quarta-feira, 23 de março de 2022

MAPA DA ÁGUA CONTAMINADA ENCONTRA PRODUTOS RADIOATIVOS EM 763 CIDADES BRASILEIRAS

Produtos químicos e radioativos que representam alto risco de gerar doenças crônicas foram encontrados na água que chega às casas de centenas de cidades brasileiras.

http://www.suassuna.net.br/2022/03/riosvoadores-o-fenomeno-que-ajuda.html

Ana Aranha e Hélen FreitasRepórter Brasil

09/03/2022

Todos nós bebemos pequenas doses diárias de substâncias químicas e radioativas. São agrotóxicos e outros resíduos da indústria que se misturam aos rios e represas. Alguns especialistas defendem que não há risco se elas estiverem dentro do limite regulamentado. Outros argumentam que as doses aceitas no Brasil são permissivas, pois são bem mais altas que as da União Europeia.

Sobre um ponto não há dúvida: essas substâncias são prejudiciais à saúde quando estão acima do limite brasileiro. O consumo diário aumenta o risco de câncer, mutações genéticas, problemas hormonais, nos rins, fígado e no sistema nervoso – a depender do produto.

Dados inéditos levantados pela Repórter Brasil mostram que são esses os riscos oferecidos pela água que saiu da torneira de 763 cidades entre 2018 e 2020. Substâncias químicas e radioativas foram encontradas acima do limite em 1 de cada 4 municípios que fizeram os testes. Entre eles está São Paulo (13 testes acima do limite), Florianópolis (26) e Guarulhos (11).


As informações podem ser consultadas por cidade no Mapa da Água, que destaca quais substâncias extrapolaram o limite e explica seus riscos. Os dados são resultados de testes feitos por empresas ou órgãos de abastecimento e enviados ao Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano), do Ministério da Saúde. Os testes são feitos após o tratamento e a maioria dessas substâncias não pode ser removida por filtros ou fervendo a água.

“Se há substância acima do valor máximo permitido, podemos dizer que a água está contaminada”, afirma Fábio Kummrow, professor de toxicologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Uma outra forma de dizer é que essa água não está própria para consumo, como quando um alimento passa da data de validade”. Contaminada ou imprópria, Kummrow confirma que existe risco para quem bebe a água, e ele varia de acordo com a substância e com o número de vezes que ela foi consumida ao longo do tempo.

O risco é maior para quem bebeu diversas vezes ao longo de anos. É o caso de quem mora em São Paulo, Florianópolis, Guarulhos e outras 79 cidades onde a mesma substância foi encontrada acima do limite nos três anos analisados (2018, 2019 e 2020).

Com impacto silencioso, esses produtos têm dinâmica diferente das contaminações por bactérias, que provocam dor de barriga, diarreia e até surtos de cólera. Os sintomas das substâncias químicas e radioativas podem levar anos, mas, quando aparecem, são na forma de doenças graves. Estudos que associam esses produtos ao câncer, mutações genéticas e diversos outros problemas de saúde são carimbados pelos mais respeitados órgãos de saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e as agências regulatórias da União Europeia, Estados Unidos, Canadá e Austrália.

O Mapa destaca o risco para a saúde e as atividades econômicas em que cada substância é utilizada. O nitrato, por exemplo, terceira que mais vezes excedeu o limite, é usado na fabricação de fertilizantes, conservantes de alimentos, explosivos e medicamentos. Ele é classificado como “provavelmente cancerígeno” pela OMS.

Empresas escondem os dados

Os testes são financiados com dinheiro público e de quem paga a conta d’água, mas os resultados estão trancados a sete chaves. As companhias de abastecimento deveriam informar à população sempre que uma substância aparece acima do limite, como determina a portaria sobre a potabilidade da água. Mas isso não acontece.

A Sabesp, responsável pela distribuição de água em mais de 370 municípios paulistas, incluindo a capital, divulga apenas o que chama de “parâmetros básicos”, como cor, turbidez e coliformes fecais. Nem mesmo pesquisando no site é possível acessar as substâncias químicas acima do limite.

O mesmo problema foi encontrado com Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) e Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece).

Nos Estados Unidos e União Europeia, qualquer um pode consultar testes de todas as substâncias presentes na água. E, em muitos desses países, as empresas monitoram um número maior de substâncias e alertam os consumidores em caso de problemas.

“Se contaminantes microbiológicos são encontrados, por exemplo, uma determinação para ferver a água é enviada aos consumidores por e-mail, SMS, rádio etc”, afirma Dorte Skræm, da Danva, organização que representa serviços de água na Dinamarca. Segundo ele, a transparência é total. “Houve um caso [de contaminação] há alguns anos que envolveu 500 mil habitantes, a mídia cobriu e foi usada para informar os consumidores”.

Avisos assim deveriam ter ocorrido nos 763 municípios que identificaram testes acima do limite.

“O quadro revelado por esses dados é grave”, afirma Leo Heller, pesquisador da Fiocruz e Relator Especial do Direito Humano à Água da ONU entre 2014 e 2020. “Eles mostram omissões e falhas dos órgãos e serviços que fazem parte de uma importante cadeia de responsabilidades”.

Contaminação contínua em São Paulo

Quase todos os estados que testaram a água acharam problemas. São Paulo foi o que mais encontrou, com 1.298 resultados acima do limite, mas também foi o que mais testou. Foram 831 mil testes, 45% de todos os realizados no país.

A capital paulista traz um retrato preocupante: três substâncias acima do limite, uma delas nos 3 anos analisados. A contaminação contínua, cenário de maior risco, ocorreu em 82 cidades do Brasil.

As substâncias acima do limite estavam em três sistemas importantes que abastecem a cidade. No Guarapiranga, por exemplo, que chega a 4,8 milhões de paulistanos, os trihalometanos excederam o limite diversas vezes ao longo dos três anos.

Os trihalometanos foram o grupo com mais testes fora do padrão em todo o Brasil. Classificado como possivelmente cancerígeno pela OMS, podem causar problemas nos rins e fígado. Esses elementos são usados em agrotóxicos, solventes, anestésicos e extintores de incêndio. Sua principal origem na água, porém, vem do processo de tratamento.

Tratamento que contamina

Ironicamente, as maiores responsáveis pelos problemas com a água no Brasil são substâncias geradas pelo próprio tratamento. Quando o cloro interage com elementos como algas, esgoto ou agrotóxicos, nascem os chamados “subprodutos da desinfecção”.

Eles estão acima do limite em 493 cidades, 21% das que testaram. “Evidente que é importante tratar a água para remover microrganismos, mas não é aceitável eliminar riscos biológicos e gerar riscos químicos”, afirma Heller, da Fiocruz. Além dos órgãos públicos que deveriam fazer o monitoramento, cabe também à indústria e ao agronegócio controlar o despejo de substâncias tóxicas no ambiente. “Mas quem está no centro [empresas e órgãos de abastecimento] é quem deveria garantir a qualidade”.


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