Barragem submersa garante água na seca do sertão
de Pernambuco.
Engenheiro cria método que promove a irrigação e
a regeneração do solo e transforma sua fazenda em um laboratório vivo
21 de novembro de 2012 | 2h 05
Angela Lacerda, enviada especial - O Estado de S.Paulo
Na pior seca
das últimas décadas, em pleno sertão do Pajeú, em Pernambuco, a Fazenda Caroá,
no município de Afogados da Ingazeira, a 390 quilômetros do Recife, não disputa
carro-pipa. Na sua área, de 450 hectares, há água.
Leo Caldas/Estadão
Padilha diz que apenas observou e respeitou o comportamento
da natureza na caatinga
De boa qualidade e guardada no subsolo, a água pode ser coletada nos
"pontos de entrega", os bebedouros, distribuídos pela propriedade.
Intitulado de Conceito Base Zero, o método de armazenagem, que promove a
irrigação e regeneração do solo, foi criado pelo engenheiro José Artur Padilha,
um estudioso do semiárido e da natureza: são as barragens submersas em leitos
de rios secos.
Ele faz
questão de frisar que nada criou, apenas "observou e respeitou o
comportamento da natureza na caatinga", que tem como característica águas
subterrâneas rasas e um elevado índice de evaporação.
A
propriedade de Padilha funciona como um laboratório vivo - o Laboratório Base
Zero Fazenda Caroá. Depois de décadas de pesquisa, o engenheiro chegou à
essência do que buscava. "O aleijamento cultural nos impede de perceber
obviedades", afirma ele.O "óbvio" percebido pelo engenheiro é simples, barato - em relação a outras alternativas - e eficiente. Ele constrói barragens baixas, em forma de arco romano deitado, utilizando apenas pedras - sem cimento ou argamassa nem escavação para fundações - ao longo do leito seco. No período chuvoso, a sucessão de barramentos absorve e retém a água, que fica acumulada, a cerca de dez metros, no subsolo, para os períodos de estiagem. Os elementos trazidos pelas correntes das águas da chuva - a exemplo de minerais e materiais orgânicos - vedam os espaços entre as pedras e são decantados e sedimentados, permitindo a regeneração da biodiversidade.
Com a
tática, o solo se recompõe e a vida animal é preservada. Sapos, abelhas e
pássaros voltam a habitar a área. Nas terras que voltam a ser férteis, torna-se
possível praticar a agricultura familiar - aliada ou não à criação de animais.
Na Fazenda Caroá, os bebedouros instalados no mesmo rumo dos barramentos estão
sempre cheios, oferecendo água sem necessidade de bombas ou cataventos para
puxá-la. A gravidade faz o serviço.
Ampliação.
Padilha tem
mapeadas 418 microbacias hidrográficas nos 17 municípios do sertão do Pajéu.
Mas ele assegura que o projeto pode ser replicado em todo o Estado de
Pernambuco, em todo o semiárido e até no Brasil inteiro. "Sem
exceção", assegura o engenheiro, que já comprovou o sucesso das barragens
submersas mesmo em áreas de caatinga totalmente planas.
A sua fazenda se localiza ao pé de uma serra, com parte do terreno em área mais
alta. "A lógica é a mesma, mas o modo de fazer é personalizado", diz,
ao observar que o ideal é construir as barragens em período seco, preparando o
solo para o ciclo chuvoso. Quem faz a experiência, segundo ele, vê o resultado
depois da primeira chuva. "É algo mágico, o ambiente antes inóspito se
torna produtivo", explica.
Padilha dispõe o método a quem se interessar e afirma que a tecnologia pode ser
repassada numa capacitação de menos de quatro horas - e até mesmo a distância.
Ele destaca que a evaporação no bioma caatinga é muito alta - média de 2,5 mil
milímetros - levando barreiros, barragens e açudes a uma redução rápida da água
armazenada.
"Não adianta brigar com o semiárido, qualquer coisa que se tente alterar é
insensato", defende o engenheiro, ao reiterar que a estiagem é um fenômeno
comum na região.
Padilha acredita em uma "revolução pacífica" para todo o semiárido nordestino com a adoção do Conceito Base Zero dentro de um planejamento de política pública. Ele observa que a mão de obra ociosa no período seco poderia ser usada para trabalhar na construção das barragens e sugere até um nome para a sua remuneração: "Bolsa Ecologia".
Padilha acredita em uma "revolução pacífica" para todo o semiárido nordestino com a adoção do Conceito Base Zero dentro de um planejamento de política pública. Ele observa que a mão de obra ociosa no período seco poderia ser usada para trabalhar na construção das barragens e sugere até um nome para a sua remuneração: "Bolsa Ecologia".
"Trata-se de uma questão fundamentalmente ecológica", avalia,
defendendo um desenvolvimento efetivamente sustentável e produtivo. Incluído na
Agenda 21 do Ministério do Meio Ambiente de 1999, o Conceito Base Zero nunca
foi adotado por nenhum governo.
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