A
transposição do Rio São Francisco e a seca no Nordeste. Entrevista com João
Abner Guimarães Júnior
Segundo ele, a cobertura de abastecimento de água nas cidades do Nordeste é de 92%, em condições normais, entretanto, a crise que se
instala na seca é basicamente na produção por falta integração com os maiores
reservatórios. “No início da década de 1960, as cidades brasileiras tinham
sistemas individualizados de energia, isto é, cada cidade tinha sua fonte de
energia, mas com o passar do tempo foi feita uma rede de distribuição de
energia integrada. O mesmo foi feito com as estradas, com a construção de
rodovias federais que integravam várias partes do país, e o mesmo foi feito nas
áreas de telecomunicações e internet, mas a distribuição de água continua não
sendo integrada no Nordeste. Cada cidadezinha do interior do Nordeste, da Bahia, de Pernambuco, do Ceará, tem um sistema de
abastecimento de água isolado. Assim, o sistema capta água de um açude,
geralmente de médio porte, o qual em geral foi construído para aquela função
específica de abastecer aquela cidade; é um sistema desintegrado”, informa.
Na avaliação dele, os órgãos responsáveis pelo sistema de distribuição de água no Nordeste enfrentam problemas porque estão subordinados às políticas
do governo federal. “O que favoreceu para que esses setores ficassem para trás
e não buscassem a modernização gerencial do setor foi a dependência que os
estados da região têm com a política do governo federal. Então, é incrível que
uma companhia de água como a CAERN – Companhia de Águas e Esgotos do RN fique aguardando decisões do governo federal porque ela não tem
autonomia para resolver seus problemas. (…) Atualmente, essa dependência com o
governo federal está atrelada, justamente, à política da transposição do Rio
São Francisco”, denuncia.
Na entrevista a seguir, João Abner apresenta um panorama da situação geral dos reservatórios
do Nordeste
Setentrional, comenta o funcionamento do Eixo Leste da Transposição do Rio São
Francisco na Paraíba e sugere a integração do sistema de distribuição de água
via adutoras, a exemplo da experiência “bem-sucedida” de adutoras no Rio Grande do Norte.
João Abner | Foto: Blog Apodiarioo
João Abner Guimarães Júnior é doutor em
Engenharia Hidráulica e Saneamento e professor titular aposentado da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Sobre a transposição do Rio
São Francisco, publicou diversos artigos, tais como A transposição do Rio São Francisco e
o Rio Grande do Norte, O lobby da transposição e O mito da transposição.
Confira a
entrevista.
IHU
On-Line — Qual é a situação da seca no Nordeste Setentrional, dada a chuva
abaixo da média na região e a seca prolongada dos últimos anos? A seca atual
supera as últimas secas?
João
Abner Guimarães Júnior — Com
certeza a seca atual é a maior
desde 1911, quando começamos a ter registros sistemáticos da ocorrência de
chuvas na região. Nunca se teve um registro de seca contínuo como este dos
últimos cinco anos; o maior registro era de quatro anos. A seca atinge
diferentemente diversas atividades, mas a realidade das atividades
agropecuárias de sequeiro, contudo, é a mais complexa e a mais difícil, porque
essas atividades dependem exclusivamente da chuva. Como é o caso da pecuária
extensiva e a agricultura familiar que são diretamente afetadas pela seca. Além
disso, a seca gera um problema que está impactando a maior parte da população,
que é a questão do abastecimento urbano.
Atualmente estamos vivendo um processo de agudização do problema
da seca no Nordeste. O que ocorre é
o seguinte: como nós tivemos, no final dos cinco anos de seca, um período com
chuvas na normalidade ou um pouco abaixo da normalidade, o déficit de água
acumulado nos reservatórios não mudou, ao contrário, ele se manteve. Isso
acontece porque quando chove acima da média os reservatórios enchem e quando
chove abaixo da média os reservatórios se esvaziam, mas quando chove na média —
como agora — o estado dos reservatórios se mantém. Então, estamos entrando em
um processo em que quase todos os reservatórios médios e grandes do NE estão
com baixo nível de armazenamento de água, e a situação de hoje é pior ou igual
à que se tinha na mesma data um ano atrás, isto é, nesse sentido a seca
continua.
Portanto, estamos num estado crítico, porque a seca atingiu os
reservatórios, eles secaram, e agora para recuperá-los precisamos de alguns
anos ou de um ano excepcionalíssimo, com chuvas acima da média. Certamente o
efeito dessa seca vai demorar uns dois ou três anos, e creio que para voltar à
condição inicial temos ainda pela frente três ou quatro anos.
IHU
On-Line — Quais são os reservatórios que estão em uma situação mais crítica e
como isso está afetando o abastecimento urbano na região?
João
Abner Guimarães Júnior — O quadro
geral é de volume morto e comprometimento total dos grandes reservatórios, com
exceção dos reservatórios do Rio Grande do Norte, pois a situação do RN é bem melhor e menos grave do que a de todos os outros
estados do Nordeste. A segunda maior reserva de água que temos hoje no Nordeste Setentrional — entre o Rio São Francisco e o Parnaíba — está no Rio
Grande do Norte, é a Barragem Armando Ribeiro Gonçalves, que tem 450 milhões de metros cúbicos de água. E o maior
reservatório dessa Região é o Açude Castanhão, no CE, que tem 6,7 bilhões de
metros cúbicos de água de capacidade de armazenamento e se encontra com 350
milhões de metros cúbicos.
O Rio Grande do Norte tem a
quarta maior reserva de água do Nordeste, que é a Barragem de Santa Cruz do Apodi,
que está com um percentual de armazenamento de 30%, enquanto a Armando Ribeiro
está com um percentual de 19%. Esses dois reservatórios, estrategicamente
localizados no centro do RN, e mais dois outros do interior do estado têm água
suficiente para atravessar mais dois anos de seca, mas, infelizmente, essa é
uma realidade que não existe nos outros estados da Região.
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