Águas do São Francisco na Paraíba em 2010: pura ilusão,
artigo de João Suassuna
Saga da
Transposição do Rio São
Francisco - Artigo 78 - 26/08/2009
[EcoDebate] No início do mês
de agosto, em visita à Paraíba, nos deparamos com a notícia que circulava
na imprensa local, de que as águas do rio São Francisco iriam chegar ao estado,
via transposição, já em 2010.
Esforçamo-nos no entanto por entender melhor aquela estultice
proveniente da Secretaria de Infraestrutura paraibana, pois temos acompanhado de
perto as obras
do projeto da transposição e sabemos que o seucronograma
de execução está com
certo atraso (apenas com cerca de 14% em andamento), sendo improvável o
cumprimento, pelas autoridades da Paraíba, do prazo que havia sido estabelecido
para as águas do rio chegarem àquela região já no ano que vem.
A notícia, do jeito que foi divulgada, deu-nos a entender que a
população paraibana está sendo iludida e, o que é mais grave, com probabilidade
de voltar a cair nas armadilhas e espertezas políticas, já que 2010 será um ano
eleitoral. Ficou muito claro para todos nós, que
os políticos deram os seus primeiros passos visando à campanha presidencial.
Nesse sentido, ficou evidente a má fé das
autoridades, ao não informar o povo paraibano das dificuldades de se realizar
um projeto dessa magnitude em uma região com características ambientais tão
diversas.
Para se ter uma idéia dessa problemática, as águas do São
Francisco, para chegarem, via Eixo Leste, na represa de Boqueirão e abastecerem Campina
Grande, por exemplo, terão que vencer um divisor de águas, próximo ao
município de Arcoverde, em Pernambuco, de cerca de 304 metros. Os pernambucanos
bem sabem da existência da serra do Mimoso, com sua topografia acidentada,
localizada entre os municípios de Pesqueira e Arcoverde, sendo naquelas
imediações o local em que as águas do Velho Chico serão elevadas para atingirem
o território paraibano. Aquelas formações rochosas do Mimoso, que nada mais são
do que os contrafortes da Borborema, fazem a divisa entre os dois estados.
Portanto, para as águas vencerem aquele divisor, será necessário proceder-se a
potentes bombeamentos, com uso de sistemas elevatórios extremamente sofisticados, obra
que, embora prevista no projeto, sequer foi iniciada no local.
Outra questão diz respeito à dificuldade de se construir, naquela
região, um canal nas dimensões previstas no projeto (25 m de largura, 5 m de
profundidade e 622 km de extensão, quando somados os dois eixos), dadas as
peculiaridades do seu subsolo, denominada de escudo cristalino.
Nesse tipo geológico, as rochas que dão origem aos solos estão praticamente à
superfície, chegando a aflorar em alguns lugares. A dureza da rocha que
constitui o escudo cristalino pernambucano e a necessidade do uso de explosivos
para se proceder à abertura dos canais são, para nós, os obstáculos que têm
dificultado o bom andamento das obras, sendo, portanto, os principais causadores
dos atrasos verificados.
O Eixo Leste terá aproximadamente 220 km de extensão. Já o Eixo Norte, cerca
de 402 km. Caso as autoridades consigam construir no Eixo Leste, que irá
destinar as águas para a Paraíba, uma média de cerca de 100 metros do canal por
dia (média verificada em obras dessa envergadura em todo
mundo), teremos um tempo estimado em cerca de 2.200 dias, o equivalente
a aproximadamente 6 anos, para de execução da obra. Diante dessa constatação,
como é que as autoridades paraibanas dão como certa a chegada das águas do São
Francisco no estado, já no ano vindouro?
Além do mais, as autoridades não estão interessadas em discutir as questões
técnicas do
projeto. A prova disso se deu recentemente com o convite que recebemos da TV
Brasil – órgão governamental pertencente ao antigo sistema Radiobrás – para
participação em um debate técnico, ao vivo, sobre o projeto da Transposição, na capital federal. Pegos de
surpresa, dias após o recebimento do convite e de maneira pouco compreensível,
fomos informados pela referida emissora de que a pauta dos debates havia sido
modificada, sob a alegação de que as obras já haviam sido iniciadas e iria
transcorrer sob outros aspectos, notadamente aqueles referentes às gestões dos
eixos, à dimensão da obra, onde as águas iriam chegar e para quem e como esses
recursos seriam aproveitados. Evidentemente, foi uma forma educada encontrada
pela emissora para nos “desconvidar” do debate.
Obviamente, tais justificativas vieram desagradar não apenas a
nós, que havíamos aquiescido ao convite, mas, também, a maioria dos movimentos
sociais envolvidos
com as questões sanfranciscanas, os quais apostavam na força dos debates para a
elucidação de aspectos técnicos pendentes, que fatalmente iriam ser
evidenciados no programa da TV Brasil. Portanto, se houve alguém que “amarelou”
perante o debate, esse alguém não fomos nós.
Diante de tudo isso, o que lamentamos é a total ausência do
diálogo com as autoridades, fato que tornará difícil a apuração, tanto de
denúncias de aspectos técnicos que porventura mereçam ser considerados, como
da mal versação dos recursos públicos que surjam na implantação do projeto. As
autoridades, nesse aspecto, costumam invariavelmente agir de forma unilateral, sem receio de que possa haver comprometimento futuroem suas prestações de
contas. Não é bem assim. É preciso que as autoridades fiquem cientes, dos
frequentes processos de auditorias internas realizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Para se ter uma idéia dessa sistemática,
recentemente o TCU suspendeu a contratação de empresas para a realização e
acompanhamento dos projetos ambientais referentes à transposição. Segundo o
Tribunal, o edital para contratar a empresa tinha uma norma que permitia a
variação de preços fora do limite legal. Os preços que constavam no orçamento
em questão não eram compatíveis com os praticados no mercado. Isso terá que ser
muito bem apurado e explicado a sociedade, sendo mais um complicador de atraso
para a execução das obras.
Finalmente, gostaríamos de deixar claro que o nosso trabalho
anteriormente vinha sendo
pautado, prioritariamente, na análise dos riscos que porventura pudessem
ocorrer com a implantação do projeto. Atualmente, com as obras em fase de
implantação, nos limitaremos a divulgar as
conseqüências que elas certamente trarão ao ambiente natural do Semiárido.
por João
Suassuna — Última
modificação 27/05/2014 15:15
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