sexta-feira, 30 de abril de 2021

                                                                                 

Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Caatinga: O ainda desconhecido Semiárido brasileiro

"É a partir de seus limites e não de suas potencialidades e possibilidades que o Semiárido é apresentado, sempre carente de políticas para o seu “desenvolvimento”. O número dos que lá habitam desmentem a ideia de uma região sem vida, pois são mais de 22 milhões de habitantes", escreve Flávio José Rocha da Silva, doutor em Ciências Sociais, pela PUC-SP, em artigo publicado por EcoDebate, 30-08-2019.

http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/592171-o-ainda-desconhecido-semiarido-brasileiro

IHU

31/08/2019

Eis o artigo


Para uma parte da população do Brasil, o Nordeste e o Semiárido são sinônimos. Muitos brasileiros não sabem que não há sequer um quilômetro de terra semiárida no estado nordestino do Maranhão ou que há mais pessoas habitando o Semiárido mineiro do que no seu similar no estado do Piauí. Minas Gerais tem quase três vezes o número de pessoas habitando a sua região semiárida do que o Semiárido sergipano. Outros desconhecem que parte daquela região está localizada no litoral do Ceará e do Rio Grande do Norte, ladeando praias paradisíacas, além de ter sido palco de um importante período econômico para o país devido à produção e exportação de algodão para a Europa durante a Revolução Industrial. Para muitos, é como se do Semiárido não pudesse surgir algo que não sejam galhos secos, cactos e seres magros com os rostos queimados do sol a vagar pelo país suplicando por comida e emprego ou sempre prontos a receber ajuda governamental, por menor que seja. São imagens petrificadas e resistentes a encontrar respostas que a contradigam, pois estão por demais fixadas no imaginário brasileiro.

A chegada dos não nativos ao Semiárido nordestino aconteceu antes de outras regiões do interior do país e seguiu o curso dos rios (principalmente o Rio São Francisco) e dos vales. Foram vários os fatores que contribuíram para que esta nova população fixasse morada no sertão. A doação e premiação, por parte da Coroa Portuguesa, de terras do sertão como agradecimento pelos serviços prestados àquele reino é um deles. A entrada do rebanho bovino, primeiro para o agreste, já que o gado não encontrava espaço no litoral em vista da tomada daquele espaço pelos canaviais, e depois para o Semiárido, através das margens do Rio São Francisco, foi sem dúvida a maior das causas a contribuir para a fixação de não indígenas naquela parte do Brasil. O gado solto na zona canavieira não era aceito, pois danificava as plantações de cana-de-açúcar. Além disso, era parte da dieta e meio de transporte de cargas nos engenhos e nas áreas de mineração.

Com o aumento da população vinda do litoral, outros rios da região visitados pelos vaqueiros que viajavam com os rebanhos em busca de água, assim como também as serras que forneciam alimento para o gado nos meses secos do ano, começaram a ser tomados. Foram estes vaqueiros que difundiram as novas formas de agricultura na região, trazidas com os portugueses, até certo ponto inadequadas para aquela geografia, pois não a conheciam em profundidade como os nativos. As novas culturas por eles trazidas (milho, feijão, etc.) são totalmente dependentes do regime de chuvas, o que mantém a população em constante alerta sobre a precipitação pluviométrica anualmente. Em anos de estiagem prolongada, o fracasso da colheita é dado como certo.

O Semiárido foi sendo tomado aos poucos, envolto por um processo de luta pela terra e pela água entre nativos e invasores. Um processo que culminou em muitas batalhas de resistência por parte dos povos indígenas, tendo como consequência a dizimação de milhares de nativos depois de décadas de luta, sendo, provavelmente, a mais famosa delas a Guerra dos Bárbaros.[1] Uma das razões era que estes não colaboravam com a cultura da acumulação de riquezas trazida com os europeus. A luta pela posse da terra e da água sempre esteve presente na história do Semiárido.

Um outro motivo para o aumento da população no sertão foi a ampliação do cultivo do algodão, chamado no passado de ouro branco. Esta planta já era plantada no Semiárido, pois lá encontrara um clima propício ao seu cultivo. Mas foi o mercado internacional, motivado pela guerra civil estadunidense que impedia a produção deste produto no Sul daquele país, o grande incentivo que faltava para o aumento e a fixação de muitos moradores a partir do século XIX no sertão.

Monoculturas como a do caroá[2] e do agave, por exemplo, foram importantes para a economia sertaneja em alguns períodos do século XX, mas não com a mesma dimensão que a bovinocultura e a cotonicultura tiveram no passado. O caroá chegou a provocar o êxodo do litoral para o Semiárido daqueles que procuravam por trabalho assalariado. Não chegou a ser foco de pesquisas desenvolvidas para aprofundar o seu melhoramento e sofreu com o impacto da chegada do nylon estadunidense no mercado brasileiro (RIBEIRO, 2007). A maniçoba[3] é outra planta que teve alguma importância para os sertanejos. Havia também alguns engenhos de açúcar nas serras e nas terras úmidas dos vales localizados no Semiárido, mas nunca chegaram a ter a importância dos seus similares no litoral.

A distância das grandes cidades causada pela falta de estradas e o consequente isolamento em relação ao litoral,[4] onde se encontram as capitais, culminaria com o nascimento de uma “cultura sertaneja”. A distância dos centros urbanos criou uma economia praticamente autossustentável com cultivares que eram muitas vezes proibidos na região canavieira, onde a prioridade era a produção do açúcar. Os vaqueiros e as suas famílias, por necessidade, tornaram-se também agricultores e plantavam culturas para o próprio consumo. Uma realidade que somente começaria a ser mudada na segunda metade do século XIX com a chegada da estrada de ferro para o escoamento da produção agrícola.

A partir da segunda metade do século XIX sugiram as primeiras propostas de transferência da população sertaneja para a Amazônia para trabalhar na extração da borracha. O número de sertanejos que lá pereceram por causa das epidemias, da fome e devido à não adaptação ao clima amazônico nunca será conhecido. Não se sabe ao certo quantas pessoas morreram nas viagens feitas nos barcos a vapor entre o litoral nordestino e a Amazônia. Muitos dos que viajavam adoeciam durante o trajeto e eram abandonados próximos aos portos para que não contaminassem os outros viajantes. Há, neste fato, certa semelhança com os navios que trouxeram os africanos escravizados para os canaviais brasileiros quando os portugueses jogavam ao mar os africanos que estivessem doentes.

Na primeira metade do século XX, a ideia de relocar a população do Semiárido foi transformada em política de Estado. As propostas ganharam corpo e por décadas o governo federal incentivou a ida dos sertanejos para a região da Amazônia ou para assentamentos em regiões com pouca densidade populacional dentro da própria região nordestina, como em áreas do Maranhão. É como se aquelas pessoas fossem peças facilmente removíveis para centenas de quilômetros de distância dos lugares onde estavam por gerações e como se tal ato não desencadeasse problema algum.

É a partir de seus limites e não de suas potencialidades e possibilidades que o Semiárido é apresentado, sempre carente de políticas para o seu “desenvolvimento”. O número dos que lá habitam desmentem a ideia de uma região sem vida, pois são mais de 22 milhões de habitantes. Alguns dos estados nordestinos chegam a ter mais de 50% de sua população total vivendo no sertão, embora esta porcentagem venha diminuindo nos últimos anos por razões diversas.

A caatinga é o bioma que ocupa a maior área territorial do semiárido. Sua vegetação predominante é também chamada caatinga, termo originário da língua tupi-guarani que significa mata branca[5] ou mata rala. Esta vegetação é típica do sertão brasileiro e não é encontrada em nenhuma outra parte do planeta com as mesmas características. No entanto, a imagem que foi propagada da caatinga é a de uma vegetação pobre em biodiversidade e dominada por arbustos com galhos secos, o que está bem longe da verdade. Embora estudos recentes comecem a desfazer certos mitos sobre aquele bioma, ainda há muito o que se revelar sobre o mesmo, já que foi de pouca atração para os estudiosos por décadas.[6]

O que diferencia o Semiárido brasileiro de seus similares no planeta é que a maioria das regiões semiáridas em outras partes do mundo possuem uma precipitação pluviométrica média anual de 80 a 250 mm e no sertão nordestino esta média é de 300 a 800 mm/ano, com a característica de que acontecem entre um período de três a cinco meses durante o ano, podendo variar de região para região geográfica mesmo dentro do chamado “Polígono das Secas”. Esta variação e imprevisibilidade podem, inclusive, causar enchentes em anos mais chuvosos. Seu subsolo é 70% cristalino, o que faz com que grande parte da água não seja armazenada e escoe pela superfície (REBOUÇAS, 1997). Com relação a água que é depositada em reservatórios naturais ou artificiais como os açudes, há que se levar em conta o grande índice de evapotranspiração decorrente das mais de 3.000 horas de sol a cada ano.

As políticas governamentais para o Semiárido sempre foram pensadas, na sua grande maioria, para os grandes proprietários da região. Sempre prevaleceu a ideia de “combate” ao clima e uma negação do modo de viver do sertanejo. A autonomia e o conhecimento dos habitantes do Semiárido sempre foram negados nos momentos de decisão sobre como lidar com aquela região. Isto pode ser facilmente comprovado com os megaprojetos vendidos como a melhor oferta de “desenvolvimento” para o sertão ao longo do último século.

Embora a distribuição e o acesso à água de qualidade seja o tópico central quando o assunto é o Semiárido, e esta distribuição seja imprescindível para mudar o quadro atual – como atesta o trabalho realizado por grupos com a construção de cisternas de placa e o seu impacto positivo na melhoria da saúde dos sertanejos –, ela por si só não resolverá problemas como a concentração de renda. A ajuda governamental com sua visão tecnocrática e negadora dos conhecimentos locais nunca buscou resolver as raízes das desigualdades sociais do Semiárido e sempre culpou o clima pela sua existência.

Para muitos estudiosos, o grande problema daquela região já não é a quantidade de recursos hídricos, presente nos milhares de açudes e barragens construídos no último século, mas sim a qualidade do solo, vítima de séculos de uso inadequado pela pecuária, pelo cultivo de monoculturas, por projetos de irrigação mal gerenciados, entre outros. Sem confrontar estas questões, e elas não têm sido combatidas nos últimos governos, dificilmente o Semiárido poderá trazer à luz todos os seus potenciais socioeconômicos e continuará a manter a imagem de região problema do Brasil.

Referências bibliográficas:

BRANCO, Samuel Murgel. Caatinga: a paisagem e o homem sertanejo. São Paulo. Moderna. 2003.

COSTA, José Jonas Duarte da. Sobre a transposição do rio São Francisco. In: MENEZES, Ana Célia Silva; ROCHA, Flávio. A Resistência à transposição do rio São Francisco na Paraíba: histórias em defesa da terra das águas e dos povos do Nordeste. João Pessoa: Sal da Terra. 2010. p. 35-43.

CUNHA. Euclides da. Os Sertões: campanha de Canudos. São Paulo: Nova Cultural. 1992.

DUQUE, José Guimarães. O Nordeste e as lavouras xerófilas. Mossoró: Esam. 1980.

LIRA NETO. Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão. São Paulo: Companhia das Letras. 2009.

PÁDUA, José Augusto. Um país e seis biomas: ferramenta conceitual para o desenvolvimento sustentável e a educação e ambiental. In: PÁDUA, José Augusto (Org.). Desenvolvimento, justiça e meio ambiente. Belo Horizonte: Editora UFMG: Peirópolis. 2009. p. 117-150.

RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. São Paulo: Record. 1980.

REBOUÇAS, Aldo. Água na região Nordeste. In Revista de Estudos Avançados. Vol. 11. n. 29. JanAbr. 1997. p. 127-154. 

RIBEIRO, Manoel Bomfim Dias. A potencialidade do Semi-Árido Brasileiro. Brasília: Editora Qualidade. 2007.

Notas:

[1] Para os gregos, Bárbaro era todo aquele que não fosse parte do seu povo. Esta designação continuou a ser utilizada pelos romanos durante o período que invadiu vários territórios na Europa e na Ásia e acabou sendo adotada pelos portugueses quando da revolta indígena no Semiárido contra a invasão dos europeus em suas terras. (ALBUQUERQUE JR., 2012).

[2] “O Caroá é uma bromeliácea da caatinga, de folhas e fibras um pouco mais longas do que a Macambira. No final dos anos trinta e principalmente durante os primeiros anos da década de quarenta, durante a 2ª Guerra, essa fibra alcançou um ótimo preço internacional por ser extremamente resistente. O Caroá brotava na terra sertaneja como “praga”, e o seu beneficiamento passou a ser uma necessidade da indústria de cordas e sacarias. O Caroá chegou a gerar entre 1942 e 1943 quinhentos mil empregos entre o Moxotó pernambucano e os Cariris Velhos da Paraíba.” (COSTA, 2010, p. 38). Tamanha importância tinha para a economia sertaneja que foi tema de música instrumental, em 1941, composta por Luiz Gonzaga, com o título de Arrancando Caroá. Sua importância é citada várias vezes por Euclides da Cunha em Os Sertões (1992).

[3] Segundo Lira Neto (2009, p. 290), “Da maniçoba se extraía uma espécie de látex, semelhante ao da seringueira, utilizado para a produção da borracha natural. O produto constava da pauta de exportações do Brasil e era negociado no estrangeiro, embora em menor escala e com preço mais baixo do que o da Amazônia, com o nome de ceara rubber.”

[4] Este distanciamento seria quebrado com a chegada das locomotivas movidas a vapor, que foram responsáveis por um grande desmatamento da caatinga (DUQUE, 1982). No entanto, foram elas também que salvaram muitas vidas nos períodos de grande estiagem através do transporte de alimentos para a população sertaneja e da locomoção para os que deixavam o sertão.

[5] “Estudiosos da língua indígena afirmam que, na verdade, caa, não se refere, nesse caso, ao mato propriamente dito, mas, sim, à composição de morros e vegetação. Isso porque, tornando-se rala e despida de folhas na época da seca, a vegetação que cobre os morros forma uma paisagem clara e desértica. Finalmente, outros atribuem origem diferente ao termo. Alegam que ele surgiu da combinação abreviada de caa (mato) e tininha (seco), isto é, “mato seco”. (BRANCO, 2003, p. 9). O fato de que os europeus encontraram uma vegetação nomeada pelos indígenas, demonstra que estes “[…] já realizavam exercícios de classificação e diferenciação de grandes áreas florísticas, facilitando a apropriação e o uso dos recursos da natureza local.” (PÁDUA, 2009, p. 119).

[6] A riqueza das plantas da caatinga foi reconhecida como Reserva da Biosfera, em 2001, pela UNESCO.

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 Sobre o assunto

Caatinga - o semiárido brasileiro

http://www.suassuna.net.br/2021/04/conselhonacional-da-reserva-da-biosfera_29.html

Postado há 2 hours ago por João Suassuna

quinta-feira, 29 de abril de 2021

 Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Caatinga: Caatinga - o semiárido brasileiro

O principal bioma do sertão nordestino, a caatinga, possui características incomparáveis e é o único que é encontrado exclusivamente no Brasil. Ainda assim, o espaço já perdeu quase metade da sua biodiversidade por conta do desmatamento acelerado.

https://blog.biologiatotal.com.br/caatinga-o-semiarido-brasileiro/

Bruna Gomes de Barros

02/07/2019

Localizada na área mais a leste da América do Sul, a Caatinga ocupa quase
11% do território nacional. Sempre associada à região Nordeste, ela é o único Bioma 100% brasileiro e nunca falta nas provas de vestibular. Porém, devido à sua destruição estamos cada dia mais perto de perdê-la para sempre.

Quem vive na Caatinga?

Habitada há milhares de anos por grupos indígenas, o nome “caatinga” tem origem tupi e significa “mata branca”. Esse nome é uma referência direta ao tronco esbranquiçado das plantas caducifólias, como são chamadas as que perdem suas folhas durante o período de seca.

Atualmente, vivem mais de 27 milhões de pessoas dentro da Caatinga, sendo a região semiárida mais povoada em todo planeta. Chamados popularmente de sertanejos, os habitantes locais são personagens de grandes obras literárias brasileiras, como por exemplo “O Grande Sertão Veredas”, de José Guimarães Rosa.

Retratando a paisagem local, Guimarães Rosa traz em seu livro elementos importantes do Bioma, como a alta luminosidade solar, o relevo plano e o solo raso e pedregoso. Mesmo que todas essas características representem a Caatinga, ela é muito mais do que isso. Ela é o semiárido mais biodiverso do mundo!

O semiárido brasileiro

Embora situada próxima ao Oceano Atlântico, e entre a Mata Atlântica e o Cerrado, a Caatinga tem como principal característica o clima semiárido. Mantendo uma temperatura média de 25 °C, essa região apresenta o menor índice pluviométrico do Brasil, variando em média entre 500 a 700 mm anuais.

Contudo, é importante ressaltar que as chuvas não são constantes nesse Bioma, sendo concentradas entre os meses de dezembro a abril. No restante do ano, entre maio a novembro, ocorre um período de estiagem conhecido popularmente como período de seca.

A existência desse clima semiárido é decorrente do relevo que impede a chegada das massas de ar úmidas para dentro do continente. Cercado de planaltos e chapadas, o interior do Bioma é uma grande depressão, conhecida como Depressão Sertaneja. Dessa maneira, toda chuva acaba sendo barrada nas áreas mais altas, não conseguindo atingir a região central da Caatinga.

Esses e outros aspectos sobre a Caatinga, você descobrirá ao baixar nosso eBook sobre este assunto! Ele possui 10 questões, relacionadas ao Bioma, que já apareceram nos vestibulares mais concorridos do Brasil. Confira abaixo:

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 A vida da Caatinga

As características hídricas são fatores fundamentais para toda a biodiversidade da região. Quando falamos das plantas, são 3.000 espécies diferentes, sendo que quase 25% exclusivas do Bioma. Mesmo não sendo regra, geralmente elas apresentam o aspecto xeromórfico.

Em outras palavras, plantas xenomórficas são aquelas adaptadas aos climas secos. Essas normalmente conseguem armazenar água nas raízes, como o juazeiro, ou ainda acham formas de diminuir a perda de água, como por exemplo, a transformação de folhas em espinhos nos cactos.

Já quando falamos da biodiversidade animal, são mais de 1.000 espécies de vertebrados, sendo encontrados surpreendentemente mais de 250 espécies peixes e 50 de anfíbios! Ambos os grupos são extremamente adaptados ao ambiente seco, tendo sua reprodução associada diretamente à chegada das chuvas.

Porém, o maior destaque é das aves, com 510 espécies diferentes. Durante os meses mais secos, essas aves acabam migrando para as regiões mais úmidas em busca de alimento. Contudo, com a volta das chuvas, elas dominam a paisagem e são importantes dispersoras de sementes.

Outro grupo inegavelmente fundamental na dispersão das sementes são os mamíferos. Conhecidas 143 espécies desse grupo, destacam-se o tatu-bola, o papa-mel, o veado-catingueiro e o mocó, um roedor exclusivo da Caatinga.

O sumiço do Bioma

Sofrendo desmatamentos intensos desde o século XVI, a Caatinga mantém menos de 53% da sua cobertura original. O problema ainda é agravado pela realidade social da região. Além de muito povoada, grande parte da sua população constitui as camadas mais pobres do Brasil, gerando sérios problemas de desigualdade social.

Outro impacto importante é o das mudanças climáticas. Com o aumento das temperaturas médias e dos dias secos, as chuvas vêm se tornando cada vez mais escassas. Eventualmente, grande parte da biodiversidade irá desaparecer, restando apenas um ambiente desértico dominado por cactáceas.

Atualmente, apenas 7,5% do território da Caatinga está protegido na forma de Unidades de Conservação. No entanto, investimentos estão sendo realizados com a finalidade de melhorar a proteção do Bioma. Nos últimos anos, projetos em educação ambiental vêm reduzindo a destruição da região e mudando lentamente a realidade local.

Gostou de saber um pouco mais sobre a Caatinga? Então agora, confira o 5º episódio da nossa Websérie Biomas do Brasil, e detone no conteúdo:

https://youtu.be/JooQi_iT9cc

Sobre o assunto

A Caatinga um verdadeiro caleidoscópio de oportunidades

https://jornaldosertaope.com.br/2021/04/28/a-caatinga-um-verdadeiro-caleidoscopio-de-oportunidades/

Postado há 3 hours ago por João Suassuna

segunda-feira, 26 de abril de 2021

 

TECNOLOGIAS DE CONVIVÊNCIA COM AS SECAS: SEMIÁRIDO ABRIGA QUASE METADE DAS PESSOAS QUE PASSAM FOME NO NORDESTE

 

 Estimativa cruza dados da Vigisan com os do Ministério da Integração Nacional com base no Censo do IBGE (2010) e prevê que, no mínimo 3 milhões e 674 mil pessoas passem fome na região.

https://www.asabrasil.org.br/noticias?artigo_id=11149

ASA Brasil

23/04/2021

Sem renda, famílias do Semiárido se desesperam em busca de alimentos - Foto: João Zinclar

Depois dos óbitos, a fome é outra evidência cruel da forma como a pandemia da Covid-19 vem atingindo o Brasil. No Semiárido, esta é a expressão mais dura da pandemia nas vidas de, no mínimo, cerca de 3 milhões e 674 mil pessoas que se encontram em situação de insegurança alimentar grave. Ou seja: no Semiárido estão, no mínimo, quase metade das 7,7 milhões de pessoas em situação de fome no Nordeste, segundo o Inquérito Nacional Sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgados no início deste mês. 

Na avaliação da Médica Epidemiologista, Professora  Aposentada do Departamento de Saúde Coletiva-FCM-UNICAMP, Pesquisadora associada/Fiocruz Brasília e da Rede Penssan, Ana Maria Segall-Corrêa, “provavelmente estes dados podem ser bem maiores, caso fosse aplicada uma pesquisa especificamente na região semiárida, que possui indicadores sociais específicos e historicamente bem preocupantes”. 

A estimativa dos mais de 3 milhões de pessoas com fome na região semiárida resulta da aplicação do percentual de 13,08% - que corresponde ao índice  de pessoas nesta situação no Nordeste - ao total de habitantes do Semiárido, que é de 26.620.000, segundo dados do Ministério da Integração Nacional com base no Censo do IBGE 2010, divulgados no artigo “É no Semiárido que a vida pulsa”, publicado no portal da Fundação Nacional Joaquim Nabuco (Fundaj), no dia 17 de julho de 2018. 

Na pesquisa da Rede Penssan, outros dados chamam atenção, pois traduzem questões históricas e sensíveis ao Semiárido. Na relação acesso à água e insegurança alimentar, a pesquisa constata que o número de pessoas em situação de fome praticamente dobrou nas casas onde há insegurança hídrica. Os números saíram de 21,8% para 44,2%. Do universo de pessoas em situação de fome, 12% dos domicílios são rurais, formados por famílias agricultoras, quilombolas, indígenas ou ribeirinhas.  

Os lares chefiados por mulheres que possuem pessoas passando fome correspondem a 11,1% .Já os lares na mesma situação chefiados por homens chegam a 7,7%. Além de localização geográfica e gênero, a fome também tem raça. O mal está presente em 10,7% das casas habitadas por pessoas pretas ou pardas e em 7,5% dos lares onde moram pessoas brancas. 

Fome, falta de água e retrocesso - O aumento da fome atrelado à insegurança hídrica é uma prova de retrocesso. Bem antes da pandemia, em 1999, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), no início das suas atividades, estimou que ao menos 1 milhão de famílias necessitam de água de beber para ter a condição mínima de conviver com o Semiárido. Na época, a rede também identificou que a falta de água e, consequentemente, de comida eram a principal causa das  mortes de famílias rurais em regiões remotas do Semiárido. 

A primeira grande política pública direcionada ao combate deste problema, junto às famílias de regiões remotas do Semiárido e em situação de extrema vulnerabilidade,  foi o Programa Um Milhão de Cisternas Rurais para o Semiárido (P1MC), que este ano celebra 21 anos, tendo erguido no Semiárido  1 milhão e 200 mil cisternas de 16 mil litros, beneficiando aproximadamente  seis milhões de pessoas. Este dado refere-se a todas as  tecnologias implementadas, independente dos projetos realizados pela ASA Brasil.  

O Impacto do P1MC em outros números - No âmbito apenas dos projetos executados pela Associação Programa Um Milhão de Cisternas Rurais (AP1MC) - organização que faz a gestão física e financeira dos projetos da ASA - desde 2000, foram implementadas cerca de 629 mil tecnologias, beneficiando diretamente uma média de 629 mil famílias, o equivalente a quase 3,2 milhões de pessoas, multiplicando o número por cinco, que é a média de pessoas que uma família possui, segundo o IBGE.  Esta política exerce um impacto de gênero, pois do total de pessoas beneficiadas, 68,7% são mulheres, enquanto 31,3% são do sexo masculino; e abrange 1.157 dos 1.262 municípios do Semiárido brasileiro.  As informações são do banco de dados da ASA Brasil e correspondem apenas às tecnologias implementadas pela Articulação com financiamento dos diversos projetos. 

A  iniciativa rompe com as tecnologias hídricas de armazenamento de água em grandes represas, muitas vezes localizadas em terras particulares, que era a lógica da Indústria da Seca, e leva água  com qualidade de consumo humano para o terreiro das casas das famílias. “O programa [P1MC] teve um resultado, que todos e todas conhecemos. Um resultado maravilhoso, que trouxe água ao pé da casa para mais de  um milhão e 200 mil famílias, ou seja, para mais de  5 milhões de pessoas! Então isso fez uma diferença. Essa diferença foi somada com a cisterna de produção ou com implementos de água para produção, que criaram oportunidades para as famílias que moravam nos espaços que nós costumamos ver como chão rachado, pudessem produzir, consumir, vender, criar espaços de vida”, comenta o membro da Coordenação Estadual da ASA Brasil, Naidison Baptista.  

Água que mata a fome - Mais tarde, em 2007, a ASA criou o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2). O programa trazia, além do acesso a tecnologias como cisterna de 52 mil litros, barragem subterrânea e tanque de pedra,  capacitações técnicas em gestão de água e produção agroecológica. Em todo o Semiárido, mais de 200 mil tecnologias foram construídas, beneficiando cerca de 535.910 pessoas, ou seja, mais de meio milhão de pessoas direta e indiretamente, considerando algumas implementações comunitárias. Neste universo, aproximadamente 68,2% são mulheres e 31,8% são homens.  Em todo Semiárido, foram beneficiados 741 municípios. Os dados correspondem apenas às tecnologias implementadas no âmbito dos projetos  executados pela ASA Brasil . 

“O acesso à água é um elemento da convivência com o Semiárido. Ao lado disso, tem o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), tem o Programa da Alimentação Escolar ( Pnae). Então tem toda uma gama de políticas, que somadas à dimensão da água, criaram condições para que as pessoas vivessem bem no Semiárido. Agora, o que é que acontece especialmente nos dois últimos anos: todas essas políticas estão paradas. Elas foram mantidas dentro do orçamento, mas dentro da rubrica, não tem dinheiro. Nós já temos no mínimo três anos que essas políticas não funcionam. Não temos uma cisterna nova de produção. Temos uma aqui ou ali por restos de projetos que se executam. O resultado disso é a fome que volta ao Brasil: 19 milhões de pessoas passando fome. Não é um número pequeno, é um número assombroso. E dessas [pessoas], boa parte estão no Norte e no Semiárido brasileiro”, explica Naidison.

É preciso cobrar dos políticos - “A ASA tem um projeto de convivência com o Semiárido e não pode abrir mão dele”, defende Naidison Baptista. Segundo ele, esta deve ser a filosofia das organizações que, há décadas, defendem, propagam, criam e realizam políticas de convivência com o Semiárido. Cumprindo esta premissa, a organização enviou, no último dia 13 de abril, uma carta aos congressistas, (hiperlink de acesso à carta) na qual cobra medidas objetivas para erradicar a fome no país. Dentre as reivindicações, pede que sejam viabilizadas as seguintes medidas: “garantir auxílio emergencial de no mínimo R$ 600 para enquanto durar a pandemia” e  a “retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)”.  

“A ASA está no coletivo que prepara a Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional, que vai ser realizada pela sociedade civil, e esse coletivo, junto com o coletivo de pesquisadores em segurança alimentar, acabou de fazer este inquérito, que tem tido ampla repercussão no país. Foi assim que a gente construiu o Programa Um Milhão de Cisternas, foi assim que nós chegamos a 1 milhão e 200 mil cisternas, chegamos a vários bancos de sementes, a  200 mil cisternas de produção de alimentos. Então, nós temos uma história, um knowhow, um processo metodológico de trabalhar essas políticas públicas. Apesar do momento difícil, o negócio é não desistir, não baixar a cabeça. (...) embora o governo queira matar, não estamos de acordo em morrer”, conclui Naidison. 

Mais água, mais alimento - A agricultora agroecológica e integrante da coordenação da Associação de Comercialização de Produtos Agroecológicos Ecoborborema, Marlene Pereira, tem muita clareza sobre o que era a sua vida antes e depois do acesso à água. Ela tem 51 anos, é mãe de dois filhos e tem dois netinhos. Ela mora no Sítio Floriano, região do Brejo paraibano desde 2012. Antes disso, a agricultora morava em uma casa que contava apenas com uma cisterna de 16 mil litros. Naquela época, plantava-se apenas mandioca, feijão e milho, as conhecidas culturas de sequeiro. A produção era usada essencialmente para o alimento da família.  

No ano de 2012, com a morte da tia, Marlene herdou uma pequena área no Sítio Floriano, que possuía, além da cisterna de 16 mil litros, uma cisterna calçadão, um poço amazonas e uma cacimba. Com mais água, Marlene ampliou e diversificou a produção de alimentos. De quatro culturas, ela passou a produzir 100 produtos diferentes. Hoje, conta ela, a plantação tem  banana, laranja, passando pelo alho poró, abacate, cenoura e abóbora.  

“Sem água, não dava nem para produzir para a nossa alimentação. Juntando essas águas e mais o conhecimento técnico agroecológico e as outras políticas, Pnae, PAA e a DAP [Declaração de Aptidão ao Pronaf] que eu tirei, a gente passou a ter mais alimento na mesa e deu pra vender também. Mesmo com a pandemia, a gente conseguiu manter a produção e as vendas. A gente vende no delivery, pelo Instagram da Feira Agroecológica de Lagoa Seca e pelo da Feira Agroecológica da UEPB em Campina Grande. Se não fosse o conhecimento agroecológico, eu não conseguiria continuar plantando mesmo na pandemia”, conta Marlene, cheia de orgulho. 

A fome aumenta, o auxílio diminui - Se por um lado a experiência da agricultora Marlene Pereira reforça o papel do acesso à água no combate à fome e a eficiência dos conhecimentos  agroecológicos, por outro lado milhares de outras mulheres, que ainda não tiveram acesso a tais políticas sentem o peso da pandemia nos pratos vazios sobre a mesa. As mulheres do Semiárido já vinham sentindo o esvaziamento das políticas de convivência com o Semiárido, voltando a sofrer com as inseguranças hídrica e alimentar. Com a pandemia, muitas delas foram impedidas de vender os seus produtos na feira devido à queda no movimento. Para completar, a jornada de trabalho  doméstico aumentou com as crianças em casa e a necessidade de proteger a vida de  familiares do grupo de risco da Covid-19, a exemplo de pessoas idosas e que convivem com algum tipo de deficiência. 

Diante disso, o auxílio emergencial se tornou a única esperança de comida e água para as mulheres do Semiárido. Nesta segunda rodada, o programa está sendo garantido por meio da PEC 186, a chamada PEC Emergencial. Os valores do benefício, que já haviam sido reduzidos de R$ 600 para R$ 300, agora, transitam entre R$ 150 e R$ 375. A redução vai na contramão do aumento da fome no Brasil. O auxílio tem sido a única renda para muitas famílias empobrecidas do Brasil, e, segundo dados do Programa “A casa é sua” da Campanha em Defesa da Renda Básica, foi usado para comprar comida por 53% das pessoas que acessaram este benefício social.  

Esta matemática tem tirado o sono da agricultora agroecológica Maria Aparecida Vieira, do município de Igaci, região Agreste de Alagoas. Os 600 reais e depois os 300 reais deu pra tapear . Mas, depois, as coisas foi aumentando. Aqui tem o botijão de gás, que é  90 reais, e se comprar para um mês, sai por 100 reais. Olhe, aqui em casa eram seis pessoas, mesmo o meu filho tirando o dele, o dinheiro acabava antes do mês. Eu acho, minha irmã, que não dá pra fazer quase nada [refere-se ao novo valor]! Você chega no supermercado, compra duas, três coisas, acaba o dinheiro. É uma situação muito difícil, viu!” desabafa a agricultora. 

Maria Aparecida vivia, até antes da pandemia, da venda dos produtos agroecológicos na Feira da Agricultura Familiar. Ao lado do marido, ela produzia batata doce, macaxeira, goiaba e pinha. Com a pandemia, o apurado que chegava a R$ 150 por feira, caiu para R$ 80, depois para R$ 30, até que ela e o marido deixaram de frequentar o espaço. “Não compensava mais ir a feira, pois a gente tava ganhando menos do que uma diária de campo, que pagando bem é de 50 reais”, complementa. Durante a primeira rodada do auxílio, viviam na casa de Aparecida, ela o marido, o filho e a esposa, e mais dois netos. 

Postado há 3 hours ago por João Suassuna



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