sábado, 25 de fevereiro de 2012

SEMIÁRIDO BRASILEIRO.


"Semiárido: um Paraíso possível - Assumindo a fauna como ela é.
Artigo de Rinaldo dos Santos.
O ritmo do Semiárido é próprio e ali os animais expressam toda sua especialização no correr da evolução, garantindo o progresso para quem souber entender tais peculiaridades.
13/12/2011
Revista O BERRO, n. 151 – Dezembro de 2011
Durante 500 anos, vacas, cabras e ovelhas escaparam das secas e da caça. Hoje, resumidas em mais de 40 (quarenta) raças “nativas” (livro “A Cabra & Ovelha no Brasil”, traz a catalogação de todas). Uma análise rigorosa poderá descobrir outras raças “nativas”.
Chama-se “nativa” a raça que foi naturalizada, tendo passado por um processo de redução filogenética, em que apenas sobreviveu devido à influência de genes ancestrais. A cabra “nativizada”, portanto, é aquela que liquidou os genes exóticos, reduzindo seu arsenal existencial aos genes antigos. Seguiu o processo inverso do “melhoramento zootécnico proposto pelos cruzamentos”, em que se adicionam genes exóticos para aumentar o desempenho do animal.
Até hoje as cabras e ovelhas nativas conseguiam escapar, mas as autoridades ainda não consideraram sua existência como fundamental para o futuro. Sequer admitiram o registro de todos os bovinos, caprinos e ovinos rústicos no Polígono das Secas! A França orgulha-se de suas raças nativas, a Espanha também, a Inglaterra também; mas o Brasil rejeita suas “nativas” como se fossem degeneradas!
No Semiárido, a vida animal flutua ao sabor do clima! Por isso, há uma vantagem na precocidade sexual e um prejuízo no que foi estabelecido como “precocidade de carcaça”.
A pecuária de animais adequados é uma ferramenta essencial para gerar renda, empregos e fixação no campo, mas a tendência governamental é considerar esta atividade como justamente o oposto, ou seja, como atividade que prejudica o sertanejo. Ora, o prejuízo da agricultura é muito maior que o da pecuária, por falta de políticas e, se pudessem, todos os microproprietários gostariam de manter um rebanho, como é evidente na história milenar da civilização! Nas terras bíblicas “corriam leite e mel” e Jesus repousou numa manjedoura com feno! A Bíblia, portanto, mostra o caminho de uma região semiárida: feno, água estocada, animais, agricultura de curto prazo (que
leva ao mel), etc.
Os animais de caatinga são específicos e a Sudene errou ao tentar povoar o Nordeste com várias raças (de alta produtividade) adquiridas no Sudeste e que iriam sucumbir, aumentando as crendices e prejuízos dos sertanejos.
As cabras e ovelhas nativas estão na região há centenas de anos, mas jamais tiveram um generalizado apoio oficial para sua preservação, regeneração e melhoramento acelerado. As cabras, ovelhas e os bovinos rústicos podem alicerçar um modelo de desenvolvimento adequado para a região semiárida, gerando milhões de empregos. Os confinamentos podem acontecer em qualquer época do ano, com feno e rações próprias, gerando fortunas em carne, leite (derivados), peles e estrume.
Os Mandamentos.
No Semiárido, os Mandamentos Zootécnicos são diferentes dos adotados em regiões onde há chuva garantida. No mundo, duas palavras exprimem esta diversidade: “strong” e “strenght” – ambas significando “força”.
- O que é mais forte: a explosão da pólvora (“strong”), ou a tenacidade da água (“strenght”) – quando ambas produzem o mesmo rombo no solo? Existem, então, as duas forças na natureza, a de efeito imediato (strong) e a de efeito prolongado (strenght). Uma, dá resultado agora e a outra, no futuro, mas o total de força utilizada é o mesmo.
- Uma pedra cai do alto e faz um buraco no chão (“strong”). Se a pedra for levemente pousada no solo, não terá cratera sob ela, mas – se uma certa pressão for aplicada – ela irá abrindo a cratera até chegar à profundidade desejada. Nos dois casos, a potência da força foi a mesma.
- Então: “strong” é força bruta (músculos) e “strenght” é força constante, ou tenacidade.
- Quem é forte na prática dos exercícios de sobrevivência (“strenght”) pode se tornar forte em musculatura (“strong”). O exercício da tenacidade (“strenght”, ou persistência) pode transformar o franzino em forte (“strong”).
- Em Zootencnia, para se tornar “forte” (musculoso), no Semiárido, antes o animal nativo precisa ser “forte” o suficiente para permanecer vovo (tenaz, ou sobrevivente).
- O animal tenaz (“strenght”), no Semiárido, pode se transformar em forte (“strong”) no mesmo local; mas o forte (“strong”) em geral não se transformará em tenaz (“strenght”) e irá sucumbir.
- Ou seja, o animal do Semiárido pode sobreviver na região amena, mas o animal da região amena irá sucumbir na região Semiárida. - Cada força, portanto, tem sua região própria para se expressar! (em Zoologia), confirmando o ditado: “O animal adequado é o que expressa a soma da região mais situação”.
Assim, o Semiárido exige uma cota, ou soma, de genes adequados. Não adianta ser forte devido a genes inadequados – como são os animais cruzados! A Tabela 1 mostra a diferença entre os mandamentos para o Semiárido, no mundo animal: o animal do clima ameno tem “obrigação” de ser gordo e vistoso; enquanto o animal do Semiárido tem “obrigação” de permanecer vivo e produtivo.
Tab. 1 – Mandamentos essenciais da Zootecnia no Semiárido e na região amena

Mandamentos
Clima onde há chuvas garantidas.

Clima Semiárido.

Número Um:
Parir em cada ciclo zoológico/econômico
Permanecer vivo nas secas

Número Dois:
Desmamar a cria em boas formas
Parir em cada ciclo zoológico-econômico, apesar das secas

Número Três
Ser sexualmente precoce, ou atingir a idade de abate com lucrativa musculatura.
Desmamar uma cria rústica em cada ciclo zoológico/econômico.

Número Quatro:
Transmitir essas características, com segurança
Ser sexualmente precoce, ou atingir a idade de abate com lucrativa musculatura

Número Cinco:
Transmitir essas características com segurança
Tab. 2 – Comportamento do animal “strong” colocado na região do animal “strenght” (Semiárido)

Mandamentos

Animal “Strenght” (forte, resistente, tenaz)
Animal “strong” (forte, musculoso)

Número Um

Irá parir, em todo ciclo, pois é sobrevivente natural.
Não irá parir, pois faltam condições

Número Dois

A cria será adequada e também sobreviverá, normalmente.
Não terá leite suficiente para a cria, por falta de condições

Número Três

A carência alimentar somente prejudicará a libido, em caso extremo.
Perderá a libido, facilmente, devido ao calor e falta de alimentos necessários à sua constituição.

Número Quatro
A descendência será normal, pois receberá os mesmos genes.
Haverá notável queda na descendência, pois os genes são inadequados.

Tab. 3 – Ditados sobre a Força “strong” (músculos) e a Força “strenght” (tenacidade).
A carga (strong) precisa ser igual à força do cavalo (strenght). (Talmude)

- Não é preciso muita força (strong) para fazer as coisas, mas requer grande força (strenght) para concluir o que precisa ser feito. (Chow Ching)

- Nosso problema não é a força que temos hoje (strong), mas o quanto podemos utilizar dessa força para garantirmos nosso amanhã (strength). (Dwight D. Eisenhower)

- A vida só exige de você a força que você possui (strenght); se gastá-la de uma vez (strong), poderá ter que fugir
amanhã. (Dag Hammarskjold)

- O homem forte (strong) pode ostentar sua gentileza, mas só os fracos (strength) podem dar tudo de bom que possuem. (Elbert Hubbard)
- O que pensa ser forte faz grandes coisas agora (strong), mas o que apresenta ser fraco pode fazer o mesmo ao longo do tempo (strenght). (J. F. Clarke)

- O forte (strong) faz hoje, mas om convicto (strenght) poderá fazer sempre. (anônimo)

- Os fortes e poderosos que não têm o Senhor sucumbirão (strong), mas os que esperam no Senhor (strenght) renovarão as suas forças, voarão com, asas como águias, correrão e não se cansarão, andarão e não se fatigarão. (Bíblia, Isaías 40:31)

- A força (strong) alinhada com a resistência (strenght) é uma combinação imbatível. (Maya Angelou)

- Eu estava sempre procurando a força visível (strong), mas a confiança (strenght) vem de dentro. (anônimo)

- Fácil é ser forte (strong) no luxo, difícil é ser forte (strenght) nas tragédias. (anônimo)

- Finalmente, fortalecei-vos (srenght) no Senhor, para ter a força do seu
poder (strong). (Bíblia, Efésios, 6:10, New American Standard Bible, 1995)

A criação de animais – Em pecuária, os cruzamentos dão resultados imediatos (“strong”), já a consangüinidade garante resultados para o futuro (“strenght”). Em Zootecnia, selecionar uma característica não é difícil; selecionar duas já é mais complicado e selecionar três é bem difícil. “Strong” e “Strenght” são forças antagônicas e cabe ao selecionador escolher qual força pretende utilizar.
A transladação (ou importação) de genes exóticos pode garantir animais esplendorosos, para vencer exposições, mas tais indivíduos não poderão garantir a descendência em momentos críticos.
O esquema lucrativo para o Semiárido seria o seguinte:
1) Seleção – processo de refinamento de animais adequados, num trabalho quase sacerdotal, para todas as espécies e raças, formando linhagens. Buscam-se a adequação e as características produtivas nos reprodutores. A transmissão de genes (para a descendência) é muito alta.
2) Multiplicação – Os reprodutores na Seleção recebem genes exóticos para exibirem vigor híbrido, produzindo animais de farta musculatura ou alta produtividade leiteira. Também pode ser formado o animal “castiço”, unindo linhagens absolutamente distantes no tempo e no espaço, ou de vocações diferentes (carne x leite, por exemplo).
Os animais resultantes podem ser de dupla aptidão, que é mais comum, melhorando a chance de rendimento na propriedade. Estes novos reprodutores irão trabalhar nos rebanhos finalizadores. A transmissão de genes é regular.
3) Produção – Os reprodutores adquiridos na Multiplicação são acasalados com os rebanhos populares, melhorando a produtividade de carne e leite, mas a transmissão de genes é fraca ou imperceptível, sendo preferível o descarte dos machos!
Feliz é o país que tem regiões secas onde pode salecionar características de tenacidade (“strenght”), pois elas poderão ser utilizadas nas demais regiões. A Ciência denomina como “Seleção zootécnica” a busca do animal imediatista (que vai imediatamente para o gancho, ou para o balde), e como “Seleção zoológica” a busca do animal que irá sobreviver em situações extremas.
Nutrição e saúde animal.
A saúde caminha dentro das veias do animal adequado: a região semiárida exige 30% a mais de glóbulos sanguíneos e uma grande redução no tamanho das células, para facilitar a irrigação da epiderme e o funcionamento normal do organismo. Essa é uma das grandes diferenças entre os animais do mundo tropical e os do Hemisfério Norte. No Semiárido essa constatação é muito mais evidente.
A Natureza é implacável: os animais inadequados morrem! Um criador bem sucedido é aquele que viu morrer centenas de animais inadequados e foi segregando apenas os mais resistentes. Estes foram transformados em patriarcas, matriarcas, ou simplesmente “pais de linhagem”.
Depois de determinadas quais eram suas linhagens rústicas, deu início ao melhoramento zootécnico convencional, ou seja, a busca de mais musculatura, mais precocidade, etc. É assim no mundo inteiro: antes de tudo, os pilares de
qualquer “raça ou ecótipo” precisam ser adequados a uma região ou situação.
O mesmo caminho é percorrido na seleção de plantas adequadas, sempre obedecendo a leis mendelianas.
O animal indicado, portanto, deveria melhorar a renda da propriedade, com leite, carne, pele e estrume. A duras penas, depois de 500 anos, os criadores estão chegando por sua conta e risco aos animais adequados: cabras, ovelhas, gado zebuíno ou nativizado. Os animais ou raças indicados pelo Governo, nas décadas de 1940, 1970/1980 e outras, já foram sepultados pelas secas, absorvidos pelos genes das raças atuais. O sol, incidindo diretamente sobre a pele dos animais, garante um produto de alto valor agregado para os curtumes do mundo inteiro, mas essa vantagem vem sendo negligenciada! Uma pele pode valer $80 na Europa, mas no Sertão nordestino é enterrada como adubo! Um imenso desperdício para a região onde floresceu a “Civilização do Couro”.
O Governo comete equívocos contra a região Semiárida: a vigilância sanitária acaba tendo um caráter apenas punitivo e, por isso, gera anomalias como a corrupção em vários níveis. A intenção governamental visível é a de entregar um produto saudável ao homem urbano, mas não a de ajudar o produtor a ter mais renda em sua propriedade e isto é uma incongruência! Para atender o homem urbano, o Governo nunca relutou em importar produtos de outras regiões ou países, liquidando os produtores brasileiros, em flagrante injustiça e indignidade!
Em parte por isso, a introdução do capim Buffel foi obra de alguns poucos fazendeiros; também do estilosantes, e uma boa coleção de cactáceas.
Os animais são o grande patrimônio e alicerce da economia do Semiárido e assim deveriam ser tratados.
Conclusão
É melancólico notar que não existe qualquer faculdade ou universidade de Tropicologia, nem cadeira acadêmica, nem organismo orientador, nem de Assistência Técnica, com uma Cartilha Tropicalista nas mãos!
Assim, não há qualquer divulgação de uma “Cartilha da Pecuária do Semiárido”. Os produtores de carne e de leite, tanto de bovinos, caprinos e ovinos, são levados a comprar genes exóticos que, na próxima seca, poderão liquidar o próprio rebanho, por serem inadequados! São pouquíssimos os criadores que aprenderam, a duras penas, que a “força” do Semiárido está na pureza genética de animais adequados. O Semiárido,paradoxalmente, segue a cartilha das regiões chuvosas brasileiras e estas seguem a Cartilha de países onde há neve – evidenciando uma doutrina absolutamente equivocada na pecuária brasileira, explicando o baixo desfrute generalizado. (Mesmo com uma cartilha equivocada, o Brasil tem o maior rebanho comercial do planeta e é o maior exportador de carne de gado. Imagine se tivesse a cartilha correta).
O resultado pitoresco é que, para encontrar “raças nativas”, tenazes, é preciso vasculhar as caatingas, pois estes animais geralmente estão pulverizados em pequenas propriedades, anônimos. As médias e grandes propriedades preferem resultados imediatistas, com animais vistosos, fruto de castiçamento ou mesmo cruzamentos disfarçados."
Rinaldo dos Santos (zebus@zebus.com.br) é editor fundador da Revista O BERRO (http://www.revistaberro.com.br)
Saiba (+) sobre o assunto:
Semiárido: um Paraíso possível - Assumindo o chão como ele é, artigo
de Rinaldo Santos
http://www.remaatlantico.org/Members/suassuna/artigos/semiarido-um-paraiso-possivel-assumindo-o-chao-como-ele-e-artigo-de-rinaldo-santos
por João
Suassuna — Última modificação 08/02/2012 18:55

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