Antigas cenas.
Artigo Marina Silva
Por esses
dias, andei revisitando o passado. Primeiro, ao ver o filme "Matando por
Terras", num evento em memória do saudoso e corajoso documentarista Adrian
Cowell.
13/07/2012
Folha de São Paulo
Revivi momentos difíceis da sofrida história dos
trabalhadores rurais e povos da floresta amazônica. Depois acompanhei a
cerimônia de despedida de dom Eugenio Sales, com tocantes testemunhos sobre a
importância das comunidades de base e da Campanha da Fraternidade, duas
contribuições originadas com ele.
Voltei ao tempo em que todo o PT e suas lideranças
lutavam ao lado dos trabalhadores rurais, índios e ambientalistas, na defesa da
vida e de um desenvolvimento econômico e social que respeitasse a floresta e
seus habitantes.
Ontem, vi mais uma cena dessa longa história, mas
de um capítulo atual e com muitas mudanças no enredo. O senador Luiz Henrique
(PMDB-SC) apresentou seu relatório da MP do ex-Código Florestal, enviada ao
Congresso pela presidente Dilma.
A ninguém surpreendeu a manutenção dos retrocessos
e até a ampliação da anistia aos desmatadores e a nova diminuição das áreas de
proteção. Os ruralistas, hoje, com o apoio do governo do PT, têm tudo o que
querem.
Não faltará quem atribua o "passeio"
ruralista à posição do movimento socioambiental, que continuou defendendo as
florestas e recusou-se a participar da encenação de um falso consenso.
Já estava combinado. Passada a exposição da Rio+20,
as últimas salvaguardas ambientais seriam retiradas pelos tratores.
Interrompe-se o processo de construção da governança socioambiental democrática
e baseada em princípios, que havia avançado desde a Constituição de 88.
Arquiva-se a ideia de que os líderes políticos
pudessem mediar os interesses entre a mentalidade produtivista predatória e as
urgências das mudanças climáticas. Acaba também uma fase em que a ciência podia
influenciar o debate e as decisões políticas. Tudo agora se reduz ao
pragmatismo e às conveniências eleitorais.
Revisitar o passado é algo necessário. Adrian
Cowell e dom Eugenio, agora em nossa memória, assim como Chico Mendes, nos
ajudam a pensar uma nova fase da luta do povo com as experiências de quem já
enfrentou batalhas semelhantes. Os que aparecem nas cenas antigas com índios,
seringueiros e agricultores, hoje posam ao lado de seus novos amigos.
Dizem que cada um retém do passado o que lhe serve
ao presente. Que aprendamos logo, em lugar de retê-lo, a ressignificá-lo.
Jean-Paul Sartre disse que "não somos o resultado e o produto do que o
passado fez conosco, mas o resultado e o produto daquilo que fazemos com o
nosso passado".
Pelo andar da carruagem dos retrocessos, esse
passado de tantas injustiças e dores ainda está nos dirigindo.
MARINA
SILVA escreve
às sextas-feiras nesta coluna.
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