domingo, 18 de novembro de 2012


ANTES DO RIO, MORRE A TERRA, artigo de Edézio Teixeira de Carvalho


Geocentelha 107

ANTES DO RIO, MORRE A TERRA[1]

O famigerado projeto de transposição do São Francisco, independentemente do desfecho da questão, gerou pelo menos um fato positivo: a discussão sobre a revitalização do rio, para alguns como condição prévia e para outros como uma ação simultânea à transposição, aliás justificada e viabilizada por ela ¾ o “toma-lá-dá-cá” de São Francisco de novo?

Do ponto de vista geológico, e agregando um pouquinho de sensibilidade geográfica, que me deu o precioso convívio com os professores de geografia do Instituto de Geociências da UFMG, há questões de base a responder. A primeira: Falta água no deserto? É claro que fisicamente sim, mas socialmente não, porque, seguindo lei natural, os grupos humanos evitaram-no como local de moradia permanente, exceto em grandes oásis. A segunda questão refere-se ao fato de que não se esgotaram as possibilidades geológicas de ampliar o suprimento em bases geográficas difusas. A terceira questão é que, provida, em bases geográficas lineares, a água resultante da transposição, estará criado um fator de sustentabilidade artificial, em estreitas faixas de terreno e, portanto, sem qualquer capilaridade social. Esta sustentabilidade artificialmente criada, portanto, provocará uma “drenagem”local das populações para tais faixas, gerando novos e mais elevados níveis de carência, que forçará ampliações, implantando um círculo vicioso, tecnicamente um ciclo de realimentação positiva, que é indesejável do ponto de vista da gestão, não obstante o nome. Nos custos indiretos de implantação do projeto estarão incluídas as moradias que terão de ser feitas em conseqüência desta corrida? Os economistas oficiais vão lembrar-se de descontar do crescimento histórico do PIB as moradias e instalações abandonadas?

Já revitalizar o rio é importante sim e terá de ser feito independentemente da transposição. Todavia tenho fundadas razões para estar muito preocupado com as estratégias (e principalmente os gigantescos recursos que se alega serem necessários). Com efeito, essas estratégias centram atenção sobre os rios da bacia. Aí eu pergunto: Existe rio vivo em terra morta? Existe rio morto em terra viva? Nem um nem outro existe, porque em verdade, o rio é o chorume da terra. Se esta estiver “um lixo”, de lixo será o seu chorume.

Fico por aqui, porque foi anunciada a chegada da ANA (Agência Nacional das Águas) e ponho-me a pensar nos netos que um dia tiver. Pagaremos todos pelas ações da ANA, embora muitos venham a pensar que ela terá resolvido bem a questão da água. No tribunal da natureza não há lugar para advogados de defesa; não há também impunidade, mas a natureza não é nada sábia em punir, porque costuma jogar todo o peso da punição sobre os inocentes.


Belo Horizonte, 21/06/00


Edézio Teixeira de Carvalho.

Geólogo, autor do livro Geologia urbana para todos – uma visão de Belo Horizonte; Membro da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete.



[1] Estado de Minas. Opinião; pg. 7; 25/07/00

por João Suassuna— Última modificação 06/10/2011 11:40

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