O modo socialista de governar: caso de
Pernambuco (I)
Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
Pernambuco,
estado de grandes tradições libertárias, encontra-se hoje governado pelo
Partido Socialista Brasileiro (PSB). Nascido há 65 anos, teve sua existência
interrompida pela ditadura militar por 20 anos (1965-1985), retomando suas
atividades em 1985. Teve como presidente a partir de 1993, Miguel Arraes de
Alencar, e desde 2008 até hoje quem o preside é seu neto, o governador de
Pernambuco, Eduardo Campos.
Em sua
página na rede Internet, o manifesto do PSB tem como lema “Socialismo e
Liberdade”, e apresenta 11 princípios que o orientam. Cabe mencionar o item VII
que afirma “o objetivo do Partido, no terreno econômico é a transformação da
estrutura da sociedade, incluída a gradual e progressiva socialização
dos meios de produção, que procurará realizar na medida em que as condições
do País a exigirem”. Verifica-se neste ponto, a maior contradição entre o que
está escrito e o que se pratica (dizer e fazer). Nunca é tarde para lembrar que
uma das diferenças fundamentais entre o capitalismo e o socialismo, é que este
propõe a socialização de todas as formas produtivas, como indústrias, fazendas,
etc, que passam a pertencer à sociedade e são controladas pelo Estado, não
concentrando a riqueza nas mãos de alguns. Portanto socialismo é sinônimo de
uma sociedade que aboliu a propriedade privada capitalista dos meios de
produção, os quais passam a serem propriedades cooperativas ou coletivas dos
criadores das riquezas, os trabalhadores.
Bem,
vejamos o caso de Pernambuco, cujo governador socialista é o presidente do PSB.
Eleito em 2005 e reeleito em 2010, possui hoje um dos maiores índices (senão o
maior) de aceitação popular entre os governadores da República. Seu governo é
mostrado ao país e exterior com uma gestão eficiente, moderna, democrática e
transparente. Uma atuação midiática (ai sim eficiente) pulverizada pelo Brasil,
sem contenção de recursos financeiros, mostra dia após dia uma agenda positiva,
de grande gestor, jovem, dinâmico, competente, atraindo empresas para
Pernambuco, em particular para o Complexo Industrial Portuário de Suape. Além
do amplo respaldo da grande mídia estadual com histórica tradição adesista (não
importa qual governo). Conta com interlocutores no grande empresariado
nacional, na siderurgia (em particular), energia, banqueiros, no setor
industrial em geral e no comércio. Permitindo assim que circule, e seja bem
aceito no universo das grandes corporações. Portanto, aceito pelo povo e pelos
empresários, este seria o homem certo para governar o País?
Mas
vejamos como pensa e age este político de berço, conforme seus interesses que
hoje se concentram em viabilizar sua candidatura à presidência da república. De
inicio, o fato de falar em nome de um Partido Socialista que propõe a
transformação estrutural da sociedade com a socialização dos meios de produção,
e sua ação à frente do executivo pernambucano, demonstra o quanto há de
propaganda enganosa, em sua gestão e no partido que comanda.
Como ex-integrante do governo Lula, foi
ministro de Ciência e Tecnologia (MCT) de janeiro de 2004 a julho de 2005, em
substituição ao ministro Roberto Amaral (também do PSB, o mesmo que
publicamente declarou que o Brasil deveria construir sua bomba atômica). Na sua
curta passagem pelo MCT defendeu a ampliação das atividades nucleares no País,
realizando a revisão e o soerguimento do Programa Nuclear Brasileiro. Apoiou
financeiramente à reestruturação da Comissão Nacional de Energia Nuclear
(CNEN). Como governador defende a instalação de uma usina nuclear em
Pernambuco.
Além disso, articulou e foi um dos maiores defensores, juntamente
com Ministro da Agricultura da época Roberto Rodrigues, do uso das sementes
transgênicas, sem que se levasse em consideração o principio da precaução, da
prevenção e dos possíveis riscos desta tecnologia. A votação da lei 11.105/05
que instituiu a Política Nacional de Biossegurança chegou ao seu desenlace de
forma revoltante para os movimentos ambientalistas e sociais, e para muitos
cientistas. Na verdade foi uma traição (mais uma) do governo Lula ao seu
programa eleitoral, onde uma visão de prudência sobre a transgênia aparecia em
3 capítulos; o do meio ambiente, o da saúde e o do Fome Zero. Com esta lei,
pela primeira vez foi aberta uma exceção para a obrigatoriedade do
licenciamento ambiental, que somente será exigido quando a Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio) assim decidir. Desde sua criação em 2005, a
CTNBio nunca exigiu licenciamento ambiental para a pesquisa e produção de
organismos geneticamente modificados (OGM´s). Em 2012, a produção de soja
geneticamente modificada no Brasil (chamada popularmente transgênica), alcançou
89% do total produzido, enquanto que do total de milho chegou a 85% da área
plantada.
Ao se candidatar ao governo de Pernambuco seu discurso era de lutar
contra a guerra fiscal, pois na época afirmava que ela destrói a república, o
federalismo. Atualmente participa ativamente em aprofundar a guerra fiscal.
Nesta guerra com outros Estados pela conquista de empreendimentos é corriqueiro
realizar renúncias tributárias, financeiras e creditícias, sem que a sociedade
pernambucana se dê conta do montante do comprometimento das receitas futuras. É
comum também oferecer como contrapartida a um empreendimento, a realização das
obras de terraplanagem ou de acesso viário. Para contornar as exigências do
serviço público, como a elaboração de projeto básico e executivo, licitações, o
Estado acaba financiando a obra, sem a cobrança de juros. A criação o Proinfra
em 2011 prevê a concessão de descontos no Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS), e funciona de maneira cumulativa com outros
incentivos.
Para o
desenvolvimento do Estado (talvez para o país?) sua proposta é de crescimento
predatório, com completo desrespeito a natureza, ao meio ambiente. Em Pernambuco
nunca se desmatou tanto em tão pouco tempo, como em seu governo. Em 27 de abril
de 2010 foi aprovado pela Assembléia Legislativa de Pernambuco o projeto de lei
do executivo no 1.496/2010, que autorizou o desmatamento de 691 ha (508 de mangue, 166 de restinga e 17 de
mata atlântica). Inicialmente
se previa, que por pressão popular acabou sendo reduzido, desmatar 1.076 ha
(área total equivalente a 1.000 campos de futebol) de vegetação nativa: 893,4
hectares de mangue, 17,03 de mata atlântica e 166,06 de restinga, para a
ampliação do Complexo de Suape. A votação foi simbólica do tipo, os deputados
que são favoráveis permanecem sentados e os que são contra ficam de pé. Com
ampla maioria no legislativo estadual, não teve nenhum problema na aprovação do
desmatamento. Também recentemente a lei no 14.685/2012 de 31 de maio
foi aprovada. Consentindo o desmatamento de área correspondendo a 1.500 campos
de futebol, de caatinga que está na rota da transposição. A justificativa foi
de integrar os eixos norte e leste com as bacias hidrográficas de 8 municípios
pernambucanos. Trata-se do maior desmatamento de vegetação nativa já legalizada
em nível estadual. Nestes casos o governo propõe os desmatamentos e ele próprio
autoriza, visto que a bancada governista na Assembléia Legislativa é
majoritária.
Mesmo
com as promessas de compensação ambiental (como se fosse possível!!!), e com
ampla propaganda enganosa na mídia de que o meio ambiente está sendo
preservado, o que se verifica na realidade é que as exigências feitas pelo
Ministério Público Estadual em relação aos Termos de Compromissos assinados
entre as partes, para efeitos de compensação e recuperação ambiental não são
cumpridos integralmente em Suape (cumpridos somente na propaganda). Até hoje o
MPE não sabe onde exatamente houve este replantio de mais de 1 milhão de
hectares anunciados pela propaganda oficial, com ampla divulgação, em página
dupla, nos três jornais de maior circulação no Estado em 17 de janeiro de 2012.
No que concerne à devastação da caatinga, nem mesmo a compensação ambiental foi
anunciada. Verdadeiro crime contra a natureza (e com as pessoas que necessitam
dela) está ocorrendo em Pernambuco.
Além
da destruição ambiental em Suape e no Sertão, outra violência esta sendo
cometida contra os moradores daqueles antigos engenhos onde se localiza o
Complexo de Suape. Os direitos de mais de 15.000 famílias estão sendo violados
com a omissão dos órgãos que deveriam zelar pelo cumprimento das leis, mas que
fazem “vista grossa”. A retirada do que a Administração de Suape denomina de
“posseiros” (há controvérsias jurídicas a respeito) tem sido através da força e
da violência. O que já se caracteriza como uma enorme injustiça. Ao não levar
em conta para efeitos de indenização o valor da terra, e somente as benfeitorias,
os valores pagos resultam irrisórios (em março de 2012 um hectare na região
valia em torno de R$ 500.000,00). As indenizações variam de R$ R$ 12.000,00 a
R$ R$ 40.000,00 para sítios de 5 a 10 ha, sendo pagas depois dos moradores
serem expulsos dos locais onde praticavam a agricultura familiar, viviam da
pesca artesanal. Estas denúncias estão devidamente documentadas e já foram
entregues ao MPE, ao governo do Estado, a presidência da Empresa Suape, entre
outros órgãos, sem que os mesmos averiguassem e/ou respondessem aos agredidos.
Estas pessoas invisíveis aos olhos da sociedade merecem respeito.
Também se constata uma triste realidade
nas cidades que fazem parte do entorno de Suape, nos aspectos de moradia,
mobilidade, saúde, educação, lazer, violência urbana,.... As denúncias dos
moradores estão sendo apresentadas repetidas vezes na mídia estadual, que
frente as eminência de convulsões sociais nestas cidades ficam impossibilitadas
de omitirem os descalabros vividos pelos habitantes. No que se refere aos quase
50 mil trabalhadore(a)s vindo de todo o Brasil, as condições de trabalho são
deploráveis, conforme denúncias dos sindicatos. As greves sucessivas por
melhores salários e condições de vida mostram como ainda em pleno século XXI os
operário(a)s são tratados.
Outro
grave e recorrente problema que atinge os 2/3 dos municípios pernambucanos é a
seca. Anos após anos constata-se o abandono de políticas publicas
estruturadoras que possibilitariam o conjunto dos agricultores familiares,
minimizarem o sofrimento com a perda da produção e rebanhos dizimados devido à
inércia dos governos municipal, estadual e federal que não atenderam em tempo
hábil a demanda destas populações. Também é invisível a sociedade, este enorme
contingente, que somente são lembradas nas tragédias. Estamos vivenciando a
pior seca das últimas décadas no Nordeste. Currais vazios, sítios abandonados,
pequenos produtores à beira do desespero na bacia leiteira pernambucana. E a
propaganda exacerbada com o conluio da grande mídia mostra o crescimento
econômico para alguns, com um conceito já vivido na década de 70 em plena
ditadura militar “que é necessário o bolo crescer, para depois dividi-lo”. Este
modelo se reproduz em Pernambuco.
O Estado tem hoje mais de 120
municípios em situação de emergência e 1,1 milhão de pessoas sofrendo os
efeitos da seca. A situação é muito grave. Famílias estão passando por sérias
necessidades, porque não conseguem produzir. Falta água principalmente. E se
repete ano a ano a mesma conduta do governo frente à tragédia humana que a seca
acarreta. Anúncios de carros pipas, de milhares de reais que nunca chegam e
acusações ao governo federal que abandonam os sertanejos, além dos discursos
populista ao lado de ex-lideranças da sociedade civil, agora funcionários do
governo.
Mas, o
que contrapõem de forma inequívoca o discurso da modernidade gerencial, da
transparência, é o grau de nepotismo que impera no governo estadual. Existe uma
ramificação de parentes, contraparentes que estão instalados nos diversos
escalões da administração pública. A semelhança do governo de Pernambuco não é
mera coincidência com as tradicionais oligarquias nordestinas que sempre
confundiram o público e o privado. Ela existe largamente na administração do
Estado. É o neo coronelismo presente.
Na
seqüência, o próximo artigo vai abordar as políticas públicas estaduais
adotadas (saúde, educação, transporte, seca, ...) nestes 6 anos de governo, e
os impactos na qualidade de vida dos pernambucanos. E analisado o porquê de uma
gestão tão bem avaliada pela população.
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