MENSAGEM DO ESCRITOR AGASSIZ
ALMEIDA AO EMBAIXADOR KOFI ANNAN, DIGNATÁRIO DA ONU.
“Agiganta-se o Brasil como a 6ª potência econômica do mundo,
contrastantemente queda-se apequenado no campo dos direitos humanos.”
A que assistimos hoje no Brasil? Desfile da impunidade
satisfeita.
Face às
manifestações que me chegam de vários países condenando a ONU e o Brasil pela
política que adotam ante a tirania desencandeada contra o povo sírio pelo
ditador Bashar al-Assad, encaminho esta mensagem a Vossa Excelência calcada nos
princípios que nortearam a Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada
pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948.
Olhemos, sob
uma visão retrospectiva, como se movem os vultos que comandam a política
externa do Brasil nas últimas décadas. Saltam-nos excrescências inomináveis de
pactos engendrados com tiranos da pior espécie, desde Saddam Hussein, passando
por Hosni Mubarak, Muammar Kadafi, até esta deformação humana que subjuga a
Síria, Bashar al-Assad.
Com o que nos
deparamos?
Politicalha de
campanário, por meio da qual se procura preservar os interesses de certas
empreiteiras, enquanto os direitos dos povos são pisoteados.
Que postura de
fariseu esta do Brasil!
Na Síria a que
o mundo assiste estarrecido? Desastre humanitário de proporções imprevisíveis.
Sobre a cidade de Houla, num só dia, desabou tornado homicida em que dezenas de crianças foram executadas, entre
mais de cem mortes, num cerco à
população com tanques de guerra e bombardeios.
Afronta-se a
comunidade mundial. Embaixadores sírios foram expulsos de dezenas de paísese
outros tantos considerados como “personae non gratae”. E o Brasil, este reino
da impunidade interna e externa, que atitude adotou? Cínica e olímpica
indiferença.
Agiganta-se o
Brasil como a 6ª economia mundial, contrastantemente apequena-se no campo dos
direitos humanos, como uma republiqueta.
Desde a
implantação da república no país, o que a história nos fala? Oportunismo de uma
elite egoísta. O Brasil foi a última nação a abolir a escravatura e negou ao
escravo liberto terra para trabalhar. Oportunista elite, conluiada ao
corporativismo militar, na ditadura Vargas (1937-1945) como na Ditadura Militar
(1964-1985), concedeu o beneplácito da impunidade aos torturadores e genocidas.
Olga Benário e
Rubens Paiva retratam o cinismo desse desrespeito aos direitos humanos.
Vergonhosamente, transladamos essa sabujice humana para o contexto das nações. Isto
amesquinha o Brasil perante o mundo ao adotar essa política de compadrio com
ditadores.
A que
assistimos hoje? Ao desfile da impunidade satisfeita.
É este Brasil,
com uma desencontrada história de cumplicidade com os criminosos violadores dos
direitos humanos, que se caricatura na cena mundial como um parceiro dos
déspotas. Que paradoxo! Agigantado na escala da economia mundial, faz-se um
ajoelhado ante os ditadores.
Que Brasil é
este, cuja história tem a marcá-lo a aliança do corporativismo com elites
egoístas; no entanto, instantes inolvidáveis do povo brasileiro se contrapõem a
essa mancomunação nefasta. É quando um punhado de jovens, em 5 de julho de
1922, os heróis do 18 do Forte de
Copacabana se imolam em defesa dos ideais da pátria. È quando uma plêiade de
moços valentes derruba, através do movimento revolucionário de 1930, a poderosa
oligarquia cafeeira de São Paulo.
É quando, nos
anos iniciais da década de 70, do século passado, uma força juvenil de setenta
combatentes ergue na floresta amazônica, no Araguaia, atalaia de desafio a um
paredão ditatorial de um milhão de homens armados. Lutaram até o último
instante, num martirológico que engrandece a história do país. Um exército
furioso de 10 mil homens trucidou a todos, e fez desaparecer os seus corpos,
num crime de monstruosa lesa-humanidade. O nazismo não praticou tamanha
barbaridade, desconhecida nos anais dos séculos.
Com a
impunidade aos torturadores da ditadura militar de 64 e esta obscena política
externa do Brasil, apaga-se da consciência da nação o respeito a si próprio e
dos povos democráticos. Daí se explica o acovardamento cumplicioso do Brasil
com este Calígula da Síria, Bashar al-Assad.
Que legado,
senhor embaixador, deixaremos às futuras gerações?
Repudiamos essa
excrescente política do Brasil no cenário mundial.
Repudiamos esse
desencontrão do Brasil de negar a defesa dos direitos humanos, enquanto nos
balcões dos interesses inconfessáveis se procuram salvaguardar os bilionários
lucros de empreiteiras e seus apaniguados políticos.
Repudiamos,
afinal, essa afrontosa aliança do Brasil com os tiranos a renegar a razão dos
povos.
Nessa
conjuntura mundial, em que o tirano Bashar al Assad se transveste como o senhor
absoluto da vida e liberdade do povo sírio, que papel a ONU e Vossa Excelência estão a exercer?
Parece que o
mundo está a assistir a uma peça encenada num circo em que os personagens se
entremeiam entre o trágico e o cômico, num jogo teatral em que trezentos
componentes da Legião da Boa Vontade saltitam comandados por soldados
escoteiros.
Realmente, o
que fazem na Síria, senhor embaixador, os trezentos observadores que a ONU
enviou àquele país? A consciência universal cala envergonhada porque não há
resposta.
Saudações
democráticas
Agassiz Almeida
Nota: Agassiz Almeida, escritor e ex-deputado federal constituinte. É autor
de várias obras, destacando-se “A
República das elites” e “A Ditadura dos Generais”. Na Assembleia Nacional
Constituinte de 1986 conseguiu aprovar 67 emendas à vigente Constituição
Federal. Ativista dos Direitos Humanos. Na década de 1980, como Promotor de
Justiça participou do desbaratamento e condenação dos criminosos do Esquadrão
da Morte na Paraíba.
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