A Guerra da Água já começou.
"Não importa se você é de
direita ou de esquerda, tucano ou petista, todo mundo precisa de água para
sobreviver. E o fato crucial nessa discussão é que a água está acabando, e
muito em breve não vai ter mais de onde tirá-la". O comentário é de Herton
Escobar em artigo publicado no portal do jornal O Estado de S. Paulo,
20-03-2014.
Jornal O Estado de S. Paulo,
20-03-2014.
Por Herton Escobar
Há muitos anos ouvimos falar sobre a tal “guerra
da água” que está por vir, quando os recursos hídricos se tornarem tão escassos
que pessoas, municípios, estados e países começarão a lutar por eles, da mesma
forma que lutam por petróleo, gás e outros recursos minerais essenciais ao seu
desenvolvimento (ou, no casa da água, essencial à vida). Pois então: sinto
informar, mas essa guerra já começou, aqui mesmo na região metropolitana de São
Paulo, bem debaixo das nossas torneiras. Na verdade, já começou há muitos anos;
faltava apenas uma grande seca para trazer o problema à tona por completo e
colocá-lo à vista de todos.
O nível dos reservatórios que compõem o Sistema
Cantareira vem caindo há vários anos; de praticamente cheios em 2010
para 76% em 2012 e para menos de 15% agora, em 2014. Enquanto que a demanda por
água da região abastecida por eles só cresceu no mesmo período, com o aumento
da população e o crescimento das indústrias.
Ou seja: dizer que está faltando água hoje porque
não choveu ontem é tão correto quanto dizer que os alagamentos da cidade são
culpa de um bueiro entupido. O problema, na verdade, é muito mais complexo do
que se enxerga na superfície. A seca foi só a gota d’água que faltava. E as
autoridades sabem disso.
“Não dá para olhar para o céu agora e dizer que
está faltando água porque não está chovendo; é um problema anunciado há muito
tempo”, disse, na semana passada, o diretor do Serviço Autônomo de Água e
Esgoto (Saae) de Guarulhos, Afrânio
de Paula Sobrinho, depois de o governo do Estado anunciar que ia
reduzir o volume de água destinado ao município pela Sabesp. O
risco de desabastecimento da região metropolitana de São Paulo, segundo ele, já
é conhecido e discutido no Estado desde 2004. “Agora, me diga, que obras foram
feitas nesse período (para evitar o problema)?”.
Acusada de não economizar água o suficiente,
Guarulhos passou a receber 15% menos água da Sabesp, e 850 mil
habitantes da cidade agora vivem em esquema de racionamento: um dia com água, outro
sem. E Guarulhos não pode fazer nada a respeito, pois não tem
recursos hídricos próprios e quem manda na água do Estado é a Sabesp.
Assim funciona a Guerra da Água. As batalhas não
são travadas com espadas ou metralhadoras, mas com canetadas políticas e
econômicas. Na hora que a coisa aperta e as torneiras ameaçam secar, o governo
do Estado (tucano) manda reduzir o fornecimento de água para Guarulhos
(petista), mas não para a capital São Paulo (que também é governada pelo PT,
mas tem muitos milhões de votos e de PIB a mais do que
Guarulhos).
Mas não se prenda muito a esse enrosco político …
Não importa se você é de direita ou de esquerda, tucano ou petista, todo mundo
precisa de água para sobreviver. E o fato crucial nessa discussão é que a água
está acabando, e muito em breve não vai ter mais de onde tirá-la. Até agora foi
fácil ignorar o problema e continuar a tomar banhos longos, postergar obras e
lavar a calçada com esguicho, pois, apesar da queda no nível das represas,
ainda havia água suficiente para abastecer o desperdício da maioria. Mas eis
que apareceu uma seca, e a Cantareira secou. E agora?
Guarulhos X São Paulo foi a primeira batalha.
Agora começa a segunda, São Paulo X Rio de Janeiro, pelas águas do Rio Paraíba
do Sul.
Soluções temporárias
Para evitar o racionamento (e o desgaste
político) na capital, o governo paulista anunciou que vai quebrar o galho
desviando água de outros sistemas e comprando bombas para sugar a água que está
no chamado “volume morto” da Cantareira. Pode ser que isso evite maiores
problemas por enquanto, mas não se iluda: o problema do abastecimento de água
em São Paulo é grande, chegou para ficar, e não vai ser resolvido assim tão
facilmente, com uma bomba.
Se não voltar a chover — e chover muito! — sobre
o sistema Cantareira ainda neste verão, vamos tirar água de onde até o fim do
ano? Se o verão acabar, e o nível do sistema estiver em 15%, é com 15% que
vamos ficar até o verão de 2015. E se dermos o azar de também não chover no
verão de 2015, vamos viver o mesmo problema tudo de novo, de forma ainda mias
crítica, pois o “volume morto” que vai ser consumido agora não estará mais lá
para salvar a pátria uma segunda vez. Economizar água também não será uma
opção, pois não haverá mais o que economizar.
É fato: uma hora, a água vai acabar. E essa hora
não está longe!
No longo prazo, fala-se também em trazer água do
Vale do Ribeira, ao sul do Estado (uma das áreas mais preservadas de Mata
Atlântica do País), para abastecer a capital. E as populações e o meio ambiente
dessa região, como ficam? Pode ser que a água desviada não faça tanta falta
hoje, mas um dia vai fazer. E aí, quem vai ficar com ela? A guerra continua.
Neste sábado, dia 22, é o Dia Mundial da
Água. Vale botar a mão na cabeça e refletir um pouco sobre essa situação
que estamos vivendo; parar de botar a culpa no clima e assumir nossa própria
responsabilidade sobre o problema. Sabe aquele ditado urbano que diz “você não
está no trânsito, você é o trânsito”? Pois então, o mesmo conceito vale para a
água: A água não está acabando, nós é que estamos acabando com ela! Somos ao
mesmo tempo as vítimas e os culpados por essa guerra.
COMENTÁRIOS
Ricardo Ramalho - Instituto Terraviva
João Suassuna:
Como outras questões socioambientais, tão dramáticas como a relatada,
imaginávamos que nossa geração não alcançaria, embora tivéssemos consciência
de que mais tarde, certamente, aportaria. Chegaram muito antes do que
esperávamos, infelizmente. O excelente artigo publicado, talvez por
definição de foco, deixa de abordar pontos cruciais que nos conduziram a
essa verdadeira calamidade. É necessário se analisar outros ângulos como a
política de concentração populacional nas megalópolis como São Paulo, a
intensa impermeabilização das áreas urbanas, o "desaparecimento" por
drenagem e/ou poluição dos, outrora caudalosos e saudáveis, rios urbanos e
outras mazelas de nosso absurdo modelo civilizatório.
Ecossaudações
Ricardo Ramalho
Como outras questões socioambientais, tão dramáticas como a relatada,
imaginávamos que nossa geração não alcançaria, embora tivéssemos consciência
de que mais tarde, certamente, aportaria. Chegaram muito antes do que
esperávamos, infelizmente. O excelente artigo publicado, talvez por
definição de foco, deixa de abordar pontos cruciais que nos conduziram a
essa verdadeira calamidade. É necessário se analisar outros ângulos como a
política de concentração populacional nas megalópolis como São Paulo, a
intensa impermeabilização das áreas urbanas, o "desaparecimento" por
drenagem e/ou poluição dos, outrora caudalosos e saudáveis, rios urbanos e
outras mazelas de nosso absurdo modelo civilizatório.
Ecossaudações
Ricardo Ramalho
por João Suassuna — Última
modificação 21/03/2014 15:52
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