terça-feira, 18 de julho de 2017

A transposição do Rio São Francisco e a perda na condução da água

IHU On-Line — Com tem sido a experiência de funcionamento do Eixo Leste da Transposição do Rio São Francisco na Paraíba?

João Abner Guimarães Júnior — A primeira coisa que eu gostaria de mencionar é o caráter experimental da obra de Transposição do Rio São Francisco. É uma obra única: nunca foi feito no mundo uma obra igual a essa. Essa obra gera a perenização dos rios intermitentes. Por sorte ela começou pelo Eixo Leste, mas o ideal é aproveitar a experiência do Eixo Leste para consertar a obra no Eixo Norte.

Agência Executiva de Gestão das Águas da Paraíba – AESA tem fornecido diariamente os dados de volume de água do Açude Boqueirão que abastece Campina Grande, e a partir dessas informações é possível acompanhar o volume de água que está chegando ao açude. A informação oficial é de que estão bombeando nove metros cúbicos por segundo da barragem Itaparica no Rio São Francisco. Desse valor, há 15% de perda na condução da água por um pouco mais de 200 quilômetros dos canais da Transposição, até a água chegar ao reservatório de Monteiro. Entretanto, no trecho subsequente de um pouco menos de 200 quilômetros de escoamento ao longo da calha natural do Rio Paraíba, de Monteiro até o açude Boqueirão, as perdas estão chegando a 50%. No total estão saindo nove metros cúbicos por segundo e estão chegando 3,5 metros cúbicos por segundo. Isso traduz perdas absurdas de cerca de 60%.

Acontece que na Paraíba se criou uma expectativa muito grande em relação à transposição, e até agora a obra mal está suprindo as necessidades de Campina Grande. Entretanto, 70% da água do projeto no futuro próximo serão destinados ao abastecimento de Pernambuco, então imagine como ficará a situação em Campina Grande quando Pernambuco começar a captar a água desses canais. Mesmo assim o discurso do desenvolvimento se mantém na PB.

Paradoxalmente, atualmente estão utilizando a água do Rio São Francisco para recuperar o volume de água do Açude Boqueirão e ainda se continua fazendo racionamento de água em Campina Grande, o que já poderia ter sido normalizado. Já que a vazão que está entrando no açude é maior do que a que está saindo, por que ainda há racionamento em Campina Grande? Se a empresa que faz a distribuição da água fosse privada, ela estaria preocupada em normalizar o sistema, porque a arrecadação iria aumentar bastante. Então, pergunto novamente, por que não se normaliza o abastecimento de água em Campina Grande? Provavelmente porque estão querendo utilizar a água para atingir o volume morto, pois quando a barragem atingir o volume morto – e aí está o maior interesse –, vão abrir a comporta da barragem para que a água do Rio São Francisco desça rio abaixo, mas ninguém sabe para que isso será feito – talvez seja para servir aos interesses de alguns que querem fazer irrigação.

Quando analisamos as obras do Eixo Norte, percebemos que a situação é muito mais preocupante, porque essa é uma obra que tem uma capacidade de vazão três vezes maior que a do Eixo Leste. No Eixo Norte, os reservatórios funcionam em um sistema de cascata, por isso, eles terão que ser enchidos de água para só então poderem verter para os reservatórios seguintes. Isso vai criar um espelho enorme e aumentará a evaporação da água. Sem falar que esses reservatórios estão localizados em áreas altas e, por conta disso, a tendência é que eles tenham grandes perdas por percolação profunda uma vez que é comum a ocorrência de fraturamento das rochas no substrato cristalino do solo da região.

Até hoje não se sabe o que vai acontecer em relação ao Eixo Norte, mas com a experiência que estamos tendo com o Eixo Leste, certamente os problemas do Eixo Norte serão muito maiores.

IHU On-Line — O senhor disse que é preciso aproveitar a experiência do Eixo Leste para corrigir o Eixo Norte. O que deveria ser feito?

João Abner Guimarães Júnior — Evitar ao máximo possível a perenização dos rios com a água da transposição. Por exemplo, estou convencido de que os canais do Eixo Leste deveriam ter avançado Paraíba adentro. Ou deveria se aproveitar que a água está chegando em Monteiro e, em vez de soltar a água no leito do Rio Paraíba, como estão fazendo, deveriam se construir adutoras de maior porte para levar essa água em maior quantidade para Campina Grande e daí distribuir para outra cidades que necessitam dessa água. Se for ver, a água que chega à Monteiro encontra-se em cota superior à da cidade de Campina Grande. Enquanto isso, essa água está descendo mais de 200 metros, perdendo energia, e depois é bombeada para chegar a Campina Grande. Esse bombeamento só deveria ser feito para regiões que comprovadamente não têm água, como é o caso da Paraíba, e quando realmente houver extrema necessidade. Então, esse é um projeto que vai ser operado somente em épocas de grande necessidade, mas ele terá um custo de manutenção permanente. Diante disso, nos perguntamos: como um projeto que vai funcionar intermitentemente terá recursos para se manter? Eu não sei. Sinceramente acho que o Eixo Norte deveria ser revisto totalmente.

Nesse momento, a partir da experiência do Eixo Leste, o Governo Federal deveria convocar especialistas para analisar o Eixo Norte antes das retomadas das obras; porque é uma irresponsabilidade continuar com ele do jeito que está. Infelizmente estamos vivendo um ambiente muito ruim no Brasil e não sei se as instituições que são responsáveis por verificar essas obras, como o TCU, estão realmente querendo verificar o que está acontecendo. É impressionante ver como os processos de mobilização política continuam existindo em defesa dessa obra; é impressionante que quanto mais problemas vão aparecendo em relação à transposição, mais a obra ganha adeptos. Existem comissões em todos os estados voltadas para defender a transposição do Rio São Francisco, mas não existe nenhuma comissão voltada para analisar a problemática da seca no Nordeste. É uma esquizofrenia muito grande.

 (EcoDebate, 30/06/2017) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

Postado há 2 days ago por João Suassuna

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