No Rio Grande do Norte, projeto do perímetro irrigado da chapada do Apodi é um contrassenso.
Entrevista com o Sociólogo
Antonio Nilton Bezerra Júnior - “Essa luta não
é apenas dos camponeses e camponesas de Apodi. A luta em defesa da Chapada do
Apodi se tornou uma luta nacional de todos aqueles e aquelas que defendem a
dignidade das comunidades camponesas”, diz o sociólogo.
http://www.ecodebate.com.br/2012/10/24/rn-projeto-do-perimetro-irrigado-da-chapada-do-apodi-um-contrassenso-entrevista-com-antonio-nilton-bezerra-junior/
Confira a entrevista.
Na chapada do Apodi, localizada
na divisa dos estados do Rio Grande do Norte e do Ceará,
há uma “disputa por dois modelos de agricultura”, diz Antonio Nilton
Bezerra Júnior, da Comissão Pastoral da Terra de Mossoró à IHU
On-Line. Um dos modelos está “enraizado” nas comunidades da região, e
tem uma preocupação com a biodiversidade, a distribuição de renda e
democratização da água e da terra. O outro, ao contrário, “provoca a
concentração de terra, de água e de renda, que destrói a natureza, polui as
águas e o solo, destrói a vida”.
Segundo Bezerra Júnior, a
subsistência de milhares de famílias que trabalham com a agricultura e pecuária
está ameaçada pelo projeto “Perímetro Irrigado de Apodi”, que prevê entregar as
“terras da chapada do Apodi e a água da barragem de
Santa Cruz, que tem capacidade de armazenar 600 milhões de metros
cúbicos, a cinco grandes empresas da fruticultura irrigada”. Para ele, o
projeto é inviável e o governo, apesar de reconhecer que “os perímetros
irrigados do Nordeste não foram viáveis”, insiste na iniciativa. “Dados do
próprio governo mostram que há no Nordeste mais de 140 mil hectares de terras
em perímetro irrigados ociosos, sem funcionar”, argumenta. E dispara: “Querem
transformar um território camponês produtor de alimentos
saudáveis em uma zona de produção de frutas para exportação com base na
utilização em grande escala de agrotóxicos. E, com isso, transformar uma
pequena parcela da população local em mão de obra barata e em condições
sub-humanas, características do agronegócio brasileiro”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o
sociólogo assinala que o projeto “Perímetro Irrigado de Apodi”
é uma iniciativa do deputado Henrique Alves (PMDB – RN). “Em
uma visita ao município de Apodi chegou a afirmar que o projeto de irrigação irá sair porque ele tem poder,
que a presidenta Dilma precisa do seu apoio, pois ele é líder
de 80 deputados, e a partir de fevereiro de 2013 será o presidente da Câmara
dos Deputados. Essas afirmações de demonstração de soberba são constantes”,
assinala.
Antonio Nilton Bezerra Júnior é
sociólogo e membro da Comissão Pastoral da Terra – CPT de Mossoró-RN.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Na chapada do Apodi, localizada na
divisa entre os estados do Rio Grande do Norte e do Ceará se trava uma intensa
disputa entre agricultores e o agronegócio. O que está em jogo nessa região?
Antonio Nilton Bezerra Júnior
–Está muito clara a disputa por dois modelos de agricultura. Um que preserva a
vida, a biodiversidade, que distribui renda, democratiza a terra e a água, ou
seja, que tem como objetivo principal a reprodução da vida. Esse modelo está
enraizado nas diversas comunidades da Chapada, seja nas áreas de
assentamentos da reforma agrária ou comunidades de pequenos agricultores e
agricultoras. Essas comunidades e assentamentos vêm demonstrando que é possível
viver bem no campo, produzindo alimentos saudáveis apesar do pouco investimento
por parte dos governos. Por outro lado, há outro modelo que provoca a
concentração de terra, de água e de renda, que destrói a natureza, polui as
águas e o solo, destrói a vida. Esse modelo tem como principal objetivo o lucro
das grandes empresas em detrimento da vida dos camponeses e camponesas.
Portanto, o que está em jogo é a água, a terra fértil, a biodiversidade, a vida
das pessoas.
IHU On-Line – Qual é a importância da
chapada do Apodi para a agricultura do Rio Grande do Norte. Quem são os
agricultores que se encontram no território, o que produzem e que técnicas de
cultivo utilizam?
Antonio Nilton Bezerra Júnior –O
município de Apodi, no Rio Grande do Norte,
tem na agricultura sua principal atividade econômica. Uma característica dessa
agricultura é que ela está praticamente nas pequenas propriedades camponesas.
Toda a produção agrícola e pecuária de Apodi está nas pequenas
propriedades. É na Chapada do Apodi que está a segunda
maior produção de mel de abelha do Brasil, um dos maiores rebanhos de caprinos
do país. Na chapada do Apodi vivem hoje milhares de famílias
que têm na agricultura e pecuária a sua principal atividade. São nas
comunidades e nos assentamentos da Chapada do Apodi que
diversas experiências de produção agroecológicas estão sendo desenvolvidas.
Tudo isso faz com que o município de Apodi tenha o terceiro
PIB agropecuário do Rio Grande do Norte, estando à frente de
municípios que têm a forte presença do agronegócio como Assú, Ipanguassu,
Carnaubais, Baraúna, além de outros. E
repito: toda a produção agropecuária do município de Apodi está
nas pequenas propriedades dos camponeses e camponesas. Essa população camponesa
de Apodi há vários anos vem desenvolvendo técnicas de produção agroecológicas.
Destacamos a produção e beneficiamento do mel de abelha, a produção de algodão
orgânico, arroz orgânico, produção de polpas de frutas da região etc. Tudo isso
faz de Apodi uma referência em agricultura agroecológica.
IHU On-Line – O que propõe o projeto apresentado pelo governo para a Chapada do Apodi?
IHU On-Line – O que propõe o projeto apresentado pelo governo para a Chapada do Apodi?
Antonio Nilton Bezerra Júnior –Esse
projeto do perímetro irrigado da Chapada do Apodi é um
contrassenso a tudo o que hoje se constrói na chapada e se discute no mundo. É
um projeto que prevê entregar as terras da chapada do Apodi e
a água da barragem de Santa Cruz, que tem capacidade de
armazenar 600 milhões de metros cúbicos, a cinco grandes empresas da
fruticultura irrigada. É um projeto que não deu certo em lugar algum. O próprio
governo reconhece que os perímetros irrigados do Nordeste não foram viáveis.
Dados do próprio governo mostra que há no Nordeste mais de 140 mil hectares de
terras em perímetro irrigados ociosos, sem funcionar. Esse projeto está
propondo irrigar cinco mil hectares de terra em sua primeira fase para produzir
cacau – que é totalmente desconhecido na região –, uva, goiaba, com base na
utilização em grande escala de agrotóxicos e sob o domínio de cinco grande
empresas. Querem transformar um território camponês produtor de alimentos
saudáveis em uma zona de produção de frutas para exportação com base na
utilização em grande escala de agrotóxicos. E, com isso, transformar uma
pequena parcela da população local em mão de obra barata e em condições
sub-humanas, características do agronegócio brasileiro.
IHU On-Line – Quais serão os principais
impactos ambientais e sociais se o projeto for executado?
Antonio Nilton Bezerra Júnior
–Em primeiro lugar, terá a expulsão de centenas de famílias de suas terras,
fazendo com que comunidades inteiras desapareçam. Isso irá causar graves
problemas sociais no município e região. Basta ver o exemplo da Chapada
do Apodi pelo lado do Ceará, nos município de Limoeiro do
Norte e Russas. Aumentarão também a prostituição, o
número de pessoas com câncer, o trabalho precarizado etc. Por outro lado,
haverá fortes impactos ambientais, como o desmatamento da Caatinga, a contaminação das águas e
do solo, a morte das abelhas, o desaparecimento dos animais silvestres etc.
IHU On-Line – Quais são as principais irregularidades do projeto?
Antonio Nilton Bezerra Júnior –São
várias as aberrações. Em primeiro lugar, as famílias que serão removidas de
suas comunidades não foram consultadas. No Relatório de Impacto
Ambiental – EIA-RIMA não se fala na remoção de famílias; é como se no
local não existissem pessoas. Ele também não leva em conta a produção
agropecuária, omite os impactos dos agrotóxicos para a população local, não faz
nenhuma referência à questão da saúde humana. Na área existe um sítio
arqueológico, Lajedo de Soledade, que também passa despercebido
pelo EIA-RIMA. Além disso, especialistas questionam a
viabilidade desse projeto, pois a capacidade da barragem não é suficiente para
irrigar cinco mil hectares. Além do mais, existem outros projetos vinculados à
barragem, como duas adutoras que irão abastecer dezenas de cidades da região.
IHU On-Line – Por que as organizações sociais da região afirmam que o projeto se trata
de uma “reforma agrária ao contrário”?
IHU On-Line – Por que as organizações sociais da região afirmam que o projeto se trata
de uma “reforma agrária ao contrário”?
Antonio Nilton Bezerra Júnior
–Isso está muito claro. O decreto desapropria 13.855 hectares. Toda essa terra
está hoje localizada em pequenas propriedades. Com o projeto haverá uma
concentração de terra por cinco grandes empresas. Na região, nos anos 1990,
ocorreram muitas desapropriações para a reforma agrária. Ocorreu uma descentralização da terra e a constituição de um
território camponês. Caso esse projeto seja aprovado, tudo isso vai por “água
abaixo”. Se fizermos um comparativo com desapropriação para a reforma agrária,
teremos clareza da dimensão desastrosa desse projeto para com a reforma
agrária. Nos últimos sete anos, último mandato do governo Lula e
início do mandato de Dilma, no Rio Grande do Norte, a desapropriação para
reforma agrária praticamente não aconteceu. Com o decreto para o projeto do
perímetro irrigado, destinado às cinco grandes empresas, tiram-se
aproximadamente 14.000 hectares das pequenas propriedades. É um contrassenso
muito grande. Uma estupidez.
IHU On-Line – Quem é que está por trás do projeto e a que interesses atende?
IHU On-Line – Quem é que está por trás do projeto e a que interesses atende?
Antonio Nilton Bezerra Júnior –O
principal defensor desse projeto até agora tem sido o deputado federal Henrique
Alves (PMDB/RN), líder do partido na Câmara. O diretor geral do Departamento
Nacional de Obras Contras as Secas – DNOCS é indicação sua. Ele tem
pressionado muito o governo federal para que essa obra seja executada. O grande
interessado nesse projeto é o agronegócio. Mas há também interesse por parte
das empresas da construção que irão construir o canal. Com certeza há muitos
interesses nada republicanos envolvidos nessas grandes obras. É bom lembrar
que, no mês de janeiro deste ano, a Controladoria Geral da União – CGU divulgou um
relatório, fruto da fiscalização em projetos do DNOCS, e constatou várias
irregularidades que, segundo ela, causou um prejuízo de aproximadamente 300
milhões aos cofres públicos. Desses projetos que apresentaram irregularidades
estavam vários em execução no Rio Grande do Norte. Foram
constatadas também diversas irregularidades no perímetro irrigado da Chapada
do Apodi no lado do Ceará, Limoeiro do Norte e Russas.
Foram constatados superfaturamentos nas obras, pagamento de serviços sem serem
executados, empresas fantasmas etc. Esse escândalo derrubou o então diretor
geral do DNOCS, apadrinhado político do deputado
Henrique Alves. O que nos estranha é que antes de qualquer explicação
a respeito dessas irregularidades, o mesmo deputado consegue indicar um novo
apadrinhado seu para o cargo de diretor geral, como se não tivesse nada a
explicar.
IHU On-Line – É verdade que o deputado Henrique Alves (PMDB/RN) se orgulha de dizer nas rádios da região que o projeto de irrigação do Apodi sairá porque ele manda na presidente Dilma: “Ela come na minha mão!”, diz ele?
Antonio Nilton Bezerra Júnior
–Constantemente o deputado Henrique Alves procura demonstrar que
tem influência no governo Dilma. Em uma visita ao município de
Apodi chegou a afirmar que o projeto de irrigação irá sair porque ele tem
poder, disse que a presidente Dilma precisa do seu apoio, pois
ele é líder de 80 deputados. Afirmou que a partir de fevereiro de 2013 será o
presidente da Câmara dos Deputados. Essas afirmações de demonstração de soberba
são constantes.
IHU On-Line – Como se encontra no momento a execução do projeto?
IHU On-Line – Como se encontra no momento a execução do projeto?
Antonio Nilton Bezerra Júnior –O projeto se
encontra na fase de pagamento de indenizações para as famílias que irão ser
atingidas pela construção do canal. Segundo o DNOCS, 35
propriedades serão atingidas nessa fase. A ordem de serviço já foi assinada.
IHU On-Line – Como os agricultores estão organizados para resistir ao projeto?
IHU On-Line – Como os agricultores estão organizados para resistir ao projeto?
Antonio Nilton Bezerra Júnior
–Existe uma unidade de todos os movimentos sociais em se contrapor a esse
projeto, e um compromisso de resistir a sua implementação. Estamos trabalhando
em três frentes de atuação: junto com as comunidades locais, trabalhando a
conscientização das famílias e organizando a resistência; questionando judicialmente
a execução do projeto, visto que ele apresenta diversas irregularidades; e
dialogando com a sociedade sobre o que está ocorrendo em Apodi,
demonstrando os desmandos com o meio ambiente e a vida da população.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?
Antonio Nilton Bezerra Júnior
–Gostaria de dizer que essa luta não é apenas dos camponeses e camponesas de Apodi.
A luta em defesa da Chapada do Apodi se tornou uma luta
nacional de todos aqueles e aquelas que defendem a dignidade das comunidades
camponesas. Essa luta está sintonizada com outras grandes lutas que estão sendo
travadas pelo Brasil em defesa dos territórios camponeses.
(Ecodebate, 24/10/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
COMENTÁRIOS
João Suasuna - Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Recife
O benefício ao agronegócio e, portanto, ao grande
capital, faz parte do nosso discurso contrário ao projeto da transposição do
rio São Francisco. No caso em questão, acertamos na mosca mais uma vez. A
represa de Santa Cruz será uma das beneficiadas com as águas do Velho Chico. No
entanto, a população em seu entorno, como já havíamos denunciado em artigos
anteriores, está completamente desabastecida, “morrendo de sede, no
deserto, com água no joelho”.
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