domingo, 11 de março de 2012

BIOMA CAATINGA: DESERTIFICAÇÃO.

Desertificação atinge 80% do Cariri paraibano.
Em 10 anos, solo da caatinga paraibana ficará infértil; agricultores já sentem efeitos nas plantações
CORREIO DA PARAÍBA
04/03/2012
Aline Guedes
“Tem lugares aqui que não dá mais para plantar nada. Não tem água que molhe esse chão. É tudo seco”. Esse é o clamor de José de Anchieta Sousa, que mora na zona rural de Cabaceiras e ainda tenta fazer jus à ocupação de agricultor. A terra sem vida é resultado do processo de desertificação da caatinga, que avança rápido no Estado, fruto de décadas sem ações concretas do Governo para impedir. O bioma fará parte de debates no Congresso Rio+20, em junho deste ano.
No horizonte árido do Cariri e Sertão do Estado, o futuro que se vislumbra é seco. Estudiosos prevêem que em aproximadamente 19 anos, 90% do solo paraibano estará susceptível à infertilidade, caso nada seja deito para reverter o quadro de degradação da caatinga. “Mesmo que começássemos hoje a trabalhar contra a desertificação, ainda seria tarde demais para boa parte do bioma”, disse o geógrafo Bartolomeu Israel de Souza. Apenas no Cariri paraibano, quase 80% da área da região já está desertificada.
Quando se fala em desertificação, já se pensa equivocadamente que aquele lugar está virando um deserto, como o Atacama ou Saara. Mas, o geógrafo explica que um não tem ligação com o outro. A desertificação é o nome dado ao processo de destruição da produtividade de terras localizadas em áreas de baixa umidade. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo já sofrem com as conseqüências da degradação.
O Estado da Paraíba abrange uma superfície territorial de 56.584 km², 70% da qual localizada no Polígono das Secas. “Segundo dados do IBGE de 2007, dos 223 municípios existentes até o momento no Estado, 208 destes estão sujeitos a ocorrência desse processo, o que implica em mais de 90% de seu território”, relata o assessor da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos e membro da Comissão Nacional de Combate à Desertificação, Beranger Araújo. Apenas a faixa litorânea norte e sul que não tem áreas afetadas pelo processo.
Na Paraíba, até hoje não há um mapeamento completo que possa especificar a área que está desertificada. “O zoneamento por imagens de satélite de boa qualidade é muito caro. Mas já planejamos captar recursos para isso através do Programa Estadual de Combate à Desertificação”.
A Caatinga é um bioma unicamente brasileiro, compreendendo cerca de 900 mil km², ou seja, um pouco mais de 11% do território nacional. É o terceiro maior, perdendo apenas para a Floresta Amazônica e para o Cerrado. “Existem estimativas que afirmam que, no mínimo, 80% da vegetação estão bastante descaracterizadas, atualmente. A região sofreu com muitos desmatamentos e queimadas, principalmente no final do século 19 até a década de 1980, durante o ciclo econômico do algodão”, explica Bartolomeu.
O cultivo do algodão é o único vilão da Caatinga. Segundo o geógrafo, carvoarias, produções de cerca e extrações de lenha para alimentar padarias e olarias também desgastam o solo. A desertificação é causada, dentre outros fatores, pela salinização, que é a acumulação de sal no solo. Esse processo compromete a produtividade agrícola das terras.
“A Caatinga é vista como a prima pobre”
“A Caatinga é vista com a prima pobre entre os biomas do Brasil, apesar de ser o mais rico em fauna e flora entre todas as zonas secas do mundo. Só agora, a ciência está abrindo os olhos e tentando recuperar o tempo perdido”, analisa. A questão da Caatinga na Paraíba não foi nem levada para a Eco-92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Essa omissão do governo estadual e federal silenciou o grito de um bioma frágil, que naquela década já vinha perdendo suas características.
“A Paraíba tem uma carência gigantesca de pesquisas nessa área. Só começaram a surgir financiamentos públicos para desenvolver estudos sobre a Caatinga há uns 10 anos. Do total de pesquisas federais sobre meio ambiente, estima-se que menos de 10% são destinadas para a Caatinga. Por esse motivo, a degradação é tão grande: estamos destruindo o que nem conhecemos direito”.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, nessa região são registradas mais de 900 espécies de plantas, 148 de mamíferos e 150 de aves. A desertificação altera todo o ciclo do bioma: a fauna, a flora, a vegetação. E com isso, surge outro problema crucial que afeta o homem do campo: a subsistência. Sem animais para caçar e sem chão fértil para plantar, a comunidade rural acabará migrando de vez para a zona urbana. De acordo com o geógrafo, esse fenômeno ainda não aconteceu pela nova forma de sustento da maioria das famílias pobres no Brasil: o Bolsa Família.
“Os benefícios do governo mascaram a situação calamitosa de muitas regiões do Nordeste. Em muitos locais, já não há possibilidade de cultivo, mas os sertanejos não sentem o impacto porque têm a segurança da renda do Bolsa Família. É importante refletir sobre isso, porque se algum dia o Governo tiver que cortar esses benefícios, como no caso de uma crise financeira, essas famílias vão viver de quê? Vão acabar se mudando para a zona urbana, o que pode desencadear outra série de problemas”, conjetura.
Transposição: irrigação incorreta pode aumentar a desertificação – pesquisador alerta que o projeto no São Francisco é considerado perigoso.
O que é considerado salvação para os filhos da seca nordestina, pode aumentar ainda mais a desertificação do solo. Para alguns pesquisadores, a transposição do Rio São Francisco é considerada perigosa, caso os agricultores não sejam instruídos sobre a forma correta de irrigação. “Se o processo não for muito bem acompanhado, pode ser um desastre para alguns lugares”, argumenta o geógrafo Bartolomeu Israel de Souza.
Segundo o especialista, a irrigação feita de forma equivocada, ou seja, por alagamento, provoca a salinização. “Na cabeça de muitos produtores, o problema é a falta de água. Mas se não fizer da forma correta, vai degradar ainda mais, porque o sal está no solo”, explica. Por incrível que pareça, o ideal é evitar irrigar nesses lugares.
Existem outros meios que permitem a recuperação dessas áreas – como as usinas de dessalinização -, mas são muito caros. “Não é uma tecnologia disponível do ponto de vista financeiro para os pequenos produtores, que na verdade, são a grande maioria”. Na Paraíba, os locais mais salinizados estão localizados próximos a açudes, como em Boqueirão, São Gonçalo e Condado. Os agricultores puxam a água do açude e irrigam as áreas próximas de qualquer forma, ávidos por colher algo. A forma correta é por gotejamento, que, por sinal, é a mais cara. Esse sistema derrama água em apenas uma parte do local, reduzindo a superfície do solo que fica molhada.
Depois de décadas sendo renegada pela ciência e órgãos do meio ambiente, a Caatinga entrará na roda de debates da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Econômico, que será realizada em junho deste ano, no Rio de Janeiro. Com o Rio+20 batendo à porta, estudiosos, governantes e produtores estão mais engajados no combate a desertificação. Na última sexta-feira, foi realizada a Pré-Conferência Estadual de Desenvolvimento Sustentável do Bioma Caatinga, em Campina Grande.
O evento formalizou os comitês estaduais e o documento que será levado para a Rio+20, com propostas de ações efetivas. De acordo com o secretário executivo de Recursos Hídricos, do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia, Fábio Agra, o documento é uma compilação de debates em várias audiências públicas realizadas nos últimos quatro anos. “Antes de ser apresentada na Rio +20, esta carta de reivindicações será levada para a Conferência Regional, onde será discutida juntamente com documentos de outros Estados”, explicou o secretário.
Dentre as propostas que constam no documento da Paraíba, estão a criação do pagamento por serviços ambientais voltados à proteção da Caatinga, em pequenas e médias propriedades (Bolsa Preservação); a produção de mudas e repovoamento de espécies nativas; a adoção e difusão de tecnologias para estoque de forragens no período seco; a instalação de consórcios para construção dos aterros sanitários; e a formação de consórcio intermunicipal para construção/aquisição de câmaras frias (bancos de germoplasma) para a conservação de sementes destinadas à recuperação da vegetação nativa.
Para acabar com a visão do solo rachado, o Governo da Paraíba aposta no Plano Estadual de Combate à Desertificação.
O secretário Fábio Agra afirma que foi aprovado ano passado, um investimento institucional de US$ 50 milhões para os próximos quatro anos. “Esse valor tem uma contrapartida do Estado e também do Fundo Interamericano de Desenvolvimento. Tudo será aplicado em capacitações, investimentos em pequenos empreendimentos agropecuários e produção de plantas nativas para recomposição de áreas degradadas. Eu acredito que as políticas públicas, a universidade e as ONG´s estiveram mais próximas dos agricultores nos próximos anos. O grande trunfo é difundir tecnologia para que possamos conviver com a seca”, disse.
COMENTÁRIOS
José do Patrocínio Tomaz - patrociniotomaz@uol.com.br - Professor aposentado da Universidade Federal de Campina Grande
Sobre a reportagem veiculada no Correio da Paraíba a respeito do problema da desertificação, tenho algumas obervações a fazer sobre a mesma e seu protagonista. A primeira é sobre a cultura do algodão, tida como vilâ da desertificação. Não sou agrônomo, mas, nas minhas andanças pelo Cariri paraibano (o que fiz durante quase toda a minha vida profissional), vi muita pouca plantação de algodão. Mesmo do tipo arbóreo que, por sinal, não encontra clima adequado naquela região, conforme destacou o grande agrônomo-ecólogo Guimarães Duque em seu livro "O Nordeste e as Lavouras Xerófitas". Isto porque, segundo ele, devido a umidade relativamente grande do ar, causada pelo realce topográfico da região (o dorso do famoso Planalto da Borborema), essa cultura não encontra as condições de produtividade do Seridó e do Sertão, de ar quente e mais seco. É a atuação do fenômeno "shedding" (não sei se a grafia está correta), por ele identificado na região caririzeira, residindo aí, talvez, a pouca difusão da cotinicultura na região. Por sinal, ela é uma das componentes da fibrocultura que, como foi bem exposto pelo Dr. Manoel Bonfim Ribeiro, se constitui em uma das 7 maravilhas do Semi-Árido brasileiro. Não tenho razões para discordar do ilustre amigo, profundo conhecedor da região e sabedor das melhoras genéticas obtidas por orgãos e pesquisadores do outrora chamado "ouro branco".
Quanto à irrigação, os solos pedregosos, rasos, pobres em fertilidade, não se prestam a esta atividade, mesmo com o método do gotejamento. A propósito deste método, a sua indicação preferencial é atribuída ao seu menor "consumo" de água, o que não corresponde à verdade. Na realidade, o consumo de água pelo cultivo depende das características biológicas do mesmo e da climatologia do meio onde se insere. O que difere em termos de quantidade de água aplicada é a eficiência do método, ditada pelas perdas de condução e de aplicação da água. Esta eficiência é muito maior nos métodos de condução de água em tubos fechados e com aplicação localizada, mas o consumo, sensu strictu, é o mesmo, qualquer que seja o método. Em relação ao problema da salinização, ela continuará a ocorrer, mesmo que a água aplicada tenha um teor de sais menor que o do solo receptor. Ela, a salinização, não será extensiva como nos métodos de condução a céu aberto, mas far-se-á localizadamente, atingindo o sistema radicular do plantio, já que estará sujeito ao fenômeno da evapotranspiração. Esta salinização, embora pequena, será adicionada aos sais ocorrente "in situ", aumentando, ano a ano a doságem total, pelo simples fato de que os métodos localizados não geram fluxo hídrico que lixiviem estes sais. Poderá ser necessário um lapso de tempo maior para que o fenômeno prejudique a produtividade do cultivo. Mas que ocorrerá, ocorrerá. Neste sentido, a irrigação não é, também por este fato, uma atividade indicada para a estação da estiagem, como tem sido implantada. Defendo a valorização da atividade agrícola no período das chuvas, onde todos plantam e, quando acontecem as irregularidades pluviométricas, poucos colhem. É preciso, portanto, usar á água acumulada em reservarórios superficiais (qualquer que seja a dimensão) e subterrâneos (onde for possível) para corrigir ou mitigar os efeitos dessa irregularidade, de modo a assegurar, pelo menos em boa parte a colheita da estação chuvosa. É a chamada irrigação de "salvação" ou complementar. Claro que isto pressupõe a viabilização do abastecimento humano difuso do meio rural, outro problema causado pelas estiagens. Salvo melhor juizo, a cargo dos especialistas em irrigação e meio ambiente, esta é a minha atual convicção.
Roberto Malvezzi (Gogó) robertomalvezzi@oi.com.br - é membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT - Bahia)
Caro João Suassuna
Como é bom ver comentários de pessoas com honestidade intelectual, além do preparo. Muito diferente que conversar com gente a serviço de empresas, interesses corporativos, ambições políticas. A irrigação, posta como salvação por muitos para o Nordeste, mesmo em Petrolina/Juazeiro tem problemas de salinização, altíssimo consumo de água, conseqüente endividamento de agricultores... Os perímetros só se sustentam por subsídios governamentais, mas à custa da deteriorização progressiva dos solos.... Valeu.
Manoel Bomfim (manoel.bomfim@terra.com.br) - é especialista em convivênciacom o Semiárido.
Meu prezado João Suassuna
Fui bastante claro no meu livro A POTENCIALIDADE DO SEMI-ÁRIDO BRASILEIRO quando abordo as riquezas dessa região abstraindo o artificialismo da irrigação. Irrigação somente em bons latossolos e água boa que não é o caso da nossa região. As riquezas estão evidentes na natureza regional, basta saber explorá-las. Desertificação temos que conbatê-la com a silvicultura, plantas filhas do próprio meio, nada importar. Os caminhos para o desenvolvimento do semi-árido paraibano e dos demais estados são evidentes, sem técnicas complexas, basta conhecimennto, competência e seriedade dos nossos dirigentes.
por João Suassuna — Última modificação 10/03/2012 00:31

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