terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O difícil momento de Sobradinho

Lago de Sobradinho

Responsável por 70% da energia transmitida para a região Nordeste, o reservatório de Sobradinho vive seus piores dias. A prática de redução de vazões, ainda que acarrete problemas ambientais e sociais para a área de influência da barragem, continua sendo a principal estratégia adotada pelos gestores públicos. As recentes chuvas não alteraram, ainda, o cenário de escassez e nem motivaram mudanças de procedimentos por parte dos órgãos gestores. A vazão, que já foi de 1.300 metros cúbicos por segundo, atualmente está em 800 m3/s, e já se cogita uma redução mais drástica: 500 m3/s, caso a baixa no nível das águas não se reverta. Pela primeira vez, desde que começou a operar, no final da década de 1970, a utilização do volume morto é admissível em Sobradinho. A proposta foi apresentada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) em uma reunião que aconteceu no dia 7 de janeiro, em Brasília.
As fortes chuvas que caíram, na última semana de janeiro, na bacia do rio São Francisco, desde a nascente até a foz, causaram enchentes em cidades, trazendo alguns estragos, mas conseguiram abastecer rios e riachos que se encontravam secos há muito tempo. Contudo, o Lago de Sobradinho, na Bahia, principal reservatório da bacia, não conseguiu ultrapassar os 5,46% da sua capacidade. Apesar da alegria gerada nos ribeirinhos, as chuvas não alteraram os procedimentos de controle da vazão do lago.
“O nível estava muito baixo e mesmo com as chuvas, o reservatório chegou a pouco mais de 5% da sua capacidade. O que ainda é muito pouco. As previsões meteorológicas não são animadoras e nada garante que esse regime de chuva irá perdurar. Por isso, o momento é de cautela e de acompanhamento diário antes de qualquer alteração de procedimento”, explica o superintendente de Operação e Contrato de Transmissão de Energia da Companhia Hidrelétrica do São Francisco, Ruy Pinto. Essa insegurança é que justifica que a vazão de 800 m3/s continue a ser adotada, o que tem resultado em pouca água para aqueles que vivem a jusante da barragem, especialmente os pescadores artesanais.
“A coisa tá feia. A situação do rio tá grave, cada vez com menos água e menos peixes. Menos água correndo concentra mais agrotóxico, sujeira e doenças. Os peixes não resistem. É preciso salvar o rio”. Esse é o lamento de Zuleide da Silva, moradora da Ilha do Suspiro, na cidade baiana de Sobradinho. Vinda do Ceará, ela vive há 35 anos da pesca às margens do rio São Francisco, de onde, juntamente com o marido, retira o sustento para criação de quatro filhos. Seu ofício de pesca artesanal é executado logo após a barragem de Sobradinho, com mais de 1.500 outros pescadores cadastrados pela Colônia Z026 e que estão vivendo o drama da escassez de água.
“Tá chegando muito pouco. A Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) não está soltando. Tá faltando água nas torneiras quase todos os dias, daqui a pouco não vai ter água nem para beber, porque para os peixes já não tem”, reclama a pescadora, que viu se extinguirem espécies nativas do São Francisco, como o Pirá, o Surubim e o Dourado.
Os relatos de Dona Zuleide expressam a situação do maior reservatório da bacia do rio São Francisco, o Lago de Sobradinho, que chegou à pior crise da sua história, com pouco mais de 2% da capacidade de armazenamento de água. Pela primeira vez, desde que começou a operar, no final da década de 1970, admite-se a utilização do volume morto. A proposta foi apresentada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), no dia 7 de janeiro, numa reunião em Brasília. A ONS admitiu a possibilidade de utilizar a água alocada abaixo dos atuais pontos de captação da barragem, caso a capacidade hídrica do reservatório chegue a zero.
Para evitar o completo esvaziamento, a Agência Nacional de Águas (ANA) autorizou, na mesma reunião, o início dos testes de redução da água liberada (vazão) pela represa para 800 m³/s. Essa é a água que chega para as comunidades a jusante da barragem e que impacta outros sistemas, como os complexos de Paulo Afonso, na Bahia, e de Xingó, em Sergipe.
Para o diretor-geral do ONS, Hermes Chipp, caso seja realmente necessário retirar a água reservada em Sobradinho, “isso deverá ocorrer de forma que não comprometa o funcionamento do reservatório e nem a qualidade da água que abastece a população ribeirinha e os demais usuários da bacia do São Francisco”, diz. E é bom que se diga que há controvérsias entre especialistas do setor no que concerne à condição de uso dessa água. Chipp sugere um estudo preventivo, que determine os limites de uso dessa reserva, que poderá chegar a cinco bilhões de metros cúbicos. A medida de utilização do volume morto foi praticada recentemente no sistema Cantareira, na região Sudeste, durante a crise hídrica que atingiu cidades como São Paulo.
Tragédia
Para o superintendente de Operação e Contrato de Transmissão de Energia da Chesf, Ruy Pinto, a utilização do volume morto de Sobradinho seria uma tragédia que não se sustentaria por muito tempo, comprometendo todo o sistema. “A geração de energia em Sobradinho teria que ser suspensa”, prevê. Atualmente, a barragem é responsável por 70% da energia transmitida para o Nordeste. “Não há riscos de falta de energia, pois há fontes complementares, como a eólica, a térmica e o intercâmbio com sistemas de outras regiões brasileiras”, tranquiliza Pinto.
Para evitar essa situação, a redução da vazão tem sido uma prática recorrente desde 2013. Até então, a vazão praticada em Sobradinho era de 1.300 m³/s. Em abril de 2013, foi reduzida para 1.100 m³/s, diminuindo para 900 m³/s em junho de 2015 e para os atuais 800 m³/s no início deste ano. Ainda há que se considerar a possibilidade levantada pela ANA, de chegar aos 500 m³/s, como forma de evitar justamente o uso do volume morto do reservatório. “Nesses dois anos, a vazão reduzida não tem sido o ideal, mas o necessário. Mesmo sendo gestores do reservatório, também somos usuários e sofremos como qualquer outro os efeitos das restrições”, afirma Ruy Pinto. Entre os problemas apontados pelo superintendente está a suspensão das atividades de algumas máquinas, por exemplo.
A decisão de reduzir ainda mais a vazão é desaprovada por algumas entidades, como o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. “Vemos com cautela essa redução, uma vez que agravará ainda mais os problemas ambientais da bacia. Não podemos pensar apenas em reduzir as vazões. Poderia muito bem ser empregada a suspensão de outorgas a montante dos reservatórios ou até mesmo fazer a retirada de água dos afluentes estaduais do São Francisco”, defende o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda.
O equilíbrio ao dividir o peso dos impactos entre todos os usuários é a base da opinião sustentada pelo presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Lago de Sobradinho, Ivan Aquino. Para ele, todas as decisões tomadas não levam em consideração a vida dos ribeirinhos. “Antes, não sentíamos tanto o impacto dos períodos de baixa do reservatório. Atualmente, com a chegada dos megaempreendimentos às margens do lago, a situação piorou para quem vive das águas do rio, como os pescadores e a população que depende desse abastecimento”, afirma Aquino. Ele lembra que antes da construção da barragem a vazão na região era de apenas 500 m³/s. “Com as cheias, esse volume subia, depois baixava e todos sobreviviam. Depois da barragem, o rio perdeu força, prejudicou a diversidade da fauna, com a extinção de diversas espécies, e não houve compensação por meio de responsabilidade social”, critica.
O presidente do CBH do Lago de Sobradinho alerta para a urgência da necessidade de revitalização, com tratamento do assoreamento e recuperação das matas ciliares. “Hoje, o rio tem mais largura e menos profundidade”, analisa. Enquanto essas medidas não são adotadas, a população lamenta a diminuição do pescado e torce para que não falte água nas torneiras. “É preciso entender que energia pode ser gerada de outras formas, mas que água para beber é essencial e não há outro jeito de obtê-la senão cuidando dos rios”, adverte a pescadora Zuleide da Silva.
Volume morto – a quantidade de água armazenada abaixo do ponto de captação do Reservatório de Sobradinho, também chamada de volume morto, é calculada em torno de cinco bilhões de metros cúbicos. Para especialistas, essa quantidade de água se esgotaria muito depressa, caso viesse a ser utilizada no abastecimento humano e na dessedentação animal (usos prioritários).
“Na hipótese de utilização do volume morto com a vazão atual, de 800 m³/s, e sem entrar nenhuma água no reservatório, três meses seriam o suficiente para esgotar toda a água. Mas isso é mera ficção, pois sempre há afluência, por menor que seja. No pior momento que já enfrentamos, a entrada de água chegou a 250 m³/s”, explica o superintendente de Operação e Contrato de Transmissão de Energia da Chesf, Ruy Pinto. “O ideal é que não precisemos utilizar esse volume”, alerta.
Assoreamento – para explicar como o assoreamento compromete a capacidade do reservatório de Sobradinho, Ivan Aquino, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Lago de Sobradinho, utiliza o exemplo de um copo com capacidade de 200 ml. “Caso esse copo esteja com areia, ele continuará do mesmo tamanho, mas a capacidade de armazenar água será menor que 200 ml. Assim está o lago, com muitos aterros e cada vez menos água”, destaca.

VAZÕES DE SOBRADINHO
Aprovado no Plano de Bacia = 1.300 m³/s
Abril de 2013 = 1.100 m³/s
Junho de 2015 = 900 m³/s
Janeiro de 2016 = 800 m³/s
Em 15 de janeiro, a ANA autorizou estudos visando à redução para 500 m³/s
*Esta matéria foi veiculada no Jornal Notícias do São Francisco nº 39. Para ler o jornal completo, acesse.

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