Cidadania
constrangida
Heitor
Scalambrini Costa
Professor
da Universidade Federal de Pernambuco
Já
há algum tempo tenho feito críticas sobre a arrogância, a omissão, a
negligência, a completa ausência de compromisso social e a falta de
transparência da Celpe (Companhia Energética de Pernambuco).
A
operação desastrosa de privatização dessa empresa trouxe enormes prejuízos à
população pernambucana. Quer do ponto de vista financeiro, pelas tarifas
exorbitantes que são cobradas, quer pelo tratamento de desprezo, ou pelo
desrespeito que é dispensado ao consumidor, enfim ao cidadão, que, além do
dever de pagar a conta mensal (ai de quem não pagar!!!), têm seus direitos
sonegados, principalmente pela péssima qualidade dos serviços oferecidos.
Não
sou o único a criticar esse grupo econômico que desembarcou em Pernambuco (e em
outros estados), e que tanto infortúnio tem trazido. O descontentamento é
geral. Basta acompanhar os editoriais dos principais jornais, dos articulistas,
dos “blogs”, das redes sociais, das cartas dos leitores nos jornais dos
depoimentos nas rádios da população desesperada, que não tem mais a quem
recorrer.
Apesar
de todos os transtornos causados pelas recorrentes interrupções no fornecimento
de energia elétrica, a falta de transparência da Celpe nos esclarecimentos é
notória. Quando se justifica é por meio de notas oficiais protocolares,
enviadas aos meios de comunicação, afirmando que foi um galho de árvore que
rompeu a fiação, responsabilizando uma ligação irregular, etc, etc. Por outro
lado, contrapondo as críticas, a companhia anuncia todo ano investimentos
milionários em obras de ampliação da rede, construções de subestações,
manutenção e modernização do sistema elétrico. Só que esses investimentos não
são percebidos. Assim, o cidadão/consumidor é duplamente penalizado: paga
mensalmente uma alta conta de energia e vê a alta da inflação corroer seu poder
de compra, pois o comercio e a indústria repassam os custos da energia nos
serviços prestados e produtos confeccionados.
É
evidente que o serviço fornecido pela Celpe tem se deteriorado rapidamente nos
últimos anos. Essa situação é vivenciada na necessidade de energia elétrica
para o bem estar das pessoas, o uso no comercio e na produção. Os dados sobre a
qualidade de energia distribuída, mostrados na conta mensal via indicadores de
desempenho, despencaram nos últimos anos. A evidência da má qualidade não influencia
os reajustes estratosféricos da tarifa. O máximo que ocorre são multas
irrisórias aplicadas à Companhia que, com o corpo de advogados de que dispõe,
dificilmente são pagas.
Outra
situação absurda é a rotina de tragédias causadas pela fiação elétrica. Somente
neste ano foram oito óbitos. Recentemente, houve o indiciamento criminal da
Celpe e da Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) pela morte
de um cidadão, eletrocutado por um fio solto. Pernambuco hoje detém o triste
recorde de possuir os maiores índices nacionais de óbitos por choques
elétricos. Obviamente, não se pode culpabilizar a empresa por todos esses
acidentes.
E
a pergunta que não quer calar é como o poder público se comporta diante desse
constrangimento da cidadania? Bem, no nível municipal, a Câmara de Vereadores
do Recife promoveu audiências públicas para discutir a baixa prestação de
serviços pela Celpe sem que consequências concretas ocorressem. No final de
2013, Projeto de Lei obrigando o embutimento da fiação (medida que melhoraria
muito a atual situação de fornecimento e de segurança) foi sancionado pelo
chefe do executivo. Infelizmente, vetou o artigo que definia o prazo para o
enterramento da fiação. Hoje não existe prazo para acontecer.
Do
ponto de vista Estadual, a Agência Reguladora de Serviços Públicos (Arpe),
vinculada diretamente ao gabinete do governador, não cumpre seu papel
fiscalizador. A ela caberei fiscalizar as ações e a qualidade dos serviços
elétricos oferecidos à população. Mas, talvez pelo fato da Celpe ser o maior
contribuinte do ICMS do Estado, não existe interesse em fazer valer o que lhe
cabe institucionalmente.
Ao
nível Federal, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) delegou, por meio
de convenio com a Arpe, o papel de fiscalização. Todavia, as atribuições dessa
Agência Reguladora são inquestionáveis, e omite ao não cobrar da Arpe uma
efetiva fiscalização, e punir a distribuidora. É conivente.
Enfim,
a situação do cidadão frente ao descaso nos leva a duvidar se vivemos em um
Estado de Direito pleno. Cabe a indagação: a quem interessa esta aliança com
uma Companhia privada e a omissão do setor público?
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