"Semiárido: um Paraíso possível - O presente e o futuro.
Aartigo de Rinaldo dos Santos.
Saco vazio não fica em pé e, depois de ter sido esvaziada por centenas de anos seguidos, chegou a hora de assumir políticas que garantam boas safras, com regularidade, para voltar a encher os cofres dos que vivem numa região que merece muito mais que as esmolas governamentais.
13/12/2011
Revista O BERRO, n. 151 – Dezembro de 2011
13/12/2011
Revista O BERRO, n. 151 – Dezembro de 2011
Segundo Mário Borba, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Paraíba - Faepa,“o problema é que as instituições públicas e a classe política do Nordeste, com raríssimas exceções, sequer pronunciam a palavra semiárido e – se não pronunciam nem a palavra – é fácil constatar que não estão enxergando as peculiaridades da região”.
Não há uma política generalizante para todo o Semiárido. A maior parte dos sertanejos prefere ter um bom emprego que estar algemada um modelo de subsistência flagelador. Somente técnicos e autoridades alienadas pregam o contrário.
Não contribuindo para o bom emprego, na área rural sertaneja, em pequenas e médias propriedades, o Governo estimula constantes migrações e fuga dos campos. O sertanejo, porém, antes de fugir, entrega sua pequena gleba a qualquer preço para quem puder pagar, resultando em cada vez maior concentração nas mãos de poucas pessoas. Pitorescamente, mais tarde, o próprio Governo irá tentar desconcentrar estas terras, à força, para disseminar a pobreza, novamente, e recomeçar o círculo vicioso e pernicioso que leva, sempre, ao empobrecimento da cultura, da moral, da ética e da própria economia regional. Fatalismo premeditado.
As cooperativas são poucas e desestruturadas. A cada nova política divulgada, o setor privado reage positivamente, abrindo cooperativas que, logo depois, serão fechadas, resultando no fatalismo tradicional. As iniciativas voltadas para o campo são frágeis, enquanto que as iniciativas voltadas para o setor urbano são muito mais seguras, estimulando a migração permanente, do campo para a cidade. O processo de esvaziamento, portanto, tem amparo governamental; o de fixação no campo, não! Paradoxo!
Incompetente e ineficiente, o Governo tenta fazer algo e, equivocadamente, passa a distribuir “esmolas” – financiadas pelos impostos recolhidos no restante do país, pelos que produzem alguma coisa! Remedia-se o presente, para vencer eleições, mas não se constrói o futuro: esta tem sido a ótica, com simplória preocupação eleitoreira. Não há dúvida de que programas como o Bolsa Família é um “milagre econômico” na microeconomia regional (pequeno comércio regional), mas constitui, sempre, uma iniciativa efêmera e paliativa. Um percentual do superávit econômico da nação poderia e deveria ser distribuído entre mais carentes – e isso deveria estar na Constituição, mas ainda não está!
Transparência
Para enfrentar os caprichos do clima do Semiárido seria necessária uma política de logo prazo e metas bem claras para o produtor rural. A política desenvolvimentista deveria estar voltada para produtos de longo prazo: leite (pó, queijos), sucos, licores, doces, carne seca, castanhas, peles, lã, pelos, etc. São poucos produtos para uma fantástica produção, influenciando todas as comunidades e consolidando a cultura já peculiar.
Há muitas entidades e organismos, além de ONGs, funcionando no Nordeste, mas não há uma articulação entre todos. Não há, de fato, uma política para o Semiárido, voltada para o produtor! Antes, a Sudene estava tentando fazer algo, mas foi praticamente esvaziada no último governo, principalmente no tocante ao setor rural.
Vários estão trabalhando, mas a coordenação entre eles é muito fraca: Sebrae, Sudene, Senar, BNB, Embrapa, Codevasf, etc. não havendo uma “bússola” generalizante, ou seja, uma política de longo prazo, com metas a serem cumpridas.
A questão dos povos do Semiárido e da Amazônia deveria estar contemplada na própria Constituição, mas não está!
A culpa é somente dos Governos? Nada disso. As entidades têm sua culpa, pois poderiam preparar bons projetos para o sertanejo. O Sebrae, o BNB e outras entidades promotoras do desenvolvimento poderiam investir na criação de milhares de escritórios para realizar projetos rurais. Como desenvolver uma região se não há projetos? Segundo Mário Borba, da Faepa, uma boa política pública precisa de três coisas: a) um bom projeto; b) uma boa equipe profissional; c) ética e seriedade no comando. Os projetos facilitam a liberação do crédito, a certeza do escoamento e os preços remuneradores.
A culpa é somente dos Governos? Nada disso. As entidades têm sua culpa, pois poderiam preparar bons projetos para o sertanejo. O Sebrae, o BNB e outras entidades promotoras do desenvolvimento poderiam investir na criação de milhares de escritórios para realizar projetos rurais. Como desenvolver uma região se não há projetos? Segundo Mário Borba, da Faepa, uma boa política pública precisa de três coisas: a) um bom projeto; b) uma boa equipe profissional; c) ética e seriedade no comando. Os projetos facilitam a liberação do crédito, a certeza do escoamento e os preços remuneradores.
O Nordeste precisa, então, de uma “educação para o progresso”, assumindo o chão em que pisa há centenas de anos, transformando a realidade desfavorável em uma realidade benfazeja. Basta querer; basta ser um projeto de governo; e não uma transposição de rio a mais!
Basta colocar na bandeira do Semiárido as palavras“Dignidade e Justiça” para o produtor e para o seu produto. O resto, ele fará sozinho.
Estímulo à produção
Além de enfrentar as secas, o sertanejo tem que enfrentar a burocracia governamental e suas armadilhas, pois a barafunda de leis constitui um obstáculo quase intransponível. O mesmo Governo que está arrasando milhares e milhares de hectares de caatingas para implantar um canal de irrigação, pode colocar na cadeia qualquer produtor que desmatar meio hectare sem aprovação no Ibama! Quem seria o maior criminoso?
O Governo é mestre em aprovar Programas e Planos, mas os bancos logo divulgam que acabou o dinheiro para tais iniciativas. Foi assim com o IBDF que pretendia reflorestar o Nordeste inteiro e acabou devolvendo a dinheirama para os plantadores de celulose de Minas, São Paulo e Paraná. O Nordeste é muito bom para gerar programas e planos que, depois, acabam redirecionados, remetendo-se os recursos financeiros para outras regiões!
O Crédito Rural é quase uma ilusão para o sertanejo. Apenas empresários urbanos conseguem crédito rural para suas propriedades, pois eles podem apresentar garantias urbanas para os bancos.
Enquanto isso, qualquer pessoa pode começar uma criação de cabras e ovelhas, em São Paulo, e receber R$ 170 mil. No Rio Grande do Sul recebe até R$ 200 mil. No Nordeste, onde estão 92% dos caprinos brasileiros e 62% dos ovinos, ninguém recebe nada! Além disso, fora do Nordeste, um trator é subsidiado a 1% de juros! Também é facilitado o acesso a quase toda tecnologia, a uma farta assistência técnica, etc. O sertanejo nordestino não recebe praticamente nada, sob a alegação de que “não há segurança pelo investimento, diante da iminência de secas”! Crédito Rural no Nordeste, com certeza, surge quando atrelado a políticas governamentais de cunho eleitoreiro.
O fato é que poderia haver um Crédito Rural específico e permanente para o Semiárido, pois a região merece – a exemplo do que acontece em outros países onde impera algum capricho climático. O crédito farto para as propriedades que, de fato, são produtivas seria uma iniciativa mais compensadora, inaugurando um grande futuro para a economia regional. Mário Borba, em sua palestra sobre “Alternativas de Políticas Públicas”, ressaltou que “O que se tem é a ausência do Banco do Brasil, por 13 anos, no Sertão e o BNB pratica uma “estranha popularização” sem aparência socioeconômica fundamentada”.
Tiradentes
O fato é que o Semiárido exige um tratamento diferenciado, por uma região diferenciada. O herói Tiradentes foi enforcado porque reclamava dos impostos de 20%. Ora, hoje os impostos beiram 40% e, em certos produtos, vai além de 50%. Por sorte, o Governo não tem força para enforcar os milhões e milhões de Tiradentes modernos inconformados com a flagrante e injustiça para com os heróis do Semiárido.
A desoneração tributária, total e irrestrita, para o Semiárido, seria lucrativa para o Governo, uma vez que mais de 70% dos produtos animais são vendidos clandestinamente! Ao desonerar a região por 25 anos, por exemplo, muitos empresários começariam a corroer a clandestinidade, cultivando mercados mais sofisticados. Assim, rapidamente, o Governo passaria a ter 10%, depois 20%, depois 30% de produtos não-clandestinos. Com certeza, rapidamente, o Governo teria 100% dos produtos sendo vendidos no mercado formal, podendo recolher impostos normais. Teria sido uma grande vitória, gerando milhões de novos e melhores empregos. A atual taxação é uma mediocridade cívica num país em que ainda há fome, há falta de médicos, falta de transportes, falta de educação, etc. – e, para piorar, os impostos são carreados para privilegiar abastardos empresários urbanos.
Exemplo: o comércio clandestino de carne ovina e caprina é citado como sendo 85%, mas no Semiárido pode passar de 95%. Ou seja, o Governo contenta-se em arrecadar impostos de 5% até 15% da produção, ao invés de adequar seu procedimento para incorporar os 100% e bem atender à população.
É dando que se recebe. O Governo nunca deu nada para o Semiárido, de forma positiva e duradoura. Ele sempre “comprou” simpatia e votos, geralmente por meio de planos mirabolantes calculados para serem liquidados em curto prazo. Jamais deu um plano que fosse, de fato, abrangente e futurístico. É hora de começar, pois o mudo quer produzir alimentos no Semiárido, por meio de coisas simples, como criação de cabras e ovelhas, ao invés de canais de transposição de água numa região onde sobra água nos açudes!
Segunda classe
No Nordeste, muitas foram as boas iniciativas, mas a maioria sucumbiu diante das contramedidas do próprio Governo que parece tirar proveito eleitoral de uma região permanentemente pauperizada. Vale citar algumas:
1) Programa do Leite – Finalmente, o Governo resolveu comprar leite para distribuir na Merenda Escolar, ou outras necessidades. Deu certo, porque garantiu um preço adequado, gerou articulação dos pequenos, gerou entidades, gerou um mercado sólido. Mesmo assim, o Governo não aprendeu a lição e tem conseguido estragar o programa, comprando apenas 13 litros por produtor, quando poderia ter permitido o progresso dos mais esforçados. O próprio Governo, ao invés de comprar mais leite dos sertanejos esforçados, passou a impedir o progresso das pessoas e, então, o programa já está se esvaziando nas regiões onde foi fundado. É próprio de ser humano desejar o progresso!
Ora, se o Governo adquirir a produção rural sertaneja, a um preço compatível, o Sertão pode se transformar num enorme celeiro, apesar das secas. Este programa, porém, já mostra que está sendo negaceado e o “ouro branco líquido” pode estar com os dias contados.
Ora, se o Governo adquirir a produção rural sertaneja, a um preço compatível, o Sertão pode se transformar num enorme celeiro, apesar das secas. Este programa, porém, já mostra que está sendo negaceado e o “ouro branco líquido” pode estar com os dias contados.
2) Couro – O programa do couro já fez muitos milionários, mas nunca teve seguimento. Sempre foi negaceado. Gerou até a legendária “Civilização do Couro”. Hoje poderia ser um setor de incrível capacidade de exportação, mas não é. Hoje há muitos curtumes paralisados no Nordeste, esperando estímulo para a produção de animais, principalmente cabras e ovelhas. Uma pele de caprino nordestino é vendida, na Europa, por até US$ 80 enquanto no Brasil atinge US$ 2, ou é enterrada como adubo no solo!
3) Algodão– Foi o mais famoso “ouro branco” dos sertões, podendo produzir “fibra longa”,um produto cobiçado no mundo inteiro. Hoje, as tecelagens nordestinas importam algodão do Egito e do resto do país! A verdade é que o programa do algodão foi sabotado, no Nordeste para permitir o povoamento do interior paulista e paranaense, entre 1930 e 1950, como está nos livros de história econômica.
4) Sisal –A região seca é excelente para fibras em geral. O programa do Sisal teve grande repercussão, exportando produtos para o mundo inteiro, mas acabou sendo sabotado pelos bancos governamentais, para prestigiar a Petrobras e suas fibras sintéticas, restando hoje apenas dois núcleos produtores no sertão.
5) Oleaginosas– Várias leguminosas podem ser “ferramentas de redenção” e, mesmo sem estímulo governamental, fazendeiros implantaram milhares de hectares e chegaram a construir usinas para beneficiamento de óleo. Os programas do Guar, de Jojoba, e outras leguminosas, porém foram perseguidos mate a morte, sob a pecha de possível futura infestação de pragas!
6) Algaroba –A pecuária das secas tem na algaroba uma fabulosa fonte de proteína e energia. A algaroba está presente na alimentação de bebês humanos, no Japão, Alemanha e muitos países. No Brasil, porém, já passou por várias sabotagens, sob acusação de infestação e tem subsistido a duras penas. Com adequado manejo, a algaroba é uma bênção para os sertanejos.
7) Cabras e ovelhas – O programa das cabras e ovelhas jamais recebeu o destaque que bem merece, embora o sertanejo tenha toda tecnologia necessária para alavancar a atividade como uma “ferramenta de redenção”. O Governo implanta o programa de distribuição de animais, ao invés de prestigiar aqueles que já têm sua própria criação. O correto seria remunerar adequadamente a produção de carne, leite, estrume – ao invés de distribuir “esmolas” em forma de animais para os sertanejos. Se houvesse remuneração adequada e perene os próprios sertanejos tratariam de implementar a criação, transformando o Serão num “mar de caprinos e ovinos”.
O chicote de Cristo
O sertanejo do Semiárido é visto como um cidadão de 2ªclasse, com produtos também de 2ª classe. A maior parte dos investimentos vai para a 1ª classe, que garante maior retorno eleitoral, geralmente em grandes núcleos urbanos. Cada vez mais o setor rural vai se despovoando e cada vez mais o foco dos políticos vai para os grandes redutos urbanos. O destino do Semiárido, portanto, sem o poder público, é a desagregação. Uma hipótese seria a “privatização”, mais cedo ou mais tarde, como já acontece no Centro-Oeste e boa parte do Sudeste, mas é opção remota, uma vê que o status de“curral eleitoral” é muito interessante para certos grupos que detêm o poder.
Afinal, o Semiárido não é ruim; pelo contrário: é muito bom! Ruins, na verdade, são as pessoas que traçam políticas para a região e que vivem, sempre, muito longe dela. O que tem faltado é o chicote de Cristo para expulsar os vendilhões do templo que traçam políticas públicas sem levar em conta o produtor rural que vive na terra, produzindo para a sociedade. Basta ter preço para o produto do Semiárido e tudo caminharia normalmente para o progresso! Basta ter justiça e dignidade para com o produtor rural, tanto quanto para com o sertanejo que lá vive.
Se o Governo desonerasse completamente o Semiárido, então a iniciativa privada veria ali um nicho de produção e poderia transformar a região num fabuloso celeiro de alimentos e produtos para a indústria nacional e internacional. Desonerar significa retirar todos os tributos de alimentos e produtos estratégicos produzidos no Semiárido! Assim como foi feita a Zona Franca de Manaus também pode ser feita uma “Zona franca para os produtos do Semiárido”. Ora, o Nordeste tem 500 anos de sofrimentos e merece um amplo programa de desoneração, para ocupar um lugar no futuro!
Exemplo: 90% dos produtos pecuários são vendidos clandestinamente. Ora, seria melhor assumir a perda de 10% dos que pagam impostos para, um dia, ter os 90% de volta. O próprio mercado iria separar a boa e má mercadoria, gerando uma escalada progressiva de formalização. Isso pode acontecer num curto espaço de tempo, pois o mercado mundial está ávido para comprar mais e mais carne do Brasil. A desoneração total, portanto, é um bom caminho.
Um bom e expressivo passo inicial seria a promoção das cabras e ovelhas que fixam o homem ao chão do Semiárido, com adequada felicidade social. Não houve, porém, até o momento, programas eficazes nessa direção e os animais continuam lá, esperando chegar a hora!
Essa hora poderia ser agora!"
Essa hora poderia ser agora!"
Rinaldo dos Santos (zebus@zebus.com.br) é editor fundador da Revista O BERRO (http://www.revistaberro.com.br)
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SEMIÁRIDO: um Paraíso possível, artigo de Rinaldo dos Santos
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Semiárido: um Paraíso possível - Assumindo o céu como ele é, artigo de Rinaldo dos Santos
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Semiárido: um Paraíso possível - Assumindo o chão como ele é, artigo de Rinaldo Santos
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Semiárido: um Paraíso possível - Assumindo a fauna como ela é, artigo de Rinaldo dos Santos
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