ANTES DO RIO, MORRE A TERRA, artigo de Edézio Teixeira de Carvalho
Geocentelha 107
ANTES DO RIO, MORRE A TERRA[1]
O famigerado projeto de transposição do São
Francisco, independentemente do desfecho da questão, gerou pelo menos um fato
positivo: a discussão sobre a revitalização do rio, para alguns como condição
prévia e para outros como uma ação simultânea à transposição, aliás justificada
e viabilizada por ela ¾ o “toma-lá-dá-cá” de São Francisco de novo?
Do ponto de vista geológico, e agregando um
pouquinho de sensibilidade geográfica, que me deu o precioso convívio com os
professores de geografia do Instituto de Geociências da UFMG, há questões de
base a responder. A primeira: Falta água no deserto? É claro que fisicamente
sim, mas socialmente não, porque, seguindo lei natural, os grupos humanos
evitaram-no como local de moradia permanente, exceto em grandes oásis. A
segunda questão refere-se ao fato de que não se esgotaram as possibilidades
geológicas de ampliar o suprimento em bases geográficas difusas. A terceira
questão é que, provida, em bases geográficas lineares, a água resultante da
transposição, estará criado um fator de sustentabilidade artificial, em
estreitas faixas de terreno e, portanto, sem qualquer capilaridade social. Esta
sustentabilidade artificialmente criada, portanto, provocará uma
“drenagem”local das populações para tais faixas, gerando novos e mais elevados
níveis de carência, que forçará ampliações, implantando um círculo vicioso,
tecnicamente um ciclo de realimentação positiva, que é indesejável do ponto de
vista da gestão, não obstante o nome. Nos custos indiretos de implantação do
projeto estarão incluídas as moradias que terão de ser feitas em conseqüência
desta corrida? Os economistas oficiais vão lembrar-se de descontar do
crescimento histórico do PIB as moradias e instalações abandonadas?
Já revitalizar o rio é importante sim e terá de
ser feito independentemente da transposição. Todavia tenho fundadas razões para
estar muito preocupado com as estratégias (e principalmente os gigantescos
recursos que se alega serem necessários). Com efeito, essas estratégias centram
atenção sobre os rios da bacia. Aí eu pergunto: Existe rio vivo em terra morta?
Existe rio morto em terra viva? Nem um nem outro existe, porque em verdade, o
rio é o chorume da terra. Se esta estiver “um lixo”, de lixo será o seu
chorume.
Fico por aqui, porque foi anunciada a chegada da
ANA (Agência Nacional das Águas) e ponho-me a pensar nos netos que um dia
tiver. Pagaremos todos pelas ações da ANA, embora muitos venham a pensar que
ela terá resolvido bem a questão da água. No tribunal da natureza não há lugar
para advogados de defesa; não há também impunidade, mas a natureza não é nada
sábia em punir, porque costuma jogar todo o peso da punição sobre os inocentes.
Belo Horizonte, 21/06/00
Edézio Teixeira de Carvalho.
Geólogo, autor do livro Geologia
urbana para todos – uma visão de Belo Horizonte; Membro da Academia de
Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete.
[1] Estado de Minas. Opinião; pg. 7; 25/07/00
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