Importante artigo colhido do BLOG PORTAL DO ECODEBATE:
ÁGUA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS.
Artigo de José Antônio Marengo
ÁGUA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS.
Artigo de José Antônio Marengo
RESUMO
O presente documento constitui uma revisão do estado da arte do conhecimento sobre mudanças de clima e água no Brasil e na América do Sul. Discutem-se alguns dos resultados dos estudos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e do Relatório de Clima do Inpe em relação a estudos obervacionais de variabilidade de clima e projeções de clima e das componentes do ciclo hidrológico até finais do século XXI, para as principais bacias hidrográficas no continente. Um dos aspectos importantes discutidos neste informe refere-se aos aspectos econômico e gerencial do recurso água nas diferentes regiões do Brasil, e como isso pode mudar num cenário de mudanças de clima.
Palavras-chave: Recursos da água, Variabilidade climáticas, Mudanças climáticas, Vazões.
________________________________________
Introdução
O PLANETA Terra tem dois terços de sua superfície ocupados por água – são aproximadamente 360 milhões de km2 de um total de 510 milhões. Entretanto, 98% da água disponível no planeta são salgadas. Existem múltiplos usos para a água, como para beber; abastecimento doméstico; abastecimento industrial; agricultura; recreação e lazer; geração de energia; navegação; diluição de despejos; harmonia paisagística; preservação da fauna; preservação da flora; irrigação, entre outros.
O Brasil tem posição privilegiada no mundo, em relação à disponibilidade de recursos hídricos. A vazão média anual dos rios em território brasileiro é de cerca de 180 mil m3/s. Esse valor corresponde a aproximadamente 12% da disponibilidade mundial de recursos hídricos, que é de 1,5 milhão de m3/s (Shiklomanov et al., 2000). Se forem levadas em conta as vazões oriundas em território estrangeiro e que ingressam no país (Amazônica: 86.321 mil m3/s; Uruguai: 878 m3/s e Paraguai: 595 m3/s), a vazão média total atinge valores da ordem de 267 mil m3/s (18% da disponibilidade mundial).
A Amazônia detém 74% dos recursos hídricos superficiais e é habitada por menos de 5% da população brasileira. A menor vazão média por habitante é observada na região hidrográfica do Atlântico Nordeste Oriental, com média inferior a 1.200 m3/hab/ano. Em algumas bacias dessa região, são registrados valores menores que 500 m3/hab/ano. Destacam-se ainda, na condição de regiões com pouca disponibilidade relativa, algumas bacias das regiões hidrográficas do Atlântico Leste, Parnaíba e São Francisco. Na porção semi-árida dessas regiões, onde o fenômeno da seca tem repercussões mais graves, a água é um fator crítico para as populações locais (GEO Brasil, 2007).
A disponibilidade de água no Brasil depende em grande parte do clima. O ciclo anual das chuvas e de vazões no país varia entre bacias, e de fato a variabilidade interanual do clima, associada aos fenômenos de El Niño, La Niña, ou à variabilidade na temperatura da superfície do mar do Atlântico Tropical e Sul podem gerar anomalias climáticas, que produzem grandes secas, como em 1877, 1983 e 1998 no Nordeste, 2004-2006 no Sul do Brasil, 2001 no Centro-Oeste e Sudeste, e em 1926, 1983, 1998 e 2005 na Amazônia (Marengo & Silva Dias, 2006; Marengo, 2007; Marengo et al., 2008 a, b). Adicionalmente, os riscos derivados das mudanças climáticas, sejam naturais sejam de origem antropogênica, têm levantado grande preocupação entre os círculos científicos, políticos, na mídia e também na população em geral.
Desde a década de 1980, evidências científicas sobre a possibilidade de mudança do clima em nível mundial vêm despertando interesses crescentes no público e na comunidade científica em geral. Em 1988, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) estabeleceram o Intergovernamental Panel on Climate Change [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas] (IPCC). O IPCC ficou encarregado de apoiar com trabalhos científicos as avaliações do clima e os cenários de mudanças climáticas para o futuro. Sua missão é “avaliar a informação científica, técnica e socioeconômica relevante para entender os riscos induzidos pela mudança climática na população humana”. O IPCC foi criado pelos governos em 1988 para fornecer informações técnicas e científicas sobre as mudanças climáticas. O processo utilizado para produzir essas avaliações é criado para assegurar alta credibilidade tanto na comunidade científica como na política. Avaliações prévias foram publicadas em 1990, 1996 e 2001. Existem três “grupos de trabalho”: O Grupo 1 avalia os aspectos científicos do sistema climático e de mudança do clima; o Grupo 2 avalia os efeitos das mudanças climáticas sobre a natureza e a sociedade; e o Grupo 3 discute os métodos de adaptação e mitigação das mudanças climáticas.
O Quarto Relatório Científico do IPCC AR4 (Trenberth et al., 2007; Meehl et al., 2007) apresenta evidências de mudanças de clima que podem afetar significativamente o planeta, especialmente nos extremos climáticos, com maior rigor nos países menos desenvolvidos na região tropical. As principais conclusões desse relatório sugerem, com confiança acima de 90%, que o aquecimento global dos últimos cinqüenta anos é causado pelas atividades humanas.
Apenas no decorrer do ano de 2007, segundo a ONU, 117 milhões de pessoas em todo o mundo foram vítimas de cerca de trezentos desastres naturais, incluindo secas devastadoras na China e na África e inundações na ásia e na África – em um prejuízo total de US$ 15 bilhões. Grande parte dos países menos desenvolvidos já enfrenta períodos incertos e irregulares de chuvas, e as previsões para o futuro indicam que as mudanças climáticas vão tornar a oferta de água cada vez menos previsível e confiável. Economizar água para o futuro não é, portanto, lutar por um objetivo distante e incerto. As tendências atuais de exploração, degradação e poluição dos recursos hídricos já alcançaram proporções alarmantes, e podem afetar a oferta de água num futuro próximo caso não sejam revertidas. A mudança climática significa que os desertos cedo ou tarde expulsarão 135 milhões de pessoas das suas terras, segundo estimativas das Nações Unidas. A maioria desses indivíduos mora no Terceiro Mundo. Segundo previsões da Unesco, 1,8 bilhão de pessoas podem enfrentar escassez crítica de água em 2025, e dois terços da população mundial podem ser afetados pelo problema no mesmo ano. O crescimento explosivo das populações urbanas é também causa alarmante da ameaça global de escassez de água no mundo.
No passado, a maior preocupação dos governos federal e estadual sobre o gerenciamento no uso da água era como satisfazer as demandas de uma população cada vez maior, e como enfrentar o problema de secas ou enchentes. Recentemente, a mudança climática tem sido observada como possível causa de problemas que podem afetar a variabilidade e a disponibilidade na qualidade e quantidade da água. Mudanças nos extremos climáticos e hidrológicos têm sido observadas nos últimos cinqüenta anos, e projeções de modelos climáticos apresentam um panorama sombrio em grandes áreas da região tropical.
O presente documento constitui uma revisão do estado da arte do conhecimento sobre mudanças de clima e água no Brasil e na América do Sul. Discutem-se alguns dos resultados dos estudos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e do Relatório de Clima do Inpe em relação a estudos obervacionais de variabilidade de clima e projeções de clima e das componentes do ciclo hidrológico até finais do século XXI, para as principais bacias hidrográficas no continente. Um dos aspectos importantes discutidos neste informe refere-se aos aspectos econômico e gerencial do recurso água nas diferentes regiões do Brasil, e como isso pode mudar num cenário de mudanças de clima.
Palavras-chave: Recursos da água, Variabilidade climáticas, Mudanças climáticas, Vazões.
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Introdução
O PLANETA Terra tem dois terços de sua superfície ocupados por água – são aproximadamente 360 milhões de km2 de um total de 510 milhões. Entretanto, 98% da água disponível no planeta são salgadas. Existem múltiplos usos para a água, como para beber; abastecimento doméstico; abastecimento industrial; agricultura; recreação e lazer; geração de energia; navegação; diluição de despejos; harmonia paisagística; preservação da fauna; preservação da flora; irrigação, entre outros.
O Brasil tem posição privilegiada no mundo, em relação à disponibilidade de recursos hídricos. A vazão média anual dos rios em território brasileiro é de cerca de 180 mil m3/s. Esse valor corresponde a aproximadamente 12% da disponibilidade mundial de recursos hídricos, que é de 1,5 milhão de m3/s (Shiklomanov et al., 2000). Se forem levadas em conta as vazões oriundas em território estrangeiro e que ingressam no país (Amazônica: 86.321 mil m3/s; Uruguai: 878 m3/s e Paraguai: 595 m3/s), a vazão média total atinge valores da ordem de 267 mil m3/s (18% da disponibilidade mundial).
A Amazônia detém 74% dos recursos hídricos superficiais e é habitada por menos de 5% da população brasileira. A menor vazão média por habitante é observada na região hidrográfica do Atlântico Nordeste Oriental, com média inferior a 1.200 m3/hab/ano. Em algumas bacias dessa região, são registrados valores menores que 500 m3/hab/ano. Destacam-se ainda, na condição de regiões com pouca disponibilidade relativa, algumas bacias das regiões hidrográficas do Atlântico Leste, Parnaíba e São Francisco. Na porção semi-árida dessas regiões, onde o fenômeno da seca tem repercussões mais graves, a água é um fator crítico para as populações locais (GEO Brasil, 2007).
A disponibilidade de água no Brasil depende em grande parte do clima. O ciclo anual das chuvas e de vazões no país varia entre bacias, e de fato a variabilidade interanual do clima, associada aos fenômenos de El Niño, La Niña, ou à variabilidade na temperatura da superfície do mar do Atlântico Tropical e Sul podem gerar anomalias climáticas, que produzem grandes secas, como em 1877, 1983 e 1998 no Nordeste, 2004-2006 no Sul do Brasil, 2001 no Centro-Oeste e Sudeste, e em 1926, 1983, 1998 e 2005 na Amazônia (Marengo & Silva Dias, 2006; Marengo, 2007; Marengo et al., 2008 a, b). Adicionalmente, os riscos derivados das mudanças climáticas, sejam naturais sejam de origem antropogênica, têm levantado grande preocupação entre os círculos científicos, políticos, na mídia e também na população em geral.
Desde a década de 1980, evidências científicas sobre a possibilidade de mudança do clima em nível mundial vêm despertando interesses crescentes no público e na comunidade científica em geral. Em 1988, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) estabeleceram o Intergovernamental Panel on Climate Change [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas] (IPCC). O IPCC ficou encarregado de apoiar com trabalhos científicos as avaliações do clima e os cenários de mudanças climáticas para o futuro. Sua missão é “avaliar a informação científica, técnica e socioeconômica relevante para entender os riscos induzidos pela mudança climática na população humana”. O IPCC foi criado pelos governos em 1988 para fornecer informações técnicas e científicas sobre as mudanças climáticas. O processo utilizado para produzir essas avaliações é criado para assegurar alta credibilidade tanto na comunidade científica como na política. Avaliações prévias foram publicadas em 1990, 1996 e 2001. Existem três “grupos de trabalho”: O Grupo 1 avalia os aspectos científicos do sistema climático e de mudança do clima; o Grupo 2 avalia os efeitos das mudanças climáticas sobre a natureza e a sociedade; e o Grupo 3 discute os métodos de adaptação e mitigação das mudanças climáticas.
O Quarto Relatório Científico do IPCC AR4 (Trenberth et al., 2007; Meehl et al., 2007) apresenta evidências de mudanças de clima que podem afetar significativamente o planeta, especialmente nos extremos climáticos, com maior rigor nos países menos desenvolvidos na região tropical. As principais conclusões desse relatório sugerem, com confiança acima de 90%, que o aquecimento global dos últimos cinqüenta anos é causado pelas atividades humanas.
Apenas no decorrer do ano de 2007, segundo a ONU, 117 milhões de pessoas em todo o mundo foram vítimas de cerca de trezentos desastres naturais, incluindo secas devastadoras na China e na África e inundações na ásia e na África – em um prejuízo total de US$ 15 bilhões. Grande parte dos países menos desenvolvidos já enfrenta períodos incertos e irregulares de chuvas, e as previsões para o futuro indicam que as mudanças climáticas vão tornar a oferta de água cada vez menos previsível e confiável. Economizar água para o futuro não é, portanto, lutar por um objetivo distante e incerto. As tendências atuais de exploração, degradação e poluição dos recursos hídricos já alcançaram proporções alarmantes, e podem afetar a oferta de água num futuro próximo caso não sejam revertidas. A mudança climática significa que os desertos cedo ou tarde expulsarão 135 milhões de pessoas das suas terras, segundo estimativas das Nações Unidas. A maioria desses indivíduos mora no Terceiro Mundo. Segundo previsões da Unesco, 1,8 bilhão de pessoas podem enfrentar escassez crítica de água em 2025, e dois terços da população mundial podem ser afetados pelo problema no mesmo ano. O crescimento explosivo das populações urbanas é também causa alarmante da ameaça global de escassez de água no mundo.
No passado, a maior preocupação dos governos federal e estadual sobre o gerenciamento no uso da água era como satisfazer as demandas de uma população cada vez maior, e como enfrentar o problema de secas ou enchentes. Recentemente, a mudança climática tem sido observada como possível causa de problemas que podem afetar a variabilidade e a disponibilidade na qualidade e quantidade da água. Mudanças nos extremos climáticos e hidrológicos têm sido observadas nos últimos cinqüenta anos, e projeções de modelos climáticos apresentam um panorama sombrio em grandes áreas da região tropical.
(O artigo será publicado em continuação).
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