O coentro decora a convivência com a seca.
Jeremoabo, Brasil, 14/6/2012 –
Muitos cultivam alface, tomate, cenoura, beterraba e outros vegetais, mas é o
coentro a decoração constante nas hortas que ajudam famílias camponesas a
suportarem a prolongada seca que novamente afeta a região Nordeste do Brasil.
“Pelo sabor” que agrega a “feijão, carnes, macarrão, em tudo”, o coentro tem a
preferência, explicou Silvia Santana Santos, uma beneficiária do Projeto Gente
de Valor (PGV), que disseminou “quintais produtivos” em 34 municípios da Bahia,
nos quais a escassez hídrica alimenta a pobreza.
14/06/2012
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por Mario Osava, da IPS
A inclinação por essa erva estimula a
incorporação das famílias a iniciativas que estão melhorando a convivência com
o clima semiárido e a forma de vida em 282 comunidades rurais, as mais pobres
da Bahia, segundo identificou a Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional
(CAR), órgão estatal que executa o projeto. As três principais metas do PGV são
instalação de pequenas infraestruturas hídricas para armazenar água de chuva,
aumento produtivo e capacitação, com investimento de US$ 60 milhões, metade
financiada pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida) e o
restante pelo governo baiano.
“Feijões ninguém compra, mas o coentro sim”,
disse Júlio Santos, cujos sete filhos com Silvia Santana ampliaram a população
do Sítio Taperinha, hoje com mais de cem famílias, do interior de Jeremoabo, um
dos municípios incluídos no projeto, que a IPS visitou. A seca destruiu a
plantação de milho e feijão, mas as hortaliças “vendemos a cada 15 dias”, sem
interrupção, contou o agricultor, que aceitou abandonar seu cultivo tradicional
de grãos, vulneráveis aos riscos climáticos do semiárido, onde vivem 22 milhões
dos 198 milhões de brasileiros.
A horta poderá ser a principal atividade da família
no futuro, reconheceu Júlio. Sua rentabilidade está assegurada pela irrigação
com água de “cisternas de produção” fornecidas pelo projeto. São dois tanques
de cinco mil litros cada um, semienterrados para poder recolher a chuva que
escorre pelo solo. A seca esgota essa água em dois meses, mas a família Santos
conta com uma bomba para se abastecer de um manancial próximo e expandir a
horta. Além disso, com ajuda do projeto, começou a produção de mel,
interrompida este ano pela seca.
As hortas do projeto somavam 5.644 até fevereiro
e “mudaram os hábitos alimentares das pessoas”, reconheceu Gilberto de
Alcântara, antigo morador de Curralinho, uma comunidade do município de
Itapicuru, 175 quilômetros ao sul de Jeremoabo, a cidade cabeceira principal,
que tem 35 mil habitantes. Além disso, “valorizaram as mulheres”, pois são elas
que cuidam das terras agrícolas utilizadas em terraços perto de suas casas,
segundo Cleonice Castro, jovem ativista comunitária de Jeremoabo e da Pastoral
da Infância, da Igreja Católica que ajudou a reduzir a mortalidade infantil no
país. E todos se alimentam melhor, acrescentou, “sem venenos, porque não usamos
agrotóxicos”.
O “excelente foco nas comunidades mais pobres” e
a ativa participação feminina e juvenil são aspectos que fazem Gente de Valor
“uma de nossas melhores experiências” em numerosos países, disse Ivan Cossio,
gerente de programas do Fida no Brasil. Os mesmos beneficiários se capacitaram
para administrar os recursos recebidos “com eficiência e transparência”,
acrescentou. Algumas técnicas melhoram a produtividade de hortaliças e outras
atividades tradicionais neste meio rural, incrementadas pelo projeto, como
criação de caprinos e ovinos, apicultura, produção de castanha de caju,
derivados de mandioca, frutas nativas e artesanato.
As hortas, por exemplo, incluem um plástico sob
os três terraços habituais para evitar que a água vaze pelo subsolo, e telas
para fazer sombra acima, a fim de reduzir a insolação excessiva e a evaporação,
explicou Carlos Henrique Ramos, agrônomo da CAR e subcoordenador do PGV. A
segurança alimentar e o aumento da renda são as metas produtivas, destacou. Os
“quintais produtivos”, com suas cisternas duplas e outros depósitos
subterrâneos maiores destinados à água potável, a capacitação em gestão hídrica
e a assistência técnica agrícola são as ações mais generalizadas do projeto,
que beneficia cerca de 36.500 pessoas diretamente, além de outras 55 mil
indiretamente.
Sua execução envolveu oito entidades não
governamentais, de atuação local sob orientação do PGV, para atender “os mais
pobres entre os pobres”, enfatizou Cesar Maynart, coordenador do projeto. São
organizações sociais que integram um amplo movimento de desenvolvimento e
difusão de tecnologias de baixo custo e promovem uma forma de vida afinada com
o clima semiárido. Um exemplo são as cisternas de 16 mil litros para recolher
água de chuva a partir dos telhados das casas, das quais há cerca de 400 mil
instaladas no Nordeste. Outra ação do PGV que alivia as secas é o
aproveitamento forrageiro das espécies da caatinga, a vegetação típica deste
território semiárido do país, e seu armazenamento como se faz com o feno. Isto
garante alimento para o gado durante as estiagens mais severas e prolongadas.
“Aprendi muito, não sabia que a moringa é forrageira”,
contou Gilberto Alcântara, da comunidade de Curralinho. Trata-se de uma árvore
originária da Índia que cresce em terrenos secos e adaptou-se muito bem ao
clima nordestino. “Ignorava que o guandu, que conheço desde criança, também
serve de forragem”, acrescentou João dos Santos, de 26 anos, agente de
desenvolvimento subterritorial (ADS) de Curralinho. Os ADS são promotores do
Projeto Gente de Valor, em geral jovens escolhidos nos subterritórios, como é
denominado cada grupo de comunidades participantes.
A forragem feita de plantas locais é primordial,
especialmente no município de Macururé, no norte da Bahia, onde são criados
caprinos, por sua maior resistência ao clima muito seco. Ali o ADS local,
Adriano Souza, coordena um “ensaio agroecológico” que experimenta o cultivo de
17 espécies como forragem. Miguel José dos Santos, de 67 anos, se prepara para
“vender tudo o que lhe resta” por temer que a seca se prolongue. São nove
vacas, “que valem muito”, cerca de US$ 450 cada uma, mas custa alimentá-las porque
“o milho duplicou de preço”, lamentou, enquanto se conforma em criar apenas
caprinos. Os camponeses, explicou Ramos, persistem em criar bovinos porque os
consideram “uma poupança, uma reserva” para momentos de penúria. Contudo, na
seca são forçados a vendê-los a preços baixíssimos. Envolverde/IPS
(IPS)
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