quarta-feira, 10 de agosto de 2011

TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO.

Águas do São Francisco na Paraíba em 2010: pura ilusão.


Artigo de João Suassuna.
Publicado em agosto 28, 2009 por HC
Tags: rio São Francisco, transposição do rio São Francisco
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[EcoDebate] No início do mês de agosto, em visita à Paraíba, nos deparamos com a notícia que circulava na imprensa local, de que as águas do rio São Francisco iriam chegar ao estado, via transposição, já em 2010.
Esforçamo-nos no entanto por entender melhor aquela estultice proveniente da Secretaria de Infraestrutura paraibana, pois temos acompanhado de perto as obras do projeto da transposição e sabemos que o seu cronograma de execução está com certo atraso (apenas com cerca de 14% em andamento), sendo improvável o cumprimento, pelas autoridades da Paraíba, do prazo que havia sido estabelecido para as águas do rio chegarem àquela região já no ano que vem.

A notícia, do jeito que foi divulgada, deu-nos a entender que a população paraibana está sendo iludida e, o que é mais grave, com probabilidade de voltar a cair nas armadilhas e espertezas políticas, já que 2010 será um ano eleitoral. Ficou muito claro para todos nós, que os políticos deram os seus primeiros passos visando à campanha presidencial.

Nesse sentido, ficou evidente a má fé das autoridades, ao não informar o povo paraibano das dificuldades de se realizar um projeto dessa magnitude em uma região com características ambientais tão diversas.

Para se ter uma idéia dessa problemática, as águas do São Francisco, para chegarem, via Eixo Leste, na represa de Boqueirão e abastecerem Campina Grande, por exemplo, terão que vencer um divisor de águas, próximo ao município de Arcoverde, em Pernambuco, de cerca de 304 metros. Os pernambucanos bem sabem da existência da serra do Mimoso, com sua topografia acidentada, localizada entre os municípios de Pesqueira e Arcoverde, sendo naquelas imediações o local em que as águas do Velho Chico serão elevadas para atingirem o território paraibano. Aquelas formações rochosas do Mimoso, que nada mais são do que os contrafortes da Borborema, fazem a divisa entre os dois estados. Portanto, para as águas vencerem aquele divisor, será necessário proceder-se a potentes bombeamentos, com uso de sistemas elevatórios extremamente sofisticados, obra que, embora prevista no projeto, sequer foi iniciada no local.

Outra questão diz respeito à dificuldade de se construir, naquela região, um canal nas dimensões previstas no projeto (25 m de largura, 5 m de profundidade e 622 km de extensão, quando somados os dois eixos), dadas as peculiaridades do seu subsolo, denominada de escudo cristalino. Nesse tipo geológico, as rochas que dão origem aos solos estão praticamente à superfície, chegando a aflorar em alguns lugares. A dureza da rocha que constitui o escudo cristalino pernambucano e a necessidade do uso de explosivos para se proceder à abertura dos canais são, para nós, os obstáculos que têm dificultado o bom andamento das obras, sendo, portanto, os principais causadores dos atrasos verificados.

O Eixo Leste terá aproximadamente 220 km de extensão. Já o Eixo Norte, cerca de 402 km. Caso as autoridades consigam construir no Eixo Leste, que irá destinar as águas para a Paraíba, uma média de cerca de 100 metros do canal por dia (média verificada em obras dessa envergadura em todo mundo), teremos um tempo estimado em cerca de 2.200 dias, o equivalente a aproximadamente 6 anos, para de execução da obra. Diante dessa constatação, como é que as autoridades paraibanas dão como certa a chegada das águas do São Francisco no estado, já no ano vindouro?

Além do mais, as autoridades não estão interessadas em discutir as questões técnicas do projeto. A prova disso se deu recentemente com o convite que recebemos da TV Brasil – órgão governamental pertencente ao antigo sistema Radiobrás – para participação em um debate técnico, ao vivo, sobre o projeto da Transposição, na capital federal. Pegos de surpresa, dias após o recebimento do convite e de maneira pouco compreensível, fomos informados pela referida emissora de que a pauta dos debates havia sido modificada, sob a alegação de que as obras já haviam sido iniciadas e iria transcorrer sob outros aspectos, notadamente aqueles referentes às gestões dos eixos, à dimensão da obra, onde as águas iriam chegar e para quem e como esses recursos seriam aproveitados. Evidentemente, foi uma forma educada encontrada pela emissora para nos “desconvidar” do debate.

Obviamente, tais justificativas vieram desagradar não apenas a nós, que havíamos aquiescido ao convite, mas, também, a maioria dos movimentos sociais envolvidos com as questões sanfranciscanas, os quais apostavam na força dos debates para a elucidação de aspectos técnicos pendentes, que fatalmente iriam ser evidenciados no programa da TV Brasil. Portanto, se houve alguém que “amarelou” perante o debate, esse alguém não fomos nós.

Diante de tudo isso, o que lamentamos é a total ausência do diálogo com as autoridades, fato que tornará difícil a apuração, tanto de denúncias de aspectos técnicos que porventura mereçam ser considerados, como da mal versação dos recursos públicos que surjam na implantação do projeto. As autoridades, nesse aspecto, costumam invariavelmente agir de forma unilateral, sem receio de que possa haver comprometimento futuro em suas prestações de contas. Não é bem assim. É preciso que as autoridades fiquem cientes, dos frequentes processos de auditorias internas realizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Para se ter uma idéia dessa sistemática, recentemente o TCU suspendeu a contratação de empresas para a realização e acompanhamento dos projetos ambientais referentes à transposição. Segundo o Tribunal, o edital para contratar a empresa tinha uma norma que permitia a variação de preços fora do limite legal. Os preços que constavam no orçamento em questão não eram compatíveis com os praticados no mercado. Isso terá que ser muito bem apurado e explicado a sociedade, sendo mais um complicador de atraso para a execução das obras.

Finalmente, gostaríamos de deixar claro que o nosso trabalho anteriormente vinha sendo pautado, prioritariamente, na análise dos riscos que porventura pudessem ocorrer com a implantação do projeto. Atualmente, com as obras em fase de implantação, nos limitaremos a divulgar as conseqüências que elas certamente trarão ao ambiente natural do Semiárido.

Recife 26 de agosto de 2009.
João Suassuna – Engº Agrônomo e Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, colaborador e articulista do EcoDebate
EcoDebate, 28/08/2009

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