O ASSUNTO É SECA.
Irrigação em todo o semiárido é
ilusão. Só 5% do solo é apto para irrigação. Só há água para 2%. Sempre haverá
semiárido, é preciso conviver com isso.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/48840-loucuras-hidricas.shtml
Folha de São Paulo - Opinião
Por Roberto Malvezzi
Loucuras hídricas
A severa diminuição no regime das chuvas que
assola o semiárido brasileiro estava prevista pelo Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe). Grandes secas no Nordeste são cíclicas: a última
foi há 26 anos, em 1982, e daqui um período semelhante teremos outra diminuição
drástica e progressiva no volume da pluviosidade.
Esses momentos são férteis para o cometimento de
loucuras e demagogias hídricas. Por isso, são necessárias algumas reflexões.
O regime das chuvas, em média, começou a diminuir
desde 2006, tendo seu pico em 2012, mas a seca pode adentrar 2013. A região
mais atingida é o semiárido baiano. Na verdade, 40% do semiárido brasileiro
está na Bahia. Cerca de 250 municípios decretaram situação de emergência. Mas a
diminuição das chuvas já se estende ao chamado polígono das secas, atingindo os
nove estados do Nordeste.
Encontros para debater o problema, incluindo os
moradores da região, mostram que hoje é mais fácil enfrentar a situação que há
30 anos.
Agora, há pelo menos uma cisternas para depositar
a água dos pipas, há o salário dos aposentados para fazer uma feira, há mais
facilidade nos transportes, a energia elétrica ajuda e há o próprio Bolsa
Família. Entretanto, essa infraestrutura ainda é insuficiente para que o
período seja atravessado sem maiores sofrimentos.
Não se pode comparar o semiárido de hoje com o de
dom Pedro 2º. No século passado, o Denocs (Departamento Nacional de Obras
contra a Seca) construiu cerca de 70 mil açudes para armazenar a água da chuva,
com uma capacidade de 36 bilhões de metros cúbicos. Grande parte desses açudes,
assim como rio São Francisco, está com água. Onde reside o problema?
Hoje, a maioria dos técnicos insiste que a
questão chave está na capilaridade da distribuição dessa água. Não foi
realizada a distribuição horizontal, por adutoras.
Pior, alguns açudes, como o de Mirorós, na Bahia,
tiveram suas águas intensamente utilizadas para irrigação, quando de forma
planejada deveriam ter sido poupadas para o uso humano e para a dessedentação
dos animais, já que a seca estava prevista. Nesse caso, o fato novo pode ser o
colapso hídrico do meio urbano, não apenas das famílias dispersas no meio
rural.
Por isso, o diagnóstico da Agência Nacional de
Águas (ANA) é que 1.794 municípios nos nove estados do Nordeste precisam de
novos ou complementares serviços de água para não entrarem em colapso hídrico
até 2025.
Outra questão é vender a ilusão da irrigação para todo o semiárido.
O projeto Áridas, realizado ainda no governo
Fernando Henrique Cardoso, concluiu que apenas 5% dos solos do semiárido são
aptos para a irrigação -e, mesmo assim, temos água para irrigar apenas 2%
deles.
Portanto, 95% do semiárido sempre serão semiárido.
É inevitável desenvolver um olhar sistêmico sobre
a região, algo que chamamos de convivência com o semiárido. São necessárias
propostas de atividades econômicas adequadas a esse ambiente específico.
O semiárido tem solução. O pouco que foi feito
contribuiu decididamente com a diminuição da mortalidade infantil na região,
fato que surpreendeu inclusive os técnicos do IBGE. Temos apenas 400 mil
cisternas -projetadas para períodos de seis meses sem chuva- e poucas adutoras,
insuficientes para suportar períodos de longa estiagem.
Quem sabe a geração nordestina que vai viver a
seca em 2042, agravada pelas mudanças climáticas, possa estar melhor
infraestruturada do que a geração atual.
ROBERTO MALVEZZI, 59, filósofo,
é membro da Comissão Pastoral da Terra e da Articulação Popular São Francisco
Vivo. Escreveu o livro "Semiárido: uma visão holística" (Confea/Crea)
Os artigos publicados com assinatura não traduzem
a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate
dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do
pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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