terça-feira, 16 de agosto de 2016

Debate energético enviesado
Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco1


A matéria publicada na Revista Caros Amigos (no 232/2016) intitulada “Sob o mito da energia limpa” da jornalista Lillian Primi foi a motivação dos comentários que faço a seguir. Falar em energia nos aproxima de temas correlatos como economia, meio ambiente, tecnologia, modelo de sociedade. Logo, difícil, ou quase impossível encontrar consensos nesta discussão.

Todavia alguns pontos são inquestionáveis, e mesmo assim conceitos são deturpados junto a população. É o caso do uso frequente do termo “energia limpa”. Toda fonte energética ao ser convertida em outra forma produz algum tipo de resíduo, emissão, contaminação, poluição, que afeta o meio ambiente e as pessoas. Além de que as obras e instalações realizadas para o processo de geração, dentro do modelo de expansão vigente,  e mesmo a transmissão da energia, provocam danos, expulsões, privações, prejuízos, destruições de vidas e de bens muitas vezes permanentes e irreversíveis. Portanto é falso e desaconselhável o uso deste termo. Meros interesses econômicos da mídia corporativa, aliada das empresas tentam confundir quando antepõem energia limpa versus energia suja.

Fato é que as chamadas fontes não renováveis – petróleo, gás natural, carvão e minérios radioativos são as principais responsáveis pelo aquecimento global, pelas emissões que provocam, e consequentemente, com as mudanças climáticas que ocorrem no planeta. Evidentemente, este efeito é agravado de maneira substancial pelo modo de produção e consumo da atual civilização. E aqui é ressaltado o papel nefasto do petróleo e seus derivados como o inimigo número um do aquecimento global.

Por outro lado, as fontes renováveis de energia – sol, vento, água, biomassa são as que menos contribuem para as emissões de gases de efeito estufa, e consequentemente, para as mudanças climáticas. Mas ai tem um porém, e que foi muito bem registrado na referida matéria sobre os problemas socioambientais causados pela geração centralizada da energia eólica, e o que tudo indica também da energia solar fotovoltaica. O atual modelo de implantação e expansão destas tecnologias é tão catastrófico do ponto de vista socioambiental, como o do uso das fontes não renováveis. Neste caso a vantagem comparativa inexiste. É o que ocorre atualmente no Nordeste brasileiro com a devastação do bioma Caatinga, e com as mudanças dos modos de vida infligidas às populações que se dedicavam a pesca, coleta de mariscos, e a agricultura familiar.

Há uma discussão sobre a questão das mega hidroelétricas com a construção das barragens. Alguns gestores públicos, membros da academia, técnicos e grupos empresariais, ainda insistem na defesa de grandes e destruidores empreendimentos, onde as desvantagens superam em muito as vantagens. Os deslocamentos de milhares de pessoas acarretam danos irreversíveis a estas populações, conforme constatações históricas. Por outro lado, é consenso que as hidroelétricas também emitem uma considerável quantidade de GEE, principalmente o metano resultante da degradação microbiológica da matéria orgânica existente nos reservatórios.  Todavia, os defensores desta tecnologia, após terem que aceitar esta contastação científica, ainda tentam desqualificar aqueles que são contrários a construção de mega hidroelétricas na região Amazônica, insistindo  erroneamente em afirmar que são imprescindíveis.

Neste contexto não se pode esquecer que vivemos em um sistema capitalista, onde o lucro é o objetivo principal. E aí o vale tudo tem imperado. Desde o afrouxamento da legislação ambiental para atender aos interesses econômicos imediatos, a falta de fiscalização sobre tais empreendimentos, e os contratos draconiamos de arrendamento da terra. Em nome  da maximização do lucro, o meio ambiente e as pessoas acabam sendo prejudicadas, com o Estado se omitindo e muitas vezes incentivando práticas não condizentes com os discursos de proteção ambiental e de sustentabilidade.

Logo, os investimentos em fontes renováveis estão orientados pela lógica capitalista, e são tratados como um negócio como outro qualquer, e muito rentável, onde o lucro e a justiça são incompatíveis. É o que tem atraído fundos de pensão de outros países, empresas multinacionais e nacionais, grandes investidores particulares que encontraram no Brasil um filão para os “negócios do vento e do sol”, aliados a uma legislação que muda conforme seus interesses.

Como bem constatamos na história recente do país, o “capitalismo brasileiro” não convive com a democracia, com a justiça ambiental, com os direitos sociais. E é nesta lógica, em um país onde a informação é controlada e manipulada, que os interessses dos grupos empresariais, que se dedicam aos negócios da energia prosperam e com altas taxas de exploração. Com a inexistência plena da liberdade de imprensa, discussão junto a sociedade sobre energia para que? Energia para quem? E como produzi-la? Acabam restritas a setores acadêmicos e a poucos grupos sociais.

Verifica-se que na questão energética, em particular, na expansão das fontes renováveis de energia solar-eólica, o Estado é o maior gerador de conflitos socioambientais. Contraditóriamente, diante da função que seria de mediar os conflitos de classe, o Estado brasileiro tem lado, e favorece os grupos empresariais.

Nesta discussão, a segurança energética de um pais é assegurada pela diversidade e complementariedade. Ambas não repousam somente no duo eólico-solar, e sim em um mix de tecnologias disponíveis localmente e escolhidas dentro de critérios técnicos e socioambientais para satisfazer as necessidades dos diferentes setores da sociedade.

Parabenizo a jornalista Lillian Primi pela provocação. Lamento que na sua matéria somente alguns interesses foram representados e tiveram voz, em particular, técnicos cujas posições são bem conhecidas em prol das megahidroelétricas.



1 professor aposentado

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Série “Saga da Transposição do Rio São Francisco”

1 – TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO: possibilidades técnicas versus vontade política – (06/1995)

2 – TRANSPOSIÇÃO DE ÁGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO PARA O ABASTECIMENTO DO NORDESTE SEMI-ÁRIDO: solução ou problema? – (08/1997)

3 – TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO: um erro que poderá ser fatal – (05/1998)




4 – VONTADE POLÍTICA É A VERDADEIRA SECA DO NORDESTE – (05/1998)

5 – ÁGUA NO SEMI-ÁRIDO NORDESTINO: contradição nas ações de uso – (10/1998)

6 – DE ADVINHÃO A PROFETA – (03/1999)

7 – RIO SÃO FRANCISCO: conflitos nos usos de suas águas – (06/1999)

8 – O SEMI-ÁRIDO DE GOELA SECA – (08/1999)

9 – TRANSPOSIÇÃO: impactos da bacia hidrográfica do São Francisco – (10/1999)

10 – UM HIATO DESCABIDO – (12/1999)

11 – TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO: o carro está na frente dos bois – (02/2000)

12 – TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO NO ESTADO DA PARAÍBA: problemas técnicos e políticos – (03/2000)

13 – TRANSPOSIÇÃO: a gerência da torneira – (04/2000)

14 – SÃO FRANCISCO: sobreviver do rio nos dias de hoje torna-se cada vez mais difícil – (06/2000)

15 – TRANSPOSIÇÃO DE ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO: com a corda no pescoço e de mãos atadas –(07/2000)

16 – TRANSPOSIÇÃO: o grau de nacionalismo dos nossos dirigentes está demasiadamente baixo ou mesmo inexiste – (07/2000)

17 – TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO: alguns descaminhos – (07/2000)

18 – TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE: a água irá chegar em locais onde ela já é abundante – (09/2000)

19 – A TRANSPOSIÇÃO DE ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO PODERÁ OCASIONAR UM “PROCESSO VAGA-LUME” NO SISTEMA ELÉTRICO NORDESTINO – (10/2000)

20 – TRANSPOSIÇÃO: um esclarecimento e um acerto nas previsões – (11/2000)

21 – RECALQUE E TRANSPOSIÇÃO DE ÁGUAS: equívocos nos conceitos – (02/2001)

22 – TRANSPOSIÇÃO EM RUMO AO DESMANTELO – (03/2001) 

23 – TRANSPOSIÇÃO: informar é preciso; absorver e utilizar a informação são necessários – (04/2001)

24  RACIONAMENTO: o preço da irresponsabilidade – (06/2001) 

25 – TRANSPOSIÇÃO DE ÁGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO: planejar é preciso – (09/2001)

26 – UTILIZAÇÃO DAS ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO: novos enfoques – (10/2001)

27 – RACIONAMENTO: o golpe de misericórdia – (11/2001)

28 – A seca pode ser vencida (12/2001)

29 – GERAÇÃO ELÉTRICA: um presente de grego – (02/2002)

30 – PERSPECTIVAS NA GERAÇÃO ELÉTRICA: aos vencedores as batatas! – (04/2002)

31 – GERAÇÃO ELÉTRICA: a situação é delicada – (05/2002)
32 – A PROPÓSITO DO CONSUMO DE ÁGUA E DA POLUIÇÃO DAS TERMELÉTRICAS – (06/2002)

33 – SITUAÇÃO HÍDRICA DO SÃO FRANCISCO: agora só nos resta rezar – (10/2002)

34 – RECURSOS HÍDRICOS NO NORDESTE: a necessidade de gerenciamento – (06/2003)
35 – NA IMINÊNCIA DO PRIMEIRO EQUÍVOCO – (07/2003)

36 – ENERGIA PARA O NORDESTE: a dependência de outros centros geradores – (08/2003)

37 – ABASTECIMENTO: os estados nordestinos precisam fazer uso de suas próprias águas – (10/2003)

38 – Manutenção do racionamento de energia: uma questão a estudar – (12/2003)

39 – As armadilhas do clima – (02/2004)

40 – Transposição do Velho Chico: o empirismo continua – (07/2004)

41 – A transposição de bacias é tema debatido no Recife – (08/2004)

42 – Revitalização da Bacia e Transposição do São Francisco: claros equívocos conceituais – (09/2004)

43 – Transposição do São Francisco e a reeleição do presidente Lula – (11/2004)

44 – Os apagões da era Lula – (02/2005)

45 – Abastecimento no Nordeste: morrendo de sede no deserto com água no joelho – (03/2005)

46 – Entrevista: João Suassuna fala sobre a transposição do São Francisco (03/2005)

47 – Águas do Nordeste: o descaso das obras públicas – (04/2005)

48 –Transposição: Pernambuco se define ao apagar das luzes – (05/2005)

49 – Transposição: projeto tecnicamente ruim, socialmente preocupante e politicamente desastroso – (06/2005)

50 – QUESTÕES TÉCNICAS DA TRANSPOSIÇÃO: o presidente Lula não sabia – (08/2005)

51 – TRANSPOSIÇÃO: deflagrada a espoleta do desmantelo – (09/2005)

52 - A água do nordeste e o projeto de transposição do rio São Francisco - (11/2005)

53 – Transposição do rio São Francisco: a mágica da multiplicação dos volumes – (02/2006)

54 - Caneco de ouro – (05/2006)

55 – A propósito do lobby da transposição do rio São Francisco – (06/2006)

56 – Transposição do rio São Francisco: um projeto desnecessário – (06/2006)

57 – O santo jejum do bispo – (07/2006)

58 – A geração de energia no Brasil: já vimos esse filme antes – (07/2006)

59 – As questões do rio São Francisco em novas bases de negociações – (11/2006)

60 – O meio ambiente do país pede socorro – (12/2006)

61 – Transposição do rio São Francisco: faltou chinelo – (02/2007)

62 – Pernambuco e as águas do rio São Francisco – (03/2007)

63 – Meio Ambiente: a conta que não foi feita – (05/2007)

64 – A propósito das indefinições da geração de energia hidráulica no Nordeste brasileiro – (06/2007)

65 – Meio Ambiente: informação zero – (06/2007)

66 – Entrevista com João Suassuna  - As populações que residem no pé da serra, nos grotões, não verão uma gota d’água - (06/2007)

67 – Reféns do equívoco – (07/2007)

68 – Caravana do São Francisco: uma visão realística – (09/2007)

69 – Convivência com o Semi-Árido – (11/2007)

70 – Entrevista com João Suassuna – A polêmica da transposição (14/01/2008)

71 – Alternativas de abastecimento hídrico do Nordeste seco: a disputa é por dinheiro – (02/2008)

72 – Represa de Sobradinho: um reservatório estratégico e desconhecido – (03/2008)

73 – A verdadeira segurança hídrica do Semiárido nordestino – (06/2008)

74 – Um siri aventureiro invade o rio São Francisco – (08/2008)

75 – Transposição do rio São Francisco: um erro imperdoável – (02/2009)

76 – A propósito da questão volumétrica do rio São Francisco – (04/2009)

77  O pássaro Carão voltou a cantar no semiárido nordestino! – (06/2009)

78 – Águas do São Francisco na Paraíba em 2010: pura ilusão – (08/2009)

79 – Entrevista: “O Nordeste tem muita água”, afirma João Suassuna – (10/2009)

80 – O ano de 2010 e o futuro do rio São Francisco (02/2010)

81 - Transposição do São Francisco. Uma obra desnecessária. Entrevista especial com João Suassuna (04/2010)

82 - Uso das águas do rio São Francisco na Paraíba: crônica de um insucesso anunciado (10/2010)

83 - Geração de energia elétrica do Nordeste: uma pilha fraca no final do túnel (03/2011)

84 - O abastecimento da população do Semiárido brasileiro: uma chance perdida (02/2012)

85 - Com a vela e o pinico nas mãos (02/2013)

86 - A hidrelétrica de Riacho Seco faz jus ao nome que tem! (11/2013)

87 - Projeto da Transposição: o erro foi na partida! (06/2015)
Saga da Transposição do Rio São Francisco – Artigo 87







por João Suassuna última modificação 23/07/2015 08:21

Aventura Selvagem em Cabaceiras - Paraíba

Rodrigo Castro, fundador da Associação Caatinga, da Asa Branca e da Aliança da Caatinga

Bioma Caatinga

Vale do Catimbau - Pernambuco

Tom da Caatinga

A Caatinga Nordestina

Rio São Francisco - Momento Brasil

O mundo da Caatinga