Revitalização de Bacias: Presidente do CBHSF não concorda com flexibilização de vazão no rio São Francisco e diz que pode trazer impactos ambientais
CBHSF
28/03/2021
A Agência Nacional
de Águas e Saneamento Básico (ANA) realizou, na última quinta-feira (25), uma
reunião extraordinária de acompanhamento das condições de operação do Sistema
Hídrico do Rio São Francisco. A intenção foi discutir a solicitação de operação
excepcional do reservatório da UHE Xingó apresentada pelo Operador Nacional do
Sistema Elétrico (ONS), conforme a Carta CTA-DGL 0398/2021. O Comitê da Bacia
Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) acompanhou a reunião.
Em suas
considerações iniciais, o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema
Elétrico (ONS), Luiz Carlos Ciocchi, falou sobre a situação dos reservatórios
nacionais e mencionou que o período úmido está encerrando pior do que no ano
anterior. “Atravessamos um dos piores períodos hidrológicos que temos em nosso
acompanhamento. O final do ano passado se caracterizou como o pior trimestre
das médias históricas. Temos a preocupação de manter a operacionalidade, bem
como a segurança de todo sistema elétrico brasileiro, e os reservatórios do rio
São Francisco são importantíssimos para a nossa operação”, disse.
O presidente do
CBHSF, Anivaldo Miranda, opinou sobre a proposta apresentada pelo ONS sobre
impactos relacionados à sugestão de redução da vazão no rio São Francisco. “O
Comitê não se sente em condições de concordar com a proposta apresentada pelo
ONS. Achamos que ela foi encaminhada de supetão e evidente que isso poderia ter
sido discutido quando do processo da flexibilização de dezembro de 2020. O rio
São Francisco abriu mão de uma cheia depois de anos de extrema situação de
escassez, com prejuízos ao ecossistema que até hoje não foram avaliados em sua
dimensão. Mas, em função das necessidades do Sistema Integrado houve um acordo
no sentido de uma flexibilização em dezembro que de alguma forma já trouxe um
impacto negativo sobre a resolução ANA-2081/2017, que demorou para entrar em prática.
Não estou desconhecendo as necessidades do Sistema Interligado Nacional,
entretanto ele não pode ser absolutamente hegemônico a ponto de você
desconhecer que o rio é um ecossistema. Depois de todos esses anos de intensos
impactos na vida aquática, quando nós imaginávamos que teríamos nesse ano
passado a possibilidade de finalmente contar com reservatórios mais cheios, um
volume enorme de águas se foi de repente e agora vem o reverso com essa
proposta de continuar com vazões altamente restritivas. Vamos nos debruçar
sobre os números e devemos ouvir os participantes da Expedição Científica para
que eles informem os impactos que esses processos de restrições de vazão podem
trazer para o rio São Francisco. O Comitê não pode respaldar essa demanda,
temos que encontrar outras soluções e avaliar detalhadamente o que vem
acontecendo”, explicou.
O secretário
executivo de Gestão Interna da Secretaria do Estado de Meio Ambiente e Recursos
Hídricos de Alagoas (SEMARH), Pedro Lucas, demonstrou compreensão com relação
aos argumentos do ONS no seu pedido de redução do limite de vazão a jusante de
Xingó de 1.100m3/s para 800m3/s, dada a baixa afluência no Sistema Interligado
Nacional nos últimos seis meses. “Entretanto, Alagoas vê com certa preocupação
essa redução de possibilidade de vazão porque praticamente metade do Estado é
abastecido pelo rio São Francisco e essa redução pode comprometer as captações
da CASAL”, afirmou.
O engenheiro Ailton
Rocha, que é superintendente de Recursos Hídricos na Secretaria de Estado do
Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade de Sergipe e coordena a Câmara
Técnica de Articulação Institucional (CTAI) do CBHSF, pontuou que a
apresentação do ONS foi bem elaborada, entretanto ele defende, em nome do
estado de Sergipe, a manutenção da resolução ANA-2081/2017 em sua
integralidade. “A menos que a partir dos dados que o ONS irá apresentar na
próxima reunião dessa projeção do volume de Sobradinho no final período seco.
Também reforço a importância de chamar para participar da videoconferência o
coordenador da Expedição Científica, sugestão dada pelo Anivaldo Miranda.
Precisamos ouvir o Emerson Soares e observar a apresentação dele com relação
aos impactos ambientais no baixo São Francisco. Com certeza, o que ele irá
trazer dará uma ideia do que poderá ocorrer no ecossistema com essas baixas
vazões. Precisamos compreender melhor o que pode trazer de impacto a diminuição
das vazões. Ressalto que não podemos associar a crise somente à probabilidade,
mas adicionar também a questão do dano ambiental. Esse dano ambiental precisa
ser valorizado nessas tomadas de decisões”.
A professora da
Universidade Federal da Bahia (UFBA) e membro do CBHSF, Yvonilde Medeiros,
demonstrou grande preocupação com a possível diminuição da vazão no rio São
Francisco. “É um retrocesso o que está acontecendo. Estamos voltando ao tempo
de obscurantismo ambiental e nós necessitamos agir. Precisamos levar em
consideração o dano e a vulnerabilidade do ecossistema. Não existe água
sobrando, pois estamos tratando de um rio. Eu pesquiso e trabalho com números e
sei exatamente que o problema não é que essa vazão de 800m³/s é uma vazão
aceitável – em que mês? Em que período do ano? – Nós temos uma sazonalidade e
discutimos isso o tempo todo! Estamos destruindo a sazonalidade e com isso o
ecossistema, é um número, é uma estatística. Iremos ver o impacto do que
estamos fazendo hoje quando os peixes chegarem à maturidade e não se
reproduzirem”, disse.
Proposta de
flexibilização de vazão
Os representantes
do ONS, Vinícius Rocha e Luana Gomes, apresentaram as condições hidrológicas e
armazenamento observadas, as medidas operativas implementadas, bem como as
perspectivas para abril e maio, além de uma proposta de flexibilização da vazão
mínima de Xingó. Após a apresentação dos gráficos, Vinícius Rocha informou que
as condições hidrológicas previstas para os próximos meses em relação às bacias
dos subsistemas Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste devem ser mantidas como
desfavoráveis. “Apesar das condições hidrológicas desfavoráveis para a Bacia do
Rio São Francisco nos próximos meses, espera-se que o armazenamento do
reservatório de Sobradinho esteja na faixa de operação normal nos meses de
abril e maio de 2021. Nos períodos de carga leve e média, nos meses de abril e
maio de 2021, é esperada a ocorrência de vertimentos turbináveis nas usinas
hidroelétricas de Tucuruí e Belo Monte não transmissíveis para os subsistemas
Sudeste e Centro-Oeste. A geração/transmissão dessas usinas é concorrente com a
geração/transmissão das usinas do rio São Francisco. A flexibilização vazão
mínima da UHE Xingó, permitiria aumentar o armazenamento dos reservatórios da
Bacia do Rio São Francisco, aproveitar o excedente hidráulico do Norte e
reduzir os vertimentos turbináveis de Tucuruí e Belo Monte, de forma a otimizar
o uso dos recursos hídricos e proporcionar melhores condições de operação no
período seco de 2021”.
Foi destacado que,
para os meses seguintes do período seco, deve-se avaliar a viabilidade de
continuidade da flexibilização da vazão mínima da UHE Xingó, a fim de
aproveitar eventuais excedentes energéticos que possam ainda existir de forma a
proporcionar melhores condições de armazenamento na bacia do rio São Francisco.
Salienta-se que, na faixa de operação normal, a UHE Xingó tem uma vazão mínima
defluente de 1.100 m3/s. Em se tratando da possível medida de flexibilização da
defluência mínima em Xingó estima-se um ganho de armazenamento no reservatório
da UHE Sobradinho de cerca de 5,4% ao final de maio praticando-se a redução de
1.100m³/s para 800m³/s.
A próxima reunião
extraordinária ocorrerá na segunda-feira (29) de março, às 15h, com novas
apresentações de outros convidados, aprofundamento e debates das pautas para
tratar da proposta do ONS e do Sistema Hídrico do Rio São Francisco com relação
a redução de vazão na UHE Xingó. A reunião mensal está mantida e acontecerá no
dia 06 de abril, às 10h. Esta videoconferência que avalia as condições
hidrológicas da bacia do Velho Chico ocorre na sede da Agência Nacional de
Águas, em Brasília (DF) e é transmitida para os estados da bacia. Desta reunião
participam o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF),
usuários, governo, irrigantes, entre outros.
Para ter acesso a
videoconferência na íntegra, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=Pkb6CHo3irw
Assessoria de
Comunicação CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Deisy Nascimento
*Foto: Edson Oliveira
COMENTÁRIOS
João Suassuna –
Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
Em 2001, o ano do
“apagão”, publiquei um artigo no
portal da Fundação Joaquim Nabuco, intitulado “Racionamento: o preço da
irresponsabilidade”. Nele, entre outros assuntos, comentei sobre a questão
da interligação do sistema elétrico nacional. Naquela ocasião, o governo
federal havia apostado todas as suas crenças, nas chuvas que terminaram por não
cair. Abaixo transcrevo o que escrevi há 20 anos, quando tratei da questão da
interligação do sistema de geração brasileiro:
“O governo, ao
nosso modo de entender, cometeu dois erros graves: apostou na interligação do
sistema elétrico brasileiro para o suprimento da energia necessária ao
desenvolvimento do Nordeste, e na boa vontade de São Pedro em enviar chuvas
suficientes para o abastecimento dos principais reservatórios responsáveis pela
geração de energia do país. O que aconteceu, ao longo dos quatro últimos anos,
foi uma situação já anunciada previamente: ocorreram secas sucessivas, não
apenas aqui no Nordeste, mas em todo o país, e ficou evidente a incapacidade da
interligação do sistema elétrico brasileiro em suprir a demanda energética das
regiões, em especial a nordestina. Nesse sentido, o Brasil caminha para o
apagão, recebendo críticas dos mais diversos setores da sociedade, não apenas
pela falta de planejamento na área energética, mas, e principalmente, pela
falta de investimentos nesse setor”.
Ao ler a matéria do
CBHSF e ao me reportar ao que escrevi no ano de 2001, portanto a exatos 20
anos, percebo que o meu artigo ainda se encontra com suas informações bastante
atualizadas. As secas, que antes ocorriam apenas na região Nordeste, passaram a
existir, também, em todo território nacional.
Para se gerar
energia em hidrelétricas, é condição fundamental a existência de volumes
suficientes, nos reservatórios das usinas, para o atendimento de uma geração
segura em suas turbinas. Com as secas que passaram a existir no Sudeste do
país, isso agora começou a se tornar um problema, e a prova disso são os baixos
volumes atualmente armazenados nos reservatórios das hidrelétricas da região,
as mais importantes em termos de geração do país. Registos do
dia 26/03 dão conta de que esses percentuais na faixa de 34,96%, com tendências
a diminuírem, por conta das proximidades do final da quadra chuvosa naquela
região. Por conta disso, as termelétricas tiveram que ser acionadas (as
térmicas geram uma energia mais cara), e os brasileiros passaram a pagar mais
caro pela energia consumida. A tarifa de consumo da energia elétrica dos
brasileiros está sendo cobrada na modalidade “bandeira vermelha”.
A saída para esse
impasse, seria na ampliação, aqui no Nordeste, dos investimentos em fontes de
energias limpas, a exemplo da Solar e, principalmente, da Eólica. Para se ter
uma ideia da importância disso, a potência eólica instalada no Nordeste,
atualmente, já supera aquela conseguida pela Chesf em seu complexo de
Hidrelétricas. A potência elétrica conseguida pela Chesf se estabilizou em 10
mil MW. Já a potência eólica instalada no Nordeste, já supera os 14 mil MW e em
fase de ampliação.
Na minha opinião, O
CBHSF tem toda razão em não concordar com a flexibilização de vazão no rio São
Francisco, por trazer impactos ambientais. Isso fica muito claro ao serem
analisadas as defluências da represa de Sobradinho nos últimos 40 anos. Quando
Sobradinho foi inaugurada em 1979, a Chesf conseguiu uma vazão média diária, em
sua defluência para o Submédio e Baixo São Francisco, de cerca de 2.060 m³/s. E
a Companhia passou décadas gerando a energia do Nordeste com essa vazão
defluida por Sobradinho. Naquela ocasião, o IBAMA havia determinado que se
cumprisse, na foz do rio São Francisco, uma vazão mínima média diária, agora
regularizada, de cerca de 1.300 m³/s, a chamada vazão ecológica. Com a
existência de gestões hídricas ineficientes na bacia do rio, aliadas a ciclo de
secas de grandes proporções (2012 a 2017), Sobradinho atingiu, no ano de 2017,
1 % de seu volume útil, obrigando a Chesf defluir da represa, apenas cerca de
550 m³/s, colocando em risco o que havia sido determinado pelo IBAMA, sobre os
volumes mínimos que tinham que chegar, necessariamente, em sua foz. Ora, se
Sobradinho estava defluindo cerca de 550 m³/s, um volume muito parecido a este
era o que estava chegando na foz do rio, distantes, portanto, dos 1.300 m³/s
exigidos pelo Órgão Ambiental, e com um agravante: com a construção de
Sobradinho, as vazões do rio passaram a ser artificiais e dependentes de gestão
eficiente na abertura e no fechamento de comportas. Além do mais, a solicitação
do ONS, de flexibilizar as defluência de Xingó contraria as regras impostas
desde o início de 2021 pela Resolução ANA
2081/2017 segundo a qual, para o período úmido, e estando o
reservatório de Sobradinho acima de 60% de seu volume, a vazão mínima no Baixo
São Francisco deve ser de 1.100 m³/s.
Dados recentes
do dia 26/03, deram conta de uma defluência, em Sobradinho, da ordem de 940
m³/s e em Xingó de 800 m³/s . Essa é a verdadeira razão de a ANA estar
preocupada e imbuída na discussão desses assuntos para a determinação da vazão
mais adequada a ser defluida de Xingó, para o Baixo São Francisco. Só que a
manutenção dos 800 m³/s vigentes em Xingó contraria o que havia sido
estabelecido na resolução 2081/2017, cuja vazão mínima, para a região do Baixo,
devia ser da ordem de 1.100 m³/s. Um problema complexo a ser resolvido, e que
precisa ser levado em consideração, também, os impactos causados pela má gestão
hídrica praticada sobre os principais aquíferos da bacia do rio, em especial
sobre o Urucuia, responsável direto por mais da metade da vazão do São
Francisco que aflui na represa de Sobradinho.
_________________________________________
Canoa de
Tolda" - 29/03/2021
Prezadas e
prezados,
Na última semana o
setor elétrico, através do ONS - Operador Nacional do Sistema, através de
demanda à ANA - Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, solicitou que as
vazões no Baixo São Francisco (trecho final do rio São Francisco entre a UHE
Xingó, nos estados de Alagoas e Sergipe e a foz no oceano Atlântico) nos atuais
e ínfimos 800 m³/s (oitocentos metros cúbicos por segundo) de vazão média (o
que significa, na realidade, oscilações com valores ainda menores), sejam
mantidas no mesmo patamar nos próximos meses.
A solicitação do
ONS contraria as regras impostas desde o início de 2021 pela danosa Resolução ANA
2081/2017 segundo a qual, para o período úmido e estando o
reservatório de Sobradinho acima de 60% de seu volume, a vazão mínima no Baixo
São Francisco deve ser de 1.100 m³/s.
Na tarde de hoje
ocorrerá nova rodada de conversações na Sala de Monitoramento São Francisco
(reunião virtual que pode ser acessada em 2a. Reunião de
Acompanhamento da Sala de Acompanhamento do Sistema Hídrico São Francisco )
onde o ONS tentará justificar o que chama de flexibilização da
Resolução ANA 2081/2017.
Temos a criação de
um momento crítico, pois consolida o domínio completo, regulado, legalizado, da
posse das águas do São Francisco pelo setor elétrico. É um sistema que se
aplica aos demais rios brasileiros barrados nos quais temos Usinas Hidro
Elétricas, sejam públicas ou privadas.
Desta forma, foi
encaminhado à ANA - Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, nosso
ofício CT036/2021, chamando a agência para uma mudança nos rumos da
gestão das águas no Brasil. Trata-se de uma derradeira oportunidade para o rio
São Francisco e demais rios brasileiros.
Convidamos a todas
e todos que conheçam um pouco da não veiculada realidade sobre a bacia
hidrográfica do Velho Chico e que escolham a via da defesa de nosso patrimônio
natural. Sem ele, não há futuro.
Agradecemos suas
atenções,
Carlos Eduardo
Ribeiro Jr.
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