sexta-feira, 30 de setembro de 2011

TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO.


TRANSPOSIÇÃO DO ATRASO

João Abner Guimarães Jr.
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Esperança de inúmeras gerações de nordestino alimentada por muitos anos de badalação da propaganda oficial, a Transposição do Rio São Francisco encontra-se em vias de ser viabilizada, pelo menos o início da sua construção, após uma grande batalha travada entre o Governo e os opositores da Bacia do Rio São Francisco, que se intensificou no último ano.

Lobby da Transposição

A experiência recente no acompanhamento da condução por parte do Governo do Projeto de Transposição no Brasil, a recorrência do tema com força crescente, mesmo num ambiente de avanços democráticos, mostra a fragilidade do estado brasileiro e de suas instituições frente aos interesses coorporativos dos lobbies do poder econômico incrustados no meio político e na infra-estrutura do Estado.

A defesa do projeto é capitaneada por uma forte articulação político-empresarial, envolvendo os governos e as bancadas dos estados do nordeste setentrional (CE, PE, PB e RN) que, como um vírus cuja cepa mais recente, contaminou o Estado Brasileiro no governo Itamar Franco e, cada vez mais forte, replicou no Governo FHC e, por último, no Governo Lula envolvendo, agora, diretamente o próprio Presidente na defesa enfática do projeto.

Discurso Demagógico

No início do mês de setembro, em Angicos (RN), o presidente Lula acusou os críticos da transposição do rio São Francisco - principal e um dos poucos projeto de destaque do seu governo - de egoísmo e insensibilidade com a problemática da secas na Região Nordeste. Disse o Presidente: "só pode ser contra quem tem água Perrier – cara água mineral francesa - na sua geladeira, só pode ser contra quem nunca carregou uma lata de água de 20 litros na cabeça por seis ou oito léguas”.

Em relação ao tema, o Presidente reproduz a estratégia de que a melhor defesa é o ataque, fugindo, dessa forma, de responder aos questionamentos que associam o projeto com a velha indústria das secas na região.

Presente de Grego

Para os críticos, o projeto de R$ 4,5 bilhões, que deverá comprometer grande parte dos recursos públicos em muitos anos no NE, no mínimo não deve ser considerado prioritário porque vai manter o quadro da seca inalterado. As águas desviadas vão passar distante da grande maioria da população rural do sertão atingida pela seca, e, em contrapartida, vão irrigar em condições economicamente desfavoráveis regiões onde já se encontram os maiores reservatórios.

Hoje, no Nordeste, não se cobra pela água bruta. A realidade atual é que os custos da água para os usuários dizem respeito apenas ao bombeamento da fonte de suprimento até a área agrícola.

Com a transposição, ao contrário, vai se pagar muito caro pelo uso da água transposta. O custo da água será, no mínimo, 5 a 6 vezes maior do que os valores atualmente praticados na Região. Esse fato deverá restringir bastante a inserção dos produtos hidro-agrícolas das bacias receptoras no mercado globalizado, atual e futuro, extremamente competitivo. Nesse sentido, é um projeto economicamente inviável, um verdadeiro “presente de grego” para a população dos estados receptores.

Conta da Transposição

Para viabilizá-lo, os estudos econômicos contratados pelo Governo sugerem a prática de um subsídio cruzado, politicamente insustentável. Está previsto que 85% da receita do projeto deverão ser gerados pelos consumidores de água situados no meio urbano das grandes cidades da Região Nordeste Setentrional, que na atualidade não precisam e já subsidiam o abastecimento hídrico humano do interior.

O modelo de gestão do sistema proposto prevê que a operação seja executada por uma concessionária que entregará água para os estados. Os governos, por seu turno, pagarão por essa água no mínimo R$ 100 milhões, mesmo que não seja necessário aumentar a oferta local desse insumo com vistas a atender prováveis necessidades.

Contramão da História

A transposição, por ser uma obra muito atrasada vai à contramão das políticas públicas que vinham sendo desenvolvidas na Região nos últimos anos, estimuladas por organismos internacionais, tendo como alvo o desenvolvimento sustentável, a partir da democratização do acesso à água e da gestão participativa dos recursos hídricos. Ao contrário, com o Projeto cria-se uma dependência da região com a água do Rio São Francisco, um recursos natural escasso, caro e conflitante.

O semi-árido nordestino vai pagar um alto preço por essa obra. Durante muitos anos a obra vai consumir boa parte dos recursos públicos que viriam para a região e paralisar a ação do Estado, reproduzindo, dessa forma em maior escala, a nefasta indústria das secas no NE.

Transposição para o RN

A questão do Rio Grande do Norte é emblemática. O projeto - uma unanimidade da classe política do Estado – teve recentemente o seu rateio de água contratada ao Governo Federal pelo Governo do Estado, no qual consta uma vazão disponibilizada em caráter permanente inicialmente de apenas 1,85 m³/s até 2010, sendo reduzido para 1,60 m³/s em 2025.

A água terá que ser repartida entre as bacias do Piranhas-Açu e Apodí-Mossoró e será de quantidade inexpressiva levando-se em consideração a disponibilidade local, 15 vezes maior.

Vale salientar que o rio Piranhas-Açu, no seu trecho do RN, encontra-se perenizado há várias décadas a partir da barragem de Coremas-Mãe d’Água na Paraíba e recentemente um acordo de integração celebrado pela ANA e os estados do RN e PB assegurou uma vazão mínima de 1,5 m³/s na entrada do RN, equivalente a vazão transposta.

Portanto, a transposição para o nosso estado deverá se constituir num grande fiasco, depois de tanta expectativa. Tal como na fábula de Esopo, a montanha rugiu, rugiu, tremeu, tremeu e pariu um rato.

Nenhum comentário:

Postar um comentário


Aventura Selvagem em Cabaceiras - Paraíba

Rodrigo Castro, fundador da Associação Caatinga, da Asa Branca e da Aliança da Caatinga

Bioma Caatinga

Vale do Catimbau - Pernambuco

Tom da Caatinga

A Caatinga Nordestina

Rio São Francisco - Momento Brasil

O mundo da Caatinga