Crise de
gestão dos recursos hídricos
Essa crise que estamos vivenciando no Nordeste foi determinada também por uma crise na área de gestão de
recursos hídricos: um problema foi se somando a outro, e isso agravou o quadro
da seca. O exemplo mais claro disso é a situação do Ceará. No Ceará há muita
propaganda de que o estado avançou na área de gestão dos recursos hídricos, que existe uma legislação avançada, uma boa gestão, que as
mais prósperas e mais conceituadas empresas do Nordeste da área de recursos
hídricos estão localizadas no estado, mas é onde a gestão dos recursos hídricos
foi mais falha. O que está acontecendo hoje no Ceará é consequência da falta de
gestão dos recursos hídricos.
Vou explicar melhor essa questão: o estado do Ceará tem uma
norma bastante técnica e detalhada, tem um plano de recursos hídricos
atualizado, ao contrário de muitos estados que nem plano têm, mas eles não
colocam esse plano em prática. Na gestão dos recursos hídricos, o estado do Ceará utiliza o parâmetro Q90+, que tem como
referência a vazão mínima disponível em 90% dos casos e que ocorre em
média com frequência de 10 anos, o que significa que a água está disponível
para todos os fins quando a disponibilidade é maior do que isso, inclusive a
Lei Federal 9433 (a Lei das Águas) determina que,
nessas condições, o uso múltiplo de água deve ser estimulado. Então, em
condições normais se utiliza água para todos os fins, sem restrição.
Entretanto, segundo a Lei Cearense, quando se instala uma situação de seca de
10 anos, com características de intensidade, o Estado deveria racionar a água
para aqueles fins que são menos prioritários, como é o caso da irrigação. E se
a seca se prolongar e for identificada como a maior seca dos últimos 20 anos,
se deveria parar com a irrigação e preservar a água dos reservatórios para o
consumo humano.
O que aconteceu no Ceará? A seca de 10 anos chegou em 2015,
quando o estado do Ceará deveria ter começado a racionar água para a irrigação.
Em 2016, constatado que a seca continuaria, já deveria se ter parado com a
irrigação completamente; entretanto, até hoje o estado do Ceará entrega água
para a irrigação a partir do seu maior reservatório. É por isso, então, que o
abastecimento humano a partir do Açude do Castanhão está comprometido, e se tornou um grande problema do Ceará
dado que a região metropolitana consome água do interior do estado, ou seja,
uma população de 3,5 milhões de habitantes depende da água do Castanhão, que secou porque se manteve a irrigação em larga escala
durante toda a seca. Parece que, só agora, no final do período chuvoso o estado
vai decidir se vai ser mantida ou não a irrigação.
De outro lado, a cidade de Campina Grande, na Paraíba, a segunda em importância do estado e uma das
maiores do interior do NE, se encontra a menos de 100 km de reservas de água do
litoral que atenderiam perfeitamente e a um custo razoável, pelo menos, o pouco
mais de 600 litros de água por segundo que vinha sendo retirado em regime de
racionamento do açude Boqueirão, que se apresenta há muito tempo com baixa
disponibilidade comprovada.
Portanto, nesse caso, no mínimo, houve falta de precaução com o
abastecimento de água na Paraíba. Como pode a Companhia de Águas do Estado
enfrentar uma seca terrível como essa sem um plano B de abastecimento de água
para Campina Grande, apostando, como foi o caso, todas as suas fichas na
problemática Transposição do Rio São Francisco?
Infelizmente, essas duas experiências retratam um quadro
generalizado de inoperância desse setor. Entretanto, a seca está mostrando
também muito mais coisas do que as pessoas enxergam.
IHU
On-Line — Como o quê, por exemplo?
João
Abner Guimarães Júnior — Uma crise
dessa dimensão, que atinge tanta gente ao mesmo tempo, tem que ter uma
explicação política. A situação crítica do abastecimento não pode ser explicada
somente pela seca. O abastecimento urbano de água é um dos maiores negócios que
existe no Brasil. Como é que um setor como esse, de grande importância e
comprovada economicidade, se mostra tão frágil? Entretanto, essa fragilidade do abastecimento urbano não é um problema só do Nordeste, é do Brasil todo.
A resposta que dou a essa situação é a seguinte: o setor de saneamento, que enfrenta a mesma situação do abastecimento urbano, vive
uma grande crise. O setor de abastecimento de água é composto por duas
atividades: a parte comercial e a parte industrial. A parte comercial é a da
distribuição de água, e no Nordeste a cobertura de abastecimento de água nas
cidades é de 92%. Então, dada essa cobertura, qual é a crise? A crise está na
área da produção de água, mas se formos ver, na prática, existe água para isso:
o Ceará, o Rio Grande do Norte e até mesmo a Paraíba, com todas as suas dificuldades, têm água. Então, embora a
crise da produção de água se dê por vários motivos, um deles é a falta de
integração nos sistemas de produção.
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