A ESTIAGEM CONTINUA, E AGORA? Artigo
de Clóvis Guimarães Filho
As políticas públicas e programas
de apoio às atividades agropecuárias desenvolvidas no semiárido nordestino,
além de dispersas e superficiais, têm se caracterizado por uma concepção
predominantemente assistencialista e por uma excessiva setorização, pelo que,
em termos de resultados, não propiciaram nenhuma mudança de real impacto no
padrão de vida do produtor e de sua família.
http://wm.agripoint.com.br/mailing/visualizar.asp?18868*0*
Pelo contrário, a baixa
eficácia desses programas tem colocado sob ameaça de desaparecimento um enorme
potencial de trabalho e produção, representado por mais de um milhão de
unidades agrícolas de base familiar. Nos sertões baiano e pernambucano do São
Francisco a história não foi diferente. É evidente o enorme esforço dos novos
programas que estão sendo levados a efeito na região em não repetir os mesmos
equívocos. Os pontos vulneráveis desses programas, contudo, continuam sendo:
·
A não priorização da busca de uma autogestão que permita ao grupo de atores
locais assumir gradativamente o protagonismo do processo, reduzindo, em ritmo
compatível, a dependência das instituições públicas;
·
A visão curta de um horizonte meramente quadrienal para o alcance de seus
resultados;
·
A massificação imediata, sem os meios necessários, do contingente de
beneficiários em detrimento de áreas-piloto iniciais com expansão gradativa
posterior;
·
A limitação das ações de apoio ao segmento “dentro da porteira”, ignorando ou
negligenciando os demais segmentos da cadeia produtiva;
·
A inexistência de um sistema simultâneo e eficaz de monitoramento e de
avaliação de impactos das ações empreendidas.
Enfrentamos agora mais um ano
de estiagem devastadora. O produtor não vai poder nem mesmo contar muito com a
ajuda do mandacaru, agora também em risco de extinção. A caatinga está sendo
mutilada a um nível sem precedentes. Os agentes que deveriam coibir essas
ações, inconcebivelmente lotados nas capitais, não operam as “blitzes” sob a
alegação de que as diárias pagas não cobrem seus custos de alimentação e
hospedagem. E assim a caatinga vai se acabando a um ritmo anual estimado em
cerca de 270 mil hectares. Os programas públicos de ajuda ao produtor na atual
estiagem não funcionaram a contento, a começar pelos de crédito, cronicamente
afetados pela buropatia. Para financiar um poço o caatingueiro de Paulistana-PI
terá que apresentar ao banco uma outorga d’água. Mesmo nem sabendo o que é
isso, ele terá que viajar mais de 400 km até Teresina, e procurar a única
entidade credenciada a iniciar um processo de vistorias e outros trâmites para
lhe fornecer a outorga. Este ano o Brasil começa a ultrapassar os Estados
Unidos como maior exportador mundial de soja e de milho. Ou seja, mesmo com os
problemas cruciais de logística já conhecidos, conseguimos entregar o nosso
milho em todos os cantos do mundo, mas não conseguimos entregá-lo em Petrolina.
O inacreditável é que a entrega chegou a ter um “recesso” no final do ano, como
se os bovinos, caprinos e ovinos também não tivessem direito à ceia natalina.
Outro contra-senso é o seguro garantia-safra. Limitá-lo às áreas onde os
cultivos do milho e do feijão tenham chances reais de sucesso e criar um seguro
“garantia-bode” para as áreas mais secas, seria uma medida bem mais coerente
com aquilo que realmente é estratégico para a vida do produtor, como o caprino,
o ovino, o mel, a galinha e o umbu. Novas formas de ajuda estão sendo
anunciadas, todas bem intencionadas. Não espere, contudo, resultados muito
eficazes. Medidas realmente eficazes são aquelas que geram resultados a médio e
longo prazos, coisa a que não estamos muito afeitos. A base para este ano teria
de ser a implantação de uma política de apoio a formação de estoques
estratégicos anuais de forragem (feno, silagem, amonizados, cactáceas, etc.), o
que impõe a integração entre as áreas de sequeiro e os perímetros irrigados, há
tanto tempo sugerida. A Codevasf já iniciou um trabalho dentro desse conceito,
operando áreas coletivas irrigadas, dispersas no sequeiro, chamadas de “pulmões
verdes”. Mesmo neste começo do ano, já era para estar sendo operado um programa
agressivo, em todo o semiárido, de orientação e apoio ao aproveitamento da
folhagem das espécies nativas e naturalizadas (faveleira, jurema, algaroba,
umburana, juazeiro, etc.) para formar reservas complementares de feno. Há muita
folhagem disponível dessas espécies cujos fenos podem apresentar valores
protéicos acima de 20%. Mas, como fazê-lo com uma assistência técnica
fragilizada, ocupada mais com carros-pipa e seguro-safra? A estruturação de uma
assistência técnica realmente qualificada juntamente a um programa agressivo de
organização profissional dos produtores e de desburocratização do crédito são
ingredientes insubstituíveis para ajudar o produtor na sua longa e penosa
jornada em busca da recuperação da sua condição original.
Clovis Guimarães Filho,
consultor do Projeto Bioma Caatinga (Sebrae/Banco do Brasil)
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