sete mil milhões de almas num Planeta cheio de contrastes. Avançamos em tecnologia somente imaginável em filmes de ficção científica há poucos anos e ao mesmo tempo não conseguimos alimentar o mundo.

A discussão em torno da questão de aumento contínuo da população mundial é se teremos como alimentar tantas bocas? Afinal, temos somente 16% de área útil biológica para uso da espécie humana, que também necessita dividir com outras espécies este espaço, se quiser manter o equilíbrio natural que permite a vida na Terra. Em 2010, o relatório sobre a fome da Organização para Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO), demonstrou que 925 milhões de pessoas no mundo são subnutridas, sendo que em geral, são as mulheres e as crianças que mais sofrem de fome crônica. Em fato, mais de um terço da mortalidade infantil no mundo está relacionado à nutrição inadequada. O “Estado do Mundo de 2010”, publicado pelo WorldWatch Institute, revela que os altos preços dos alimentos e a baixa renda de famílias pobres são responsáveis pela alimentação insuficiente de gestantes, bebês e crianças.


Outro contraste sobre a alimentação mundial é demonstrado em um estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que alerta para o crescente fenômeno do excesso de peso entre as crianças de países ricos. Nos Estados Unidos e na Escócia esse problema é mais grave – atinge 35% da população entre 6 e 17 anos e 12 e 15 anos, respectivamente. No Brasil, 25% das crianças entre 7 e 10 que estão acima do peso ideal. Em relação aos adultos, o relatório aponta 51% acima do peso nos países ricos.


Já em relação ao consumo da carne bovina, esta é apontada como responsável por quase 20% do total das emissões de gases de efeito estufa, principalmente, na forma de metano. Se considerarmos que pode haver um aumento de 40% em cima dos sete bilhões até 2050, especialistas recomendam baixar o consumo até 90 gramas ao dia por pessoa para que haja uma redução significativa das emissões. No entanto, se deve ressaltar a grande desigualdade no consumo, que pode chegar a 250g de carne por pessoa em países ricos e 20g em países pobres.


Acrescente a este cenário o alto consumo de água, que fica entre de 20.000 a 30.000 litros para produzir um 1Kg de bife, além do fato de que mais de 90% da soja cultivada no mundo serve para alimentar animais. Isto é que podemos chamar do “efeito cascata da degradação ambiental”: mais gado, mais pastagens, mais soja, mais uso de agrotóxico, mais contaminação do solo e do lençol freático, mais erosão, menos água potável para humanos, menos solo produtivo, menos florestas, menos biodiversidade, menos vida!

O grande desafio é convencer milhares de americanos viciados em hambúrgueres e brasileiros em churrasco, além de chineses que pela primeira vez estão tendo poder aquisitivo e podendo comer carne mais frequentemente, há reduzir o seu consumo!


Não se pede que as pessoas abandonem sua dieta carnívora, introduzida na humanidade desde os tempos das cavernas. O que se pede é a redução, a substituição da carne por outro alimento. Duas vezes por semana já faria uma grande diferença nas emissões, sem dizer o benefício a saúde!


Nos Estados Unidos, há um movimento chamado Weekend Vegetarian, convidando as pessoas a reduzir seu apetite bovino. Outro movimento internacional que está ganhando força é o Segunda sem Carne! Já está na hora de usar o bom senso. Os sinais estão aí. Ou fazemos algo, ou não vamos precisar de churrasqueiras para assar sua picanha ou aquela costela suculenta, o aquecimento global vai fazer este serviço!

Eloy Casagrande Jr., PhD, Coordenador do Escritório Verde da UTFPR – Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
EcoDebate, 08/11/2011

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

22ª Reunião Ordinária do CERBCAA/PE será amanhã (17.11) no IPA.









No próximo dia 17.11 (quinta-feira), a partir das 08:30h, na sala de reuniões do Instituto Agronômico de Pernambuco - IPA, os membros do Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Caatinga estarão reunidos na 22ª Reunião Ordinária. Na pauta constam apresentações sobre Serviços Ambientais, Cultura da Terra e a I Conferência Regional de Desenvolvimento Sustentável do Bioma Caatinga - A Caatinga na Rio+20.


Como se sabe, o Banco do Nordeste do Brasil, e o Instituto Nordeste XXI, irão realizar a I Conferência Regional de Desenvolvimento Sustentável do Bioma Caatinga - A Caatinga na Rio+20, nos dias 13, 14, 15 e 16 de março de 2012, na sede do Banco, em Fortaleza (CE).


O encontro que seria realizado nos dias 9, 10 e 11 de novembro foi adiado em função da solicitação dos Comitês Estaduais que reivindicaram maior espaço de tempo para difundir, mobilizar e preparar a pauta de cada uma das unidades da Federação envolvidas com o evento.


Tal mudança não acarretará prejuízos quanto a inserção do bioma Caatinga na pauta oficial da Rio+20 pelo fato da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema) ser o órgão oficial de representação dos biomas brasileiros junto à organização do evento a se realizar de 20 a 22 de junho de 2012 no Rio de janeiro.


A conferência tem como objetivos: Discutir a gestão do bioma Caatinga; Elaborar o documento intitulado "Declaração da Caatinga", que formalizará os compromissos a serem assumidos pelos governos e demais setores da sociedade para a promoção do desenvolvimento sustentável do bioma e por fim inserir, por meio da Declaração da Caatinga, as questões relacionadas ao bioma nas discussões da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável - Rio+20.


Para a mobilização da sociedade local, estão sendo instalados os Comitês Estaduais, responsáveis por mobilizar e organizar a participação dos estados Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe na Conferência Regional.


Caberá aos comitês a condução do processo de articulação e debate no âmbito estadual, bem como a consolidação do conjunto de ações, propostas e compromissos a serem apresentados na Conferência Regional. Os comitês estaduais são compostos por representantes do Governo do Estado, da Superintendência Estadual do Banco do Nordeste e da Assembléia Legislativa.


Com efeito, o propósito maior da I Conferência Regional de Desenvolvimento Sustentável do Bioma Caatinga - A Caatinga na Rio+20 além do compromisso político renovado para o desenvolvimento sustentável desse bioma, é garantir a Caatinga na pauta oficial das discussões da Rio +20.


Abaixo o convite do Coordenador Geral do CERBCAA/PE, Elcio Barros:





"Convidamos todos Caatingueiros a participarem da nossa reunião ordinária a ser realizada amanhã, dia 17, na sede do IPA em Recife, a partir das 08:30 hs.

Entre outros assuntos discutiremos a realização da Pré Conferência Estadual A CAATINGA NA RIO +20, e teremos uma palestra sobre Pagamento de Serviços Ambientais.

Lembrando que nossas reuniões são sempre abertas ao público em geral".


Elcio Barros - Coord Geral do CERBCAA/PE



(Fonte: Caatinga Rio+20
)




segunda-feira, 14 de novembro de 2011

SOBRE A TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO.

"Transposição das Águas do Rio São Francisco.


Artigo de Sérgio Pinheiro Torggler.

O projeto de transposição das águas do Rio São Francisco é um dos carros-chefes do presidente Lula e também uma das maiores polêmicas em seu governo. Nos últimos grandes encontros realizados pela sociedade civil organizada – como o Fórum Social Mundial 2005, em janeiro, ou o Fórum Social Nordestino, em novembro de 2004 –, debates, passeatas e manifestações fizeram ecoar um rotundo “não!” à idéia. Até mesmo dentro do governo, as opiniões estão divididas. Agora, existe a possibilidade de a população contribuir com esse debate, por meio de um plebiscito popular que seria realizado no primeiro domingo de outubro de 2006, simultaneamente ao primeiro turno das eleições. O Projeto de Decreto Legislativo (PDC) foi apresentando em maio e aguarda votação. A proposta de transpor as águas do Rio São Francisco como saída aos problemas causados pela seca no semi-árido nordestino é histórica, surgiu na época do imperador Pedro II e voltou à tona com força na década de 1980, mas sem sucesso. O projeto atual está em tramitação na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e deverá passar também pelo crivo das Comissões de Minas e Energia e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Nesta edição, a revista Democracia Viva busca contribuir para este debate, trazendo os olhares do engenheiro agrônomo Sérgio Pinheiro Torggler, que aborda os aspectos econômicos do projeto; e da feminista Carmen Silvia Maria da Silva (da ONG SOS Corpo Gênero e Cidadania, de Recife), que analisa seus impactos sociais."

Revista DEMOCRACIA VIVA N. 27 - Edição Especial
Meio Ambiente e Democracia
Junho e Julho de 2005

Acesse a matéria na página 84 da Revista, clicando no endereço abaixo:
http://pt.scribd.com/doc/52429954/Revista-Democracia-Viva-27

EXPLORAÇÃO DE COMBUSTÍVEL NUCLEAR NO BRASIL.


"DO REMA
Caos e medo em Caetité: a violação dos direitos humanos.
Entrevista especial com Marijane Lisboa
08/10/2011

A Unidade de Concentrado de Urânio das Indústrias Nucleares do Brasil – URA-INB, “que minera e transforma urânio mineral em licor de urânio e este em concentrado de urânio, a principal matéria-prima do combustível nuclear”, entrou em funcionamento há uma década no município de Caetité, na Bahia e desde então aumentam as denúncias de crimes ambientais e violação dos direitos humanos. Nesses dez anos de atuação, “registraram-se muitos acidentes, objeto de autuações e multas dos órgãos federais e estaduais”, diz Marijane Lisboa, autora do relatório sobre o vazamento de urânio na cidade baiana. Entre os desastres ambientais, a pesquisadora menciona que já “transbordaram cinco milhões de litros de licor de urânio das bacias de sedimentação para o meio ambiente. (...) Entre janeiro e junho de 2004, a bacia de barramento de ‘finos’ transbordou sete vezes, liberando efluentes líquidos no Riacho da Vaca. O último vazamento de substância oleosa (solvente com urânio) custou à INB uma multa de um milhão de reais, em setembro de 2010”.

Ao visitar as comunidades que residem proximamente à mina de urânio, Marijane Lisboa ouviu diversas queixas em relação à falta de informações sobre os impactos ambientais e sociais. “Essas populações temem estarem sendo envenenadas devido à proximidade da mina e se alarmam com a grande frequência de mortes por câncer na região. (...) Todas as comunidades se queixaram de uma súbita falta de água, que inviabiliza suas atividades agrícolas e domésticas, como lavar roupa e cozinhar. Eles relacionam essa diminuição súbita da água com a abertura da mina dez anos atrás, pois foi aí quando começou o problema. Quando a INB se implantou no local, ela assinou contratos com vários agricultores para perfurar poços em suas propriedades e dividir o uso da água. Desde então muitos desses poços estão secos”, relata.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, Marijane Lisboa enfatiza que ainda não há uma solução segura para as milhares de toneladas de rejeitos radioativos gerados em todo o mundo. “Todas as usinas nucleares podem falhar e há um número enorme de acidentes menores, que não chegam às páginas dos jornais, mas que mostram os riscos intrínsecos à geração de energia nuclear. Em resumo, a energia nuclear é perigosa, cara e pouco eficiente e provavelmente só foi desenvolvida no mundo porque servia de biombo aos programas militares paralelos”.

Marijane Lisboa é uma das fundadoras do Greenpeace Brasil, onde coordenou campanhas nas áreas de transgênicos, resíduos sólidos e poluição do ar, e é ex-secretária de Qualidade Ambiental de Assentamentos Humanos – SQA do Ministério do Meio Ambiente. É graduada em Sociologia, pela Freie Universität Berlin, e doutora na mesma área pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, instituição na qual leciona. É membro do Conselho Deliberativo da Associação de Agricultura Orgânica – AAO, da Rede Brasil Ecológico Livre de Transgênicos e Agrotóxicos e da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Autora do livro Ética e cidadania planetárias na era tecnológica (Civilização Brasileira), também realiza consultorias para órgãos europeus e traduções de literatura científica e ficção alemã para o português.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as principais informações apresentadas pela Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente em relação à exploração de urânio na cidade de Caetité?

Marijane Lisboa – Em primeiro lugar, preciso explicar o que é esse relatório. A Relatoria de Direito Humano Ambiental é parte do Projeto "Relatorias", da Plataforma DhESCA (Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), um conjunto formado por entidades que buscam fomentar a cultura dos direitos humanos no Brasil. Há “relatorias” para várias áreas, como Educação, Direito a Cidade, Saúde Reprodutiva, Direito a Terra, Território e Alimentação Adequada e Meio Ambiente. Junto com o Dr. Guilherme Zagallo, respondo pela Relatoria de Direito Humano Ambiental.

Funcionamos ao modo das relatorias da ONU. Realizamos missões investigativas a lugares onde populações locais nos enviam denúncias de violação dos seus direitos humanos e, após realizarmos as missões, elaboramos relatórios com conclusões e recomendações às autoridades responsáveis. O relatório da Missão Caetité foi o resultado de uma visita à cidade de Caetité, Bahia, em fins de julho de 2010, para averiguar denúncias sobre violações de direitos humanos ambientais da população local, ocasionadas pela Unidade de Concentrado de Urânio das Indústrias Nucleares Brasileiras – URA-INB, que minera e transforma urânio mineral em licor de urânio e este em concentrado de urânio, a principal matéria-prima do combustível nuclear, nas cercanias da cidade de Caetité. A denúncia foi encaminhada pela Associação Movimento Paulo Jackson: Ética, Justiça, Cidadania, entidade que é membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, rede de referência da nossa Relatoria. A Comissão Paroquial de Meio Ambiente de Caetité também prestou seu apoio à Associação e esse apoio custou ao seu dirigente, o Pe. Osvaldino Barbosa, ameaças anônimas à sua vida e à sua família.

Queixas da comunidade

A entidade nos trouxe as diversas queixas das comunidades rurais que vivem no entorno da mina. Elas temiam por sua saúde, pois vários poços que abasteciam seus lugarejos haviam sido fechados em novembro de 2009 pelos órgãos estaduais de saúde e de água, em virtude de testes haverem revelado altos teores de substâncias radioativas. Sem água, acabaram sendo abastecidos com carros-pipa por ordem judicial durante longo tempo. Meses depois – com a exceção de um deles – os poços foram reabertos, sem que houvesse explicações satisfatórias do porquê foram fechados e depois reabertos. Essas populações temem estarem sendo envenenadas devido à proximidade da mina e se alarmam com a grande frequência de mortes por câncer na região.

Todas as comunidades se queixaram de uma súbita falta de água, que inviabiliza suas atividades agrícolas e domésticas, como lavar roupa e cozinhar. Eles relacionam essa diminuição súbita da água com a abertura da mina dez anos atrás, pois foi aí quando começou o problema. Quando a INB se implantou no local, ela assinou contratos com vários agricultores para perfurar poços nas suas propriedades e dividir o uso da água. Desde então muitos desses poços estão secos.

Outra grande queixa dos vizinhos da INB são as explosões frequentes para extração do minério, que provocam rachaduras em suas casas e os assustam. As explosões e rachaduras, a falta de água e a dificuldade em vender seus produtos nos mercados locais, pois contra eles pesa o estigma de que estejam contaminados com urânio, tem inviabilizado a vida desses agricultores. Muitos gostariam de vender suas casas e terrenos, mas não encontram compradores e o que a empresa tem oferecido em casos particulares é muito pouco. Há muitas casas fechadas, cujos moradores abandonaram a agricultura e foram tentar a vida nas cidades mais próximas.

Uma queixa das comunidades vizinhas que engloba todas essas anteriores é a falta de informações e de atendimento às suas preocupações e reclamações por parte das autoridades. Os moradores dizem que não têm a quem se queixar ou reclamar, pois nem a empresa, a INB, nem a prefeitura, tampouco os órgãos estaduais lhes dão ouvidos. Isso ficou patente no Seminário sobre Segurança, Saúde e Meio Ambiente, que organizamos juntamente com a Fundacentro e na Audiência Pública que se seguiu, coordenada pela promotora Luciana Khoury, do Ministério Público Estadual/núcleo São Francisco.

O auditório da Universidade Estadual da Bahia – Uneb ficou repleto de moradores que vieram das várias comunidades vizinhas e que demonstraram às autoridades presentes a sua grande insatisfação com a falta de informação e atendimento às suas reclamações e pedidos de esclarecimento. A rádio comunitária da paróquia local também acusou uma audiência de 20 mil pessoas! Todos estavam sedentos por informação nas redondezas. Enquanto estivemos em Caetité, visitamos várias comunidades atingidas, como Juazeiro, Riacho da Vaca e Gameleira, bem como o Quilombo da Malhada. Visitamos também o juiz da Comarca de Caetité, Dr. José Eduardo Brito, o prefeito, José Barreira de Alencar Filho e a Secretária da Saúde, Cíntia Lopes Abreu Marques.

Antes de concluir o relatório, decidimos voltar à Bahia para entrevistar as autoridades estaduais e tentar esclarecer vários dos problemas apontados pela população. Em abril de 2011, estivemos em Salvador e tivemos entrevistas com os ministérios públicos estadual e federal que entraram com ações civis públicas em virtude das denúncias recebidas, com a Superintendência da Vigilância Sanitária e Proteção à Saúde, da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, com o Instituto de Gestão das Águas e Clima do Estado da Bahia e com a Superintendência do Ibama no Estado. Muitos desses órgãos nos prometeram enviar documentações solicitadas, promessas que só em parte foram cumpridas, apesar de nossas insistentes solicitações.

IHU On-Line – Como foi a audiência pública e a repercussão do relatório sobre a exploração de urânio em Caetité?

Marijane Lisboa – A Audiência Pública foi muito concorrida. Pelo que pude perceber, metade da sala estava ocupada por representantes de movimentos sociais e ONGs, que lutam contra os riscos das atividades nucleares – moradores de Caetité, vítimas do acidente do césio em Goiânia, moradores de Santa Quitéria, no Ceará, onde o governo quer abrir uma nova mina de urânio, o Greenpeace e várias entidades da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. A outra metade era composta pela “comunidade nuclear”, que na maior parte não se identificou, a não ser pelos bilhetinhos aflitos que passavam entre si.
A grande surpresa da audiência, contudo, não foi o relatório que apresentei, nem o testemunho do Pe. Osvaldino e representantes da população local, mas os depoimentos de dois líderes sindicais presentes. Em greve devido à tentativa da empresa de lhes cortar as horas extras, os dois líderes relataram com abundância de detalhes as condições lamentáveis, perigosas e improvisadas em que funciona a empresa. Denunciaram o emprego de funcionários terceirizados nas operações mais perigosas, a falta de equipamentos adequados, a lavagem e uso renovado de macacões descartáveis, a não divulgação dos resultados dos exames médicos a que são periodicamente submetidos e as ameaças constantes de demissão, caso reclamem das condições de trabalho perigosas.
Quanto à repercussão, foram o deputado José Pena, que presidiu a sessão, e uma deputada do PSB, que veio fazer um misterioso voto de fé cega na seriedade das nossas autoridades nucleares – e saiu sem ouvir nenhuma linha do relatório –; nenhum deputado ou senador. A grande mídia tampouco compareceu, embora fartamente convidada. No entanto, no dia anterior, um seminário chapa-branca, organizado pelo TCU no Rio de Janeiro para discutir “segurança nuclear”, onde se teceram muitos comentários elogiosos sobre o alto nível de segurança das nossas atividades nucleares mereceu boa cobertura. Apenas a TV Câmara cobriu a audiência.

IHU On-Line – Há quanto tempo acontece exploração de urânio em Caetité? Há registros de vazamento de urânio ou de acidentes por causa da exposição?

Marijane Lisboa – A Unidade de Concentrado de Urânio das Indústrias Nucleares do Brasil – URA-INB entrou em funcionamento em janeiro de 2000. Desde que começou a funcionar, registraram-se muitos acidentes, objeto de autuações e multas dos órgãos federais e estaduais. Alguns exemplos eu trago: logo que começou a funcionar, transbordaram cinco milhões de litros de licor de urânio das bacias de sedimentação para o meio ambiente. O órgão ambiental estadual de então, o CRA, aplicou multa máxima, o Ministério Público Estadual abriu uma Ação Civil Pública, e o Ibama suspendeu a licença de instalação. Entre janeiro e junho de 2004, a bacia de barramento de “finos” transbordou sete vezes, liberando efluentes líquidos no Riacho da Vaca. Outros acidentes se repetiram nos anos que se seguiram, como o comprovam a nota técnica que obtivemos da superintendência do Ibama, a duras penas, e que lista diversos “eventos não usuais na URA-Caetité”, além de multar a empresa por deixar de comunicar acidentes e entregar relatórios de atividades sobre procedimentos de controle ambiental desde 2006 até 2009. O último vazamento de substância oleosa (solvente com urânio) custou à INB uma multa de um milhão de reais, em setembro de 2010. Pelo visto os “eventos não usuais” são a norma de funcionamento da empresa.

IHU On-Line – Quais são os impactos ambientais do vazamento de urânio? Há registros de contaminação dos lençóis freáticos?

Marijane Lisboa – Este é justamente o problema: não sabemos quais foram os impactos, não sabemos se há contaminação dos lençóis freáticos. Não sabemos, porque o órgão encarregado de fiscalizar e garantir a segurança das operações da UR-INB, a Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, diz que faz estudos sistemáticos, que não há impactos e que tudo funciona às mil maravilhas. Mas não mostra os exames e seus resultados. O problema é que a CNEN é a acionista majoritária (99,9% das ações) da INB, ou seja, da empresa cujo funcionamento ela mesma deveria fiscalizar. Esse desenho institucional em que a empresa que fomenta é a mesma que fiscaliza contraria todo o bom-senso em matéria de gestão, como também desobedece à Convenção Internacional de Segurança Nuclear, da qual o Brasil é signatário, que recomenda a “efetiva separação” entre as funções regulatórias e as de fomento.
A CNEN proíbe seus fiscais de divulgarem os resultados de suas fiscalizações e tampouco divulga laudos de exames realizados. Por exemplo, os laudos dos testes das águas dos poços interditados em Caetité nunca foram divulgados. A CNEN simplesmente lançou uma nota dizendo que tudo estava bem. Ela exige a fé cega nas suas palavras. A secretividade, aliás, não é característica das atividades nucleares somente no Brasil. Porque a exploração da energia nuclear sempre teve interfaces muito íntimas com programas nucleares militares, esse ramo industrial é bem menos acessível à fiscalização e controles públicos e sociais. No Brasil, também, ele surge ligado a um programa militar paralelo, que ambicionava fabricar bombas atômicas. Mas, se nossa Constituição proíbe a fabricação de armas nucleares, temos que acabar com essa secretividade que apenas põe em risco o país. Essa é uma verdadeira “herança maldita da ditadura” que ainda precisa ser eliminada.

IHU On-Line – A senhora visitou o hospital da cidade de Caetité. Qual sua impressão sobre o local? Como a população de Caetité reage diante da exploração de urânio na cidade?

Marijane Lisboa – A cidade tem dois hospitais grandes, mas só em parte utilizados. O hospital público tem apenas o pronto socorro funcionando e o hospital particular só tem algumas unidades abertas. Houve emendas parlamentares para construir hospitais, que custam caro, mas não para equipá-los e contratar profissionais. Não há nenhuma unidade de oncologia na cidade. Não há nenhum programa de saúde preventiva para câncer e outras enfermidades que podem ser provocadas pela presença de material radioativo, nem para trabalhadores, nem para a população. Nunca se fez um estudo de base sobre a incidência de cânceres antes do estabelecimento da empresa em Caetité, de modo que fica fácil alegar que um maior índice de cânceres já fosse o “normal” anteriormente, por ser uma região uranífera. Quem contrai câncer precisa viajar para Vitória da Conquista, Salvador ou São Paulo para se tratar. Muitos morrem fora, ou voltam apenas para morrer em casa.
O que vi na Audiência Pública realizada em junho de 2010 em Caetité foi o medo. A população do entorno da mina, em Caetité, tem medo, pois sabe que o urânio é radioativo e que pode contaminar água e alimentos. Além disso, teme as explosões provocadas pela mina, as rachaduras e possíveis acidentes. A secretividade que cerca a INB, pois a empresa sempre nega que tenha havido acidentes, ou trata de minimizá-los, embora tais assertivas contrariem o que contam os trabalhadores da mina aos seus parentes e amigos, faz com que a empresa tenha perdido toda a credibilidade.

IHU On-Line – Quais são os riscos da exploração de urânio para a saúde humana? Há informações sobre casos de doenças em Caetité por causa da exploração de urânio ou contaminação radioativa?

Marijane Lisboa – A exploração de urânio é sempre perigosa para a saúde humana, particularmente para os seus trabalhadores, que sofrem uma exposição crônica e ainda podem sofrer exposições agudas em decorrência de acidentes. Pessoas que vivem nas imediações de uma mina de urânio podem também sofrer uma contaminação crônica em virtude da contaminação da água e do solo, decorrentes de vazamentos e a subsequente contaminação de alimentos e animais. Também são vítimas das explosões para extrair o minério, que liberam o gás radônio, inodoro e invisível, mas muito perigoso para a saúde.
Há farta literatura sobre as lamentáveis condições de saúde de populações vizinhas a antigas minas de urânio nos EUA e na ex-URSS: enorme incidência de cânceres, inutilização de grandes extensões de terras. Mesmo supondo que as minas de hoje em dia sejam exploradas com métodos mais seguros, elas sempre são perigosas. Um excelente exemplo é Caldas, em Poços de Caldas, onde vemos rejeitos radioativos abandonados ao ar livre nas piores condições.

IHU On-Line – Quais são as condições de trabalho dos funcionários da Indústrias Nucleares do Brasil – INB? Como eles se manifestam diante do trabalho praticado na empresa?

Marijane Lisboa – Quando realizamos a visita a Caetité, em julho de 2010, não tivemos contato oficiais com trabalhadores. Tínhamos informações sobre condições de trabalho precárias, mas por temerem retaliações, os poucos trabalhadores que nos procuraram não quiseram ser identificados. Na Audiência Pública, semana passada, no entanto, todos ficamos estarrecidos com o que os líderes sindicais relataram de viva voz. Entre outras coisas, impressionou-nos ouvir que eles nunca tiveram acesso aos seus exames. A auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, Dra. Fernanda Gianazzi, já havia explicado que a empresa não estava realizando todos os testes necessários para acompanhar a saúde dos trabalhadores e que o Brasil não cumpria com legislação internacional da Organização Internacional do Trabalho para trabalhadores em atividades relacionadas com material radioativo.

IHU On-Line – Em que sentido pode-se falar em violação de direitos humanos e ambientais em Caetité?

Marijane Lisboa – O caso de Caetité é emblemático da tese que os direitos humanos devem ser entendidos sempre como um conjunto de direitos interligados e interdependentes. Ali a violação do direito humano a um meio ambiente equilibrado em decorrência das atividades da INB implica a violação do direito à saúde, à moradia, à água potável e à atividade econômica da população vizinha da empresa. Além disso, as dificuldades enfrentadas pela população em receber informação adequada, ser ouvida e atendida pelas autoridades configura um quadro de violações aos direitos políticos de acesso à informação, manifestação e participação nas decisões políticas que lhe afetam. A população de Caetité nunca foi ouvida pelas autoridades federais, quando elas decidiram ali localizar essa empresa. As licenças prévias de instalação e operação foram sucessivamente concedidas pelo Ibama/Brasília, apesar de todos os acidentes e do descumprimento das condicionantes, sem que nunca a população local tenha sido ouvida. Assim, quem mais sofre com a empresa é quem nunca teve direito de ser ouvido.

IHU On-Line – Como vê a postura do Brasil de investir em energia nuclear?

Marijane Lisboa – Acredito que o governo brasileiro deveria fomentar amplo debate nacional sobre a conveniência de se continuar a desenvolver o Programa Nuclear Brasileiro, dados os seus riscos e danos que vão muito além daqueles que podem originar-se de acidentes em usinas nucleares, como em Chernobyl ou Fukushima. Ao se considerar o ciclo do combustível nuclear como um todo, que se estende desde a mineração, processamento de urânio, transporte, uso como combustível e descarte final, mutliplica-se consideravelmente o número de vítimas que ele produz, vítimas que são objeto de uma contaminação crônica e invisível, mas wque nem por isso é menos irreversível ou grave, e que vivem sobre o terror de acidentes, aparecimento de doenças graves e morte.
Até hoje não há solução segura para os rejeitos radioativos e já são milhares de toneladas em depósitos provisórios pelo mundo afora. O transporte de material radioativo por terra e navios pode ser objeto de acidentes graves e de atentados terroristas. Todas as usinas nucleares podem falhar e há um número enorme de acidentes menores que não chegam às páginas dos jornais, mas que mostram os riscos intrínsecos à geração de energia nuclear. Os acidentes em usinas condenam gerações de pessoas à morte por câncer, inutilizam enormes extensões de terras, criam cidades fantasmas. Finalmente, o descomissionamento de usinas nucleares, ou seja, o seu desmantelamento findada a sua vida útil, é uma operação economicamente caríssima, caso se busque uma segurança adequada.
Em resumo, a energia nuclear é perigosa, cara e pouco eficiente e provavelmente só foi desenvolvida no mundo porque servia de biombo para programas militares paralelos. Com tantas fontes alternativas de energia e um bom programa de eficiência energética descentralizado, o Brasil pode passar muito bem sem energia nuclear e economizar recursos, que certamente serão bem-vindos na saúde pública, educação, moradia, reforma agrária e combate à miséria.

IHU On-Line – Após a divulgação do relatório sobre a exploração de urânio em Caetité, qual sua expectativa?

Marijane Lisboa – O relatório faz uma série de recomendações às autoridades envolvidas, principalmente aos ministérios de Ciência e Tecnologia, Minas e Energia e Ministério do Meio Ambiente, mas também aos órgãos estaduais da Bahia e aos ministérios públicos estaduais e federal. A mais urgente é a que se refere à água consumida pela população vizinha à empresa. É preciso garantir a essa população o consumo de água dentro dos parâmetros de normalidade. Para isso propomos que se forme uma comissão mista, composta de vários órgãos públicos, instituições acadêmicas e sociedade civil – e não só da CNEN –, que encomende exames em laboratórios independentes da CNEN e divulgue os seus resultados.
Ainda com referência à saúde da população, recomendamos que se monte um plano de monitoramento da saúde dos trabalhadores e da população vizinha, formando para isso também uma comissão mista com vários órgãos e, se necessário, convidando especialistas do exterior, e que se equipe o sistema de saúde da cidade com recursos e técnicos necessários para tal. A CNEN, a INB e o Brasil devem isso à população da cidade de Caetité.
Outra recomendação importante que fizemos foi a de que se faça uma auditoria independente na URA-INB para se averiguar as condições de funcionamento, acidentes passados, contaminação de corpos hídricos, solo, etc. Desta auditoria devem participar também representantes da sociedade civil e especialistas de entidades de pesquisa. Seus resultados devem ser publicizados, pois quem não deve não teme.
Também recomendamos que o Ministério Público Federal nomeie urgentemente um procurador para a região, que o Ingá investigue as razões da súbita falta de água no entorno da empresa, que se suspendam novas licenças de mineração de urânio no Brasil; também que se crie um órgão de fiscalização separado do (órgão) de fomento de atividades nucleares e que se indenizem de forma justa os moradores cujas casas e atividades econômicas tenham sido afetadas pelo funcionamento da INB.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Marijane Lisboa – Às visitas aos órgãos públicos estaduais e à superintendência do Ibama em Salvador indicaram um quadro de “falência múltipla” dos nossos órgãos públicos. Uma "dança das cadeiras" permitia com que uns atribuíssem a outros as responsabilidades, culminando o empurra-empurra na poderosa CNEN, que, por sua vez, não costuma dar satisfações a ninguém. O fato de que a superientendência do Ibama, que a Secretaria da Saúde do Estado e que o Ingá não tenham técnicos em radioatividade configura o que chamamos de “conspiração da ignorância”. Estes órgãos não podem dizer nada, porque não têm profissionais, equipamentos e laboratórios especializados. Volta-se ao começo do jogo, portanto, à CNEN. Isso não pode ter sido por acaso. Quem decidiu construir a URA-INB também decidiu não equipar os seus hospitais com unidades oncológicas, não contratar técnicos nos órgãos estaduais e municipais, não formar pessoal especializado. Se o Estado não é capaz de fiscalizar, não deveria permitir o estabelecimento de atividades intrinsicamente perigosas como a mineração e processamento de urânio.

Para ler mais:

• População de Caetité barra contêineres com material nuclear. Entrevista especial com João Batista Pereira
• Radiação nuclear. Caetité pede atenção. Entrevista especial com Zoraide Vilas Boas
• Carga de urânio voltará a Caetité acompanhada por 160 policiais
• População de Caetité faz vigília e impede entrada de urânio na cidade
• O desespero dos que vivem em torno da mina de urânio de Caetité, BA
• Urânio entre o caos e o silêncio
• Caetité. Uma mobilização empolgante e suas lições
• Jaques Wagner reafirma interesse em usina nuclear na Bahia
• Usina de confusões. Governo demite toda a diretoria da CNEN
• Crise energética: impasses e riscos das formas de energia produzidas atualmente. Entrevista especial Marcelo Firpo Porto
• A energia nuclear em debate. Edição 355 da Revista IHU On-Line
• Energia para quê e para quem? A matriz energética do Brasil em debate. Edição 236 da Revista IHU On-Line
• Degradação ambiental na sociedade do risco. Até onde podemos ir? Entrevista especial com Carlos Machado
• "Não faz sentido o Brasil retomar a opção pela energia nuclear". Entrevista especial com Washington Novaes

sábado, 12 de novembro de 2011

Fórum BHSF e Ministério Público em audiência sobre usina nuclear em Itacuruba.




A audiência em Itacuruba teve o objetivo previamente definido de discutir com os participantes e deliberar encaminhamentos acerca de temas relacionados ao Fórum e outros de interesse da população local.






Aproximadamente 200 pessoas compareceram à Câmara de Vereadores, local de realização da audiência no dia 09.11 (quarta-feira) que contou com forte participação da comunidade, com destaque para intervenção de jovens estudantes de escolas públicas municipais.  O evento teve a Coordenação do representante do Ministério Público de Pernambuco, Dr. André Silvani (CAOPMA), e pelo Coordenador Geral do Fórum Interinstitucional de Defesa da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco em Pernambuco, Marcelo Teixeira (Codevasf) e pelos membros do Fórum representando o DNOCS (Kátia Távora e Fernanda Cristina), Agência Condepe/Fidem (Wellington Eliazar e Paulo da Fonte), CPRH (João Moraes), Fundaj (João Suassuna), SEMAS (Marcus Carvalho), Cipoma (Sargento Paulino) e Fundarpe (Augusto Passhaus Neto). Se fizeram presentes a audiência, a  Prefeitura Municipal,  Diocese de Floresta, Povos Indígenas da região,  Articulação Popular São Francisco Vivo, Comissão Pastoral da Terra, Irpaa, Comitê da Bacia do São Francisco, além de órgãos que tem desenvolvido estudos e pesquisas na região, a exemplo da Fundação Joaquim Nabuco - Fundaj. A audiência  foi convocada pelo poder público (MPPE/CAOPMA) que diz ter tido conhecimento da possibilidade de instalação da Usina Nuclear em Itacuruba apenas através da imprensa. “O município ainda não foi informado, fiquei sabendo pelos jornais e pelo relatório da Eletronuclear disponível em um blog da região”, declarou o prefeito do município, Romero Magalhães Lêdo (PSB) em sua fala de abertura dos trabalhos.


Antes de abrir para debate, os representantes do  Fórum Interinstitucional de Defesa da Bacia do Rio São Francisco em Pernambuco – organização que reúne instituições públicas ligadas ao Meio Ambiente, Marcelo Teixeira e Wellington Eliazar – apresentaram características naturais e sócio-econômicas do estado de Pernambuco e em especial dos municípios que estão situados na área que compreende o Sertão de Itaparica. Em seguida, cartazes e gritos de ordem de “Não queremos Usina Nuclear” reforçavam a fala de diversas pessoas que manifestaram a preocupação com os impactos que a instalação de uma Usina Nuclear pode trazer para Itacuruba, para o São Francisco e para o país de forma geral, tomando por referência consequências geradas a partir da geração de energia nuclear em outros países. João Suassuna (FUNDAJ) e Vice Coordenador do Fórum BHSF, destacou que é membro do fórum não para dizer se é contra ou a favor da instalação da usina nuclear, mas apenas para levantar questões: uma sobre a energia nuclear, dizendo que essas idéias começaram a vir a tona a partir do ex-Ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, que é Físico Nuclear; que a idéia está esfriando porque ele não é mais ministro; diz que a implantação de uma unidade como essa não requer muitos empregos e impõe a qualificação dos trabalhadores, o que não envolve ninguém da região; destacou a existência de outras fontes energéticas interessantes, como o sol (3.000h de sol ao ano no NE); quando se começa a usar a tecnologia a tendência é diminuir o seu custo e a energia solar já começa a igualar os tais custos aos das usinas hidrelétricas; manifestou preocupação com os resíduos gerados com a atividade de uma usina nuclear; diz que Itacuruba foi escolhida porque no outro lado do rio tem o Raso da Catarina, no Estado da Bahia, região desabitada que serviria para o depósito dos resíduos, no morro da Tigela. Sobre a transposição do Rio São Francisco, esclarece que vem estudando o problema há vários anos e diz que os canais serão utilizados para atender ao grande capital e não a população, pois não está claro no projeto como a água deixará os canais e atenderá “ao sítio do seu Zezinho que está logo ali”; diz que é preciso pensar no solo quando se fala em drenagem e o solo da região é dificílimo de ser drenado (solo raso e pedregoso) o que levará a salinização, algo muito grave para a população; diz que há alternativas maravilhosas (atlas nordeste de abastecimento de água) e que custa metade do valor previsto para a transposição e com um alcance social muito maior; “mas, porque foi priorizado no PAC a transposição e não o atlas?” É óbvio que o dinheiro determinou a escolha.


Dipeta Tuxá, dos povos indígenas Tuxás de Rodelas (BA), mencionou impactos que a região já sofreu com a construção da Barragem de Itaparica, que muita gente nem acreditava que seria  construída. “O governo brasileiro ainda é devedor aos povos dessa região, não devia nem cogitar a instalação de uma Usnina”, lembrou o representante indígena.


Alguns questionamentos seguiram no sentido de saber até que ponto a população terá direito à voz e à voto no processo decisório, sendo registrada a proposta de realização de um plebiscito ou referendo, considerando a importância da participação popular nas decisões políticas que afetam diretamente a vida das pessoas.


Ao meio dia em ponto, o Presidente do fórum finalizou os trabalhos, constatando a presença de cerca de 200 pessoas no auditório, agradecendo a todos e se colocando a disposição, propondo que os integrantes do fórum presentes se reunissem reservadamente, no Município de Floresta, visando a tomada de deliberações. Ainda promoveu especial agradecimento ao apoio dispensado pelo CIPOMA/PMPE e da Pefeitura de Itacuruba.


No dia anterior a audiência, foi realizada uma visita técnica ao suposto local da suposta instalação de uma usina nuclear no município de Itacuruba, na companhia do Vice-Prefeito do município, Sr. Gustavo Cabral Soares, do Pe. Sebastião, do Cacique Geraldo, na localidade denominada Fazenda Jatinã, cerca de 18 km da cidade municipal, obtendo-se no local as seguintes coordenadas UTM, obtidas a partir de levantamento por GPS realizado por técnico da CPRH, João Francisco Moraes: 24L520872/9032447. Ali, foi verificado o seguinte: a) área típica de caatinga hiperxerófila; b) proximidade de cerca de 800m de uma entrada do lado de Itaparica; c) existência de duas habitações do tipo taipa, sem energia e pequenas benfeitorias para a criação de caprinos, incluindo cercados; d) solo raso e pedregoso; e) idenficados pontos de assoreamento no lago, mediante inspeção visual; f) relevo plano e solo bastante exposto em face da vegetação rala; f) estrada de acesso carroçável, sem passagem molhada


Encerrada a audiência pública os integrantes do Fórum BHSF se dirigiram até o local onde se encontram as instalações do “Observatório Astronômico do Sistema Itaparica”, situado no Município de Itacuruba  e lá realizaram um levantamento fotográfico, sendo mais observado o seguinte: a) a existência de uma placa de identificação do “projeto impacton”, com a inscrição do “Ministério de Ciência e Tecnologia” e “Observatório Nacional” no portão de entrada do local; b) que o local era cercado por cerca simples de arame farpado e o portão se trata de uma portão de ferro preso a uma corrente e cadeado; c) o terreno na área cercada do empreendimento possuia bastante vegetação nativa (caatinga); d) foi visto no local a abóboda do observatório e junto ao mesmo um imóvel com características de casa de apoio ou escritório; e) ao lado esquerdo do observatório, em terreno não cercado, foi visto um imóvel não concluído, com características típicas de um outro observatório, embora não existindo nenhum tipo de identificação no local; f) da parte mais alta alcançada pelos visitantes, subindo na construção antes citada, constatou-se a virtual inexistência de pessoas, habitações ou outras formas de edificação, sendo que o local dista cerca de 9 km da cidade de Itacuruba; g) no deslocamento para o local, foi constato a existência de um lixão a céu aberto, evidenciando-se a absoluta falta de controle sobre o local (ausência de cerca, cobertura ou delimitação), com bastantes resíduos espalhados em vasta área, bem como a presença de um riacho atingido pela irregular atividade; havia dois adultos e uma criança recolhendo resíduos recicláveis no local; h) tudo foi documentado por fotografias digitais.


Sobre o assunto leia também: Blog do Meireles  - Blog de Alvinho Patriota - REMA - Missões

Mapa da área visitada da suposta usina nuclear
Folha  Floresta Revisada
LEGENDA DO MAPA




Parte da Folha Floresta, escala 1:100.000, editada pela SUDENE/DSG em 1985.


Cidade de Itacuruba antes da barragem de Itaparica, a qual foi inundada pela mesma.


1 – local suposto da futura usina nuclear no Município de Itacuruba,  


     8o 45’ 10,2” S / 38o 48’ 37” W.


2 – Ponto do lago de Itaparica mais próximo da suposta usina nuclear,


      8o 45’ 20,5” S / 38o 48’ 44,9” W.


3 – Nova Itacuruba, 8o 43’ 37,1” S / 38o 41’ 06,6” W (ponto próximo a Prefeitura Municipal).


(Colaboração: geólogo João Moraes/CPRH)

SOBRE A TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO.


"Notícias
17.10.2011
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"Movimentos sociais contestam os números

da revitalização do Rio São Francisco

No mês em que se comemora o aniversário do Rio São Francisco, movimentos sociais ribeirinhos publicaram Nota Pública denunciando o mau uso dos recursos públicos destinados à Revitalização do São Francisco

A Articulação Popular São Francisco Vivo – SFVivo, que congrega cerca de 300 organizações populares e movimentos sociais na defesa do Rio São Francisco, vem a público contestar os dados sobre realizações do Projeto de Revitalização do São Francisco divulgados recentemente pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), e exigir comprovações das afirmações feitas e transparência nas dotações orçamentárias e ações governamentais. Os anúncios são muito mais peças publicitárias do que prestação de contas, e evidenciam a política de “faz de conta” que tem norteado a atuação do governo federal em resposta à cobrança de revitalização feita pela sociedade. O projeto governamental quase nada mudou nestes anos, continua setorial e desconexo, longe das causas estruturais dos processos de degradação socioambiental da Bacia, que ao contrário de refluir, estão a se intensificar, comprometendo uma possível e real revitalização.

As ações de fato iniciadas – como “moeda de troca” do projeto de Transposição de Águas do São Francisco para o chamado Nordeste Setentrional – estão longe dos R$ 6,4 bilhões de investimentos divulgados pelo MMA em matéria postada no site do IBAMA, no dia 5 de outubro, intitulada “Revitalização do São Francisco já soma R$ 6,4 bilhões”. A inflação das cifras fica evidente quando o vultoso número é destrinchado ao longo do texto. Dos R$ 6,4 bilhões propalados, orçados nos Planos Plurianuais entre 2004 e 2015, apenas R$ 1,4 bilhões correspondem às ações concluídas. R$ 3 bilhões estão supostamente sendo gastos com as obras em andamento e os R$ 2 bilhões restantes seriam para iniciativas programadas.

Reiteramos aqui o que afirmamos no documento “Revitalização x Transposição: o dilema do São Francisco continua”, que a SFVivo lançou no último 4 de outubro. Como “abertura” à participação da sociedade, o Ministério da Integração coletou mais de 300 propostas para a revitalização, a maioria das quais descartada por serem consideradas inexeqüíveis ou não contemplarem os marcos legais... Culpa da sociedade? “A título de Programa de Revitalização do Rio São Francisco – PRSF foram incluídas todas as ações possíveis do governo federal, de vários setores, muitas em parcerias com os governos estaduais da Bacia, de modo a inflar os números, parecer menos discrepante com a transposição. E não há transparência, não se tem como saber muito menos acompanhar o andamento das ações.”

Torturados, os números publicitam uma imagem que não corresponde à realidade. Para aqueles que moram próximos de onde as obras estão ou estariam sendo realizadas, as cifras são mais magras e o descontentamento mais corpulento. Na fiscalização das obras feita na cidade de Juazeiro e divulgada no citado documento da SFVivo, são denunciadas as falhas na implementação da rede de esgoto. Membros da SFVivo seguindo o “caminho do esgoto” flagraram dejetos a céu aberto onde deveriam estar canalizados e tratados, mas continuam sendo despejados diretamente no rio.

O “campo de provas” para contenção de barrancos e favorecimento da navegação, inaugurado na cidade de Barra (BA), pelo presidente Lula, em outubro de 2009, jaz incompleto e abandonado, como prova das falácias de uma revitalização que não acontece.

Centrado na qualidade da água, ignorando a quantidade, o programa não vai além do esgotamento sanitário malfeito e sob suspeitas de superfaturamento. O programa está longe de atacar as principais causas da morte do Velho Chico. A diminuição do volume de água em 35% nos últimos 56 anos, entre 1948 e 2004 – dados do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR – Colorado / EUA) –, é causada, sobretudo, pelo desmatamento e pelo sobreuso da água na irrigação e nos empreendimentos do agronegócio.

A Companhia de Desenvolvimento do Vale São Francisco e Parnaíba - CODEVASF, a autarquia que divide com a Cia. Hidrelétrica do São Francisco - CHESF o controle do rio, é quem protagoniza essa política imutável de perímetros irrigados, rançosa de uma visão ultrapassada de desenvolvimento. O Superintendente Adjunto da 2ª SR, Sérgio Coelho, declarou em Audiência Pública realizada em Santa Maria da Vitória - BA, em maio desse ano, que “perímetros de irrigação são a revitalização social do rio São Francisco”. Tudo continua reduzido a negócios e lucros, com um mínimo de compensação não muito custosa de impactos sociais e ambientais.

O cinismo dos órgãos governamentais se mostra também no nome “São Francisco Vive” de nós “emprestado” para intitular, no dia 4 de outubro, shows de música e outros eventos de divulgação de sua pseudo-revitalização e convocar o povo a participar do Projeto de Revitalização como catadores de lixo a beira do rio... O povo sanfranciscano – maior riqueza do rio – merece e exige diálogo honesto e transparência nas ações. Acreditamos que há esperança, e ela vem do povo unido e organizado, propositivo e proativo; como neste 510º 4 de outubro, demonstrou em várias formas de dar a quem tanto ofereceu o “gole d’água” de sua luta pelo São Francisco Vivo – Terra e Água, Rio e Povo! "

Rio São Francisco, 08 de outubro de 2011.
Articulação Popular São Francisco Vivo – SFVivo

ENERGIA NUECLEAR EM PERNAMBUCO.

"Audiência Pública discute possibilidade

de implantação de Usina Nuclear em Itacuruba/PE.

Depois de receber a Caravana Anti Nuclear que percorreu cidades do sertão pernambucano no período de 29 a 31 de outubro, o município de Itacuruba, uma das cidades que recebeu a Caravana e que é indicada para instalação de uma Usina Nuclear, realizou no último dia 09 a primeira audiência pública para discutir o tema.

Aproximadamente 150 pessoas compareceram à Câmara de Vereadores, local de realização da audiência que contou com forte participação da comunidade, com destaque para intervenção de jovens estudantes de escolas públicas municipais. Se fizeram presentes também representantes do Ministério Público de Pernambuco, Prefeitura Municipal, Fórum Interinstitucional de Defesa da Bacia do Rio São Francisco em Pernambuco, Diocese de Floresta, Povos Indígenas da região, Articulação Popular São Francisco Vivo, Comissão Pastoral da Terra, Irpaa, Comitê da Bacia do São Francisco, além de órgãos que tem desenvolvido estudos e pesquisas na região, a exemplo da Fundação Joaquim Nabuco.

A audiência foi convocada pelo poder público local que diz ter tido conhecimento da possibilidade de instalação da Usina Nuclear em Itacuruba apenas através da imprensa. “O município ainda não foi informado, fiquei sabendo pelos jornais e pelo relatório da Eletronuclear disponível em um blog da região”, declarou o prefeito do município, Romero Magalhães Lêdo (PSB) em sua fala de abertura dos trabalhos.

Antes de abrir para debate, representantes do Fórum Interinstitucional de Defesa da Bacia do Rio São Francisco em Pernambuco – organização que reúne instituições públicas ligadas ao Meio Ambiente – apresentaram características naturais e sócio-econômicas do estado de Pernambuco e em especial dos municípios que estão situados na área que compreende o Sertão de Itaparica. Em seguida, cartazes e gritos de ordem de “Não queremos Usina Nuclear” reforçavam a fala de diversas pessoas que manifestaram a preocupação com os impactos que a instalação de uma Usina Nuclear pode trazer para Itacuruba, para o São Francisco e para o país de forma geral, tomando por referência consequências geradas a partir da geração de energia nuclear em outros países.

Dipeta Tuxá, dos povos indígenas Tuxás de Rodelas (BA), mencionou impactos que a região já sofreu com a construção da Barragem de Itaparica, que muita gente nem acreditava que seria construída. “O governo brasileiro ainda é devedor aos povos dessa região, não devia nem cogitar a instalação de uma Usnina”, lembrou o representante indígena.

Alguns questionamentos seguiram no sentido de saber até que ponto a população terá direito à voz e à voto no processo decisório, sendo registrada a proposta de realização de um plebiscito ou referendo, considerando a importância da participação popular nas decisões políticas que afetam diretamente a vida das pessoas.

*Por quê Itacuruba?

*A cidade de Itacuruba fica às margens do Lago de Itaparica, construído em 1980 no Rio São Francisco, sendo portanto local propício para funcionamento de uma Usina Nuclear que pode precisar de até 60m³/sdeágua para refrigerar suas turbinas. Além disso, conforme observa o pesquisador João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco, a região fica próxima ao Raso da Catarina, uma estação ecológica que por ser desabitada pode ser usada para depósito de lixo atômico.


Outro possível argumento é de que Itacuruba possui baixa densidade populacional e a maior parte de seus solos não são mais agricultáveis.


Além disso, fica entre os três maiores mercados consumidores de energia elétrica do Nordeste (Complexo Industrial do Recife, Portuário de Suape e Salvador), e já possui linhas de transmissão da Chesf.

Criada em 1963, o município possui 4.369 habitantes (Censo 2010), com uma taxa de urbanização de 84,87% e PIB (Produto Interno Bruto) de 21 milhões, com uma renda per capita de R$ 4,896 (dados de 2008).

As/os moradores, amedrontados com a ideia da Usina no município, apelam para o poder público: “Com 77 anos, o que eu arrumo mais se eu tiver que sair daqui? Cadê os políticos que a gente legeu? Eu peço a Romero [o prefeito] que não deixe a Usina vim pra cá”, expressou emocionada D. Margarida. O professor Deusdedet Maranhão mencionou a necessidade da população ter mais esclarecimento, compreender melhor o tema para opinar e reforçou também a necessidade da população ser ouvida, o que, segundo ele, não ocorreu no caso da Transposição do São Francisco.


Ao final da audiência o prefeito pontuou: “Eu tenho que ter a coerência de nesse momento não ter uma opinião própria, mas fazer a escuta da população e formar minha opinião a partir da opinião da maioria. É uma questão nacional, é o povo brasileiro que tem que se rebelar contra a instalação de uma usina”. Segundo o chefe do executivo, a polêmica maior é em função do acidente ocorrido no Japão no início deste ano, mas a
discussão não deve girar em torno da energia ser alternativa para o país, mas sim “temos que discutir o desenvolvimento integrado da região deItaparica”,finalizou.De acordo com o Promotor de Meio Ambiente, André Silvani, do Ministério Público do Estado de Pernambuco, todas as manifestações foram registradas em ata, a qual será utilizada para os devidos encaminhamentos. Silvani, no entanto, destaca que de acordo com a
legislação de Pernambuco uma Usina Nuclear só poderá ser instalada no estado quando todas as fontes de energia forem esgotadas."

Texto e Fotos: Comunicação IRPAA - Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada http://www.irpaa.org


Comunicação IRPAA
www.irpaa.org
3611-6481
Ruben Siqueira -
siqueira.ruben@gmail.com
Comissão Pastoral da Terra / Bahia
Articulação Popular São Francisco Vivo


sexta-feira, 11 de novembro de 2011

MOVIMENTO ANTINUCLEAR EM PERNAMBUCO.


"CARTA DE ITACURUBA


Nós, cidadãos, cidadãs e entidades promotoras e participantes da Caravana Antinuclear que percorreu, entre os dias 28 e 31 de outubro de 2011, as cidades de Belém do São Francisco, Floresta, Itacuruba e Jatobá, em Pernambuco, ameaçadas pela possível instalação de uma usina nuclear, ao concluir a Caravana, dirigimo-nos às autoridades e a toda sociedade da região, do Nordeste e do Brasil. Através desta carta compartilhamos o resultado destes dias intensos de intercâmbio, aprendizagem e compromisso. Música, poesia, teatro, feira de ciências, fotos, cartazes, oficinas de desenho com crianças, palestras e debates foram oportunidades de informação farta e segura, que o povo da região soube aproveitar, já que não obtém das autoridades.

Uma conclusão cristalina fica da Caravana: O POVO NÃO QUER USINA NUCLEAR! Suas razões, se já eram suficientes após os desmantelos vividos com a megaobra da Barragem de Itaparica, ficaram ainda mais claras com as informações disponibilizadas pela Caravana. Não precisamos da energia termonuclear, porque ela é suja, perigosa e cara. Sob qualquer ponto de vista – social, ambiental, político, econômico e cultural – ela é insustentável e indefensável. Por que retomá-la neste momento, após o acidente de Fukushima, quando a maioria dos países dela desiste? O Programa Nuclear Brasileiro, até hoje desconhecido da sociedade, tem que ser imediatamente suspenso. Neste sentido, apoiamos a recém lançada Proposta de Emenda Constitucional Antinuclear de Iniciativa Popular.

Temos, como nenhum outro país, muitas e diversificadas fontes de energia: biomassa, solar, eólica, das marés – a serem desenvolvidas com respeito às pessoas e ao meio ambiente. Suspeita-se que a motivação da construção das usinas nucleares no Brasil é a produção bélica, nos levando a repudiá-las ainda mais.

O que a nossa região precisa não é de mais uma megaobra problemática, reavaliada e rejeitada pelas grandes potências mundiais, as mesmas que financiam o programa nuclear no Brasil. Carecemos de investimentos públicos como: educação, saúde, segurança, soberania alimentar e hídrica, economia popular e solidária, convivência com o semiárido, agilidade no processo de identificação e demarcação das terras tradicionais, revitalização do São Francisco, dentre outros. Para isso, contem com nosso apoio e participação. USINA NUCLEAR NÃO!

A hora grave vivida pela humanidade e pelo planeta exige de nós, mesmo ao revés de interesses econômicos, posturas éticas, de responsabilidade mútua pelo Bem-Comum das atuais e futuras gerações. A presença ainda numerosa de povos originários nesta região nos possibilita o resgate de suas tradições culturais, junto com a demarcação de seus territórios, para um diálogo intercultural e afirmação de utopias de “um outro mundo possível”, sem a ameaça nuclear."

MEIO AMBIENTE. POLUIÇÃO EM PERNAMBUCO.

"O governo da poluição

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco


No mês de setembro houve o anúncio em Pernambuco da construção da maior termelétrica a óleo combustível do mundo, no município do Cabo de Santo Agostinho. Com uma potência instalada de 1.452 MW e um sistema de armazenamento para suprir à termelétrica, com capacidade para armazenar 200.000 toneladas de óleo combustível, foi prometido assim, produzir energia suficiente para atender as necessidades da cidade do Recife, caso necessário. A cada dia de funcionamento esta usina emitirá 24.000 toneladas de CO2 para o meio ambiente e quantidades expressivas de outros gases altamente prejudiciais à saúde humana. Além de ser perigosa, esta fonte energética é cara e aumentará a tarifa para todos os consumidores.

O anúncio de mais uma termelétrica não é fato isolado, pois está se construindo deliberadamente em Pernambuco um pólo de produção de energia elétrica com termelétricas sujas, funcionando a base de combustíveis fósseis, concentradas em Suape (Termope com 520 MW a gás natural, Suape II de 380 MW e Suape III de 1.452 MWh, ambas com óleo combustível). Sem contar com a termelétrica a ser construída pela Petrobrás que servirá a Refinaria Abreu e Lima.

A instalação da Refinaria da Petrobrás para produzir 200.000 barris/dia de óleo diesel e a construção de estaleiros, também são atividades típicas de empreendimentos que poluem em todas as suas formas, porém a mão de obra necessária não é na sua grande maioria, oriunda da comunidade e de seu entorno.

Experiências passadas em outras partes do Brasil e do mundo mostraram como é perigosa para a saúde das pessoas a concentração de indústrias que utilizam combustíveis fósseis. Além de gases que contribuem para o efeito estufa produz óxidos à base de enxofre e de nitrogênio, que são lançados a atmosfera e assim se transformam em ácido sulfúrico e nitrosos, que se precipitam como chuva ácida. Elementos químicos pesados, cancerígenos são produzidos nestas termelétricas, que mesmo com sistemas de filtros ainda causam enormes danos e riscos aos habitantes próximos da usina.

Existem caminhos diferentes para o tão desejado e pretendido progresso, com a criação de empregos e geração de renda, beneficiando mais e mais famílias. Em Pernambuco, patrocinado pelo governo estadual acontece uma deliberada atração de instalações industriais de alto risco, que podem provocar acidentes graves, assim como agressões severas ao meio ambiente e produzir emissões poluentes extremamente venenosas para a saúde pública.

O que se espera de qualquer governo municipal, estadual e federal é a preservação do meio ambiente e da saúde daqueles moradores próximos a estes empreendimentos de alto risco. Todavia, o que se verifica é uma irresponsabilidade com o futuro. O modelo de desenvolvimento adotado em Pernambuco tem conceitos e paradigmas do século passado, ultrapassados em relação à realidade e as exigências do século XXI. O desenvolvimento tem que ser parceiro da preservação ambiental e trazer conseqüências positivas na geração de empregos e renda, saúde, habitação, saneamento, educação, lazer, cultura. Não basta somente o discurso do desenvolvimento sustentável, é preciso agir como tal.

A poluição causa danos reais e mensuráveis à saúde humana. As autoridades precisam levar esses danos em conta. Não podem esquecer que existem empregos que causam mortes e devem ser evitados. Existem estudos atuais que possibilitam estimar monetariamente os danos ambientais infligidos por diversos setores da economia. Recente estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Yale e do Middlebury College mostram que há diversos setores que infligem danos ambientais maiores que a soma dos salários que pagam e dos lucros que realizam. Portanto, não criam valor econômico e sim, destroem. Também neste estudo verificou-se que indústrias do setor de energia são as que mais destroem valor. Poluir mais como propõe o governo de Pernambuco, não vai resolver as questões de emprego, só torna a população mais pobre e doente. "

terça-feira, 8 de novembro de 2011

AINDA SOBRE ENERGIA NUCLEAR.

VEJAM A CARA DE PAU DESSES POLÍTICOS E NUNCA MAIS VOTE NELES....

REVISTA ISTO É
N° Edição: 2186

30.Set.11 - 21:00

Atualizado em 31.Out.11 - 14:551

Bancada atômica

De olho nos R$ 15 milhões que o governo estuda investir em energia nuclear, um grupo de oito parlamentares reforça articulação para levar usinas para seus Estados
Izabelle Torres

Na contramão do resto do mundo, que, depois do acidente de Fukushima, no Japão, repensa os programas nucleares, um grupo de pelo menos oito parlamentares brasileiros faz lobby para tentar levar usinas atômicas para seus Estados. São eles os deputados Alfredo Kaefer (PSDB-PR), Fernando Jorgão (PMDB-RJ), Laércio Oliveira (PR-SE), Silvio Costa (PTB-PE), Fernando Coe-lho (PSB-PE), Rui Costa (PT-BA), Nelson Pellegrino (PT-BA) e Gonzaga Patriota (PSB-PE). Os movimentos vinham sendo discretos nos últimos meses, mas ganharam novo fôlego depois que o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, disse a integrantes dessa bancada atômica que o governo vai retomar as discussões sobre a implantação de quatro novas usinas no País e anunciar em 2012 os investimentos que podem passar de R$ 15 bilhões em cada unidade. As cifras enchem os olhos desses políticos. Em jogo estão os dividendos eleitorais gerados pelo desenvolvimento de regiões pobres, além da oportunidade de se aproximar de obras bilionárias. Apesar do afã em obter lucros políticos e econômicos, a atuação do grupo suprapartidário que defende a geração de energia nuclear é discreta. E normalmente é feita em nome de governadores interessados em atrair os investimentos. “Quando o governo federal der o sinal verde para as usinas vai ser uma verdadeira guerra política e muita gente entrará nessa briga”, diz Silvio Costa (PTB-PE).

O deputado petebista atua a serviço das pretensões do governo de Pernambuco. O grupo político de Eduardo Campos (PSB) trabalha para sediar uma das usinas com construção prevista para os próximos anos. A ideia do governador é erguer o empreendimento no município de Itacuruba, região isolada, pobre e com baixa densidade demográfica. Características que podem ser decisivas na queda de braço pelos investimentos nucleares. “Será a chance de desenvolver a região”, ressalta o deputado Fernando Coelho (PSB-PE), outro parlamentar que exerce o lobby nuclear.

O lobby pelas usinas nucleares não parte apenas de Pernambuco. Na Bahia, um projeto do Executivo está sendo elaborado para modificar a Constituição estadual e autorizar o Estado a receber esse tipo de instalação. Com ampla maioria na Assembleia Legislativa, o governador Jaques Wagner (PT) deve conseguir aprovar a proposta com tranquilidade e ficar um passo à frente na briga para levar a usina para uma das cidades baianas às margens do rio São Francisco. Na Câmara dos Deputados, o governador conta com a articulação dos petistas Nelson Pellegrino e Rui Costa, porta-vozes do governo baiano. Os deputados argumentam que a localização dos municípios de Chorrochó ou Rodelas seriam ideais para receber os investimentos estratégicos. Ainda no Nordeste, o Estado de Sergipe também tem seu representante na disputa por uma planta nuclear. O deputado Laércio Oliveira (PR-SE) acredita que os investimentos levariam desenvolvimento ao município de Canindé do São Francisco, que já abriga a hidrelétrica de Xingó. “Os ganhos compensam os riscos. Muita gente ficou com medo de entrar na discussão, mas ela tem de ser feita”, argumenta.

Os movimentos do governo federal de retomada dos investimentos na energia nuclear também deram impulso a projetos em tramitação na Câmara. Um dos mais citados pela bancada que defende a energia nuclear é de autoria do deputado Fernando Jordão (PMDB-RJ). A proposta prevê a instituição de royalties da exploração para Estados e municípios que abrigarem usinas. Prefeitos e governadores estão de olho e os parlamentares já sentem a pressão que vem de seus redutos eleitorais. Um projeto do paranaense Alfredo Kaefer (PSDB) também desperta interesse dos defensores de usinas atômicas, especialmente de empresários. A proposta retira da União o monopólio sobre essas usinas. “Não há motivos para que somente o poder público possa administrar essas usinas”, diz. Como se vê, o lobby nuclear está a pleno vapor no Congresso.

DO NOTÍCIAS.
14/8/2010


Belo Monte. ''Lula será lembrado como o presidente

que acabou com os povos indígenas do Xingu''.


Entrevista especial com Dom Erwin Kräutler.

“Os índios que eram sempre pisados ergueram a cabeça e reconheceram que são filhos dessa terra e ninguém pode tirar isso deles”, aponta o bispo de Altamira.

Confira a entrevista.

“Os índios criaram uma nova visão sobre a própria vida, deixaram uma síndrome de autoflagelação e complexo de inferioridade e recuperaram o orgulho de pertencer àquele povo.” O pensamento é do bispo de Altamira, no Xingu, Dom Erwin Kräutler, uma das principais vozes a favor dos povos indígenas na América Latina. Em entrevista concedida à IHU On-Line, concedida pessoalmente, ele falou sobre a reafirmação da identidade indígena. “Eles, que eram sempre pisados, ergueram a cabeça e reconheceram que são filhos dessa terra e ninguém pode tirar isso deles.

” O bispo de Altamira (Pará), nascido na Áustria, chegou ao Brasil na década de 1960 e logo abraçou a causa dos indígenas. Na última semana, ele esteve na Unisinos para um ciclo de palestras. Dom Erwin é presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como é a atuação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Brasil, atualmente?

Dom Erwin Kräutler – O Cimi foi fundado em 1972 por iniciativas de bispos que tinham povos indígenas em suas áreas eclesiásticas. Chegaram à conclusão de que a atividade pastoral junto a eles precisava ser assumida, ao invés de cada religioso fazer as coisas por sua conta. Temos de ter linhas, diretrizes e prioridades comuns. Naquela época, o Estado também tomou iniciativas, através do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que não agradava sempre à Igreja. Hoje, basicamente, o Cimi tem duas finalidades: uma delas é a presença real. Estamos no meio dos indígenas, no lugar onde acontece a história desse povo, através dos nossos missionários.

O segundo ponto é a sensibilização da sociedade brasileira, que tem uma vertente no aspecto internacional. Não estamos apenas nos restringindo à causa indígena dentro do Brasil, mas na América Latina e no mundo inteiro. Entendemos que os povos indígenas do Brasil são irmãos dos índios de toda a Terra, que têm os direitos garantidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Veiculamos informações para o mundo inteiro. Normalmente o contato é feito com a imprensa alternativa, embora, volta e meia, apareça algum fato relacionado aos povos indígenas na grande mídia.

IHU On-Line – Eentre as prioridades do Cimi está a violência contra os índios...

Dom Erwin Kräutler – É o principal assunto. Estamos lutando contra a violência, mas é preciso perguntar o que há por trás dela. Não é como o caso de um cachaceiro que mata o outro em uma briga de bar. É na terra ou na falta dela que se fundamenta todo tipo de agressão contra os indígenas. São expulsos de suas terras, que acabam usurpadas. Quando falamos em violência, falamos de defesa dos direitos constitucionais, da terra, da cultura, da maneira de ser.

IHU On-Line – O senhor pode nos falar sobre o caso de um povo indígena recém-contatado que pode ser levado para uma localidade do Maranhão?

Dom Erwin Kräutler – Sobre esse caso específico não tenho nenhum detalhe no momento, o Brasil é muito grande. O Cimi é contra a transferência compulsória de um povo. Isso foi feito algumas vezes, inclusive durante a construção da Transamazônica, e, no geral, os integrantes acabam morrendo. São arrancados de seu habitat e não conseguem se adaptar. Faz parte da filosofia deles: “É a terra onde me criei, onde nasci, berço de nossos mitos e ritos, lugar dos nossos ancestrais.” E acabam morrendo, como os negros que viram escravizados da África, de uma saudade patológica. Além disso, eles não têm imunidade contra nenhum surto de doença. Mas existem na Amazônia povos encontrados recentemente e outros com contato esporádico, dos quais não se sabe praticamente nada. Ainda é impossível dizer quais as principais características e como vivem. O fato é que, quando se faz uma descoberta dessas, é um “deus nos acuda” nos meios que estão querendo se apropriar daquelas terras e das riquezas naturais existentes ali. O índio se torna um obstáculo, um empecilho e tem de ser eliminado. Para esses gananciosos e ambiciosos, índio é bicho do mato e não possui direitos.

IHU On-Line – Como é a relação entre Cimi e Funai?

Dom Erwin Kräutler – É complicada. O Cimi tem sua visão, filosofia, diretrizes, teologia e plano pastoral. A Funai é o órgão executor do governo federal e não tem filosofia própria, mas sim aquela que o atual presidente adota. Se atrai ao governo salvar os índios, é isso que a Funai se esforça para fazer. Se, no fundo, os mandantes dizem “tomara que os índios desapareçam”, a Funai também não vai se preocupar muito. Foi sempre assim. No tempo dos militares prevalecia a “incorporação dos silvícolas à identidade nacional”. Depois veio a nova Constituição, mas ficou só no papel. Nós não exigimos nada mais que o que está na Constituição, que é a carta magna do país, essa é a nossa luta.
IHU On-Line – Às vésperas das eleições, quais as expectativas do Cimi quanto aos próximos anos? Algum candidato se mostra mais favorável às causas indígenas?

Dom Erwin Kräutler – Os candidatos que aparecem mais à frente nas pesquisas não darão passos significativos, porque índio não atrai votos. Nenhum traz o compromisso de abraçar as causas indígenas. Nossa luta vai continuar. Os minoritários, que aparecem atrás, cutucam e colocam esse tema em destaque. Mesmo que não ganhem, vão aproveitar o palanque.

IHU On-Line – Como o senhor vê a situação dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul?

Dom Erwin Kräutler – É terrível, a pior do Brasil. Foram expulsos, tiveram suas terras tomadas. Estão à beira da estrada ou em reservas tão diminutas que não há como sobreviver, estão encurralados. Instalou-se um pânico coletivo que chega ao ponto de os índios não quererem mais viver, apelando ao suicídio.

IHU On-Line – Essa prática tem crescido entre os indígenas?

Dom Erwin Kräutler – Não posso dizer que tem crescido, mas são muitos os casos, inclusive entre os jovens. Eles não têm perspectivas para sobreviver com o povo.

IHU On-Line – E os índios gaúchos, como se encontram?

Dom Erwin Kräutler – O Rio Grande do Sul também tem seus problemas ligados às causas indígenas. Há gaúchos sensíveis, mas também aqueles que rezam a mesma cartilha de que índios são bugres, vagabundos, cachaceiros, mas nunca se perguntam: “o que aconteceu com esse povo?” De modo geral, tudo isso está relacionado à terra. Quando aqui se levanta questões a respeito da terra indígena, há muita contrariedade e hostilidade. Novamente dizem que os índios não precisam de tanto espaço, pois não produzem. A ideia do branco, da sociedade predominante, é que só tem direito de viver quem produz, o resto é supérfluo ou descartável. E os indígenas entram nessa categoria.

IHU On-Line – Ao mesmo tempo em que há todo sofrimento entre os índios, o senhor afirma que houve uma reafirmação da identidade indígena. Como ocorre isso?

Dom Erwin Kräutler – Em virtude dessa marginalização contra os povos indígenas, eles entranharam essa afirmação de que “são menos gente, uma categoria de pessoas que não têm direito a nada.” Entretanto, de repente, surgiu uma nova época em que eles caíram na real e se questionaram: “a final de contas, quem já estava aqui quando os outros chegaram? Quem tem cultura, uma língua e algo para contribuir para o mundo como um todo, inclusive, para o Brasil?” Criaram uma nova visão sobre a própria vida, deixaram uma síndrome de autoflagelação e complexo de inferioridade e recuperaram o orgulho de pertencer àquele povo. Os índios que eram sempre pisados ergueram a cabeça e reconheceram que são filhos dessa terra e ninguém pode tirar-lhes isso.

IHU On-Line – E nesse momento, o que o senhor tem a falar sobre BeloMonte?

Dom Erwin Kräutler – Se esse projeto for levado adiante, o Presidente Lula será lembrado como o presidente que acabou com os povos indígenas do Xingu. Não é verdade que está planejada apenas uma barragem, haverá outras. Todas as áreas indígenas do Xingu serão invadidas e os povos não vão sobreviver. Esse decreto é uma falácia. Quem deu o tiro de largada para essa monstruosidade será o responsável pela morte desses povos diante da história do Brasil e do mundo.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

CONVITE: CRIAÇÃO DO COMITÊ PERNAMBUCANO EM DEFESA DAS FLORESTAS E DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.

A criação do Comitê Pernambuco em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável será no dia 9.11 (quarta-feira), as 20 horas no 5º andar da FAFIRE - Av. Conde da Boa Vista, 921 – Boa Vista, Recife – PE.

O evento contará com a coordenação do Diretor de Mobilização da SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani, representantes do MST, da OAB, do Movimento Ambientalista, da Diocese Recife Olinda, do Comitê da Reserva da Biosfera da Caatinga, representantes do Governo do Estado, de Municípios, estudantes secundaristas, universitários, representantes do Fórum de Reforma Urbana, entre outros. A idéia é fazer um balanço do processo de votação no Senado de alteração do Código Florestal, visualizar algumas estratégias de ação e definir os próximos passos.

SOBREA A HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE.

Postamos, a seguir, explicitante artigo da jornalista, escritora e doccumentarista ELIANE BRUM, onde são esclarecidas muitas dúvidas e sequelas decorrentes da pretendida construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

No artigo, a jornalista ELIANE focaliza, com muita precisão, dúvidas, atentados à dignidade da pessoa humana (os índios, se é que Brasília considera índio pessoa humana, capaz de direitos), desrespeito à lei, sequelas da pretendia obra faraônica, herança maldita do Governo LULA, através dos depoimentos esclarecedores do Professor da Universida de São Paulo - USP CÉLIO BERMANN, ex-acessor da Presidente DILMA e ex-petista, que deixou a agremiação partidária decepcionado com "o jogo pesado e lucrativo que domina a maior ogra do PAC".

Merece destaque, na entrevista do Professor, a seguinte declaração: "Em Brasília há um vírus letal que se chama ‘Brasilite’. É um verme que entra pelo umbigo e faz com que a pessoa se ache o centro do universo"



"Belo Monte, nosso dinheiro e o bigode do Sarney.


Um dos mais respeitados especialistas na área energética do país, o professor da USP Célio Bermann, fala sobre a “caixa preta” do setor, controlado por José Sarney, e o jogo pesado e lucrativo que domina a maior obra do PAC. Conta também sua experiência como assessor de Dilma Rousseff no Ministério de Minas e Energia.

ELIANE BRUM Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de um romance - Uma Duas (LeYa) - e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo). E codiretora de dois documentários: Uma História Severina e Gretchen Filme Estrada.
elianebrum@uol.com.br@brumelianebrum

Se você é aquele tipo de leitor que acha que Belo Monte vai “afetar apenas um punhado de índios”, esta entrevista é para você. Talvez você descubra que a megaobra vai afetar diretamente o seu bolso. Se você é aquele tipo de leitor que acredita que os acontecimentos na Amazônia não lhe dizem respeito, esta entrevista é para você. Para que possa entender que o que acontece lá, repercute aqui – e vice-versa. Se você é aquele tipo de leitor que defende a construção do maior número de usinas hidrelétricas já porque acredita piamente que, se isso não acontecer, vai ficar sem luz em casa para assistir à novela das oito, esta entrevista é para você. Com alguma sorte, você pode perceber que o buraco é mais embaixo e que você tem consumido propaganda subliminar, além de bens de consumo. Se você é aquele tipo de leitor que compreende os impactos socioambientais de uma obra desse porte, mas gostaria de entender melhor o que está em jogo de fato e quais são as alternativas, esta entrevista também é para você.

Como tenho escrito com frequência sobre a megausina hidrelétrica de Belo Monte, por considerar que é uma das questões mais relevantes do país no momento, observo com atenção as manifestações dos leitores que comentam neste espaço ou em redes sociais como o Twitter. Anotei as principais dúvidas para incluí-las aqui e assim colaborar com o debate.

Desta vez, propus uma conversa sobre Belo Monte a Célio Bermann, um dos mais respeitados especialistas do país na área energética. Bermann é professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP), com doutorado em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Unicamp. Publicou vários livros, entre eles: “Energia no Brasil: Para quê? Para quem? – Crise e Alternativas para um País Sustentável” (Livraria da Física) e “As Novas Energias no Brasil: Dilemas da Inclusão Social e Programas de Governo” (Fase). Ex-petista, ele participou dos debates da área energética e ambiental para a elaboração do programa de Lula na campanha de 2002 e foi assessor de Dilma Rousseff entre 2003 e 2004, no Ministério de Minas e Energia. Célio Bermann foi também um dos 40 cientistas a se debruçar sobre Belo Monte para construir um painel que, infelizmente, foi ignorado pelo governo federal.

Vale a pena ouvir o professor a qualquer tempo. Mas, especialmente, depois de uma semana dramática como a passada. Na quarta-feira (26/10), o julgamento da ação movida pelo Ministério Público Federal reivindicando que os índios sejam ouvidos sobre a obra, como determina a Constituição, foi interrompida e adiada mais uma vez no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. Na mesma quarta-feira, chamado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) para explicar por que não suspendeu as obras de Belo Monte, o Brasil não compareceu, desrespeitando o organismo internacional e exibindo um comportamento mais usual em ditaduras. Em reportagem publicada em 20/10, o Estadão denunciou que, como retaliação por ter sido advertido sobre Belo Monte, o Brasil deixou de pagar sua cota anual como estado-membro.

Na quinta-feira (27/10), centenas de pessoas, entre indígenas, ribeirinhos e moradores das cidades atingidas, ocuparam pacificamente o canteiro de obras de Belo Monte, no rio Xingu, pedindo a paralisação da construção da usina. Foram expulsos por ordem judicial. Enquanto o canteiro de obras era ocupado por uma população invisível para o governo de Dilma Rousseff, o cineasta Daniel Tendler apresentava no Seminário Nacional de Grandes Barragens, no Rio de Janeiro, o projeto de uma megaprodução cinematográfica que se propõe a documentar as obras de Belo Monte por cinco anos. O projeto é comandado pela LC Barreto, a produtora da poderosa família Barreto, a mesma que fez “Lula, O Filho do Brasil”. Tendler, aliás, foi um dos roteiristas do filme sobre a vida do ex-presidente. Entre as repercussões da megaprodução cinematográfica sobre a megaobra do PAC no Twitter, destacou-se uma: “Os Barreto estão para o cinema nacional como os Sarney para a política”.

Ainda na semana passada, o governo federal publicou um pacote de sete portarias ministeriais com o objetivo de “destravar a concessão de licenças ambientais no país para acelerar grandes empreendimentos, como rodovias, portos, exploração de petróleo e gás, hidrelétricas e até linhas de transmissão de energia”. Ou seja: o governo caminha para anular as conquistas socioambientais obtidas na redemocratização do país.

Dias antes, em 26/10, o Senado havia aprovado um projeto de lei que retira o poder do Ibama para multar crimes ambientais, como desmatamentos. Se não for vetado pela presidente, o poder de multar passará para estados e municípios, sujeito às pressões locais já bem conhecidas. A aprovação do projeto aconteceu quatro dias depois de mais um assassinato no Pará: João Chupel Primo, mais conhecido como João da Gaita, foi morto com um tiro na cabeça, depois de denunciar ao Ministério Público Federal, em Altamira, uma rota de desmatamento ilegal na reserva extrativista Riozinho do Anfrísio e na Floresta Nacional Trairão, área do entorno de Belo Monte. Como de hábito, o Congresso decide os rumos do país desconectado com o que acontece na vida real para além do aquário brasiliense.

No momento histórico em que recursos como água e biodiversidade se consolidam como o grande capital de uma nação, o Brasil, um dos países mais beneficiados pela natureza no planeta, corre em marcha à ré. O cenário que você acabou de ler tem no centro – como obra simbólica e estratégica – Belo Monte, a maior obra do PAC. A seguir, parte de minha conversa de quase três horas com o professor Célio Bermann, em sua sala no Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP.

- Por que o senhor, assim como outras pessoas que estudam o setor, afirma que a área energética do país é uma “caixa preta”. Afinal, que caixa preta é essa?

Célio Bermann – A política energética do nosso país é uma caixa preta e é mantida dessa forma por uma série de razões. Primeiro, porque a baixa escolaridade da população brasileira não permite, por exemplo, que o leitor da Época entenda o que é terawatts-hora. Mas seria interessante que a população toda tivesse conhecimento e pudesse, com informação, começar a definir junto com empresas e governo os rumos que são mais adequados. Acho que a academia tem um papel fundamental nesse processo. Eu, particularmente, tento, na área do meu conhecimento, procurar as populações tradicionais, mostrar o que é uma usina hidrelétrica, por que alaga quando você interrompe o fluxo, o que é uma barragem, e como isso vai acabar transformando a vida da comunidade. Acho importante que a academia preste esse tipo de informação, já que governo e empresas não o fazem.

- Sim, mas por que o setor energético tem sido uma caixa preta pordécadas?

Bermann - A governabilidade foi encontrada através de uma aliança que mantém o círculo de interesses que sempre estiveram no nosso país. É a mesma turma que continua na área energética. E isso é impressionante. A população não participa do processo de decisões. Não existem canais para isso. Ainda no governo FHC, durante a privatização, o governo criou um Conselho Nacional de Política Energética. Nos dois mandatos de FHC participavam os dez ministros, mas havia um assento para um representante da academia e um da chamada sociedade civil. Eles sentavam, discutiam as diretrizes energéticas de uma forma aparentemente saudável, mas, no frigir dos ovos, na prática não mudava nada. De qualquer forma, havia pelo menos esse sentido de escutar. Isso, com Lula, acabou. O resultado do governo "democrático popular" do Lula, nos dois mandatos, e da Dilma, agora, é a negação de escutar outros interesses que não sejam aqueles que sempre estiveram junto ao poder. A própria Dilma, no início do governo Lula, tinha uma dificuldade muito grande de ouvir, de sentar-se com os movimentos sociais e ouvir. Eu tive a oportunidade de vivenciar o primeiro mandato do Lula, lá, em Brasília.

- E qual era o seu papel?

Bermann – Era apagar fogo, este era o meu papel...

- Mas, oficialmente...

Bermann - O meu papel era tentar amenizar um pouco os conflitos, mas, oficialmente, eu fui trabalhar com a Dilma como assessor ambiental no Ministério de Minas e Energia. A ideia inicial era criar uma Secretaria de Meio Ambiente dentro do ministério. Era a época em que tínhamos a Marina (Silva) falando em transversalidade, então havia um ambiente extremamente propício para aparar arestas e ver se a coisa poderia caminhar de uma forma mais adequada. Achei, então, que a melhor forma de fazer isso não era criar um lugar dos ambientalistas no ministério, mas colocar em todas as secretarias do ministério gente que pensasse o meio ambiente. Mas acabei ficando um ano lá em Brasília. Mesmo assim, foi extremamente interessante, porque me permitiu sair da academia e ter, na prática, a percepção de como as coisas se dão no dia a dia dentro do governo.

- E como as coisas se dão no dia a dia dentro do governo?

Bermann – É um horror. É uma lentidão. É um imobilismo. É incrível a capacidade da máquina de governo de fazer de conta que faz sem estar fazendo absolutamente nada. Eu falo isso com todos os pontos nos “is”. No início do governo se buscava um entendimento entre os chamados "ministérios fins" e o meio ambiente. Transportes, por causa da construção de estradas e portos, e Minas e Energia, por causa da atividade mineral, metalúrgica e energética, e as questões ambientais que são intrínsecas a essas atividades. Houve uma boa intenção de levar adiante a possibilidade do estabelecimento de pontos comuns. Fizemos, então, um acordo entre Ministério de Minas e Energia e Ministério do Meio Ambiente em função da definição de "pontos comuns", de procurar verificar onde poderíamos estabelecer alguns consensos. Era um documento em que se definia uma agenda energética e ambiental comuns aos dois ministérios. Se bem me lembro, o documento foi concluído em setembro de 2003. Mas as duas ministras só foram assinar em 31 de março de 2004.

- Por quê?

Bermann – Boa pergunta. Por quê? Boas intenções... mas por quê? Eu realmente não consigo definir exatamente se era uma questão de veleidade... não sei. No final de 2003 a Marina começou a perceber a dificuldade de ela continuar, e o Lula, daquele jeito dele, deixando a coisa acontecer. Naquele momento, o governo poderia ter tido uma agenda comum, um processo extremamente positivo de entender que existem usinas hidrelétricas que não devem ser construídas. Em 2003, a Dilma estava feliz porque tinha conseguido afastar a turma do Sarney do setor elétrico" Célio Bermann

Imagino que não era fácil ser assessor ambiental da Dilma Rousseff...

Bermann - É, foi uma coisa meio... difícil. Como falei, eu tinha uma relação particular com os movimentos sociais e estava mais numa situação de bombeiro. Vou te contar uma coisa, como referência. Eu encontrei a Dilma na posse do (físico) Luiz Pinguelli Rosa, no Rio de Janeiro, como presidente da Eletrobrás. Ela estava extremamente satisfeita, alegre, contente, porque tinha conseguido, politicamente, afastar a turma do (José) Sarney da seara energética. (Luiz Pinguelli Rosa deixaria o cargo em 2004, a pedido de Lula, que precisava colocar alguém ligado ao PMDB e a José Sarney.) Para você ver. Na época, o (José Antonio) Muniz (Lopes) era diretor da Eletronorte... e depois tornou-se presidente da Eletrobrás (de 2008 a 2011).

- O José Antonio Muniz Lopes, um homem da cota do Sarney, é um personagem longevo nessa história de Belo Monte... Só para situar os leitores, em 1989, no último ano do governo Sarney, ele era diretor da Eletronorte e foi no rosto dele que a índia caiapó Tuíra encostou seu facão por causa da proposta de Belo Monte (então chamada de Kararaô), naquela foto histórica que correu mundo. O tal do Muniz já estava lá... Depois de deixar a presidência da Eletrobrás, no início deste ano, continuou lá, agora como diretor de Transmissão da Eletrobrás...

Bermann – Pois então. Naquela época, em 2003, era ele o diretor da Eletronorte que a Dilma tinha ficado feliz por ter conseguido afastar. Por isso que eu falo que não é o governo Lula, é o governo Lula/Sarney. E agora Dilma/Sarney. Constituiu-se um amálgama entre os interesses históricos do superfaturamento de obras, sempre falado, nunca evidenciado. Não se trata de construir uma usina para produzir energia elétrica. Uma vez construída, alguém vai precisar produzir energia elétrica, mas não é para isso que Belo Monte está sendo construída. O que está em jogo é a utilização do dinheiro público e especialmente o espaço de cinco, seis anos em que o empreendimento será construído. É neste momento que se fatura. É na construção o momento onde corre o dinheiro. É quando prefeitos, vereadores, governadores são comprados e essa situação é mantida. Estou sendo muito claro ao expor a minha percepção do que é uma usina hidrelétrica como Belo Monte.

- No momento em que o senhor encontrou a Dilma, logo na constituição da equipe do primeiro mandato de Lula, o senhor conta que ela estava feliz porque tinha conseguido tirar a turma do Sarney do comando da área energética. O que aconteceu a partir daí?

Bermann - A pergunta é: tirou mesmo?

- E qual é a resposta?

Bermann - Naquele momento, manter esse pessoal à distância era estratégico para reconstruir as relações e viabilizar algumas das diretrizes que tinham sido objeto da proposta de governo. O que aconteceu é que a vida dessa situação (de afastamento) foi extremamente curta devido às relações de poder. Eles não gostaram de se sentir afastados. E eu suponho que a percepção do problema da governabilidade no governo Lula foi uma ação desses setores que tinham percebido que estavam longe da teta da vaca e que não podiam continuar assim. Qual era o jeito de fazer? PMDB era oposição. Vamos conversar... E aí se reacomodam as questões. Eu não digo que seja um grupo de ladrões mercenários. Não é isso que está em jogo. Mas essa capilaridade do Sarney permite manter o usufruto do poder. Eu não sou psicólogo para entender o que o senhor Sarney pensa quando vê o Muniz voltar para o governo, ou quando se encontra diante da incapacidade técnica do senador Edison Lobão ao conduzir o Ministério de Minas e Energia no governo Lula e agora no de Dilma. Não há lógica para isso. Vou dizer de novo: não é possível a gente acreditar na capacidade gerencial de um governo que se submete a esse tipo de articulação política, colocando uma pessoa absolutamente incapaz de entender o que é quilowatt, quilowatt-hora. De ir a público sem saber a diferença entre tensão em volts e energia em quilowatts-hora.

- O senhor está falando do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão?

Bermann- Edison Lobão.

- E Belo Monte ocupa que lugar nesse jogo?

Bermann - É a oportunidade de se fazer dinheiro e de se reconstituir as relações de poder. Essa obra tinha sido sepultada em 1989, por conta da mobilização da população indígena, e voltou à tona no governo Lula, aprovada pelo Congresso (em 2005) com o discurso de que era um novo projeto.
“O valor de Belo Monte aumentou em mais de R$ 20 bilhões em apenas cinco anos. E deverá ser maior ainda. Sem contar que 80% do financiamento é dinheiro público"
Célio Bermann

- A ameaça de retomar Belo Monte esteve presente também durante o governo Fernando Henrique Cardoso, mas só no governo Lula saiu mesmo do papel, o que ninguém imaginava que acontecesse, devido ao apoio massivo dos movimentos sociais da região à campanha de Lula. O senhor acha que o fato de Belo Monte ter saído do papel tem a ver com a denúncia do Mensalão, em 2005, e a recomposição das forças políticas para a eleição de 2006?

Bermann - Não tenho a mínima ideia. Mas vamos falar em cifras, agora. Em 2006 o projeto foi anunciado com um custo de R$ 4,5 bilhões. Você sabe, as cifras avançaram violentamente. Antes de ir para o leilão, a usina foi avaliada em R$ 19 bilhões. Foi feito o leilão e se definiu um custo fictício de geração de energia elétrica de R$ 78 o megawatt-hora.

- Por que fictício?

Bermann - Fictício porque esse custo não remunera o capital investido. É por isso que várias empresas caíram fora do empreendimento, sob o ponto de vista da geração da energia elétrica. Mas as grandes empreiteiras estão presentes, porque não é na venda da energia elétrica, mas sim na obra que se dá uma parte significativa da apropriação da renda. Com o consórcio constituído com 50% entre Eletrobrás e Eletronorte, as empreiteiras voltaram para fazer a obra. A elas interessa a obra – e não ficar vendendo energia elétrica. Essa situação é entendida pelos dirigentes, pelo governo, como normal. Para o governo federal, é uma parceria público-privada que está dando certo. Em que termos? A obra hoje está oficialmente orçada em R$ 26 bilhões. Imagine, de R$ 4,5 bilhões para R$ 26 bilhões...

- Em cinco anos, o valor da obra avançou em mais de R$ 20 bilhões?

Bermann – Oficialmente está hoje orçada em R$ 26 bilhões. Mas existem estimativas de que não vai sair por menos de R$ 32 bilhões. Isso sem falar em superfaturamento.

- Deste valor, quanto sairá do BNDES, ou seja, do nosso bolso?

Bermann – Oitenta por cento da grana para isso é dinheiro público. O que estamos testemunhando é um esquema de engenharia financeira para satisfazer um jogo de interesses que envolve empreiteiras que vão ganhar muito dinheiro no curto prazo. Um esquema de relações de poder que se estabelece nos níveis local, estadual e nacional – e isso numa obra cujos 11.200 megawatts de potência instalada só vão funcionar quatro meses por ano por causa do funcionamento hidrológico do Xingu. Então, é preciso entender que a discussão sobre a volta da inflação não se dá porque está aumentando o preço da cebola, do tomate, do leite... É por causa da volúpia de tomar recursos públicos que será necessário fabricar dinheiro. O ritmo inflacionário vai se dar na medida em que obras como Belo Monte forem avançando e requerendo que se pague equipamento, que se pague operários, que se pague uma série de coisas e também que se remunere com superfaturamento.
Com Belo Monte, ganham as empreiteiras e os vendedores de equipamentos. E ganham os políticos que permitem que essa articulação seja possível"

- Quem perde a gente já sabe. Agora, quem ganha, além das empreiteiras envolvidas na obra?

Bermann - Há as pessoas que ganham pela obra - fabricantes de equipamentos, empreiteiras. E há quem ganhe não financeiramente, mas politicamente, por permitir que essa articulação seja possível, porque é esse pessoal que vai bancar a campanha para o próximo mandato. É a escolinha ou o posto de saúde que eventualmente aquele vereador, aquele prefeito vai dizer: "É obra minha!". É isso que está em jogo. É dessa forma que a cultura política se estabelece hoje no nosso país. Isso precisa mudar. Como? É complicado.

- O senhor costuma usar a expressão “Síndrome do Blecaute” para se referir ao pânico da população de ficar à luz de velas devido a um apagão energético. Acredita que essa “síndrome” é manipulada pelo governo federal e pelos grandes interesses empresariais para emprestar um caráter de legitimidade a megaobras como Belo Monte?

Bermann – O que eu tenho chamado de "Síndrome do Blecaute" conduz à legitimação de empreendimentos absolutamente inconsistentes. Belo Monte, como foi provado pelo conjunto de cientistas que se debruçaram sobre o tema (painel dos especialistas), é uma obra absolutamente indesejável sob o ponto de vista econômico, financeiro e técnico. Isso sem falar nos aspectos social e ambiental. Mas se dissemina uma ideia do caos e, hoje, há 77 projetos de usinas hidrelétricas somente na Amazônia que utilizam a "Síndrome do Blecaute" para se viabilizarem. O fato de hoje o aquecimento global dominar a mídia e o senso comum, assim como a própria academia, ajuda a mostrar a hidroeletricidade como uma grande maravilha, independentemente do lugar em que a usina vai ser construída e dos impactos que ela vai causar. Mas o que é preciso compreender e questionar? Hoje, seis setores industriais consomem 30% da energia elétrica produzida no país. Dois deles são mais vinculados ao mercado doméstico, que é o cimento e a indústria química. Mas os outros quatro têm uma parte considerável da produção para exportação: aço, alumínio primário, ferroligas e celulose.

- As chamadas indústrias eletrointensivas...

Bermann – Isso. Eu não estou defendendo que devemos fechar as indústrias eletrointensivas, que demandam uma enorme quantidade de energia elétrica a um custo ambiental altíssimo. Mas acho absolutamente indesejável que a produção de alumínio dobre nos próximos 10 anos, que a produção de aço triplique nos próximos 10 anos, que a produção de celulose seja multiplicada por três nos próximos 10 anos. E é isso que está sendo previsto oficialmente.

- O que poucos parecem perceber e menos ainda questionam, quando essas metas são comemoradas, é a forma como o Brasil está inserido no mercado internacional em pleno século XXI. O quanto o fato de nossa economia estar baseada na exportação de bens primários tem a ver com a necessidade de grandes hidrelétricas?

Bermann – Desde a ditadura militar, passando pela redemocratização, pelos sucessivos governos até FHC, tem sido assim. Nós imaginávamos que, com Lula, essa questão ia ser reorientada. Porque o programa de governo em que eu me envolvi preconizava a necessidade dessa mudança. E o que aconteceu? Se você comparar os dados de 2001 com os dados de 2010, vai constatar que a economia brasileira está se primarizando cada vez mais. Isto é: cada vez mais são produzidos no Brasil bens industriais primários, sem agregação de valor. E são justamente os bens primários que consomem muita energia e geram pouco emprego. Além disso, satisfazem uma demanda marcada pelo consumismo. E o Brasil se mostrou incapaz de dizer: "Não, nós não vamos fazer isso".

- E depois esses produtos retornam para o Brasil, via importação, com valor agregado...

Bermann – É. Eu sempre chamo a atenção para o fato de que, do alumínio primário que o Brasil produz, 70% é exportado. E o alumínio consome muita energia. Para se pegar um barro vermelho, que é a bauxita, e transformá-la em alumínio, é preciso um processo de produção extremamente devastador sob o ponto de vista ambiental. Há um primeiro refino para obter a alumina, que é um pó branco. Esse pó branco tem como consequência ambiental uma borra chamada de “lama vermelha”. Um ano atrás, na Europa, na Hungria, houve uma catástrofe em função do rompimento de uma barragem que continha essa lama vermelha e tóxica. Ela se espalhou pelo Rio Danúbio e foi um horror. E cada vez mais se faz isso no nosso país – e, claro, não se faz mais isso nos países centrais. Isso não está acontecendo agora no Brasil, está acontecendo desde os anos 70.
“Com Lula – e agora com Dilma – ocorreu a reprimarização da economia, com exportação de bens primários sem valor agregado, numa subordinação ao mercado internacional"
Célio Bermann

- Houve acentuação desse processo no governo Lula e agora no de Dilma Rousseff?

Bermann – O que acontece a partir de Lula é o que eu tenho chamado de "reprimarização da economia". Nós já tivemos uma época em que a economia dependia basicamente da produção de bens primários: café, açúcar e também alguns bens industriais primários. Depois, tivemos Getúlio Vargas, Juscelino (Kubitschek), e nos anos 50 houve a substituição das importações com a vinda da indústria pesada. Aquele período marca um processo acelerado de industrialização da economia brasileira em que se buscava um desenvolvimento tecnológico para acompanhar o ritmo internacional. Agora, vivemos a reprimarização da economia. E não é uma questão do governo, simplesmente. O governo poderia tornar essa questão pública, dar condições para que a população compreendesse e debatesse o que está em jogo, e isso pudesse servir como base de apoio para uma tomada de decisão do tipo: "Olha, Alcoa (corporação de origem americana com grande presença no Brasil, é a principal produtora mundial de alumínio primário e alumínio industrializado, assim como a maior mineradora de bauxita e refinadora de alumina), vocês não vão continuar aumentando a produção aqui no Brasil. Procurem um outro lugar. A produção de energia elétrica gera um problema ambiental enorme, um problema social enorme, e nós vamos priorizar a demanda da população”. Mas, infelizmente, isso não é feito.

- Mas essa obstinação do governo Lula, e agora do governo Dilma, em fazer Belo onte, mesmo já tendo um prejuízo de imagem aqui e lá fora, mesmo tendo mais de uma dezena de ações judiciais contra a obra movidas pelo Ministério Público Federal, fora as outras... Essa obstinação se dá apenas por causa do esquema de governabilidade, do esquema político para as eleições a curto e médio prazo, ou é por mais alguma coisa?

Bermann – Isso já não te parece plausível? Ou você acha que tem alguma coisa meio doentia, que precisa ser explicada? (risos)

- Doentia, não sei. Mas eu gostaria de compreender melhor por que o senhor e a maioria dos especialistas que estudaram o projeto afirmam que esta obra é ruim também do ponto de vista técnico.

Bermann – Divulgaram que esta será a única usina do Xingu. Inclusive, houve um seminário recente aqui na USP em que tive a oportunidade de discutir com o Mauricio Tolmasquim (presidente da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia). E ele veio com essa ladainha: “Vai ser a única...”. E eu disse a ele: “Com o perdão do poeta, o que você está afirmando, somente de papel passado, com firma em cartório e assinado: Deus”.

- O senhor não acredita que será a única usina do Xingu, então?

Bermann – Me diga alguma coisa no nosso país que vigorou como cláusula pétrea. Me fale alguma coisa aqui no nosso país que foi dito de uma forma e se manteve ao longo do tempo. VAI ser necessário construir outras usinas. No atual projeto, esta é uma usina que vai funcionar à plena carga, no máximo, quatro meses por ano, por causa do regime hidrológico. Se ela estiver sozinha, o volume de água para rodar as turbinas dependerá da quantidade de chuva. E aquela região tem a seguinte característica: quando chove, quando tem água, quando desce a água dos tributários para o Xingu é muita água, é um volume enorme de água. Mas isso só acontece durante quatro meses por ano. Só nesse período os 11.200 megawatts vão estar operando. Em outubro, na época da estiagem, será apenas 1.100 megawatts, um décimo. Então, a pergunta é: por que construir uma usina desse porte, se, na média anual, ela vai operar com 4.300 megawatts? Necessariamente vão vir as outras quatro. Eu estou afirmando isso, infelizmente. Tecnicamente, eu tenho absoluta certeza. Porque as usinas rio acima vão segurar a água e aí Belo Monte não vai depender da quantidade de chuva. É o único jeito dessa potência instalada de 11.200 megawatts existir de fato.
O conceito do governo e das empresas não é o de população atingida, mas o de população afogada"
Célio Bermann

- O senhor está dizendo que o governo federal está mentindo ao afirmar que será apenas uma usina, para conseguir vencer as resistências ao projeto e aprová-la, e depois fará mais três ou quatro?

Bermann – Estou dizendo que, da forma como esta usina está colocada, é uma aberração técnica tão grande que é totalmente ilógico construí-la.

- E essa afirmação, discutida hoje na Justiça, de que os povos indígenas não serão atingidos?

Bermann – A noção que as empresas e o governo federal têm é a noção de população afogada – e não atingida.

- Agora, digamos que nós concordássemos que a obstinação de construir Belo Monte, ainda que atropelando a população e talvez a Constituição, se devesse à necessidade de energia elétrica. E digamos que Belo Monte fosse de fato um projeto de engenharia viável e inteligente. As usinas hidrelétricas são as melhores opções para a geração de energia no Brasil de hoje? Quais são as alternativas a elas?

Bermann – Não podemos olhar a questão da produção de energia sem questionar ou considerar o outro lado, que é o consumo de energia. Parece meio prosaico, porque envolve hábitos culturais da população. E a população sempre entendeu que energia elétrica se resume a você apertar o botão e ter eletricidade disponível. E por isso fica em pânico com a “Síndrome do Blecaute”. Mas é preciso pensar além disso. Não estou dizendo para fechar as fábricas de alumínio, de aço e de celulose no Brasil. O que estou dizendo é o seguinte: parem de ampliar a produção. Parem, porque diversos países desenvolvidos já fizeram isso. O Japão fez mais do que isso. O Japão produzia, em 1980, 1,6 milhões de toneladas de alumínio. Nós estamos produzindo quase 1,7 milhões de toneladas hoje. Só que a energia elétrica necessária para produzir alumínio tornou-se da ordem do absurdo. Então o governo japonês, as empresas japonesas produtoras de alumínio e os trabalhadores da indústria do alumínio realizaram um debate que culminou com o fechamento de todas as usinas de produção de alumínio primário no Japão, exceto uma. Isso ainda nos anos 80. Hoje, o Japão produz apenas 30 mil toneladas. De 1,6 milhões para 30 mil toneladas. Diante da necessidade de gerar muita energia para produzir alumínio, o que o Japão fez? O governo e a sociedade japonesa disseram: “Vamos priorizar a eficiência, o maior valor agregado. Nós não precisamos produzir aqui. Tem o Brasil, tem a Venezuela, tem a Jamaica, tem os lugares para onde a gente pode transferir as plantas industriais e continuar a assegurar o suprimento para a nossa necessidade industrial. A gente pega esse alumínio, agrega valor e exporta na forma de chip. Parece uma coisa tão besta, né? Mas foi isso o que os japoneses fizeram. Eles mantiveram o crescimento econômico e reduziram a demanda por energia. Nós estamos caminhando no sentido inverso. Estamos aumentando o consumo de energia a título de crescimento e desenvolvimento, e, numa atitude absolutamente ilógica, porque a gente exporta hoje a tonelada de alumínio a US$ 1.450, US$ 1.500 dólares. E, para se ter uma ideia, hoje falta esquadrias de alumínio no mercado interno, no mercado de construção brasileiro. O preço foi aumentado por indisponibilidade. Hoje, e fizemos um estudo recente sobre isso, é preciso importar esquadrias de alumínio porque a oferta no mercado interno é insuficiente. E, enquanto o Brasil exporta o alumínio por US$ 1.450, US$ 1.500, o preço da tonelada de esquadria importada é o dobro: cerca de US$ 3 mil a tonelada.

- Para o senhor, a questão de fundo é outra...

Bermann - Nós temos pouca capacidade de produzir alumínio com valor agregado. Então, não estou dizendo para fechar essas fábricas, botar os trabalhadores na rua, mas dizendo para parar de produzir alumínio primário, que exige uma enorme quantidade de energia, e investir no processo de melhoria da matéria-prima para satisfazer inclusive a demanda interna hoje insatisfeita. Agora, vai perguntar isso para a ABAL (Associação Brasileira de Alumínio). Veja se eles estão pensando dessa forma. Billiton, Alcoa, mesmo o sempre venerado Antônio Ermírio de Moraes, com a Companhia Brasileira de Alumínio. A perspectiva desse pessoal é a cega subordinação ao que define hoje o mercado internacional, o mercado financeiro. E é assim que o nosso país fica desesperado com a ideia de que vai faltar energia.
Não é Programa Luz para Todos, mas Luz para quase Todos ou Conta de Luz para Todos"
Célio Bermann

- Além de ser um modelo de desenvolvimento que prioriza a exportação de bens primários, sem valor agregado, é também um modelo de desenvolvimento que ignora o esgotamento de recursos. Enquanto tem, explora e lucra. Alguns poucos ganham. O custo socioambiental, agora e no futuro, será dividido por todos...

Bermann – Isso. Os recursos naturais são limitados. Por isso, no meu ponto de vista, a discussão do aquecimento global obscurece o entendimento da hidroeletricidade em particular. Ficamos às cegas. Para transformar o barro da bauxita naquele pó branco do alumínio, que depois é fundido através de uma corrente elétrica, é uma quantidade de energia enorme, absurda. Essa possibilidade você não vai conseguir com energia solar, com energia eólica. São processos produtivos que exigem a manutenção do suprimento de energia elétrica 24 por 24 horas. A solar não consegue fazer isso na escala necessária. Uma tonelada de alumínio consome 15 a 16 mil kilowatts-hora. Para se ter uma ideia, na média, o consumidor brasileiro consome, por domicílio, 180 kilowatts-hora por mês, o que é baixo. Nós ainda estamos vivendo uma situação muito próxima da miserabilidade em termos energéticos para a população. Nós temos uma demanda a ser satisfeita com equipamentos eletrodomésticos. Satisfeita não construindo grandes usinas hidrelétricas para as empresas eletrointensivas, mas para conseguirmos equilibrar a qualidade de vida, que se deve fundamentalmente a uma herança histórica: a de sermos um dos países com a pior distribuição de renda do mundo.

- Uma das piores distribuições de renda e uma das piores distribuições de eletricidade do mundo...

Bermann – Eu chamo o programa de universalização de "Luz para quase todos". Não é para todos, é para quase todos. Desde que estejam próximos da rede para extensão, tudo bem. Mas, para o sujeito distante, só agora é que se começa a pensar em sistemas de produção descentralizada. A percepção ainda é, infelizmente, de pegar e estender a rede. Mas o custo de extensão da rede é muito alto. Principalmente, se você pegar e atravessar 15 quilômetros para atender duas, três casas. O lógico seria a adoção de energia descentralizada em escala menor, que seja mais bem controlada pela população. Mas isso não passa pela cabeça porque define inclusive uma outra relação social. Eu também chamo esse programa de “Conta de luz para todos”, porque de repente você fica refém de uma companhia e necessariamente paga conta de luz, quando você poderia criar uma situação de autonomia energética.

- O senhor poderia explicar melhor quais são as alternativas para a população, já que todos nós crescemos dentro de uma lógica em que recebemos a conta da luz e pagamos a conta da luz; apertamos um botão na parede e a luz se faz. A realidade está exigindo que sejamos mais criativos e tenhamos mais largura de raciocínio. Quais são as alternativas para o cidadão comum, especialmente o de regiões mais afastadas?

Bermann – Depende muito do acesso à tecnologia existente no local ou na região. Hoje, por exemplo, temos no Rio Grande do Sul uma experiência de queimar casca de arroz para gerar energia. O calor da queima da casca de arroz aquece a água, a água se transforma em vapor e esse vapor é injetado num tubo e gira uma turbina produzindo energia elétrica. Não tem nada de fantástico nisso, esse processo é conhecido há muito tempo, mas, puxa vida, eu estou tão acostumado a simplesmente acender e apagar o botão... Vou ficar agora me preocupando se tem combustível? Existe um lado meio trágico da população em geral que é o comodismo: deixa que resolvam por mim. Então, quando você me pergunta sobre alternativas, depende do que a gente está falando. Existem alternativas promissoras deixando de produzir mais mercadorias eletrointensivas. Como também é promissor ter esquemas de financiamento para que o pequeno empresário adquira um painel fotovoltaico (placa que transforma luz solar em energia elétrica) ou uma usina de geração eólica (transformação de vento em energia elétrica). E use essa tecnologia que está disponível para satisfazer as suas necessidades, sem necessariamente ficar ligado a uma grande linha de transmissão, de distribuição, puxando energia não sei de onde.

- O que o senhor diria para a parcela da população brasileira que faz afirmações como estas: "Ah, se não construir Belo Monte não vai ter luz na minha casa", ou "Ah, esses ecochatos que criticam Belo Monte usam Ipad e embarcam em um avião para ir até o Xingu ou para a Europa fazer barulho". O que se diz para essas pessoas para que possam começar a compreender que a questão é um pouco mais complexa do que parece à primeira vista?

Bermann – Não é verdade que nós estamos à beira de um colapso energético. Não é verdade que nós estamos na iminência de um “apagão”. Nós temos energia suficiente. O que precisamos é priorizar a melhoria da qualidade de vida da população aumentando a disponibilidade de energia para a população. E isso se pode fazer com alternativas locais, mais próximas, não centralizadas, com a alteração dos hábitos de consumo. É importante perder essa referência que hoje nos marca de que esse tipo de obra é extremamente necessário porque vai trazer o progresso e o desenvolvimento do país. Isso é uma falácia. É claro que, se continuar desse jeito, se a previsão de aumento da produção das eletrointensivas se concretizar, vai faltar energia elétrica. Mas, cidadãos, se informem, procurem pressionar para que se abram canais de participação e de processo decisório para definir que país nós queremos. E há os que dizem: “Ah, mas ele está querendo viver à luz de velas...”. Não, eu estou dizendo que a gente pode reduzir o nosso consumo racionalizando a energia que a gente consome; a gente pode reduzir os hábitos de consumo de energia elétrica, proporcionando que mais gente seja atendida, sem construir uma grande, uma enorme usina que vai trazer enormes problemas sociais, econômicos e ambientais. É importante a percepção de que, cada vez que você liga um aparelho elétrico, a televisão, o computador, ou a luz da sua casa, você tenha como referência o fato de que a luz que está chegando ali é resultado de um processo penoso de expulsão de pessoas, do afastamento de uma população da sua base material de vida. E isso é absolutamente condenável, principalmente se forem indígenas e populações tradicionais. Mas também diz respeito à nossa própria vida. É necessário ter uma percepção crítica do nosso modo de vida, que não vai se modificar amanhã, mas ela precisa já estar na cabeça das pessoas, porque não é só energia, é uma série de recursos naturais que a gente simplesmente não considera que estão sendo exauridos e comprometidos. É necessário que desde a escola as crianças tenham essa discussão, incorporem essa discussão ao seu cotidiano. Eu também tenho uma dificuldade muito grande de chegar aqui na minha sala e não ligar logo o computador para ver emails, essas coisas. Confesso que tenho. Mas eu também percebo uma grande satisfação quando eu consigo não fazer isso. E essa percepção da satisfação é uma coisa cultural, pessoal, subjetiva. Mas ela precisa ser percebida pelas pessoas. De que o nosso mundo não existe apenas para nos beneficiarmos com essas "comodidades" que a energia elétrica em particular nos fornece. Agora isso exige um esforço, e a gente vive num mundo em que esse esforço de perceber a vida de outra forma não é incentivado. Por isso é difícil. E por isso, para quem quer construir uma usina, quer se dar bem, quer ganhar voto, quer manter a situação de privilégio, seja local ou nacional, para essas pessoas é muito fácil o convencimento que é praticado com relação a essas obras. Por mais que eu tenha sempre chamado a atenção para o caráter absolutamente ilógico da usina, das questões que envolvem a lógica econômico e financeira dessa hidrelétrica, para o absurdo que é a utilização do dinheiro público para isso, para a referência à necessidade de se precisar, num futuro próximo, enfrentar um ritmo violento de custo de vida, emitindo moeda para sustentar empreendimentos como esse, é muito difícil fazer com que as pessoas compreendam a relação dessa situação com as grandes obras. E Belo Monte é mais um instrumento disso. Eu não sou catastrofista, não tenho a percepção maléfica da hidroeletricidade. Não demonizo a hidroeletricidade. Eu apenas constato que, da forma como ela é concebida, particularmente no nosso país nos últimos anos, é uma das bases da injustiça social e da degradação ambiental. Se não é pensando em você, você necessariamente vai precisar pensar nas gerações futuras. Este é o recado para o leitor: é preciso repensar a relação com a energia e o modelo de desenvolvimento, é preciso mudar o nosso perfil industrial e também é preciso mudar a cultura das pessoas com relação aos hábitos de consumo. Nós precisamos mudar a relação que nos leva a uma cega exaustão de recursos.
Em Brasília há um vírus letal que se chama ‘Brasilite’. É um verme que entra pelo umbigo e faz com que a pessoa se ache o centro do universo" Célio Bermann


- O senhor acha que a Dilma tem essa obstinação com Belo Monte, em parte, por teimosia?

Bermann - Ela é muito cabeça dura.

- Às vezes eu acho que as questões subjetivas têm um peso maior do que a gente costuma dar. Não sei...

Bermann - É, mas eu também não sei, não tenho nenhuma proximidade maior com o que ela está pensando agora. O que eu sei é que, no dia a dia, lá no ministério, ela demonstrava uma capacidade muito reduzida de ouvir. Ela pode até ouvir, mas as coisas na cabeça dela já estão postas.

- Por que o senhor saiu do governo em 2004?

Bermann - Porque venceu o contrato, e eu achei que não valia a pena continuar. Há conhecidos meus que foram na mesma época que eu e estão até hoje em Brasília. Não estão mais no ministério, mas estão em Brasília. Acho que Brasília é uma cidade com um vírus letal, que é a "Brasilite". A "Brasilite" se compõe de um verme que entra no umbigo e toma a barriga da pessoa de forma a ela achar que é o centro do universo. A partir daí, mudam as relações pessoais, o que a pessoa era e o que ela passa a ser. Eu mesmo perdi muitos amigos que começaram a empinar o queixo. Fazer o quê? E isso faz parte do “modus vivendi” brasiliense. Basta você ter um terno e uma gravata que você é doutor. Eu acho que a gente não vai muito longe alimentando isso.

- O senhor participou da elaboração do programa de Lula na campanha de 2002 e participou do primeiro ano de governo. Está desiludido?

Bermann – Eu não aceito quando me definem como: "Ah, você também é daqueles que estão desiludidos, estão chateados...". Tem essa conotação, né? Em absoluto. Eu não estou desiludido, chateado, bronqueado. Eu estou indignado!

- Quando o senhor se desfiliou do PT?

BermannAh, quando o bigode do Sarney estava aparecendo muito nas fotos."

(Eliane Brum escreve às segundas-feiras).

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