Gáspari e a seca.
A seca chegou a um dos espaços
mais nobres da imprensa brasileira: a coluna do jornalista Élio Gáspari na
Folha de São Paulo. É um dos profissionais mais conceituados deste país, atento
aos problemas nacionais e com senso crítico incomum. O trecho abaixo é
reprodução do que está publicado neste domingo (17).
Por Paulo Santos
“Desde o ano passado o semiárido nordestino
atravessa uma grave seca. Na Bahia, Sergipe, Alagoas e Maranhão, 75% dos
municípios estão em estado de emergência. No Ceará, são 177 em 184. Lá, as
chuvas do ano passado ficaram em metade da média habitual e neste ano estão
abaixo do terço (55,1 milímetros contra 161,8). Há 136 municípios dependendo de
carros-pipa para atender perto de um milhão de pessoas. Em algumas cidades as
escolas dependem do socorro de vizinhos.
Os investimentos feitos na região mostraram-se
insuficientes para enfrentar uma calamidade natural que, segundo os
meteorologistas, tende a se agravar. Estima-se que as chuvas deste ano serão
poucas.
A mais vistosa ação do governo federal tem sido um filme de um minuto que a Secom botou nas televisões da região. Nele, "Chambinho do Acordeon", feliz e sorridente, anda pela caatinga informando que "a seca sempre vai existir, mas o sertanejo vai poder se defender cada vez mais dela". Cantando louvores aos investimentos feitos pelo governo, informa que "o sertanejo é um cabra forte, só precisa de apoio, e vai ter cada vez mais".
A mais vistosa ação do governo federal tem sido um filme de um minuto que a Secom botou nas televisões da região. Nele, "Chambinho do Acordeon", feliz e sorridente, anda pela caatinga informando que "a seca sempre vai existir, mas o sertanejo vai poder se defender cada vez mais dela". Cantando louvores aos investimentos feitos pelo governo, informa que "o sertanejo é um cabra forte, só precisa de apoio, e vai ter cada vez mais".
Os sertanejos que estão sem o abastecimento de
carros-pipa não precisam de propaganda. O que lhes falta é água. Esse tipo de
marquetagem no meio de uma seca chega a ser deboche. Para falar sério, o
aparelho de autoglorificação da doutora Dilma deveria anunciar, ao fim de cada
clipe, quanto gastou na marquetagem e quantos carros-pipa ela pagaria.
Durante a seca de 1998, Lula visitou o interior
do Ceará acompanhado de José Genoino, cuja família morava em Jaguaruana. Culpou
a desatenção dos tucanos e prometeu rios de mel. Nas palavras de Nosso Guia:
"O sofrimento do povo nordestino só vai acabar no dia que a gente tiver
políticas de investimento para tornar esta terra produtiva. E essas políticas o
PT tem". Qual era? "O Fernando Henrique veio ao Ceará na campanha de
1994 e prometeu transpor as águas do rio São Francisco. Mas até agora não
trouxe sequer um copo de água. Ele foi mentiroso e vai mentir de novo
prometendo a obra para ganhar voto". Em 2003, eleito, Lula prometeu:
"Nesses quatro anos, 24 horas por dia serão dedicadas para fazer aquilo em
que acredito: a transposição das águas do rio São Francisco". Ficou oito
anos, a doutora Dilma juntou mais dois e depois de dez anos o "copo de
água" ainda não apareceu.
A opção preferencial dos governos pela propaganda
e pelos espetáculos criou um novo estilo de administração e nele o governador
do Ceará, Cid Gomes, tem se revelado um talento à altura de Steven Spielberg.
No ano passado, a Viúva entrou com boa parte do custo da festa de inauguração
de um centro de convenções abrilhantado pelo tenor espanhol Plácido Domingo. A
tertúlia custou R$ 3,1 milhões e alegrou 3.000 convidados.
Até aí tudo bem, pois de fato havia um centro de
convenções. Em janeiro passado ele pagou um cachê de R$ 650 mil à cantora Ivete
Sangalo para lustrar a inauguração do Hospital Regional Euclides Ferreira
Gomes, em Sobral, berço político de sua família desde a Proclamação da
República. Cadê o hospital?
Houvera o show, o prédio estava pronto, mas não
havia funcionários. Até hoje ele funciona como posto de saúde, só com consultas
e raios-x. Hospital mesmo, só em maio.
Assim como a Secom poderia investir em
carros-pipa o que gasta em propaganda, Cid Gomes poderia ao menos fazer a
caridade de só patrocinar shows quanto tiver serviço para entregar.”
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