Possíveis impactos da mudança de clima no Nordeste .
Clima do Nordeste: o presentehttp://www.algosobre.com.br/atualidades/possiveis-impactos-da-mudanca-de-clima-no-nordeste.html
Por Jose A. Marengo
É conhecido que as chuvas do semi-árido da região
Nordeste apresentam enorme variabilidade espacial e temporal. Anos de secas e
chuvas abundantes se alternam de formas erráticas, e grandes são as secas de
1710-11, 1723-27, 1736-57, 1744-45, 1777-78, 1808-09, 1824-25, 1835-37,
1844-45, 1877-79, 1982-83, e 1997-98. A ocorrência de chuvas, por si só, não
garante que as culturas de subsistência de sequeiro serão bem-sucedidas, e um
veranico ou período seco dentro da quadra chuvosa pode ter impactos bastante
adversos à agricultura da região. O regime pluviométrico de uma determinada
região mantém uma forte relação com as condições hídricas do solo. Visto que a
precipitação na região Nordeste apresenta uma grande variabilidade no tempo e
espaço, a ocorrência de chuvas, por si, não garante que as culturas de
subsistência serão bem sucedidas. No semi-árido é frequente a ocorrência de
períodos secos durante a estação chuvosa que, dependendo da intensidade e
duração, provocam fortes danos nas culturas de subsistência.
A região Nordeste caracteriza-se naturalmente
como de alto potencial para evaporação da água em função da enorme
disponibilidade de energia solar e altas temperaturas. Aumentos de temperatura
associados à mudança de clima decorrente do aquecimento global, independente do
que possa vir a ocorrer com as chuvas, já seriam suficientes para causar maior
evaporação dos lagos, açudes e reservatórios e maior demanda evaporativa das
plantas. Isto é, a menos que haja aumento de chuvas, a água se tornará um bem
mais escasso, com sérias consequências para a sustentabilidade do
desenvolvimento regional.
O sistema elétrico brasileiro depende do regime
de chuvas. Uma pequena redução da quantidade de chuvas ou um pequeno aumento da
evaporação pode levar a zero a geração de energia em grandes áreas do Nordeste,
Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. Sentimos isso em 2001, durante o “apagão”.
Aquilo foi provocado pelas poucas chuvas no sistema hidrelétrico do Sudeste, e
bastou um aumento da temperatura de um ou dois graus, e a quantidade de água
perdida para a evaporação, e o excesso de uso de energia para fazer funcionar
sistemas de ar acondicionado e refrigeração, foram suficientes para levar os
níveis dos reservatórios das usinas hidroelétricas a níveis próximos a zero,
comprometendo a geração de energia.
Clima do Brasil: o futuro
As projeções de clima, liberadas pelo Quarto
Relatório do IPCC (IPCC AR4), têm mostrado cenários de secas e eventos extremos
de chuva em grandes áreas do planeta. No Brasil, a região mais vulnerável, do
ponto de vista social, à mudança de clima, seria o interior de Nordeste,
conhecida como semi-árido, ou simplesmente o “sertão”. Reduções de chuva
aparecem na maioria dos modelos globais do IPCC AR4, assim como um aquecimento
que pode chegar até 3-4ºC para a segunda metade do século XXI. Isso acarreta
reduções de até 15-20% nas vazões do rio São Francisco.
O Relatório do Clima do Brasil, produzido
recentemente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), tem
estudado as mudanças de clima no Brasil, e para o Nordeste, para finais do
século XXI. Este relatório tem usado modelos regionais de até 50 km de
resolução animados no modelo global de HadAM3 do Centro Climático do Reino
Unido (Hadley Centre). Segundo este relatório do Inpe, estes seriam os
possíveis impactos da mudança de clima, considerando os cenários otimistas e
pessimistas propostos pelo IPCC:
No cenário climático pessimista, as temperaturas
aumentariam de 2 ºC a 4 ºC e as chuvas de reduziriam entre 15-20% no Nordeste
até o final do século XXI. No cenário otimista, o aquecimento seria entre 1-3 ºC
e a chuva ficaria entre 10-15% menor que no presente.
Essas mudanças no clima do Nordeste no futuro podem ter os seguintes impactos:
- A caatinga pode dar lugar a uma vegetação mais típica de zonas áridas, com predominância de cactáceas. O desmatamento da Amazônia também afetará a região.
- Um aumento de 3ºC ou mais na temperatura média deixaria ainda mais secos os locais que hoje têm maior déficit hídrico no semi-árido.
- A produção agrícola de subsistência de grandes áreas pode se tornar inviável, colocando a própria sobrevivência do homem em risco.
- O alto potencial para evaporação do Nordeste, combinado com o aumento de temperatura, causaria diminuição da água de lagos, açudes e reservatórios.
- O semi-árido nordestino ficará vulnerável a chuvas torrenciais e concentradas em curto espaço de tempo, resultando em enchentes e graves impactos sócio-ambientais. Porém, e mais importante, espera-se uma maior frequência de dias secos consecutivos e de ondas de calor decorrente do aumento na frequência de veranicos.
- Com a degradação do solo, aumentará a migração para as cidades costeiras, agravando ainda mais os problemas urbanos.
Consequências da mudança do clima no Nordeste:
As projeções apresentadas no Relatório do Clima
do Inpe foram geradas usando modelos climáticos globais e regionais, e o fato
de todos os modelos convergirem numa situação de clima mais quente e seco pode
fazer com que consideremos essas projeções como tendo um grau de certeza
grande. Considerando um modelo em particular (o modelo do Centro Climático
britânico - Hadley Centre) e o cenário pessimista, apresenta uma tendência de
extensão da deficiência hídrica por praticamente todo o ano para o Nordeste,
isto é, tendência a “aridização” da região semi-árida até final do século XXI.
Define-se “aridização” como sendo uma situação na qual o déficit hídrico que
atualmente apresenta-se no semi-árido durante 6-7 meses do ano seja estendido
para todo o ano, consequência de um aumento na temperatura e redução das
chuvas. Em resumo, grande parte do semi-árido nordestino, onde a agricultura
não irrigada já é atividade marginal, tornar-se-ia ainda mais marginal para a
prática da agricultura de subsistência.
Aquecimento global, com a elevação do nível dos
oceanos, aumento da intensidade e da frequência das ressacas nos últimos anos,
a ocupação irregular da orla e mudanças provocadas pelo homem nos rios que
desaguam no mar são apontados, por especialistas em climatologia e fenômenos
marinhos, como causas mais prováveis da redução das praias. Uma elevação de 50
cm no nível do Atlântico poderia consumir 100 metros de praia no Norte e no
Nordeste. Em Recife, por exemplo, a linha costeira retrocedeu 80 metros de 1915
a 1950, e mais de 25 metros de 1985 e 1995.
Os ambientalistas estão preocupados também com a
caatinga, apontada como uma das ações mais urgentes. A caatinga é o único bioma
exclusivamente brasileiro, abriga uma fauna e uma flora únicas, com muitas
espécies endêmicas, ou seja, que não são encontradas em nenhum outro lugar do
planeta. Trata-se de um dos biomas mais ameaçados do Brasil, com grande parte
de sua área tendo já sido bastante modificada pelas condições extremas de clima
observadas nos últimos anos, e potencialmente são muito vulneráveis às mudanças
climáticas.
O clima mais quente e seco poderia ainda levar a
população a migrar para as grandes cidades da região ou para outras regiões,
gerando ondas de “refugiados ambientais”, aumentando assim os problemas sociais
já existentes nos grandes centros urbanos do Nordeste e do Brasil.
O que pode ser feito: avaliações do impacto e vulnerabilidade as mudanças climáticas.
A população mais pobre é a que sofrerá mais e a
região mais afetada seria um quadrilátero no Nordeste, compreendendo desde o
oeste do Piauí, o sul do Ceará, o norte da Bahia e oeste de Pernambuco, onde
estão as cidades com menor desenvolvimento humano. As projeções de clima para o
futuro indicam riscos de secas de 10 anos ou mais.
Para um país com tamanha vulnerabilidade, o
esforço atual de mapear tal vulnerabilidade e risco, conhecer profundamente
suas causas setor por setor, e subsidiar políticas públicas de mitigação e de
adaptação ainda se situa bem aquém de suas necessidades. O conhecimento sobre
impactos setoriais avançou um pouco sobre a vulnerabilidade da mega diversidade
biológica e de alguns agro-ecossistemas (milho, trigo, soja e café) às mudanças
climáticas, com indicações iniciais de significativa vulnerabilidade. Nos
setores de saúde, recursos hídricos e energia, zonas costeiras, e
desenvolvimento sustentável do semi-árido e da Amazônia, a quantidade de
análises de impactos e vulnerabilidade é substancialmente menor, o que aponta
para uma premente necessidade de induzir estudos para esses setores.
São mais comuns os estudos de vulnerabilidade a
mudanças dos usos da terra, aumento populacional e conflito de uso de recursos
naturais, porém, é urgente um esforço nacional para a elaboração de um “Mapa
Nacional de Vulnerabilidade e Riscos às Mudanças Climáticas”, integrando as
diferentes vulnerabilidades setoriais e integrando estas com as demais causas
de vulnerabilidade. Um plano contra a mudança climática incluiria tanto ações
de adaptação (como mudar o zoneamento em cidades litorâneas para evitar o
avanço do mar) quanto de mitigação.
Implementação de um sistema brasileiro de alerta precoce de seca e desertificação
Considerando a sensibilidade do Nordeste às
variações climáticas, e ante uma potencial mudança do clima nessa região,
considerada como a mais vulnerável às reduções de chuva e aumento das
temperaturas, é necessária uma ação coordenada do governo para enfrentar a
mudança de clima. O governo brasileiro está criando um sistema para prever a
ocorrência de grandes períodos de seca no semi-árido e apontar as áreas
suscetíveis a um processo de desertificação desencadeado por mudanças climáticas.
Batizado de Sistema Brasileiro de Alerta Precoce
de Secas e Desertificação, o projeto visa à criação e implantação de um
sistema, que permita trabalhar com a questão mais imediata que são as grandes
secas episódicas que atingem a região, assim como a criação de uma ferramenta
de diagnóstico para identificar as áreas mais afetadas pela degradação
ambiental, e mais suscetíveis à desertificação.
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