Artigo de Clóvis Cavalcanti
Notícia do maior relevo dada na semana que passou (sem eco por aqui) foi a de que o consórcio industrial alemão Siemens, com 400 mil empregados em todo o mundo, abandonou por completo o setor de energia nuclear – de que foi um dos maiores construtores, projetistas e vendedores no planeta.
O anúncio foi dado pelo diretor geral da organização, Peter Löscher. Há dois anos, o próprio Löscher falava de planos para a construção de 400 novos reatores em todo o mundo até 2030 (são 572 as usinas nucleares hoje existentes). A Siemens ergue atualmente uma central atômica em Angra dos Reis, com tecnologia dos anos setenta, a qual, na Alemanha, é considerada insegura. Tão insegura, que a chanceler Angela Merkel, doutora em física, classifica como “incontrolável”. Algo com essa característica, que os alemães rejeitam, pode ser adotado tranqüilamente pelos brasileiros? Não faz sentido. Vale acrescentar que as conversações nucleares que o Japão entabolava com a Índia, o Brasil, os Emirados Árabes e a Turquia, antes do acidente de Fukushima, foram suspensas. As premissas dessa solução energética perderam consistência. Países sérios não querem se envolver com os altos riscos da energia nuclear.
O primeiro reator da Siemens, curiosamente, foi vendido à Argentina há quase 50 anos, para a central Atucha I. Antes, pois, de haver um equivalente na Alemanha. Será que os germânicos temiam fazer uma primeira experiência em seu próprio território e só a realizaram depois que Atucha I funcionou sem problemas? Essa é uma especulação do ambientalista e escritor argentino Antonio Elio Brailovski que faz sentido. Neste momento, a Siemens constrói a central Atucha II no país vizinho, uma coisa que decidiu que não fará em mais nenhum lugar. No Brasil, ao mesmo tempo, prevalece a insistência quando à solução nuclear, haja vista a ameaça nada discreta de uma usina em Itacuruba, sertão de Pernambuco. Usa-se como justificativa para isso a afirmação de que se trata de “tecnologia de ponta”. Mas o fato é que somos inveterados compradores de “sucata sofisticada”, como diz Brailovski. E nos orgulhamos “de investir no que os europeus descartam”.
Esse quadro de idéias serve para situar a decisão do governo de Pernambuco de trazer para Suape uma planta termelétrica de R$ 2 bilhões, com capacidade de gerar 1.452 MW, o que lhe permite ostentar galardão discutível: o de “maior do mundo”. Ora, no instante em que a Alemanha decide desfazer-se da energia nuclear, dando ênfase às fontes renováveis, com o intento de fazer que elas respondam por 35% da eletricidade do país em 2020 (agora são responsáveis por 17%), fica-se com a sensação de que somos realmente consumidores de sucata sofisticada. A lógica para justificar a decisão de Pernambuco é frágil e só se sustenta no contexto de um discurso autoritário.
Clóvis Cavalcanti - Economista ecológico e pesquisador social; clovis.cavalcanti@yahoo.com.br
Diário de Pernambuco, edição de 25 de setembro de 2011.
Diário de Pernambuco, edição de 25 de setembro de 2011.
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