"Transformações e tensões no Sertão dos grandes projetos.
Obras de modernização prometem mudar a economia da região.
Por Lorena Aquino
Obras de modernização prometem mudar a economia da região.
Por Lorena Aquino
O Sertão do século XXI está na mira dos grandes investimentos. Se a antiga ideia de solidão e horizontes distantes já não mais habita a imaginação de todos, uma série de obras de infraestrutura estão em curso no sentido de estimular a produção e escoamento de commodities. São projetos de redistribuição de água, qual a Transposição do Rio São Francisco, ou de escoamento de produção, como a Ferrovia Transnordestina, que acompanham a criação de novos enclaves de agricultura irrigada. A construção de usinas termelétricas e nucleares também fazem parte das obras previstas ou sonhadas. São altos investimentos com consequências importantes e que provocam muitas controvérsias.
Nas décadas de 70 e 80 do século passado, o governo criou políticas para modernizar o Nordeste. O potencial hídrico do São Francisco foi percebido como lucrativo para a indústria energética e como recurso para um desenvolvimento industrial, urbano e baseado na agricultura de escala. O contexto era ditatorial. Segundo o geógrafo e pesquisador da UFPE Cláudio Ubiratan Gonçalves, as mudanças e decisões tomadas pelo governo para modernizar a região não eram consoantes aos desejos da população, muito menos apresentavam justificativas convincentes. Naquela época, o Estado subsidiou empresas que, para fugir das dívidas, vieram ao Nordeste para fundar suas filiais. E foi nesse âmbito que nasceram as hidrelétricas de Sobradinho, Moxotó e Três Marias, por exemplo, através de um desenvolvimento induzido da região.
Nas décadas de 70 e 80 do século passado, o governo criou políticas para modernizar o Nordeste. O potencial hídrico do São Francisco foi percebido como lucrativo para a indústria energética e como recurso para um desenvolvimento industrial, urbano e baseado na agricultura de escala. O contexto era ditatorial. Segundo o geógrafo e pesquisador da UFPE Cláudio Ubiratan Gonçalves, as mudanças e decisões tomadas pelo governo para modernizar a região não eram consoantes aos desejos da população, muito menos apresentavam justificativas convincentes. Naquela época, o Estado subsidiou empresas que, para fugir das dívidas, vieram ao Nordeste para fundar suas filiais. E foi nesse âmbito que nasceram as hidrelétricas de Sobradinho, Moxotó e Três Marias, por exemplo, através de um desenvolvimento induzido da região.
A idéia de 30 anos atrás não é muito diferente da de hoje. Apesar das diversas iniciativas de convivência com o semiárido, ainda há a ideia de que a paisagem do sertão precisa se transformar como forma de abandonar o atraso. Ainda segundo Ubiratan, toda e qualquer obra que almeje um grande impacto na região trará mudanças no modo de vida, culturais e sociais. O que tanto se combate é que uma mudança não independe da outra. Deixar o sertão moderno por meio de grandes projetos de infraestrutura implica a ausência de diálogo e imposição de mentalidades. Não só a construção de hidrelétricas no século XX mas também os projetos deste início de milênio procuram uma modernização no Sertão nordestino partindo de uma ideia bastante conservadora.
Transnordestina.
As principais portas de saída dos grãos e minérios produzidos no Nordeste são os portos de Suape, em Pernambuco, e Pecém, no Ceará. Para escoar a produção de estados como Tocantins, Bahia e Piauí, que não possuem portos próprios, a Ferrovia Transnordestina está em andamento, tendo em vista a importância do crescimento comercial no país e o incentivo ao início do ciclo de desenvolvimento da região Nordeste. Ela é de responsabilidade dos Ministérios da Integração Nacional, dos Transportes e do Planejamento. Segundo a Assessoria de Imprensa do Ministério dos Transportes, “o objetivo é elevar a competitividade da produção agrícola e mineral da região com uma moderna logística, que une uma ferrovia de alto desempenho a portos de calado profundo que podem receber navios de grande porte”.
O projeto pretende construir 1728 km de novas ferrovias e estradas adjacentes para ligar os dois portos ao Piauí. O ponto de encontro dos três eixos da malha ferroviária será na cidade de Salgueiro, em Pernambuco. Em Eliseu Martins, ponto final da Transnordestina no Piauí, ela vai ligar-se à outra ferrovia, a Norte-Sul, que vai até o Maranhão. Em Suape e Pecém, serão construídos novos terminais portuários para que eles possam receber navios de grande porte, além de silos para armazenamento de grãos.
O projeto pretende construir 1728 km de novas ferrovias e estradas adjacentes para ligar os dois portos ao Piauí. O ponto de encontro dos três eixos da malha ferroviária será na cidade de Salgueiro, em Pernambuco. Em Eliseu Martins, ponto final da Transnordestina no Piauí, ela vai ligar-se à outra ferrovia, a Norte-Sul, que vai até o Maranhão. Em Suape e Pecém, serão construídos novos terminais portuários para que eles possam receber navios de grande porte, além de silos para armazenamento de grãos.
Economicamente falando, a Transnordestina pretende diminuir o custo logístico das exportações e importações e reorganizar o espaço da produção agrícola. Uma vez que os pólos produtores poderão levar seus grãos ao mercado internacional com um custo mais baixo, o investimento na própria produção pode se intensificar. O sertão pode receber uma injeção de novos investimentos na produção, o que pode gerar empregos e modernizar a região, antes encarada como inóspita e desconexa.
Transposição do São Francisco.
Transposição do São Francisco.
Outro grande projeto em curso é a Integração das Águas do Rio São Francisco ou, como é mais conhecida, a Transposição. Transpor as águas de um rio significa levar parte de sua vazão para outro local fora de seu curso, através de canais de irrigação, barragens, aquedutos e túneis. No caso do São Francisco, serão 700 quilômetros de extensão, dispostos em dois Eixos de Transposição. O Eixo Norte, que terá início no município de Cabrobó, em Pernambuco, vai levar água a uma extensão de 426 km até as bacias dos Rios Salgado e Jaguaribe, no Ceará, Apodi, no Rio Grande do Norte e Piranhas-Açu, entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte.
Parte da água deste eixo será levada, ainda, por 110 quilômetros até os açudes pernambucanos de Entre Montes e Chapéu. O Eixo Leste, que se iniciará na represa de Itaparica, também em Pernambuco, se estenderá por 220 quilômetros até o Rio Paraíba. O Eixo Leste ainda pretende destinar parte de sua água para a bacia do Rio Ipojuca, no agreste pernambucano, por um ramal de 70 quilômetros.
Entre os benefícios que o Ministério da Integração pretende com a Transposição estão o aumento da oferta hídrica, mais justa distribuição de água e a perenização de alguns rios que serão abastecidos com água do Velho Chico através de canais e leitos. No entanto, há quem defenda que a transposição do São Francisco não beneficiará quem realmente precisa. Esse é um dos problemas relacionados às obras, que alarmam os especialistas. As águas transpostas do Rio São Francisco terão de vencer um relevo de 160 metros no Eixo Norte e 300 metros do Eixo Leste. Essa diferença de altitude vai exigir bombeamento de água, deixando-a mais cara. Mesmo que depois o relevo volte à altura do mar e essa água possa ser aproveitada na geração de energia, não será o suficiente para compensar os gastos da subida. Atualmente, a água às margens do São Francisco custa de dois a três centavos de real. Especialistas estimam que esse preço suba em até seis vezes.
“Alguns colonos não conseguem pagar nem custando dois centavos. Quem vai pagar doze?” questiona João Suassuna, engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Crítico ferrenho da Transposição, defende que a água do São Francisco vai servir para atender as empresas de grande capital e beneficiará o agronegócio em vez da agricultura familiar. “A população que hoje é atendida por caminhões-pipa vai continuar sendo atendida por caminhões-pipa. Não vai chegar uma gota da transposição”. O coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra Roberto Malvezzi acrescenta: “Disseram que iam colocar água pra 12 milhões e não fizeram. Derrubando as cisternas, criaram as expectativas poderosas nas famílias”. Malvezzi se refere às cisternas de captação de água da chuva provenientes de outro programa governamental, o “Um milhão de cisternas”, considerado barato, simples e bem-sucedido. Ubiratan ainda completa: “A transposição vai passar por regiões onde já existe o agronegócio. Talvez se justificasse se passasse por outros locais”.
Enquanto as obras acontecem, políticos e gestores públicos locais veem com bons olhos os novos investimentos. Os movimentos sociais que buscam há décadas promover experiências endógenas de convivência equilibrada com o semiárido argumentam que as tais soluções, pautadas em desenvolver o Sertão com base nas características locais e no modo de vida de seus moradores, não tem sido levadas em conta no estabelecimento das obras de infraestrutura. A população sertaneja, por sua vez, parece estar dividida entre a fé e a desilusão quanto às novas promessas de progresso para o semiárido.
A Transposição, como a Transnordestina, faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e está orçada em 6,9 bilhões de reais. A intenção é tentar proporcionar um crescimento equilibrado do Nordeste com a nova malha ferroviária e canais de irrigação. As obras da ferrovia tiveram início em junho de 2006 e a conclusão completa da obra está prevista para dezembro de 2014. Já a Transposição possui metas por eixo; elas variam entre setembro de 2014 e dezembro de 2015.
Entre os benefícios que o Ministério da Integração pretende com a Transposição estão o aumento da oferta hídrica, mais justa distribuição de água e a perenização de alguns rios que serão abastecidos com água do Velho Chico através de canais e leitos. No entanto, há quem defenda que a transposição do São Francisco não beneficiará quem realmente precisa. Esse é um dos problemas relacionados às obras, que alarmam os especialistas. As águas transpostas do Rio São Francisco terão de vencer um relevo de 160 metros no Eixo Norte e 300 metros do Eixo Leste. Essa diferença de altitude vai exigir bombeamento de água, deixando-a mais cara. Mesmo que depois o relevo volte à altura do mar e essa água possa ser aproveitada na geração de energia, não será o suficiente para compensar os gastos da subida. Atualmente, a água às margens do São Francisco custa de dois a três centavos de real. Especialistas estimam que esse preço suba em até seis vezes.
“Alguns colonos não conseguem pagar nem custando dois centavos. Quem vai pagar doze?” questiona João Suassuna, engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Crítico ferrenho da Transposição, defende que a água do São Francisco vai servir para atender as empresas de grande capital e beneficiará o agronegócio em vez da agricultura familiar. “A população que hoje é atendida por caminhões-pipa vai continuar sendo atendida por caminhões-pipa. Não vai chegar uma gota da transposição”. O coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra Roberto Malvezzi acrescenta: “Disseram que iam colocar água pra 12 milhões e não fizeram. Derrubando as cisternas, criaram as expectativas poderosas nas famílias”. Malvezzi se refere às cisternas de captação de água da chuva provenientes de outro programa governamental, o “Um milhão de cisternas”, considerado barato, simples e bem-sucedido. Ubiratan ainda completa: “A transposição vai passar por regiões onde já existe o agronegócio. Talvez se justificasse se passasse por outros locais”.
Enquanto as obras acontecem, políticos e gestores públicos locais veem com bons olhos os novos investimentos. Os movimentos sociais que buscam há décadas promover experiências endógenas de convivência equilibrada com o semiárido argumentam que as tais soluções, pautadas em desenvolver o Sertão com base nas características locais e no modo de vida de seus moradores, não tem sido levadas em conta no estabelecimento das obras de infraestrutura. A população sertaneja, por sua vez, parece estar dividida entre a fé e a desilusão quanto às novas promessas de progresso para o semiárido.
A Transposição, como a Transnordestina, faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e está orçada em 6,9 bilhões de reais. A intenção é tentar proporcionar um crescimento equilibrado do Nordeste com a nova malha ferroviária e canais de irrigação. As obras da ferrovia tiveram início em junho de 2006 e a conclusão completa da obra está prevista para dezembro de 2014. Já a Transposição possui metas por eixo; elas variam entre setembro de 2014 e dezembro de 2015.
A terra é mesmo minha?
A questão da realocação das famílias atingidas pelas obras deixa a desejar. As indenizações muitas vezes são irrisórias e as famílias se sentem impotentes para reivindicar seus direitos. A Comissão Pastoral da Terra possui projetos de acompanhamento das desaproprações. “Vamos junto às comunidades, vemos o cotidiano das famílias e das obras. A gente percebe que à medida que o tempo passa, cresce o descrédito da população porque se criou uma expectativa e a água não chega”, diz Roberto Malvezzi. Obras como a Transposição e a Transnordestina fazem questionar ainda o modelo de criação de empregos que tais obras implicam - geração de empregos precários e temporários na construção civil, que posteriormente se extinguirão.
O Movimento São Francisco Vivo e reportagens na imprensa regional têm denunciado efeitos socialmente negativos para as comunidades locais, do estabelecimento repentino e provisório de milhares de operários jovens do sexo masculino no canteiros de obras em áreas interioranas. Além disso, denunciam prejuízos a populações indígenas e quilombolas que vivem em territórios que serão afetados pelas obras. Em um Relatório de Denúncia produzido pelo Movimento, o cacique do Povo Truká, Neguinho Truká, afirma que é prática do governo tentar convencer os índios de que aquele território não é deles. Pajé Suíra, do Povo Xocó, diz que o Governo sequer esteve lá para consultar a população que será atingida.
Que as referidas obras, de uma forma ou de outra, aquecerão a economia regional e do país, não parece haver dúvidas. O que as organizações e intelectuais contrários a estas iniciativas questionam é o modelo de desenvolvimento que essas obras pressupõem. Estudiosos se perguntam se as ameaças à biodiversidade e às populações locais compensam, se as obras são mesmo necessárias, se vão trazer consequências positivas. Uma dúvida recorrente é quem realmente será o beneficiado de tanto projeto de modernização. A população sertaneja parece estar diante de mais uma promessa de água e desenvolvimento, com controvérsias que parecem não ter fim.
O Movimento São Francisco Vivo e reportagens na imprensa regional têm denunciado efeitos socialmente negativos para as comunidades locais, do estabelecimento repentino e provisório de milhares de operários jovens do sexo masculino no canteiros de obras em áreas interioranas. Além disso, denunciam prejuízos a populações indígenas e quilombolas que vivem em territórios que serão afetados pelas obras. Em um Relatório de Denúncia produzido pelo Movimento, o cacique do Povo Truká, Neguinho Truká, afirma que é prática do governo tentar convencer os índios de que aquele território não é deles. Pajé Suíra, do Povo Xocó, diz que o Governo sequer esteve lá para consultar a população que será atingida.
Que as referidas obras, de uma forma ou de outra, aquecerão a economia regional e do país, não parece haver dúvidas. O que as organizações e intelectuais contrários a estas iniciativas questionam é o modelo de desenvolvimento que essas obras pressupõem. Estudiosos se perguntam se as ameaças à biodiversidade e às populações locais compensam, se as obras são mesmo necessárias, se vão trazer consequências positivas. Uma dúvida recorrente é quem realmente será o beneficiado de tanto projeto de modernização. A população sertaneja parece estar diante de mais uma promessa de água e desenvolvimento, com controvérsias que parecem não ter fim.
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