quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A CAATINGA. O SERTÃO.

Origem: COLETIVA
"A caatinga por trás dos galhos retorcidos .

Vegetação do semiárido apresenta biodiversidade e riquezas surpreendentes, atraindo olhares e revelando sua face menos divulgada.
Por Anna Marques.
Em 1960, o cineasta Nelson Pereira dos Santos montou toda a parafernália para a gravação do filme Vidas Secas na caatinga de Juazeiro, na Bahia. Mas ele não esperava que aquela região árida tivesse uma alta capacidade de regeneração. Foi só chover 15 dias e o cenário de desolação mudou completamente, logo se tornando verde. O filme, que precisava retratar a aridez do sertão, teve que esperar. A caatinga aparecia em sua face menos divulgada, como uma vegetação altamente adaptada a um regime irregular de precipitação, que se mostra exuberante na presença de água, e torna-se seca, em estado de latência, até a próxima chuva.

Único bioma exclusivamente brasileiro, a caatinga foi vista, por muito tempo, como uma formação biologicamente pobre. Embora os estudos sobre esse tipo de vegetação ainda sejam considerados escassos, a visão sobre ela vem mudando. Além de ser a mais extensa floresta seca da América do Sul, ela já é considerada uma das mais ricas do mundo.

A “mata branca”, tradução do termo caatinga do tupi-guarani , corresponde a cerca de 13% do território nacional e ocupa 60% do Nordeste. Ela inclui partes de todos os estados dessa região, além do norte de Minas Gerais. Apesar da sua extensão, pouca atenção vem sendo dada a esse bioma.
De acordo com a professora de Botânica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Inara Leal, há algum tempo, a caatinga não era considerada uma unidade vegetacional. “As pessoas achavam que a caatinga não tinha muitos endemismos, que as espécies que lá ocorriam eram parte da Mata Atlântica, parte do cerrado e parte da Amazônia, não tinha a biota própria dela”, explica.
Mas o interesse pela caatinga vem aumentando e começou-se a reunir informações a seu respeito. A partir daí, foi visto que a área tem espécies que ocorrem exclusivamente neste bioma. A caatinga iguala-se em importância a outros ambientes semiáridos muito diversos, a exemplo do chaparral nos Estados Unidos. “Percebemos que os níveis de riqueza de espécie e porcentagem de endemismos são tão altos quantos outros ambientes que eram renomados e valorizados no mundo”, ressalta a professora.
Em relação à vegetação, de acordo com a Associação de Plantas do Nordeste (APNE), são mais de 2 mil espécies de lenhosas e herbáceas de pequeno porte que, em sua maioria, são xerófilas, extremamente adaptadas a períodos longos de escassez de chuvas. Dessas, 318 são endêmicas, cada uma com sua função específica no bioma e variada distribuição e utilização.

Destacam-se 67 espécies, entre elas a caraibeira (Tabebuia caraíba), o mandacaru (Cereus jamacarue) e o angico (Anadenanthera colubrina), consideradas prioritárias para a sustentabilidade da região. A vegetação da caatinga é parte integrante dos sistemas produtivos tradicionais do Sertão, seja para pastoreio extensivo, extrativismo, produção de lenha e carvão, produção melífera, entre outros. Normalmente, as espécies são usadas para a produção de forragem, frutos nativos, óleos e ceras, além do potencial madeireiro e ornamental.

Há também espécies introduzidas na caatinga, que podem ser prejudiciais ou não à vegetação nativa. Inara explica que algumas plantas, como o algodão-bravo (Calotropis procera), não conseguem invadir a comunidade madura e bem conservada do bioma. Esse tipo de vegetação só ocupa as áreas perturbadas como as margens das estradas, onde a vegetação havia sido retirada. “Dessa forma, a nova espécie pode até contribuir com o bioma ao colonizar áreas desmatadas”, diz.
Em outros casos, as espécies introduzidas acabam tornando-se uma ameaça à comunidade nativa da caatinga. É o caso da algaroba (Prosopis juliflora), introduzida na região para servir de forrageio. Essa planta consegue invadir as áreas próximas a cursos d´água e, com sua grande capacidade de proliferação, ela invade o ambiente das espécies locais, podendo causar grandes reduções ou até mesmo extinção local. “Aparentemente, elas são introduzidas para resolver o problema, mas, muitas vezes, elas criam outros. Ou são livres de inimigos naturais, e aí proliferam, ou ocupam um nicho vago, ‘ganhando’ das espécies nativas”, pontua Inara.

As espécies da caatinga apresentam grande potencialidade, que vão desde o âmbito medicinal até o turístico. Plantas como o umbuzeiro (Spondias tuberosa) e o licuri (Syagrus coronata), ou mesmo cactáceas como o xiquexique (Pilosocereus gounellei), servem como base para a fabricação de doces, geléias e sucos.
O pesquisador da Embrapa Semiárido Nilton Cavalcanti trabalha com as plantas e os animais da caatinga há mais de 30 anos e reconhece seu valor. Tendo isso em vista, ele criou um blog como ferramenta para mostrar ao maior número de pessoas possível algumas peculiaridades do local e a exploração desses recursos.
Cavalcanti alerta que o potencial da caatinga ainda não é explorado de forma sustentável. “Ainda há muitas controvérsias, visto que a exploração sempre tem causado danos ao meio ambiente, pois os recursos são retirados e pouco ou quase nada é implantado”, afirma. Contudo, ele também alega que, em algumas comunidades, o aproveitamento dos recursos naturais da caatinga já está sendo acompanhado de projetos com preocupações ambientais.

O sertanejo e a caatinga.
Além das espécies vegetais, a caatinga também possui uma fauna rica. A bióloga Mariangela Almeida, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), na Bahia, realizou uma pesquisa no ano de 2009, na qual diversos grupos animais foram citados pelos próprios sertanejos. Mamíferos, como o tatu, o gambá e o tamanduá-mirim, répteis, a exemplo do camaleão, e aves, como a ema e o juriti, fazem parte do cotidiano da caatinga. Em relação à criação de animais, os caprinos são os mais comuns na região.

Segundo a bióloga, esses animais apresentam alguma utilidade para os sertanejos. “Todos os animais citados apresentam valor cinegético, considerando que sua carne serve de alimento e os subprodutos poderão servir para elaboração de artesanatos, remédios caseiros ou outras finalidades”, explica.
É perceptível a estreita relação entre os habitantes do sertão e a caatinga. Mariangela afirma que, quando questionados sobre a ligação com o local em que vive, a maioria dos entrevistados afirmou se sentir bem em morar lá. “A relação entre o sertanejo e o ambiente transcende a satisfação de necessidades básicas, como alimentação e uso medicinal, indo até a possibilidade de previsões de chuva ou seca”, diz. Assim, pode-se dizer que se trata de uma relação topofílica, na qual o sertanejo apresenta um declarado apego emocional à terra.

Apesar disso, o estudo constatou que a interação ecológica do homem do sertão da Bahia com o ambiente ao seu redor é regida pela constante reivindicação por melhores condições de sobrevivência. E aí entra a discussão sobre o uso sustentável dos recursos naturais locais. “Socialmente falando, é difícil pensar em escolhas no que diz respeito à sustentabilidade em regiões subdesenvolvidas, como é o caso do semiárido nordestino, uma vez que grande parcela da população vive em condições de miséria e necessita primeiramente conseguir suas próprias necessidades básicas”, pontua.
Proteção.
Apesar da sua extensão, a atenção dada à caatinga ainda é pouca. Segundo o Secretário-executivo do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Caatinga Roberto Campos, apenas um de cada cinco hectares protegidos encontra-se na caatinga. “Ainda falta consciência sobre a importância desse bioma. A produção científica do Nordeste focaliza outros ambientes, principalmente habitats marinhos e a Mata Atlântica”, afirma.

Além da falta de consciência, a caatinga está ameaçada pela degradação. Cerca de 650 mil hectares são devastados por ano e mais de 60% da cobertura original da vegetação já foi transformada pelas ações humanas. As principais causas de desmatamento são as queimadas visando a agricultura e a pecuária, a produção de lenha e carvão e os projetos de irrigação. Como se isso não bastasse, 181 mil quilômetros quadrados são reconhecidos como de alto risco de desertificação.
O Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Caatinga está atento e procura soluções para a preservação desse bioma. Instalado em Pernambuco em 2002, a Reserva da Biosfera é integrante do Programa Man and Biosphere (MaB) da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e promove a conservação e o desenvolvimento sustentável da caatinga.
“A Reserva não tem função normativa. Ela influencia, sugere planos ao Ministério do Meio Ambiente, indica. O conselho tem parceria com pessoas de todas as camadas, como governos, moradores, empresários e pesquisadores”, explica Campos.
Uma das iniciativas do Conselho é a criação dos postos avançados, que são centros, locais físicos ou instituições, contidos total ou parcialmente dentro do perímetro da Reserva. Esses centros servem como instrumentos para a difusão de pesquisas científicas sobre a caatinga, envolvendo a proteção da biodiversidade, o desenvolvimento sustentável e a educação ambiental. Até o momento, foram instalados dois postos: um na Reserva Natural Serra das Almas, no Ceará, e outro na Pedra do Cachorro, em São Caetano, Pernambuco.

A Associação Plantas do Nordeste (APNE), em parceria com diversas entidades nacionais e internacionais, também vem trabalhando em toda a região em prol da caatinga. Desde sua fundação, em 1994, ela desenvolve e publica resultados de pesquisas realizadas no bioma e, hoje, vem monitorando planos de manejo florestal em assentamentos rurais localizados nas regiões do Pajeú, Moxotó e Itaparica(PE).
Para o engenheiro florestal e integrante da APNE João Paulo Ferreira, a vegetação nativa do sertão é garantia da sustentabilidade da região, seja no aspecto da conservação do solo, preservação dos recursos hídricos e produção de energia renovável. Tanto as cidades como os segmentos comerciais e complexos industriais dependem diretamente da conservação e manejo dos recursos florestais da caatinga. “É imprescindível que a exploração desses recursos seja gerenciada para dar garantias de sua recuperação, regeneração e manutenção da biodiversidade”, ressalta.
É por essas e outras que, até hoje, muitas pessoas, tal como o cineasta Nelson Pereira dos Santos, continuam a se surpreender com a riqueza encoberta pelos espinhos e galhos retorcidos da caatinga.
Para saber mais. Associação Plantas do Nordeste.
http://www.plantasdonordeste.org/

Fatos e Fotos da Caatinga.
http://fatosefotosdacaatinga.blogspot.com/

Reserva da Biosfera da Caatinga.
http://www.biosferadacaatinga.org.br/"

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