sexta-feira, 12 de julho de 2013

Porque a transposição do Rio São Francisco não é uma solução para o problema da água no Nordeste e alternativas para tal, bastando “vontade política”.

Carta enviada ao Presidente da “Comissão do Rio S Francisco” em Julho de 2000:

Rio de Janeiro, 12 de Jul 2000
Exmo Sr Deputado Presidente da “Comissão do Rio S Francisco” (Sessão Especial de 5 de Julho de 2000)
Saudação cordial
Apresentação
Inicialmente, aqui vai a minha apresentação, pois assim espero que haja mais credibilidade no que vou procurar expor nesta carta.
Eu sou um antigo Coronel da Arma de Engenharia. Servi ao Exército durante 40 anos. Fiz todos os cursos da Carreira, incluindo o da Escola de Comando e Estado Maior. O meu comando foi no 1o. Batalhão de Engenharia de Construção com sede em Caicó/RN (sertão do Seridó). Servi no Nordeste por 16 anos. Hoje já estou reformado (tenho mais de 66 anos), mas 3 filhos continuam na Atividade: um é General de Brigada (oriundo da Arma de Engenharia) e dois outros são Tenentes Coronéis. O Gen de Bda comanda o 2o. Grupamento de Engenharia de Construção (“Grupamento Gen Rodrigo Octávio”) em Manaus. Tem os seus 5 batalhões de Engenharia de Construção sediados em toda a “Amazônia Legal”. A linhagem militar da família vem desde o Brasil Colônia. A minha descendência paterna e materna vem do Ceará. Eu sou natural do Estado de São Paulo.
Atualmente eu estou todo voltado à “Caridade em ação”, que é o lema da Sociedade de S. Vicente de Paulo, que existe nos 5 Continentes. Essas minhas atividades eu as venho praticado desde os meus 15 anos de idade, e atualmente dão mais ainda sentido à atual fase de minha existência .
Eu desejava ser preciso, conciso e objetivo no que quero transmitir, mas não sei se conseguirei.
Nas minhas orações estou sempre pedindo a Deus que eu ainda possa ser útil a Sua Messe e à minha Pátria, e quando morrer quero continuar através de meus filhos que serão os meus prolongamentos.
Ao rodar os canais da TV encontrei no dia 5 deste mês(15hs, Canal 10, Canal da Câmara) uma “Sessão Especial”, onde estava sendo debatido o palpitante tema sobre a transposição do Rio S Francisco (o “velho Chico”) e outros relacionados com as dificuldades do abastecimento de água no Nordeste. Detive-me naquele canal e mesmo passei a gravá-lo (mas já no final). A minha tendência inicial era continuar rodando os canais, mas me lembrei do que sempre peço naquelas minhas orações, e assim não quis ser omisso. Resolvi então contribuir de alguma maneira com o que estava sendo tratado na “Sessão Especial”, pois experiências e ensinamentos colhi não só naquele meu comando no Batalhão de Engenharia de Construção (Caicó/RN) como também nos meus 16 anos de serviços nos Grandes Comandos do Nordeste como Oficial de Estado Maior ( Seção de Planejamento – manobras, exercícios no terreno, inspeções, visitas às grandes unidades subordinadas e à levantamentos estratégicos de área).
Após todo este intróito vou agora tentar ser mais sintético e objetivo.
1) Transposição do Rio S Francisco
Nos debates havidos não foi considerado o fato que no período do “inverno” (chuvas) chove não só na região da Bacia do Rio S Francisco, como também em outras do Nordeste. Assim nesse período, não haverá problemas de água para o Nordeste (uso doméstico e para as atividades agrícolas). No período sem precipitações atmosféricas e principalmente nas “secas” a vazão do Rio S Francisco cai e cai muito, assim não há como pensar de jogar as águas do S Francisco para outras regiões do Nordeste. Como conclusão a transposição do S Francisco não será a solução para o problema de água no Nordeste. Será uma despesa de grande vulto sem resultado prático.
2) Poços profundos (poços subterrâneos)
Era uma das gratas missões do Batalhão de Engenharia de Construção que eu comandei. Era uma missão que eu muito destacava, pois o problema da água é realmente, preponderante no Nordeste. Há dois aspectos relevantes a serem considerados. Na extensa área do NE temos que considerar solos que constituem o “embasamento cristalino brasileiro” (granito/gnaisse) e os solos sedimentários. Há grande diferença nos poços perfurados nesses solos (embasamento cristalino e sedimentários). No cristalino os poços têm água em poucos metros de perfuração, a vazão é pequena e a água encontrada é salobra. O próprio gado se recusa a bebê-la… O cristalino está em 60% do Nordeste. A água presente forma os aquíferos que existem pela presença de fendas nas rochas e que vêm de século, daí a mineralização da água nos aquíferos.
Nos terrenos sedimentários, os aquíferos são formados pela infiltração das águas das chuvas através das camadas das rochas sedimentárias, daí a água ser potável e muita, vazão grande e a água encontrada em maiores profundidades. Há terrenos assim em regiões do Piauí, Rio Grande do Norte e outras mas não em áreas extensas como as do cristalino.
Pelo que aqui foi visto podemos logo concluir como são equivocadas as menções sobres a solução encontrada por Israel em áreas desérticas, pois ali os solos são sedimentários e não cristalinos como a maior parte do NE.
Então não temos como aproveitar a área subterrânea do Nordeste? Quanto a dos terrenos sedimentários poderemos ter água não só para uso doméstico como para atividades agrícolas (irrigação).
E quanto à água dos solos do cristalino? Poderemos pensar na dessalinização por aparelhagem apropriada, o que importará em despesas de certo vulto. Podemos pensar também na energia solar para a dessalinização. Já existe na Universidade Federal da Paraíba estudos e pesquisas a respeito sobre esse aspecto. Podemos pois nos valer do que já existe e ainda procurar mais rapidamente desenvolver aqueles estudos e pesquisas.
Não devemos também deixar de considerar a energia eólica (os fortes e constantes ventos do NE) para a retirada da água dos aqüíferos, atendendo assim melhor a parte econômica dos empreendimentos.
Conclusões
O problema da água do NE – e que vem de tantos e tantos anos poderá ser efetivamente solucionado uma vez que esteja presente a “vontade política”. A brava e valorosa população do Nordeste está bem merecendo que seja de vez afastado tão crucial problema. Não podemos esquecer que foi no Nordeste que nasceu a nacionalidade brasileira.
A transposição do Rio S Francisco não trará resultados práticos. Será “chover no molhado” no “inverno”, e nos períodos sem precipitações atmosféricas (principalmente nas “secas”) a vazão do S Francisco muito diminui e assim não devemos pensar em jogar suas águas para outras regiões do Nordeste.
Poços profundos (poços subterrâneos). Nos solos sedimentários poderão ser bem aproveitados para a irrigação e uso doméstico. Contudo a considerar que não são extensas as áreas de subsolos sedimentários no NE.
Nos solos do embasamento cristalino brasileiro. Utilização da energia solar para a dessalinização da água. Tirar proveito dos estudos e pesquisas já existentes na Universidade Federal da Paraíba.
Em ambos os solos utilizar a energia eólica para a retirada da água dos aqüíferos.
Embora os custos sejam bem maiores, lançar mão de motores (gasolina, diesel e a álcool) para a retirada da água dos aqüíferos.
Finalmente, procurar usar os Batalhões de Engenharia de Construção nas missões de perfuração de poços profundos. O Batalhão de Caicó/RN já tem muita experiência e tem muitos ensinamentos vindos das perfurações de poços já realizadas em seu histórico de atividades de construção.
Com os meus votos de saúde e paz
Cel. Eng. R1 Marius Trajano Teixeira Netto
Em complemento…
Na atual situação, no que se refere à geração de energia no Nordeste, podemos logo sentir – pelo estado dos reservatórios ao longo do curso do Rio S Francisco – como será inadequada a sua transposição (a sua vazão caiu muito).
O autor desta carta, Cel. Marius, faleceu em novembro de 2003
 
Fonte para edição no Rema:
Apolo Heringer Lisboa
Idealizador/fundador do Projeto Manuelzão (PMz)
Rio das Velhas /São Francisco watershed-cuenca/Brasil
Movement for Rivers and Peace
João Suassuna - Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Recife
Concordo plenamente com esse cidadão. Sua experiência de vida, trabalhando no Nordeste seco, deu-lhe bagagem suficiente para os comentários e propostas coerentes aqui colocadas. Pena que já veio a falecer. Seria um elemento importante e indispensável, para colaborar com a nossa rede de especialistas, interessada na luta contrária ao projeto da transposição do Velho Chico.
 
João Bosco Carbogim - Presidente da Fundação Brasil Cidadão
Caro João Suasuna,
Li com muita atenção a colocação desse cidadão. 
Fiquei impressionado com a clareza, objetividade, simplicidade e pertinência
com que ele aborda a questão. A conclusão é a de sempre: falta vontade política pra resolver.
E pra que resolver? A safadeza política não vai largar a teta da miséria nordestina, óbvio.
Excelente. abs. Bosco Carbogim
 
por João SuassunaÚltima modificação 1

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