Conflitos pela água surgem no horizonte
Estocolmo, Suécia, 31/8/2012 –
Diante da provável escassez de água nas próximas décadas, a comunidade de
inteligência dos Estados Unidos já previu um cenário futuro cinza: conflitos
étnicos, tensões regionais, instabilidade política e inclusive matanças. Nos
próximos dez anos, “muitos países importantes para os Estados Unidos
seguramente experimentarão problemas relacionados à água, como escassez, má
qualidade ou inundações, que alimentarão riscos de instabilidade e de fracassos
no funcionamento dos Estados, aumentando as tensões regionais”, alerta a
Avaliação Nacional de Inteligência, publicada em março.
http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/conflitos-pela-agua-surgem-no-horizonte/
por Thalif Deen, da IPS
Em julho, o presidente do Conselho Nacional de
Inteligência dos Estados Unidos, Chris Kojm, previu que até 2030 cerca de
metade da população mundial (atualmente mais de sete bilhões de pessoas) viverá
em áreas com severos problemas de água, elevando a probabilidade de
assassinatos em massa. No entanto, o jornal The New York Times citou
Timothy Snyder, professor de história na Universidade de Yale, afirmando em um
simpósio que “o pânico ecológico levará a matanças nas próximas décadas”.
Por sua vez, o diretor do Centro da Água da
Universidade de Columbia, Upmanu Lall, foi mais cauteloso. “Não estou certo de
que seja possível prever assassinatos em massa como resultado” da falta de
água, disse à IPS. Lall afirmou que não prevê guerras ou conflitos
internacionais por recursos hídricos. “Contudo, creio que a competição dentro
de alguns dos maiores países, como a Índia, poderia levar a uma luta interna e
ao aumento do terrorismo e dos conflitos sectários”, opinou. Porém, “evitar
este futuro é possível se trabalharmos nele hoje”, ressaltou.
Este é um dos temas analisados na conferência
internacional realizada em Estocolmo por ocasião da Semana Mundial da Água, que
termina hoje. Lall considera realista a projeção de que, se tudo continuar
igual, quase metade da população mundial viverá em “forte tensão pela água” até
2030. “É um desafio urgente, especialmente se considerarmos a possibilidade de
grandes secas, por exemplo, as deste ano nos Estados Unidos e na Índia”,
afirmou.
Os impactos serão muito graves e duradouros,
alertou Lall. Porém, “se pudermos traduzir esta preocupação em ação,
especialmente sobre com melhorar o uso da água na agricultura, de longe o setor
consumidor mais ineficiente, então poderemos evitar este desastre”, aponto o
especialista. No momento, há conversações nessa direção, mas não existem
mandatos nem metas internacionais. Lall acrescentou que “é importante que isto
seja assumido nos mais altos níveis para evitar uma considerável angústia na
população e nas economias do mundo”.
Gary White, chefe-executivo e cofundador da
organização Water.Org, acredita que o acesso aos recursos hídricos poderia ser
motivo de conflitos nos próximos anos. “Particularmente em áreas pressionadas
pela falta de água e nas quais há grandes concentrações de população pobre”,
disse à IPS. “Entretanto, também acredito que a maioria dos governos que virão
atuarão e adotarão políticas, regulações e acordos transitórios corretos e
necessários para impedir grandes conflitos”, ressaltou.
White alertou que podem ocorrer casos de escassez
aguda que teriam como consequência grandes perdas humanas e econômicas, mas
acrescentou acreditar que “um conflito declarado seria algo excepcional”. Em
geral, as crises regionais da água são geradas de forma relativamente lenta em
comparação com a maioria dos desastres naturais, e, portanto, pode-se aprender
lições para evitar impactos semelhantes em outros lugares, acrescentou.
“No entanto, essas crises e esses conflitos terão
um impacto muito maior nos pobres, porque as populações mais abastadas sempre
têm opções de utilizar tecnologia para tratar os recursos hídricos locais (como
a dessalinização) ou para transportar água por aquedutos ao longo de grandes
distâncias”, pontuou White. “Sempre afirmei que o direito básico deve ser de
todos poderem pagar para obter água potável”, disse à IPS, referindo-se à
decisão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) de, em 2010,
declarar a água e o saneamento um direito humano.
Hoje os pobres pagam mais pela água do que os
ricos, seja em dinheiro ou em trabalho investido para adquiri-la. Tampouco os
primeiros têm assegurada uma qualidade decente do recurso, lamentou White.
“Aqui, quando digo pobres me refiro aos desfavorecidos economicamente em uma
sociedade particular, e também às nações que não são tão ricas”, explicou. A
menos que sejam estendidos serviços a essas pessoas, elas sofrerão, advertiu.
E, para fazer isso, é preciso investimentos para desenvolvê-los e mantê-los.
“De fato, todos deveriam pagar um preço pela
água, mas segundo seus meios, assim fortaleceriam seu direito de acesso a uma
oferta confiável e de qualidade”, observou Lall, acrescentando que essa deveria
ser a grande meta, e não apenas a declaração da água como um direito humano.
Envolverde/IPS
(IPS)
Nenhum comentário:
Postar um comentário