SEGURO GARANTIA-BODE.
Artigo de Clóvis
Guimarães Filho
Os governos, federal, estaduais e
municipais, pagaram seguro garantia-safra a mais de 700 mil agricultores
familiares do semiárido na safra 2010-2011 e, por incrível que pareça, ainda
fazem ruidosa publicidade dessa ação que pode ser considerada como um prêmio a
um insucesso planejado.
http://www.irpaa.org/modulo/publicacoes/artigos
O foco central dos debates é
equivocado. Não se discute a produção e o que precisa ser feito para
incrementá-la. Praticamente não se vê nos noticiários publicidade sobre
tonelagens recordes, ou mesmo normais, de milho e feijão produzidas, apenas
quantas mil famílias foram “beneficiadas” com os programas de distribuição de
sementes ou com o pagamento do seguro. Bastante compreensível a omissão,
considerando que os cultivos de milho e do feijão nessas áreas só têm chance de
sucesso em três de cada dez anos de cultivo. O problema é que o seguro
garantia-safra é aplicado para qualquer área do semiárido, sem critério claro
de zoneamento e na grande maioria dos cultivos, nas zonas mais secas, o
agricultor familiar não conta com qualquer apoio técnico efetivo durante o
ciclo das culturas. Um estudo da Embrapa indica que essas culturas são de muito
baixa viabilidade em mais da metade da área do semiárido (55,6%), aquela correspondente às áreas
consideradas no estudo como de “muito baixa a média oferta ambiental”. Somente
no estado do Piauí o governo já pagou mais de 120 milhões de reais aos
agricultores por perdas na safra no período 2003 a 2010. Dos mais de 68 mil
agricultores inscritos no Garantia Safra 2010-2011, apenas 338 (meio por cento)
conseguiram salvar mais de 50% da produção esperada. Pode-se afirmar que, de
certa forma, eles foram induzidos a plantar o que não deveriam plantar. Em
Pernambuco, dos 66 municípios inscritos, 52 comunicaram perdas ao MDA. Por que
a persistência com este programa que estimula o cultivo do que não dá para
pagar o seguro porque não deu? Por que não limitam o seguro às áreas onde essas
colheitas sejam agronomicamente mais viáveis e nas áreas mais secas implantam
um seguro mais coerente com aquilo que realmente é estratégico para a vida do
produtor que nelas habita, como o caprino, o ovino, o mel, a galinha e o umbu.
Seria um programa que poderia genericamente se chamar seguro “garantia-bode” ou
“seguro-bode”, o que sintetiza aquilo que realmente o produtor familiar
precisa, pois quando a falta de chuvas induz uma escassez desses produtos, o
produtor e sua família têm realmente comprometida a sua sobrevivência. Todo o
mundo sabe do valor do bode como o principal fator de fixação do caatingueiro,
mas, até hoje, nenhum programa massivo de formação de reservas de forragem para
o período seco foi implementado. Alguém sabe qual foi o estoque estratégico, em
toneladas de silagem ou de feno ou de palma ou de palhadas, montado pelos
estados do Nordeste para enfrentar o período seco de 2011? E para 2012, quais
foram as metas previstas? Parece que a ocorrência de uma seca sempre nos pega
de surpresa. As armas efetivamente estratégicas contra as secas devem residir
em planos microrregionais ou territoriais articulados das secretarias estaduais
de agricultura com os municípios e as organizações de produtores, tendo por
base o reconhecimento das secas como fatores normais de produção e não como
anormalidades. O continuísmo de programas que priorizam a distribuição
indiscriminada de sementes de milho e feijão, de animais “melhoradores”, de
carros-pipa, de cestas básicas, de bolsas isso e bolsas aquilo apenas sugere o
completo desconhecimento do potencial em recursos naturais e humanos do
semiárido para seguir um caminho mais compatível com as demandas de suas
populações. O nosso desafio é adequar as inovações e as políticas públicas às
circunstâncias e potencialidades dos produtores de base familiar da região,
tomando em consideração suas instituições, sua racionalidade, seu limitado
acesso a insumos e a assistência técnica e os recursos disponíveis na
propriedade. No semiárido, como em qualquer outra região, cada ação ou etapa
desse trabalho, inclusive a introdução de novas tecnologias, deve ter seu tempo
certo e seu espaço adequado para execução. Em suma, não podemos continuar
alterando o ecossistema para adaptar pseudo-soluções exógenas. As verdadeiras
soluções estão aí, bem a nossa frente. Só precisamos aprender a enxergá-las.
Urgentemente, já que a caatinga está sendo dizimada a um ritmo próximo aos 300
mil hectares anuais.
Clovis Guimarães Filho1
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