quarta-feira, 28 de setembro de 2011

TRANSPOSIÇÃO SEM CINISMO.


Os saques dos flagelados da seca, no primeiro semestre deste ano, refletem a realidade climática histórica do nordeste brasileiro, ou seja, as taxas pluviométricas relativamente baixas, concentradas em quatro meses do ano e o que é pior, episodicamente a quadra chuvosa é bastante irregular ou virtualmente sem chuvas. Refletem também o descaso, igualmente histórico – na respectiva dimensão -, dos políticos e gestores públicos para com a população nordestina.

O Brasil é um país privilegiado na medida em que eventos catastróficos e imprevisíveis (ou pouco previsíveis) como terremotos, furacões, tornados e vulcões não ocorrem no seu território. De causar inveja a qualquer outra nação, nossa catástrofe episódica é previsível, assim como as suas conseqüências de flagelo e, diferente dos vulcões e terremotos, suas causas podem ser erradicadas ou efetivamente minimizadas.

Para a solução do problema é necessário disponibilizar água na região no período da quadra chuvosa e, porque não, durante o resto do ano, afinal a busca por uma situação sócio-econômica plena é também um direito dos nordestinos e dever do Estado. O plano de efetuar a transposição do Rio São Francisco vem do Império, mas a ineficiência, o egoísmo e os interesses pessoais dos políticos relegaram, sistematicamente, o projeto a níveis secundários. Não se pode dizer que foi por falta de recursos ou riquezas do país, pois, a exemplo, durante o “Milagre Brasileiro” foram despendidos “rios de dinheiro” em obras faraônicas, várias delas sem sentido e que jamais foram concluídas (por ex: Usinas Atômicas de Angra, Ferrovia do Aço, Rodovia Transamazônica); sem esquecermos dos “rios de dinheiro” desviados nas privatizações e no “programa” do Proer; assim como nas fraudes do Sivam/Sipam; de emendas de reeleição ou prorrogação de mandato do Presidente da República e nos “mensalões”, entre tantos outros descalabros que têm assolado a política deste país.

Uma pequena parcela desses recursos “jogados no ralo” teria sido suficiente para efetuar a transposição do São Francisco, incluindo a redistribuição da água através de canais secundários para a integração de bacias hidrográficas do nordeste semi-árido, conectando os diversos reservatórios do território nordestino, o que propiciaria o acesso democrático à água, que é um bem essencial para a vida e muito mais para uma vida com dignidade.

Se esse projeto tivesse sido realizado 30 anos atrás, hoje estaria sua ampliação sendo discutida, talvez para captar mais 1% ou 2% das águas do “Velho Chico” no sentido de fomentar o desenvolvimento do imenso pólo econômico que seria o nordeste brasileiro e não estaríamos discutindo a revitalização do São Francisco, pois isso, por necessidade e responsabilidade, teria sido feito nesses trinta anos.

Falar em paliativos ou ações pontuais como solução para o problema da seca do nordeste é agredir a inteligência desses cidadãos, pois visa apenas a perpetuar o status quo do país, servindo o nordeste unicamente para enviar mão-de-obra barata para os centros industrializados e disponibilizar seu belo litoral para comensais e turistas das regiões ricas do país.

Tomando como exemplo o programa de cisternas, faz-se necessário lembrar que esses pequenos reservatórios são utilizados por habitantes (fazendeiros) do sertão desde que o cimento tornou-se acessível e sempre assumiu um papel sanitário importante, considerando a qualidade da água armazenada diretamente da chuva, que é preservada do processo de evaporação e de contaminação externa. Devido ao volume do reservatório, a água armazenada serve exclusivamente para uso doméstico e de acordo com o número de usuários e com o regime de chuvas da temporada, a reserva é esgotada em menos de um ano. Portanto, as cisternas não servem nem nunca servirão para aliviar as conseqüências da seca como, por exemplo, a sede de rebanhos.

Propor a captação de águas subterrâneas como solução para a região é tentar, mais uma vez, desviar a atenção do problema. As rochas cristalinas que predominam na região do nordeste são péssimas armazenadoras de água, por isso as tentativas nesse sentido alcançaram poços de vazão, em média, inferiores a 3 mil litros/hora, vazão insuficiente mesmo para pequenos projetos agro-pecuários. Ademais, por razões climáticas e geológicas, as águas obtidas são, com freqüência, salobras e para a dessalinização dessa água, além do custo elevado, depara-se com a questão ambiental sobre onde despejar o sal residual.

Como os depósitos das planícies fluviais são rasos e estreitos, assentados sobre o cristalino impermeável, os lençóis freáticos desses domínios são modestos.

Por outro lado, a Bacia do São Francisco, em vastas regiões de Minas Gerais e Bahia, espalha-se sobre espessos

depósitos de rochas sedimentares (aqüíferos) que produzem poços artesianos com vazões acima de 25 mil litros/hora e em locais, com vazões superiores a 100 mil litros/hora chegando, pontualmente, a vazões em torno de 500 mil litros/hora. Essa região sofre ou sofrerá de deficiência hídrica? Será necessária a água do Rio São Francisco para servir a esses territórios?

O nordeste precisa das águas do Rio São Francisco e se isso limita, então, o uso das águas desse rio nos dois principais estados fornecedores, qualquer necessidade nesses estados poderá vir a ser suprida através da captação de águas subterrâneas. Esses dois estados precisariam de “compensação” por isso? Todos esses estados e territórios não integram a mesma nação?

Nações como a China, a Índia e os Estados Unidos que têm rios extensos e caudalosos atravessando diferentes províncias e estados de seus territórios compartilham harmonicamente suas águas e numa exploração tamanha que alguns desses rios chegam à foz com vazão de pequenos córregos. No tocante a retirada das águas em excesso, o que compromete os ecossistemas da bacia hidrográfica, trata-se de um procedimento equivocado e ecologicamente incorreto, e não é isso que é visualizado para o Rio SãoFrancisco.

A captação de pouco mais de 1% das águas do São Francisco vem sendo tratada, também, como uma ameaça à matriz energética do país, quando, na verdade, superamos apenas um pouco mais de 40% do potencial hidrelétrico do território brasileiro e o que é ainda mais dramático, não utilizamos muito do gás natural comprado a peso de ouro da Bolívia que pode ser convertido facilmente em energia através de termoelétricas, sem esquecer do gás natural disponível na Bacia Potiguar.

Na questão da transposição do Rio São Francisco, os possíveis impactos e a defesa do meio ambiente têm servido de escudo para o cinismo de políticos, de parte da imprensa e de outras pessoas que defendem seus próprios interesses - políticos ou não – ou os interesses de outrem.

O homem sempre foi e sempre será o maior agressor da natureza, seja por necessidade de sobrevivência, seja por cobiça. O desmatamento e o aniquilamento da fauna – como caça ou como objeto de comércio – impõe-se, essencialmente, onde não é oferecida outra opção para os habitantes. No Nordeste brasileiro não é diferente, sendo a caça, o comércio de aves e de outros animais silvestres, além do desmatamento indiscriminado, reflexo da falta de opção econômica da população do sertão.

O maior impacto ambiental da transposição será a felicidade de cerca de 12 milhões de cidadãos e todas as conseqüências positivas para a preservação do meio ambiente no âmbito de seus territórios.

A greve de fome contra a transposição não é uma greve pela vida, uma vez que, na verdade, agride milhões de nordestinos que fazem uma “greve de fome compulsória” porto da sua curta existência.

Se religiosos querem contrariar os dogmas da sua igreja e atentar contra sua própria vida através de greve de fome, que façam quando deputados legislam em causa própria e aumentam os seus exorbitantes salários, ou quando legislam para conceder aumento para seus funcionários que recebem, em média, sete mil reais, enquanto nordestinos em tarefas diárias que exigem maior intelectualidade e força física percebem como proventos a honrosa bolsa-família.

O Brasil há muito, vem sofrendo uma forte agressão ao seu meio ambiente que emana sempre, na sua maior grandeza, da Praça dos Três Poderes através das suas decisões e procedimentos cotidianos.
Pedro Angelo Almeida Abreu

Professor Titular da Faculdade de Ciências Agrárias/UFVJMDoutor em Ciências Naturais pela Universidade de Freiburg – Alemanha.

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