25 anos do desastre radioativo de
Goiânia
Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
Odesson Alves Ferreira
Associação das Vitimas do Césio 137/AVCésio
O fenômeno da radioatividade descoberto pelo físico francês Henri
Becquerel em 1896, mostrou que o núcleo de um átomo muito energético tende a se
estabilizar, emitindo o excesso de energia na forma de partículas e ondas. As
radiações emitidas por esses núcleos chamadas de partículas, alfa e beta (pouco
penetrantes) possuem massa, carga elétrica e velocidade. Os raios gama são os
mais perigosos por serem mais penetrantes (energéticos), e de efeitos
extremamente nocivos para a vida, são emitidos na forma de ondas
eletromagnéticas, não não possuem massa, e se propagam com a velocidade de
300.000 km/s.
Portanto, quando temos a presença indesejável de um material radioativo
em local onde não deveria estar, existe assim a contaminação radioativa que
gera irradiações. Para descontaminar um local, retira-se o material
contaminante. Sem o contaminante o lugar não apresentará irradiação, nem ficará
radioativo, irradiação não contamina, mas contaminação irradia.
Feito este preâmbulo, relembremos o ocorrido há 25 anos, naquele 13 de
setembro de 1987, no município de Goiânia (GO), considerado o maior acidente
radiológico do mundo. Um aparelho de radioterapia contendo o material
radioativo césio-137 (produzido em reatores nucleares) encontrava-se abandonado
no prédio do Instituto Goiano de Radioterapia (IGR), instituto privado, no
centro de Goiânia, desativado há cerca de 2 anos (isto mesmo, havia 2 anos que
o equipamento estava abandonado no local). Dois homens, Roberto e Wagner, à
procura de sucata, entraram no prédio do Instituto sem nenhuma dificuldade,
pois o mesmo se encontrava em escombros, sem portas e nem janelas, e levaram o aparelho
até Devair, dono de um ferro-velho. Durante a desmontagem do aparelho, foram
expostos ao ambiente 19 g de cloreto de césio-137 (CsCl), pó semelhante ao sal
de cozinha. O encontrado não era exatamente na forma de pó, mais parecia como
uma pasta, de cor acinzentada, e virava pó quando friccionado. Mas o que
chamava muita atenção é que no escuro, brilhava intensamente com uma coloração
azulada. Encantado com o brilho do material, Devair, passou a mostrá-lo e até
distribuí-lo a amigos e familiares, inclusive para os irmãos Odesson e Ivo, que
levou um pouco de césio para sua filha, Leide.
Expostas ao material radioativo, às pessoas começaram a desenvolver
sintomas da contaminação (tonturas, náuseas, vômitos e diarréia), algumas após
horas de exposição e outras após alguns dias, levando-as a procurarem farmácias
e hospitais. Foram medicadas como portadoras de uma doença contagiosa. Os
sintomas só foram caracterizados como contaminação radioativa em 29 de
setembro, depois que esposa do dono do ferro-velho Maria Gabriela, levou parte
do aparelho desmontado até a sede da Vigilância Sanitária. No dia 23 de outubro
daquele ano morria Maria Gabriela, esposa de Devair e sua sobrinha Leide.
Devair, juntamente com outras 15 pessoas, foram encaminhadas para tratamento de
descontaminação no Hospital Naval Marcílio Dias no Rio de Janeiro, vindo a
falecer em 1994. Nestes 25 anos 6 pessoas da mesma família Alves Ferreira
vieram a óbito.
Para a verdade dos fatos, é necessário deixar registrado que o governo
na época não sabia ainda o que estava acontecendo. Até que no dia 29 de
setembro, um dia após Maria Gabriela e Geraldo (catador de recicláveis que
morava no ferro-velho) terem levado a peça que continha o césio a Vigilância
Sanitária. O físico Walter Mendes, de férias na cidade, solicitou um contador
Geiger do escritório da Nuclebrás de Goiânia, emprestando-o a Vigilância
Sanitária. E ai sim, foi constatado a radioatividade.
A propagação do césio-137 para as casas próximas onde o aparelho foi
desmontado se deu por diversas formas. Merece destaque o fato do CsCl ser
higroscópico, isto é, absorver água da atmosfera. Isso faz com que ele fique
úmido e, assim, passe a aderir com facilidade na pele, nas roupas e nos
calçados. Levar as mãos ou alimentos contaminados à boca resulta em
contaminação interna do organismo, o que aconteceu com Leide de 6 anos de
idade. Oficialmente, segundo a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN),
quatro pessoas morreram, e além delas, das 112.800 pessoas que foram
monitoradas, em 6.500 foram encontradas contaminação discreta, mas apenas 250
apresentaram contaminação corporal interna e externa que mereceram maior
atenção e acompanhamento. Destas, 49 foram internadas e 21 exigiram tratamento
médico intensivo.
Os trabalhos de descontaminação dos locais afetados produziram 6.500 toneladas (somente recentemente reconhecida pela CNEN ) de lixo contaminado com apenas 19 g de césio-137. O lixo armazenado em caixas, tambores, containeres eram constituídos de roupas, utensílios domésticos, plantas, solo, animais de estimação, veículos, materiais de construção (algumas casas foram implodidas, sem que pudesse tirar nada de dentro, nem brinquedos, fotografias). Todo este lixo radioativo foi armazenado em um depósito construído na cidade de Abadia de Goiás, vizinha a Goiânia, onde deverá ficar, pelo menos 180 anos.
Quatorze anos depois, o governo de Goiás incluiu mais 600 pessoas na
lista de vítimas. O Ministério Público Estadual (MPE) chegou à conclusão que,
policiais e funcionários que trabalharam durante o período da tragédia foram
contaminados e alguns morreram em conseqüência de doenças provocadas pelo
césio. E estas mortes nunca entraram nas estatísticas oficiais.
Por outro lado, o Centro de Assistência aos Radioacidentados Leide das Neves Ferreira, criado pelo governo do estado para
acompanhar as vítimas, não admitia relacionar ao acidente com o césio, as
mortes e as doenças denunciadas pelo MPE. Foi então assinado um acordo entre o
Estado e o MPE para que as novas vítimas, seus filhos e netos recebessem assistência
médica e indenização.
Após vinte e cinco anos do desastre radioativo, as várias pessoas
contaminadas pela radioatividade não recebem os medicamentos, que, segundo leis
instituídas, deveriam ser distribuídos pelo governo. E muitas pessoas envolvidas
diretamente com o ocorrido, ainda vivem nas redondezas da região do acidente,
entre as Ruas 57, Avenida Paranaíba, Rua 74, Rua 80, Rua 70 e Avenida Goiás,
sem oferecer nenhum risco de contaminação.
Este desastre deixou marcas profundas nas pessoas mais diretamente
afetadas e que sobreviveram, e em todo município. O que caracterizou este
episódio, e deixou evidente a sociedade, foi o despreparo, a inoperância, o
improviso e o desinteresse demonstrado pelo poder público com a saúde das
pessoas, principalmente manipulando informações.
A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) ficou desnudada diante do
grave desastre de Goiânia. Mas não é somente a CNEN, mas todas as atividades
nucleares no Brasil continuam surpreendendo negativamente, pois transcorrido 25
anos as atitudes e a postura de hoje são semelhantes a do passado. Pouca coisa
mudou, em relação à transparência e a prepotência. E o descrédito a esta
autarquia é cada vez mais percebido pela população, quando ela se informa e
toma conhecimento das atividades desenvolvidas na área nuclear, onde sobressai
a visão miliciana de soberania e defesa nacional, em que tudo é sigiloso, tudo
é secreto.
O exemplo mais recente que acontece, ou podemos dizer a tragédia
anunciada, é o que atinge as populações vizinhas da mina de urânio de Caetité
na Bahia. Mas esta é outra estória que devemos estar atentos e evitar que nosso
povo morra pela (ir)responsabilidade dos governantes.
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