A gestão dos recursos hídricos, um problema constante.
Por Martim Afonso Penna*
http://envolverde.com.br/noticias/gestao-dos-recursos-hidricos-um-problema-constante/
Diante de uma possível crise no abastecimento, o
tema água virou uma constante nas rodas de discussões. Como sempre, a
preocupação com o assunto aparece quando o risco do racionamento surge. Talvez
por estar ao alcance da mão, basta girar a torneira e ela aparece, na maior
parte do tempo, a questão da água é invariavelmente ignorada tanto pela
população quanto pelos agentes públicos, e dificilmente notamos que a
disponibilidade dela no Brasil é mais crítica do que geralmente aparenta.
A gestão dos recursos hídricos no País é um
problema frequente e não pontual. O que pouco se fala é que, apesar de o Brasil
ser privilegiado na disponibilidade desses recursos – o volume de água doce
representa 12% da disponibilidade do planeta – a distribuição é desigual.
Segundo levantamento do Ministério do Meio Ambiente, 68% dela está na região
Norte, onde vivem apenas 8,5% da população. Na outra ponta está o Nordeste, que
possui a menor disponibilidade hídrica do País: 3%. O Centro-Oeste possui 16%;
o Sul, 7%; e o Sudeste, que concentra 42% da população brasileira, dispõe de
apenas 6%. Ou seja, em algumas regiões o potencial hídrico é grande enquanto em
outras há falta de água.
Dentro das próprias regiões há diferenças
significativas em relação à disponibilidade hídrica. A cidade de São Paulo, a
maior da América Latina, por exemplo, depende de outras cidades do estado para
saciar a sede de sua população. A capital paulista disputa a água com Campinas.
Os mesmos rios são usados para abastecer os dois municípios. Ambos dependem do
Sistema Cantareira, que é responsável ainda pelo abastecimento da Região
Metropolitana de São Paulo (RMSP).
Dada a grande demanda, a preocupação com o sistema
é grande. Mensalmente, tanto a Agência Nacional de Água (ANA) como o
Departamento de Água e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE) revisam o
volume de água que cada município capta da Cantareira. Essa, aliás, é uma das
diretrizes estabelecidas pelo plano de operação do sistema, que, neste momento,
em meio a uma das maiores estiagem que se tem registro, passa por um processo
de revisão – a medida acontece a cada dez anos. No centro dos debates está o
risco de que todo o sistema entre em colapso.
Em São Paulo há ainda uma disputa em torno da
bacia do rio Paraíba do Sul, que banha também os estados de Minas Gerais e Rio
de Janeiro, sendo que neste último o rio é responsável pelo fornecimento de
água para 70% da população. Há uma preocupação das autoridades fluminenses com
a possiblidade de aumento do uso dos recursos hídricos do Paraíba do Sul pelos
paulistas.
Exemplos como os citados acima também estão
presentes em outras regiões do País. Vale lembrar a polêmica transposição do
Rio São Francisco, no Nordeste. A obra, que tem como objetivo formar uma
sinergia hídrica com potencial para ampliar a capacidade de armazenamento dos
açudes nordestinos, é discutida há décadas mas só recentemente começou a ser
implantada. A estimativa do Ministério da Integração Nacional é de que a obra
de transposição do São Francisco beneficie aproximadamente 12 milhões de
pessoas, em especial dos estados do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e
Pernambuco, que estão na região com menor capacidade hídrica do Brasil.
Uma das primeiras propostas para a transposição
do rio São Francisco, apresentada em 1994, previa a captação de 150 metros
cúbicos de água por segundo para a irrigação e em um único canal, sem a
revitalização do rio, integrando os açudes Castanhão, Armando Ribeiro Gonçalves
e Santa Cruz. O projeto atual prevê vazão menor, de apenas 26 metros cúbicos
por segundo, de forma contínua, mas podendo atingir até 120 metros cúbicos,
caso a barragem de Sobradinho, na Bahia, atinja pelo menos 90% de sua
capacidade.
Na prática, a proposta de reduzir a vazão
facilitou que os estados das bacias doadoras, principalmente Bahia e Sergipe,
apoiassem a ideia, ou pelo menos a aceitassem, tendo em vista que lideranças
desses estados levantaram a possibilidade de a transposição trazer prejuízos
financeiros a essas regiões. Além dos políticos desses dois estados, as
autoridades de Minas Gerais e Alagoas não aceitam bem a proposta, pois também
temem por efeitos negativos em suas respectivas regiões.
Os exemplos não são apenas pontuais. Os conflitos
em torno do uso da água são constantes e tendem a aumentar ao longo dos anos,
principalmente em razão das mudanças climáticas. Por isso, é urgente que o
debate sobre os recursos hídricos não se restrinja apenas aos momentos de
estiagem. É essencial que os problemas que já se arrastam por anos a fio se
tornem prioridade para o poder público.
Uma discussão constante sobre o tema pode
contribuir para evitar que as dificuldades atuais se tornem ainda mais críticas
no futuro. A água é um bem que pode se tornar escasso e requer um gerenciamento
eficiente para evitar disputas regionais. Devemos aprender em quanto é tempo a
gerenciar e compartilhar.
* Martim Afonso Penna
é diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Álcalis, Cloro e
Derivados (Abiclor).
(O Autor)
Nenhum comentário:
Postar um comentário