ÁGUAS DO NORDESTE: O
DESCASO DAS OBRAS PÚBLICAS, ARTIGO DE JOÃO SUASSUNA.
Saga da Transposição do Rio São Francisco - Artigo 47 - 11/04/2005
Colunista
O Brasil é um país por demais pródigo
na realização de algumas de suas obras públicas. Os “elefantes brancos”, assim chamados
devido à falta de planejamento na sua condução, vêm-se acumulando em todo
território nacional, clamando por iniciativas de conclusão.
Já é sabido pelo povo brasileiro que o
Brasil é um país por demais pródigo na realização de algumas de suas obras
públicas. Os ¿elefantes brancos¿, assim chamados devido à falta de planejamento
na sua condução, vêm-se acumulando em todo território nacional, clamando por
iniciativas de conclusão, por representarem, além de enormes prejuízos ao
erário público, desrespeito ao cidadão brasileiro, especialmente o nordestino,
que necessita de obras estruturadoras na região para promoção do seu desenvolvimento.
Recentemente, maus exemplos como esses
vieram a público, desta feita nas regiões semi-áridas da Paraíba e
do Ceará, como bem o atesta a matéria editada no Diário de Pernambuco do
dia 26 de novembro de 2004, intitulada "Interesse Político no Combate à Seca", e em notícias
veiculadas na internet
sobre o abastecimento de Fortaleza (CE) através do Canal do Trabalhador.
A notícia do Diário demonstra a importância de se fazer bom uso das águas existentes na Paraíba, aduzindo-as da represa de Coremas para a irrigação do município de Souza, através do projeto denominado ¿Várzea de Souza¿, e revela, ao mesmo tempo, o descaso havido nesse mesmo projeto com o uso do dinheiro público, numa obra marcada por disputas pelo poder político local, decorrentes da rivalidade existente entre o ex-governador da Paraíba, José Maranhão e o Senador Ronaldo Cunha Lima pai do atual governador.
A notícia do Diário demonstra a importância de se fazer bom uso das águas existentes na Paraíba, aduzindo-as da represa de Coremas para a irrigação do município de Souza, através do projeto denominado ¿Várzea de Souza¿, e revela, ao mesmo tempo, o descaso havido nesse mesmo projeto com o uso do dinheiro público, numa obra marcada por disputas pelo poder político local, decorrentes da rivalidade existente entre o ex-governador da Paraíba, José Maranhão e o Senador Ronaldo Cunha Lima pai do atual governador.
A iniciativa da realização desse
projeto partiu do ex-governador José Maranhão, que o considerava a
menina-dos-olhos do seu governo, por entender a
importância de serem utilizadas prioritariamente as fontes hídricas já
disponíveis no Estado, através de uma política coerente de uso de suas águas
interiores. Maranhão investiu cerca de R$ 105 milhões no projeto ¿Várzea de
Souza¿, metade dos quais na construção de 37 quilômetros de um canal (Canal da
Redenção), objetivando a adução de parte das águas daquela represa até o
município de Souza, para a irrigação de cerca de 5 mil hectares. Além do mais,
com vistas a auxiliar na infraestrutura do projeto, foram investidos mais R$ 55
milhões na construção
de barragens auxiliares e na aquisição de bombas e tubos. Com essas ações, o
governo de José Maranhão deixou pronta a irrigação de 1.320 hectares em uma
primeira fase, faltando apenas a continuidade dos investimentos e a necessária
vontade política por parte do seu sucessor no governo, para a conclusão das
obras.
Lamentavelmente, passados cerca de dois
anos, o atual governador da Paraíba não deu a menor prioridade às ações do
projeto ¿Várzea de Souza¿, o que resultou, segundo a matéria do
jornal, na não realização da licitação dos lotes a serem
irrigados, em avarias no canal construído e em vandalismos na rede de alta tensãodo projeto. Por
enquanto, a água que é conduzida no canal serve apenas para abastecer o pequeno
povoado de Aparecida e para algumas poucas captações, muitas delas irregulares.
Em suma, hoje o projeto encontra-se entregue à dura sorte.
O outro projeto citado é o Canal do
Trabalhador, obra construída às pressas pelo então governador do Ceará, Ciro
Gomes, no início da década de 90, para a solução dos graves problemas de
abastecimento da população metropolitana de Fortaleza. Com 110 km de extensão e
capacidade para transportar 5 m³/s de água, equivalentes a 70% do consumo da
população de Fortaleza, o canal encontra-se atualmente praticamente inoperante
e sem cumprir os objetivos para os quais foi construído: o de irrigar 40 mil ha
em suas margens e o de auxiliar no abastecimento da Grande Fortaleza.
Segundo as informações na internet o
projeto teve vida curta, pois só operou durante sete meses evitando o colapso
no abastecimento da capital
cearense. Com as fortes chuvas ocorridas em 2004, os açudes cearenses voltaram
a encher e o canal passou a não ter mais a importância demonstrada na época de
sua construção. Hoje a manutenção do canal se restringe à água bombeada do
açude de Pacajús e despejada por um tubo plástico no seu leito, para uso na
irrigação de uma fazenda particular e a uma área da Embrapa, evitando-se assim
que venha a secar e sofrer danos estruturais com as altas temperaturas existentes no
local.
Essa subutilização do canal decorreu
dos bons resultados alcançados pelo
programa de interligação de bacias existente no estado, trabalho esse que
deveria ser seguido pelos demais Estados da região semiárida. A ideia, no
Ceará, é a de solucionar possíveis desabastecimentos que venham a ocorrer no
Estado, através do seu pronto suprimento com águas oriundas de outras bacias da
região, as quais estejam em condições de fornecimento.
A situação dos projetos acima referidos é a cara do nosso país. Diante
dessas constatações de falta de planejamento e da existência de ¿pendengas
políticas¿, preocupa-nos o fato de não terem prosperado projetos que
objetivavam o uso coerente das águas existentes em Estados considerados
receptores das águas do projeto de transposição do rio São Francisco. A falta
de uma política adequada de gerenciamento hídrico, aliada à falta de vontade
política, certamente prejudicou o andamento das ações desses projetos nas
referidas regiões.
Essas questões nos fazem refletir sobre a possibilidade
desses problemas voltarem a ocorrer, desta feita com o uso das águas do Velho
Chico. Quem irá garantir ao povo
brasileiro que um canal que leve água do rio São Francisco
para o semiárido nordestino não irá ter a mesma sorte (ou azar) dos canais da
Paraíba e do Ceará? Embates políticos e falta de um adequado planejamento e
gerenciamento das águas existentes na região são componentes de uma receita que
tem prejudicado o desenvolvimento do Nordeste.
A continuarem existindo esses
lamentáveis exemplos de falta de respeito para com a coisa
pública, para com o meio ambiente e para com a vida do cidadão nordestino, a
milionária obra da transposição do rio São Francisco em nada irá contribuir
para a solução dos problemas hídricos do Nordeste, representando um benefício
apenas para os autores do projeto e para as empreiteiras encarregadas da sua
construção.
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