terça-feira, 25 de novembro de 2014
FALTA D'ÁGUA EM CIDADES TEM A VER COM DEVASTAÇÃO DESENFREADA DA AMAZÔNIA
Chuvas que recarregam reservatórios da região Sudeste são oriundas da Amazônia. Árvores são ‘toque final’ da máquina biológica que produz chuvas.
Veja a matéria, clicando no endereço abaixo:
http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/08/falta-dagua-em-cidades-tem-ver-com-devastacao-desenfreada-da-amazonia.html
O chão foi o destino de 20% das árvores da Floresta Amazônica original. Que isso vem acontecendo há anos, todos sabem. O que você provavelmente não sabe é que esse crime ambiental tem a ver com a falta d'água na maior cidade da América Latina. É que a Amazônia bombeia para a atmosfera a umidade que vai se transformar em chuva nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. Quanto maior o desmatamento, menos umidade e, portanto, menos chuva. E sem chuva, os reservatórios ficam vazios e as torneiras, secas.
É guerra contra a cobiça. No coração da Amazônia, o exército formado pelo Ibama, pela Funai e pela Polícia Federal atinge mais um alvo. Garimpeiros presos, madeireiros multados, equipamentos destruídos. E a prova do crime apreendida. Esse é o front de um conflito que já dura pelo menos quatro décadas no Brasil. Desde que as primeiras estradas rasgaram a floresta para permitir a colonização. Caminhos que acabaram facilitando também o acesso de exploradores gananciosos e sem escrúpulos. Um crime ambiental que ainda está longe do fim.
Uma árvore que leva mais de 100 anos para crescer. E que em menos de um minuto, já pode estar derrubada. E o pior é que a madeira nem é aproveitada. Nesse tipo de desmatamento, o objetivo é simplesmente derrubar tudo, tocar fogo e transformar a área em pastagem para a criação de gado. Um crime ambiental que geralmente só é notado pelos fiscais tarde demais, quando a floresta já virou carvão.
Clareiras somam área maior que França e Alemanha juntas
“Isso aqui é roubo de terras da União. Grileiros furtam a terra da União, praticam o desmate multiponto, vários pontos embaixo da floresta, dificultando o satélite de enxergá-lo.”, explica Luciano de Menezes Evaristo, diretor de proteção ambiental do Ibama.
O que os olhos poderosos dos satélites não veem, a floresta, lamentavelmente, sente: 20% das árvores da Amazônia original já foram para o chão. Restaram imensas clareiras que somam uma área maior que a França e a Alemanha juntas.
O Fantástico acompanhou, com exclusividade, a maior operação contra grileiros na Amazônia neste ano. Em uma conversa gravada pela Polícia Federal com autorização da Justiça, um dos presos admite que o interesse dos criminosos é apenas nas terras.
“Como a floresta lá é muito bruta, os troncos são muito grossos, então o custo é muito grande. São árvores antigas, árvores velhas”, ele diz.
Consequências da devastação estão próximas de todos
Derrubadas e garimpos deixam uma cicatriz gigantesca na mata que pode parecer um problema exclusivo de árvores e bichos, distante da maioria das pessoas. Mas a ciência e as novas tecnologias comprovam que as consequências da devastação estão muito mais próximas de todos nós.
Nascentes que já não vertem mais água. Represas com menos de 10% de sua capacidade original de armazenagem. Uma delas, por exemplo, perto de Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo, deveria ter em um ponto uma profundidade de pelo menos cinco metros. Está agonizando. Mas o que a falta de água nesta região do país tem a ver com a Amazônia que fica a mais de 2 mil quilômetros de distância? Tudo, absolutamente tudo, segundo cientistas que estudam as funções da floresta e as variações climáticas na América do Sul.
“Essas chuvas que ocorrem principalmente durante o verão, a umidade é oriunda da Amazônia. E essa chuva que fica vários dias é que recarrega os principais reservatórios da Região Sudeste.” explica Gilvan Sampaio, climatologista do Inpe.
Fantástico tem acesso exclusivo a relatório sobre futuro climático
O Fantástico teve acesso exclusivo ao relatório sobre o futuro climático da Amazônia que só vai ser divulgado oficialmente na Conferência Sobre o Clima em Lima, no Peru, no fim deste ano. O trabalho desenvolvido em parceria por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e do Inpa, que investiga a Amazônia, reúne mais de 200 estudos e traça um minucioso roteiro das chuvas no continente sul-americano.
“Está mudando o clima. A gente vê isso acontecendo na Amazônia. Tem muitos trabalhos mostrando que a extensão da estação seca está se prolongando”, diz Antônio Nobre, pesquisador do Inpa.
De acordo com esse relatório, nos últimos 400 milhões de anos, a umidade que evapora dos oceanos é empurrada naturalmente pelos ventos para dentro dos continentes. Uma parte desse vapor vira chuva e cai, principalmente, sobre as grandes florestas na altura do Equador. O excesso de umidade segue empurrado pelos ventos, atravessa os continentes e acaba indo para o mar. Um ciclo que ao redor da Terra só tem uma exceção: a Amazônia.
Diferencial da Amazônia
O que torna a Amazônia diferente de todas as grandes florestas equatoriais do planeta é a Cordilheira dos Andes. Um imenso paredão, de 7 mil metros, que impede que as nuvens se percam no Pacífico. Elas esbarram na Cordilheira e desviam para o Sul.
“Esses ventos viram aqui e se contrapõem à tendência natural dessa região aqui de ser deserto. É uma região que produz 70% do PIB da América do Sul - região industrial, agrícola, onde está a maior parte da população da América do Sul”, explica Antônio Nobre, pesquisador do Inpa.
Mas de onde vem tanta água? Como funciona a fantástica máquina biológica que faz chover? Segundo os cientistas, o toque final cabe às árvores.
Fincadas a até 20 ou 30 metros de profundidade, as raízes sugam a água da terra. Os troncos funcionam como tubos. E, pela transpiração, as folhas se encarregam de espalhar a umidade na atmosfera.
Diariamente, cada árvore amazônica bombeia em média 500 litros de água.
A Amazônia inteira é responsável por levar 20 bilhões de toneladas de água por dia do solo até a atmosfera, 3 bilhões de toneladas a mais do que a vazão diária do Amazonas, o maior rio do mundo.
“Se você tivesse uma chaleira gigante ligada na tomada, você precisaria de eletricidade da Usina de Itaipu, que é a maior do mundo em potência, funcionando por 145 anos para evaporar um dia de água na Amazônia. Quantas Itaipus precisaria para fazer o mesmo trabalho que as árvores estão fazendo silenciosamente lá? 50 mil usinas Itaipu”, explica Antônio Nobre.
“Rio voadores” cruzam o Brasil
Esse imenso fluxo de água pelos ares é chamado de "rios voadores". O Fantástico chamou a atenção para a importância desses rios já em 2007. Imagens feitas de um avião do projeto "rios voadores" revelam nuvens densas, carregadas de água, cruzando todo o Brasil.
Testes feitos em laboratório comprovaram: mais da metade da água das chuvas nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil e também na Bolívia, no Paraguai, na Argentina, no Uruguai e até no extremo sul do Chile vem da Amazônia.
Para os cientistas, uma prova irrefutável do papel dos Andes e da Floresta Amazônica no ecossistema do cone-sul é a inexistência de um deserto nessa região. Basta olhar o globo para constatar que na mesma latitude em volta do planeta tudo é deserto. Menos na América do Sul.
Os pesquisadores não têm dúvida: sem a Amazônia, os estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul fatalmente seriam desertos também.
“Para quem está no Brasil, seja Porto Alegre ou Manaus ou São Paulo tem que saber que a água que consome em sua residência, uma parte dela vem da Amazônia e que por isso temos que preservar”, alerta Gilvan Sampaio.
Devastação bloqueia “rios voadores” em São Paulo
As imagens dos satélites que acompanham a movimentação das nuvens de chuva comprovam que a grande seca que assola as regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, em parte, está relacionada aos desmatamentos. No estado de São Paulo, por exemplo, a devastação da Mata Atlântica permite a formação de uma massa de ar quente na atmosfera. Tão densa que chega a bloquear os “rios voadores”, já enfraquecidos por conta do desmatamento na Amazônia. Represados no céu, eles acabam desaguando no Acre e em Rondônia, onde, este ano, foram registradas as maiores enchentes da história.
MP e Receita Federal entram na luta contra o desmatamento
Na luta contra o desmatamento, o Ibama, a Funai e a Polícia Federal acabam de GANHAR mais um aliado: o Ministério Público, que passou a juntar dados da Receita Federal para poder enquadrar as quadrilhas também por lavagem de dinheiro e sonegação fiscal, falcatruas que podem levar a mais de 10 anos de cadeia.
Pelas contas da Procuradoria da República no Pará, só a quadrilha presa na última operação desviou dos cofres públicos R$ 67 milhões em impostos. Um crime que mistura ganância e ignorância.
Fantástico: Quando você mete a motoserra em uma árvore que levou 100 anos para chegar daquele tamanho, não dá dó?
Homem: Não tem como a gente ter dó das coisas. Ninguém tem dó da gente também, né? Tem que desmatar para viver, né?
“Eu não sei se tá errado, não. Pra mim, está certo porque eu estou trabalhando. Enquanto os vagabundos ficam soltos na cidade, a gente tem que trabalhar escondido. Aí é difícil”, diz uma mulher.
Reflorestar áreas desmatadas antes que seja tarde
Um comportamento que bate de frente com os interesses de quem depende da Amazônia para produzir alimentos de forma legal.
“É do interesse do próprio agricultor ou produtor de gado ou de quem está querendo produzir energia que a floresta seja mantida. Porque ela é o que garante que tenha água necessária para essas atividades econômicas poderem existir”, diz o engenheiro florestal Tasso Azevedo.
Os gráficos do Inpe revelam que os desmatamentos na Amazônia já caíram aos níveis mais baixos das últimas duas décadas, mas ainda que tivessem sido completamente zerados, os cientistas não estariam tranquilos. Eles alertam que é preciso também reflorestar as áreas desmatadas antes que seja tarde.
“Existe um fato simples: se você tira floresta, você tira fonte de umidade, muda o clima. E nós tiramos floresta. Isso foi o que a gente fez nos últimos 40 anos. O clima é um juiz que sabe contar árvores, que não esquece e não perdoa”, afirma Antônio Nomes.
Sobre o assunto:
O que o desmatamento tem a ver com sua torneira
http://envolverde.com.br/ambiente/o-que-o-desmatamento-tem-ver-com-sua-torneira/
Proteger as florestas é produzir água
http://envolverde.com.br/ambiente/proteger-florestas-e-produzir-agua/
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por João Suassuna — Última modificação 02/09/2014 15:17
segunda-feira, 17 de novembro de 2014
NASCENTE DO SÃO FRANCISCO SECA
Rio, totalmente brasileiro, tem bacia hidrográfica que abrange 504 municípios e sete Estados.
Nascente principal do rio São Francisco completamente seca CORREIO DA PARAÍBA – Edição de 24/09/2014
São Paulo (Folha Press) – Pela primeira vez na história, a nascente do rio São Francisco, situada no Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, está completamente seca.O acontecimento é simbólico, mas não significa, necessariamente, que o curso do rio será interrompido mais adiante.
“Não afeta todo o rio porque ele é muito grande, tem outros tributários que vão ajudando a mantê-lo. A gravidade maior é a seca. É uma questão simbólica”, diz o diretor do parque, Luiz Arthur Castanheira.
Segundo Castanheira, a falta de água na nascente do rio, que tem 2.700 quilômetros de extensão e atravessa seis Estados e o Distrito Federal, foi detectada por funcionários da universidade, que visitam o local diariamente. “O pessoal mais antigo aqui do parque está assustado (com a seca)”, diz.
O rio nasce a cerca de 1.200 metros de altitude, em um dos pontos mais altos do parque, que tem 200 mil hectares de área.
A água brota de diversos “olhos d´água” e pequenos riachos que formam a nascente do Velho Chico, como o rio é afetuosamente chamado.
“Se a nascente seca, (o rio) vai ficar com pouca água até o primeiro desaguar de outro rio (no São Francisco)”, explica o vice presidente co Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Ele não soube dizer em que ponto isso ocorre.
A estiagem rigorosa não afeta somente a nascente. A represa de Três MARIAS (a 224 km de Belo Horizonte), a primeira do São Francisco, está com a vazão crítica (6%, apenas).
Segundo Soares, a vazão atual é de cerca de 60 m³/s, quando o esperado mesmo para épocas de estiagem é de 300 a 350 m³/s.
“Não choveu a quantidade esperada, mas há necessidade de manter a vazão para a energia elétrica, o que diminui o reservatório”, explica Soares. “Precisamos trabalhar com as pessoas e com as empresas para que seja feito o uso racional da água”.
De acordo com o Comitê, a previsão é que a situação seja normalizada com o aumento no volume de chuva em meados de outubro.
Chuva vai recuperar São Francisco
Comitê da Bacia Hidrográfica espera que período chuvoso, em outubro, acabe seca na nascente.
CORREIO DA PARAÍBA – Edição de 28/09/2014
Brasília (Abr) – A nascente principal do Rio São Francisco na Serra da Canastra, em Minas Gerais, que secou, tende a se recuperar com as chuvas previstas para a segunda quinzena de outubro. Segundo o vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Wagner Costa, a seca é provisória e a situação da nascente deve se normalizar com a chegada das chuvas.
Membros do Comitê reuniram-se na tarde de sexta-feira, em Belo Horizonte, para discutir o assunto. Segundo Costa, a longa estiagem reduziu a vazão nos diversos rios que abastecem a calha do São Francisco. “Com a volta das chuvas esperamos que a nascente retorne. Ela é considerada a nascente principal, só que não influencia como um todo, apenas naquele primeiro trecho do rio. E ela não está, em princípio, seca permanentemente. Havendo a infiltração da água, o lençol freático será abastecido”, explicou.
O diretor do Parque Nacional da Serra da Canastra, Luiz Arthur Castanheira, segue o mesmo raciocínio. “Com a seca, os pequenos córregos que formam a nascente, na região do parque, secaram. Agora é ficar de olho na previsão do tempo e esperar chover”, disse Castanheira. Ele destacou que outras nascentes continuam abastecendo o rio, que corre normalmente nos trechos mais baixos da nascente principal.
Mesmo acreditando que a situação tende a se normalizar com a chegada das chuvas, o CBHSF alerta para o uso da água, principalmente em regiões dependentes do rio. “Temos que fazer uma campanha pelo uso racional da água, é um assunto para agora. Em um primeiro momento, a vazão reduzida pode causar problemas com a biodiversidade. Com menos vazão, o rio reduz o ambiente para flora e fauna, e isso pode causar algum desequilíbrio biológico no futuro”, ressaltou Costa.
A reunião co Comitê também concluiu que certas providências são necessárias para preservar as nascentes e os lençóis freáticos que abastecem o São Francisco. O plantio de árvores às margens do rio e no alto dos morros e montanhas está entre as medidas recomendadas, assim como o uso adequado do solo, impedindo que a água da chuva escorra antes de ser absorvida pela terra.
Tais medidas ajudam a infiltração da água da chuva no solo, abastecendo os lençóis freáticos e, consequentemente, as nascentes. “O trabalho de revitalização do rio tem que ser constante, contínuo daqui para frente. É bom que haja um choque como este (nascente que secou) para que as pessoas tomem consciência e adotem uma atitude positiva de recuperação dos rios, usando a água com parcimônia”, afirmou Costa.
Sobre o assunto:
Diretor de parque diz que principal nascente do Rio São Francisco secou
http://www.remabrasil.org/Members/suassuna/campanhas/diretor-de-parque-diz-que-principal-nascente-do-rio-sao-francisco-secou/view
O São Francisco já é um rio intermitente, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)
http://www.remabrasil.org/Members/suassuna/artigos/o-sao-francisco-ja-e-um-rio-intermitente-artigo-de-roberto-malvezzi-gogo/view
Situação lamentável do São Francisco em Iguatama (MG)
"RIO SÃO FRANCISCO PASSADO E PRESENTE - IGUATAMA MG"
Rio Verde Grande secou.
https://www.youtube.com/watch?v=T-5GFGQj1Bo&feature=youtu.be
Situação volumétrica dos reservatórios das hidrelétricas da CHESF - 26/09/2014
http://www.remabrasil.org/Members/suassuna/campanhas/situacao-volumetrica-dos-reservatorios-das-hidreletricas-da-chesf-26-09-2014/view
Consequência da pior estiagem no Sudeste, nascente do Velho Chico está seca
http://www.remabrasil.org/Members/suassuna/campanhas/consequencia-da-pior-estiagem-no-sudeste-nascente-do-velho-chico-esta-seca/view
Hidrovia do São Francisco pode parar a qualquer momento
http://espaconoticiascomgilmardantas.blogspot.com.br/2011/08/hidrovia-do-sao-francisco-pode-parar.html
Solução da crise do Rio São Francisco não depende só de chuva
http://www.remabrasil.org/Members/suassuna/campanhas/solucao-da-crise-do-rio-sao-francisco-nao-depende-so-de-chuva
Rio São Francisco pode secar em um mês
http://www.remabrasil.org/Members/suassuna/campanhas/rio-sao-francisco-pode-secar-em-um-mes/view
Represa de Três Marias, no Norte de MG, está com 6% de seu volume útil
http://www.remabrasil.org/Members/suassuna/campanhas/represa-de-tres-marias-no-norte-de-mg-esta-com-6-de-seu-volume-util/view
SUPER FATURAMENTO em obras da transposição do Rio São Francisco
https://www.youtube.com/watch?v=qKkqgsqbjAo
Transposição do São Francisco Promessa sem Fim
https://www.youtube.com/watch?v=1wd0e5DJ65E
COMENTÁRIOS
João Suassuna – Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Recife
Com a exaustão da principal nascente do rio São Francisco, creio ser prematuro todo e qualquer juízo de valor que se faça a respeito do retorno do fluxo dessa nascente. Com a forte degradação ambiental existente naquela região, a chegada de novas chuvas, não garante, em absoluto, a infiltração da água no solo, e nem tampouco a volta da normalidade da nascente. Achei que a matéria em questão, trás consigo uma falta de sensibilidade em relação à gravidade da situação. O fato de dizer que a nascente não influencia o rio como um todo, mas apenas aquele primeiro trecho da sua bacia, e de que as outras nascentes e afluentes continuam abastecendo o rio São Francisco, não procede. Lembro que foi a primeira vez que essa exaustão ocorreu e, portanto, apenas um estudo mais detalhado, no local da nascente, pode vir a comprovar esse fato. O que o rio São Francisco está necessitando é de uma avaliação sistêmica e mais detalhada em toda a sua bacia hidrográfica. Tem-se, necessariamente, que se começar um estudo, que considere a exaustão da nascente principal do rio; passando pela situação deplorável em Iguatama (região próxima a sua nascente), onde o Velho Chico corre apenas com um filete de água; a interrupção dos fluxos do rio Verde Grande, um de seus principais afluentes; os baixos volumes acumulados na represa de Três Marias (apenas 6%); a possibilidade de, em Pirapora, se andar de bicicleta no leito seco do rio; a interrupção da hidrovia que transporta a produção de grãos da região, pela incapacidade de se navegar com embarcações de grade calado; a possibilidade de o Velho Chico interromper seu fluxo em um trecho de 40 km, a jusante de Três Marias; a impossibilidade de o projeto da transposição atender as demandas previstas para o abastecimento de 12 milhões de pessoas e para a irrigação de 350 mil ha no Setentrional nordestino que está sedento; os recordes históricos das afluências volumétricas do São Francisco, na represa de Sobradinho (chegou a atingir 330 m³/s) e os lançamentos volumétricos, de Sobradinho para o Sub-Médio e o Baixo São Francisco, de apenas 1.100 m³/s, contrariando uma determinação do IBAMA, que exige um volume mínimo, na foz do rio, de cerca de 1.300 m³/s. Temos que dar uma resposta à sociedade, a todas essas questões, e iniciar um programa verdadeiro de revitalização da bacia do rio, para que possamos entregar, às gerações futuras, um rio em condições de continuar fazendo jus ao nome que recebeu, de rio da integração nacional.
José do Patrocínio Tomaz Albuquerque - Hidrogeólogo e Consultor
Prezado João Suassuna.
Este assunto foi objeto de debate na ABRH-Gestão. Transcrevo aqui a minha mensagem com o diagnóstico que fiz sobre o tema:
“Já disse isso aqui: o grande e maior papel desempenhado pelas águas subterrâneas, contidas e emescoamento em Sistemas Aquíferos é assegurar a vazão de base de sistemas hidrográficos. No caso do Alto São Francisco, pelo menos até Pirapora, esta vazão é proveniente de sistema aquíferos pouco produtivos, uma vez que estão relacionados com rochas de baixa permeabilidade, como são as rochas constituintes dos grupos ou formações geológicas denominadas de Canastra, Três MARIAS e Bambuí, todas metamórficas e de idades Pré-Cambrianas (Período Proterozóico), em que pese a presença de algumas camadas de quartzitos (alguma permeabilidade) integrando os dois primeiros grupos, e de calcários metamorfisados (mármores), principal componente do Grupo Bambuí, dotado de permeabilidade cárstica, mas mal distribuída (heterogênea) no espaço, embora um pouco mais permeáveis . Em média, a vazão de base em Três Marias situa-se em torno de 317 m3/s, com um mínimo minimorum verificado no ano de 1971, mês de Julho (seca) de 58 m3/s (Freitas & Gondim Filho, 2004). Não é difícil perceber que, com a seca atual e com a exploração dos sistemas aquíferos por poços e, ainda, com o desmatamento, esta vazão tenha atingido valores inferiores a esse. No caso das nascentes do São Francisco (existe mais de uma), todas situadas no Grupo Canastra, constituinte cristalino da serra homônima, a vazão das mesmas se tornou nula pelas mesmas razões, influindo, também, ponderadamente, o desmatamento extensivamente praticado na bacia. Tudo isto significa que, enquanto não considerarem, na gestão de bacias hidrográficas e de reservatórios superficiais nelas construídos, o papel desempenhado pela vazão de base, os rios e suas bacias, sob a ocorrência de secas, cada vez mais severas, terão suas vazões reduzidas e, no extremo, os seus regimes hidrológicos alterados, ficando profundamente dependentes do regime das chuvas e de sua pluviometria. É isso, no meu entender, o que está ocorrendo. O uso do volume morto pode até resolver o problema das demandas múltiplas, socioeconômica e, principalmente, ambientais, por certo período, mas a solução da oferta segura passa, impreterivelmente, pelas relações hidrológicas entre as águas fluviais e suas vazões de base. Repor a cobertura vegetal e disciplinar a exploração das águas subterrâneas de forma a repor e não comprometer, respectivamente, quantitativa e qualitativamente, estas relações é imperativo de uma gestão sustentável”.
Adicionalmente, sou forçado a discordar da avaliação feita pelo vice-presidente do CBSF, Wagner Costa, segundo o qual “a situação da nascente deve se normalizar com a chegada das chuvas”. Não necessariamente. Isto vai depender do volume infiltrado nos aquíferos situados a montante, certamente afetados em sua capacidade de infiltração original, e da velocidade de circulação da água subterrânea no interior destes aquíferos. Não tenho dados sobre esta velocidade (produto da permeabilidade K com o gradiente hidráulico i, ou seja v = Ki). Mas, é uma velocidade muito pequena, algo em que K é da ordem de 10-3 m/dia e i se situando em torno dos 10-2 (admensional), do que resultaria uma velocidade de escoamento de, apenas, 10-5m/dia, ou seja, 0.01 mm/dia. Comparada com a velocidade do escoamento direto (diretamente dependente das chuvas), da ordem de m3/s, o fluxo de água subterrânea é muito lento e leva meses e até anos para ser reposto. Com o cessar das chuvas e anulação do escoamento direto (praticamente, isso se verifica ao cabo de algo como 2 a 3 dias), a fonte continuaria praticamente seca, uma vez que para repor uma vazão da ordem de 60 m3/s, se necessitaria de uma área de contribuição (frente de escoamento vezes espessura saturada) muito grande.
O que poderia melhorar a capacidade de infiltração afetada pelo DESMATAMENTO e ocupação do solo a montante, seria tomar medidas, além das citadas pelo Sr. Wagner Costa, para implantar o que em hidrogeologia se denomina de infiltração induzida. Esta consiste em retardar o escoamento direto da rede hidrográfica a montante das nascente, pela construção de valas ou de pequenos diques que aumentem o tempo de residência do escoamento direto, facilitando, com isso, o processo de infiltração.
Essa a minha avaliação.
Abraços,
Patrocínio
Roberto Malvezzi (Gogó) - Membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Bahia
Caro João,
Minha convicção é que não podemos olhar apenas o fato de secar a nascente...Esse fato só é compreensível dentro do processo...E o processo é de depredação contínua da bacia do São Francisco. A nascente rebrotar é provável...Improvável é que as autoridades e o mundo econômico mudem sua relação com a bacia do São Francisco, que mude de uma relação de exploração e esgotamento para o cuidado e a sustentabilidade.
Abs.
Gogó.
por João Suassuna — Última modificação 30/09/2014 10:16
NASCENTE DO SÃO FRANCISCO SECA
Rio, totalmente brasileiro, tem bacia hidrográfica que abrange 504 municípios e sete Estados.
Nascente principal do rio São Francisco completamente seca
CORREIO DA PARAÍBA – Edição de 24/09/2014
São Paulo (Folha Press) – Pela primeira vez na história, a nascente do rio São Francisco, situada no Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, está completamente seca.
O acontecimento é simbólico, mas não significa, necessariamente, que o curso do rio será interrompido mais adiante.
“Não afeta todo o rio porque ele é muito grande, tem outros tributários que vão ajudando a mantê-lo. A gravidade maior é a seca. É uma questão simbólica”, diz o diretor do parque, Luiz Arthur Castanheira.
Segundo Castanheira, a falta de água na nascente do rio, que tem 2.700 quilômetros de extensão e atravessa seis Estados e o Distrito Federal, foi detectada por funcionários da universidade, que visitam o local diariamente. “O pessoal mais antigo aqui do parque está assustado (com a seca)”, diz.
O rio nasce a cerca de 1.200 metros de altitude, em um dos pontos mais altos do parque, que tem 200 mil hectares de área.
A água brota de diversos “olhos d´água” e pequenos riachos que formam a nascente do Velho Chico, como o rio é afetuosamente chamado.
“Se a nascente seca, (o rio) vai ficar com pouca água até o primeiro desaguar de outro rio (no São Francisco)”, explica o vice presidente co Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Ele não soube dizer em que ponto isso ocorre.
A estiagem rigorosa não afeta somente a nascente. A represa de Três MARIAS (a 224 km de Belo Horizonte), a primeira do São Francisco, está com a vazão crítica (6%, apenas).
Segundo Soares, a vazão atual é de cerca de 60 m³/s, quando o esperado mesmo para épocas de estiagem é de 300 a 350 m³/s.
“Não choveu a quantidade esperada, mas há necessidade de manter a vazão para a energia elétrica, o que diminui o reservatório”, explica Soares. “Precisamos trabalhar com as pessoas e com as empresas para que seja feito o uso racional da água”.
De acordo com o Comitê, a previsão é que a situação seja normalizada com o aumento no volume de chuva em meados de outubro.
Chuva vai recuperar São Francisco
Comitê da Bacia Hidrográfica espera que período chuvoso, em outubro, acabe seca na nascente.
CORREIO DA PARAÍBA – Edição de 28/09/2014
Brasília (Abr) – A nascente principal do Rio São Francisco na Serra da Canastra, em Minas Gerais, que secou, tende a se recuperar com as chuvas previstas para a segunda quinzena de outubro. Segundo o vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Wagner Costa, a seca é provisória e a situação da nascente deve se normalizar com a chegada das chuvas.
Membros do Comitê reuniram-se na tarde de sexta-feira, em Belo Horizonte, para discutir o assunto. Segundo Costa, a longa estiagem reduziu a vazão nos diversos rios que abastecem a calha do São Francisco. “Com a volta das chuvas esperamos que a nascente retorne. Ela é considerada a nascente principal, só que não influencia como um todo, apenas naquele primeiro trecho do rio. E ela não está, em princípio, seca permanentemente. Havendo a infiltração da água, o lençol freático será abastecido”, explicou.
O diretor do Parque Nacional da Serra da Canastra, Luiz Arthur Castanheira, segue o mesmo raciocínio. “Com a seca, os pequenos córregos que formam a nascente, na região do parque, secaram. Agora é ficar de olho na previsão do tempo e esperar chover”, disse Castanheira. Ele destacou que outras nascentes continuam abastecendo o rio, que corre normalmente nos trechos mais baixos da nascente principal.
Mesmo acreditando que a situação tende a se normalizar com a chegada das chuvas, o CBHSF alerta para o uso da água, principalmente em regiões dependentes do rio. “Temos que fazer uma campanha pelo uso racional da água, é um assunto para agora. Em um primeiro momento, a vazão reduzida pode causar problemas com a biodiversidade. Com menos vazão, o rio reduz o ambiente para flora e fauna, e isso pode causar algum desequilíbrio biológico no futuro”, ressaltou Costa.
A reunião co Comitê também concluiu que certas providências são necessárias para preservar as nascentes e os lençóis freáticos que abastecem o São Francisco. O plantio de árvores às margens do rio e no alto dos morros e montanhas está entre as medidas recomendadas, assim como o uso adequado do solo, impedindo que a água da chuva escorra antes de ser absorvida pela terra.
Tais medidas ajudam a infiltração da água da chuva no solo, abastecendo os lençóis freáticos e, consequentemente, as nascentes. “O trabalho de revitalização do rio tem que ser constante, contínuo daqui para frente. É bom que haja um choque como este (nascente que secou) para que as pessoas tomem consciência e adotem uma atitude positiva de recuperação dos rios, usando a água com parcimônia”, afirmou Costa.
Sobre o assunto:
Diretor de parque diz que principal nascente do Rio São Francisco secou
http://www.remabrasil.org/Members/suassuna/campanhas/diretor-de-parque-diz-que-principal-nascente-do-rio-sao-francisco-secou/view
O São Francisco já é um rio intermitente, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)
http://www.remabrasil.org/Members/suassuna/artigos/o-sao-francisco-ja-e-um-rio-intermitente-artigo-de-roberto-malvezzi-gogo/view
Situação lamentável do São Francisco em Iguatama (MG)
"RIO SÃO FRANCISCO PASSADO E PRESENTE - IGUATAMA MG"
Rio Verde Grande secou.
https://www.youtube.com/watch?v=T-5GFGQj1Bo&feature=youtu.be
Situação volumétrica dos reservatórios das hidrelétricas da CHESF - 26/09/2014
http://www.remabrasil.org/Members/suassuna/campanhas/situacao-volumetrica-dos-reservatorios-das-hidreletricas-da-chesf-26-09-2014/view
Consequência da pior estiagem no Sudeste, nascente do Velho Chico está seca
http://www.remabrasil.org/Members/suassuna/campanhas/consequencia-da-pior-estiagem-no-sudeste-nascente-do-velho-chico-esta-seca/view
Hidrovia do São Francisco pode parar a qualquer momento
http://espaconoticiascomgilmardantas.blogspot.com.br/2011/08/hidrovia-do-sao-francisco-pode-parar.html
Solução da crise do Rio São Francisco não depende só de chuva
http://www.remabrasil.org/Members/suassuna/campanhas/solucao-da-crise-do-rio-sao-francisco-nao-depende-so-de-chuva
Rio São Francisco pode secar em um mês
http://www.remabrasil.org/Members/suassuna/campanhas/rio-sao-francisco-pode-secar-em-um-mes/view
Represa de Três Marias, no Norte de MG, está com 6% de seu volume útil
http://www.remabrasil.org/Members/suassuna/campanhas/represa-de-tres-marias-no-norte-de-mg-esta-com-6-de-seu-volume-util/view
SUPER FATURAMENTO em obras da transposição do Rio São Francisco
https://www.youtube.com/watch?v=qKkqgsqbjAo
Transposição do São Francisco Promessa sem Fim
https://www.youtube.com/watch?v=1wd0e5DJ65E
COMENTÁRIOS
João Suassuna – Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Recife
Com a exaustão da principal nascente do rio São Francisco, creio ser prematuro todo e qualquer juízo de valor que se faça a respeito do retorno do fluxo dessa nascente. Com a forte degradação ambiental existente naquela região, a chegada de novas chuvas, não garante, em absoluto, a infiltração da água no solo, e nem tampouco a volta da normalidade da nascente. Achei que a matéria em questão, trás consigo uma falta de sensibilidade em relação à gravidade da situação. O fato de dizer que a nascente não influencia o rio como um todo, mas apenas aquele primeiro trecho da sua bacia, e de que as outras nascentes e afluentes continuam abastecendo o rio São Francisco, não procede. Lembro que foi a primeira vez que essa exaustão ocorreu e, portanto, apenas um estudo mais detalhado, no local da nascente, pode vir a comprovar esse fato. O que o rio São Francisco está necessitando é de uma avaliação sistêmica e mais detalhada em toda a sua bacia hidrográfica. Tem-se, necessariamente, que se começar um estudo, que considere a exaustão da nascente principal do rio; passando pela situação deplorável em Iguatama (região próxima a sua nascente), onde o Velho Chico corre apenas com um filete de água; a interrupção dos fluxos do rio Verde Grande, um de seus principais afluentes; os baixos volumes acumulados na represa de Três Marias (apenas 6%); a possibilidade de, em Pirapora, se andar de bicicleta no leito seco do rio; a interrupção da hidrovia que transporta a produção de grãos da região, pela incapacidade de se navegar com embarcações de grade calado; a possibilidade de o Velho Chico interromper seu fluxo em um trecho de 40 km, a jusante de Três Marias; a impossibilidade de o projeto da transposição atender as demandas previstas para o abastecimento de 12 milhões de pessoas e para a irrigação de 350 mil ha no Setentrional nordestino que está sedento; os recordes históricos das afluências volumétricas do São Francisco, na represa de Sobradinho (chegou a atingir 330 m³/s) e os lançamentos volumétricos, de Sobradinho para o Sub-Médio e o Baixo São Francisco, de apenas 1.100 m³/s, contrariando uma determinação do IBAMA, que exige um volume mínimo, na foz do rio, de cerca de 1.300 m³/s. Temos que dar uma resposta à sociedade, a todas essas questões, e iniciar um programa verdadeiro de revitalização da bacia do rio, para que possamos entregar, às gerações futuras, um rio em condições de continuar fazendo jus ao nome que recebeu, de rio da integração nacional.
José do Patrocínio Tomaz Albuquerque - Hidrogeólogo e Consultor
Prezado João Suassuna.
Este assunto foi objeto de debate na ABRH-Gestão. Transcrevo aqui a minha mensagem com o diagnóstico que fiz sobre o tema:
“Já disse isso aqui: o grande e maior papel desempenhado pelas águas subterrâneas, contidas e emescoamento em Sistemas Aquíferos é assegurar a vazão de base de sistemas hidrográficos. No caso do Alto São Francisco, pelo menos até Pirapora, esta vazão é proveniente de sistema aquíferos pouco produtivos, uma vez que estão relacionados com rochas de baixa permeabilidade, como são as rochas constituintes dos grupos ou formações geológicas denominadas de Canastra, Três MARIAS e Bambuí, todas metamórficas e de idades Pré-Cambrianas (Período Proterozóico), em que pese a presença de algumas camadas de quartzitos (alguma permeabilidade) integrando os dois primeiros grupos, e de calcários metamorfisados (mármores), principal componente do Grupo Bambuí, dotado de permeabilidade cárstica, mas mal distribuída (heterogênea) no espaço, embora um pouco mais permeáveis . Em média, a vazão de base em Três Marias situa-se em torno de 317 m3/s, com um mínimo minimorum verificado no ano de 1971, mês de Julho (seca) de 58 m3/s (Freitas & Gondim Filho, 2004). Não é difícil perceber que, com a seca atual e com a exploração dos sistemas aquíferos por poços e, ainda, com o desmatamento, esta vazão tenha atingido valores inferiores a esse. No caso das nascentes do São Francisco (existe mais de uma), todas situadas no Grupo Canastra, constituinte cristalino da serra homônima, a vazão das mesmas se tornou nula pelas mesmas razões, influindo, também, ponderadamente, o desmatamento extensivamente praticado na bacia. Tudo isto significa que, enquanto não considerarem, na gestão de bacias hidrográficas e de reservatórios superficiais nelas construídos, o papel desempenhado pela vazão de base, os rios e suas bacias, sob a ocorrência de secas, cada vez mais severas, terão suas vazões reduzidas e, no extremo, os seus regimes hidrológicos alterados, ficando profundamente dependentes do regime das chuvas e de sua pluviometria. É isso, no meu entender, o que está ocorrendo. O uso do volume morto pode até resolver o problema das demandas múltiplas, socioeconômica e, principalmente, ambientais, por certo período, mas a solução da oferta segura passa, impreterivelmente, pelas relações hidrológicas entre as águas fluviais e suas vazões de base. Repor a cobertura vegetal e disciplinar a exploração das águas subterrâneas de forma a repor e não comprometer, respectivamente, quantitativa e qualitativamente, estas relações é imperativo de uma gestão sustentável”.
Adicionalmente, sou forçado a discordar da avaliação feita pelo vice-presidente do CBSF, Wagner Costa, segundo o qual “a situação da nascente deve se normalizar com a chegada das chuvas”. Não necessariamente. Isto vai depender do volume infiltrado nos aquíferos situados a montante, certamente afetados em sua capacidade de infiltração original, e da velocidade de circulação da água subterrânea no interior destes aquíferos. Não tenho dados sobre esta velocidade (produto da permeabilidade K com o gradiente hidráulico i, ou seja v = Ki). Mas, é uma velocidade muito pequena, algo em que K é da ordem de 10-3 m/dia e i se situando em torno dos 10-2 (admensional), do que resultaria uma velocidade de escoamento de, apenas, 10-5m/dia, ou seja, 0.01 mm/dia. Comparada com a velocidade do escoamento direto (diretamente dependente das chuvas), da ordem de m3/s, o fluxo de água subterrânea é muito lento e leva meses e até anos para ser reposto. Com o cessar das chuvas e anulação do escoamento direto (praticamente, isso se verifica ao cabo de algo como 2 a 3 dias), a fonte continuaria praticamente seca, uma vez que para repor uma vazão da ordem de 60 m3/s, se necessitaria de uma área de contribuição (frente de escoamento vezes espessura saturada) muito grande.
O que poderia melhorar a capacidade de infiltração afetada pelo DESMATAMENTO e ocupação do solo a montante, seria tomar medidas, além das citadas pelo Sr. Wagner Costa, para implantar o que em hidrogeologia se denomina de infiltração induzida. Esta consiste em retardar o escoamento direto da rede hidrográfica a montante das nascente, pela construção de valas ou de pequenos diques que aumentem o tempo de residência do escoamento direto, facilitando, com isso, o processo de infiltração.
Essa a minha avaliação.
Abraços,
Patrocínio
Roberto Malvezzi (Gogó) - Membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Bahia
Caro João,
Minha convicção é que não podemos olhar apenas o fato de secar a nascente...Esse fato só é compreensível dentro do processo...E o processo é de depredação contínua da bacia do São Francisco. A nascente rebrotar é provável...Improvável é que as autoridades e o mundo econômico mudem sua relação com a bacia do São Francisco, que mude de uma relação de exploração e esgotamento para o cuidado e a sustentabilidade.
Abs.
Gogó.
por João Suassuna — Última modificação 30/09/2014 10:16
COM NASCENTE SECA, RIO SÃO FRANCISCO AGONIZA EM PIRAPORA (MG)
Photo Project Shows The Culture And Counterculture Changes Of Women In The Past 100 Years | BuzzWok.com | The Best Buzzing Stories Frying In One Place (Buzzwok)
Em Pirapora, município cravado no meio Norte de Minas Gerais e um dos mais belos trechos do rio, o leito do São Francisco está em filetes d’água há semanas – em alguns trechos praticamente secou, conforme revelam fotos enviadas por leitores.
http://colunaesplanada.blogosfera.uol.com.br/2014/10/02/com-nascente-seca-rio-sao-francisco-agoniza-em-pirapora/
Leandro Mazzini
02/10/2014 10:30
Fotos de Aparício Mansur
Além da estiagem, e da notícia preocupante da seca na nascente ( lembre aqui ), há fatores agravantes como assoreamento e poluição. Em alguns pontos debaixo das duas pontes na cidade, atravessa-se a pé onde havia forte correnteza.
Pirapora fica a 500 km do Parque Nacional da Serra da Canastra, a nascente do rio.
Atualização quinta, 2, 16h – Ao ler esta notícia, o engenheiro ambiental Jurandir Lima, de São Paulo, enviou mais fotos de recente excursão que fez pela rota do Rio Chico, confirmando a grave situação do leito – quando há.
“No ano de 2000 realizei uma expedição percorrendo todo o Rio São Francisco, desde a nascente até a foz, no Atlântico. No ano de 2002 iniciei minhas pesquisas sobre o Grande Sertão: Veredas, tão bem descrito pelo Guimarães Rosa, e, desde então, retorno à região todos os anos'', diz Lima, que refez o roteiro semana passada e conferiu de perto a situação calamitosa do percurso, em especial Três Marias, Pirapora e Januária.
“Nunca vi o 'Velho Chico' tão seco quanto desta vez. A situação é de doer o coração. Em Três Marias, conversei com seu Norberto dos Santos – pescador que mora às margens do Rio, há 55 anos – que afirmou nunca ter visto o rio desta maneira (a represa de Três Marias está com apenas 6% da sua capacidade de armazenamento e, se chegar a 4%, vai parar de gerar energia elétrica).
Em Várzea da Palma, município entre Três Marias e Pirapora, o engenheiro ambiental lembra que cruzou um riacho afluente do São São Francisco que simplesmente secou. “Conversei com seu Gerson Gonçalves – 80 anos, morador local desde que nasceu – e disse que 05 vacas do seu rebanho já morreram pela seca''.
Neste link, um documentário de Jurandir com o cineasta Silvio Tendler sobre a rota de Grande Sertão, Veredas.
Imagem mostra o alto banco de areia no leito seco do rio Chico, em Pirapora – em situação normal, toda esta área estaria alagada. Fotos de Jurandir Lima
Leito de riacho afluente do rio Chico secou em Várzea de Palma, município próximo a Pirapora.
COMENTÁRIOS
João Suassuna - Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Recife
O que já vinha sendo anunciado, vazia tempo, aconteceu: o Velho Chico secou na região de Pirapora (MG). Creio que é cegada a hora de começarmos a cobrar das autoridades responsáveis pela implantação do projeto da Transposição de suas águas, uma explicação sensata para esse trágico acontecimento, tendo em vista a existência, na região setentrional nordestina, de alternativas de abastecimento do povo, mais viáveis, não só no caráter técnico, mas, e principalmente, no econômico. Imposta a transposição goela abaixo do povo nordestino, a situação de penúria hídrica pela qual passa o rio da Integração Nacional, fará com que esse projeto seja encarado como troféu de incompetência do atual governo, no trato das questões ambientais do país, cujo rio São Francisco estava sendo protagonista do maior programa hídrico/ambiental da América LATINA , bancado com recursos do cidadão brasileiro. Com a palavra o Governo do meu País!
por João Suassuna — Última modificação 02/10/2014 17:17
domingo, 24 de agosto de 2014
Nordeste exporta energia para o Sudeste
Ajuda é pequena, porém simbólica: ocorre pela primeira vez na história da região.
http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/economia/pernambuco/noticia/2014/08/12/nordeste-exporta-energia-para-o-sudeste-139874.php
Giovanni Sandes
Produção de térmicas é a maior pressão na conta de luz
A crise da água no Sudeste trouxe um marco simbólico para o setor elétrico do Nordeste, que este mês deixou a condição histórica de importador de energia de outras áreas do País para exportar eletricidade. Desde o início de agosto a região já enviou, em três dias diferentes, energia para ajudar a socorrer a chamada caixa d’água do País, o Sudeste, onde a população e as hidrelétricas sofrem sem chuvas. A ajuda é pequena, mas surpreende especialistas pelo significado histórico e por ser motivo de alerta. O socorro vem do acionamento máximo das usinas térmicas, caras, poluentes e principais responsáveis pelo arrocho no preço da energia que já começa a pipocar no País – e que vai pesar em Pernambuco do ano que vem até 2017.
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Térmicas superam hidrelétricas no Nordeste
Dados do Operador Nacional do Sistema (ONS), responsável por coordenar o funcionamento de usinas e linhas de transmissão do Brasil inteiro, mostram que as térmicas do Nordeste bateram novo recorde no último sábado, ao produzir 4.589 megawatts-médios de energia. Foi mais da metade do necessário para a região, em época de chuvas e consumo baixo de energia.
Durante todo o fim de semana, bem como no último dia 2, a região gerou um pequeno excedente, de 2% de sua produção, e enviou para o Sudeste por linhas de transmissão. No Brasil, o sistema elétrico é interligado e permite a troca de energia entre regiões.
Por ter base não na tradicional energia hidrelétrica, limpa e mais barata, e sim na térmica, a exportação de eletricidade preocupa. “Isso não é bom. É péssimo para o Nordeste e para o Brasil”, explica Conceição Cavalcanti, consultora em Regulação e Comercialização da C&T Assessoria e Gestão de Energia. “O Nordeste aumentou ao máximo a geração térmica para manter equilibrado o sistema elétrico nacional. Isso encarece ainda mais o custo da energia”, comenta.
As térmicas geram eletricidade com a queima de gás ou óleo e podem ser ligadas a qualquer momento. Assim, elas se multiplicaram após o racionamento de 2001, causado justamente pela falta de chuvas, para dar segurança ao País. Mas são poluentes e caras e viraram um “seguro-apagão”, uma RESERVA . Desde setembro de 2012, contudo, a seca que afeta o Nordeste e o Sudeste motivou o uso regular das usinas.
“A situação hídrica difícil não é do Sudeste ou Nordeste. É do Brasil inteiro”, afirma José Antônio Feijó, do Instituto Ilumina. Ele diz não lembrar de o Nordeste já ter exportado energia. “É um fato bastante inusitado”, comenta.
Confira a íntegra da reportagem no JC desta terça-feira (12).
Confira o Balanço de Energia AQUI
COMENTÁRIOS
João Suassuna - Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Recife
A prova, mais do que clara, de que o Rio São Francisco não poderá dispor de seus volumes para o abastecimento do povo, por intermédio do projeto da transposição de suas águas. A seca é generalizada e está podo em risco todo o sistema gerador do país. Acertamos mais uma vez em nossas previsões decanas. Ora, esse envio de energia das termelétricas, do Nordeste para a região Sudeste, é a assinatura do atestado de incompetência de nossas autoridades no que diz respeito às causas sanfranciscanas. Mesmo com essa deficiência hídrica generalizada, não se surpreendam com a existência de proposta de envio de água do Velho Chico para a solução dos problemas de abastecimento dos paulistanos. Ninguém merece!
por João Suassuna — Última modificação 12/08/2014 17:53
Meus Prezados,
É preciso que Sua Excelência comece a colocar no rol de suas preocupações, a incapacidade de o rio São Francisco vir a satisfazer, com suas águas, as demandas do povo nordestino, por intermédio do projeto da Transposição. Lembro aos menos avisados, que no município de Pirapora (início do Médio São Francisco), a bacia do Velho Chico está com a sua ossatura à mostra, e o povo vem atravessando o rio de bicicleta, fato inusitado que bem demonstra a total incapacidade do São Francisco no fornecimento dos volumes que serão pretendidos pelo referido projeto.
Ministra do Meio Ambiente alerta para baixa reserva de água no Brasil
É preciso discutir a questão da reserva de água, diz ministra.
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, alertou ontem (20) para a baixa reserva de água no país, lembrando a situação vivida no início desta semana pelos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo e Minas Gerais em relação ao abastecimento do Rio Paraíba do Sul.
Izabella disse que o país precisa discutir a questão. “Se você tirar todos os reservatórios de energia elétrica do país, sobra muito pouco para o abastecimento. Temos que discutir a reservação e também a estrutura de redundância.” Ela citou o próprio Rio de Janeiro, explicando que o estado tem “forte dependência” do Rio Paraíba do Sul por ter pouca reservação. A estrutura de redundância citada pela ministra trata da existência de sistemas auxiliares de estrutura hídrica que podem suprir eventuais falhas no sistema principal.
“Se não chover em determinada região, seria possível deslocar água de outras áreas para atender àquela região. Segurança hídrica é garantir que se oferecerá água em situações de estresse”, explicou a ministra, após o lançamento do Plano Nacional de Segurança Hídrica (PNSH), em Brasília.
O PNSH vai ao encontro dos problemas enfrentados pela Região Sudeste nos últimos dias. O objetivo é diagnosticar quais áreas de gestão e de infraestrutura do setor devem sofrer alterações para que não haja escassez no fornecimento de água a partir dos próximos anos.
De acordo com o diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, o PNSH vem para garantir o abastecimento de água para a população, independentemente da ocorrência de chuvas no país. OTRABALHO da agência nesse cenário é planejar as mudanças que serão executadas pelos estados ou pelo governo federal em uma etapa posterior.
O plano é resultado de uma parceria entre a ANA, o Ministério da Integração Nacional e o Banco Mundial, no âmbito do Programa de Desenvolvimento do Setor Água. O PNSH tem prazo até 2020 para identificar as necessidades do setor de recursos hídricos e até 2035 para realizar as intervenções necessárias em barragens, sistemas adutores, canais e eixos de integração. A meta é que as obras identificadas pelo plano sejam realizadas, primordialmente, pelo Ministério da Integração Nacional e seus parceiros nos estados e em âmbito federal.
Por Marcelo Brandão, da Agência Brasil.
EcoDebate, 21/08/2014
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COMENTÁRIOS
João Suassuna - Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Recife
É preciso que Sua Excelência comece a colocar no rol de suas preocupações, a incapacidade de o rio São Francisco vir a satisfazer, com suas águas, as demandas do povo nordestino, por intermédio do projeto da Transposição. Lembro aos menos avisados, que no município de Pirapora (início do Médio São Francisco), a bacia do Velho Chico está com a sua ossatura à mostra, e o povo vem atravessando o rio de bicicleta, fato inusitado que bem demonstra a total incapacidade do São Francisco no fornecimento dos volumes que serão pretendidos pelo referido projeto.
por João Suassuna — Última modificação 21/08/2014 15:23
*Campanha do bilhão*.
Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco.
Encerrado o prazo legal (em 5 de julho) para o registro das candidaturas ao
pleito presidencial de 2014, onze candidatos se registraram junto ao
Tribunal Superior Eleitoral. De acordo com os dados apresentados pelos
partidos políticos, o gasto estimado com a campanha será próximo de R$ 1
bilhão de reais. Com nove concorrentes, a campanha presidencial de 2010
totalizou despesa de R$ 289,20 milhões (em valores da época).
Sabemos nós, moradores da ilha da fantasia chamada Brasil, que os valores
oficiais apresentados estão longe de representarem o que realmente se gasta
em uma campanha eleitoral. Nada se fala dos valores paralelos, o “caixa
dois” ou outro nome que se queira dar. Portanto, sem medo de errar, podemos
multiplicar por três os gastos oficiais sugeridos para 2014. O que elevaria
os gastos na campanha à Presidência da Republica deste ano para mais de
três bilhões de reais. Numero impressionante por si só, mas quando se
agregam os gastos das candidaturas a governador, deputados federais e
estaduais pelo país afora, verifica-se uma deformação, pois as grandes
somas em dinheiro envolvidas acabam anulando a vontade popular. Desta
forma, o voto não representa mais o cidadão. É o poder econômico que elege
para atender aos seus interesses mesquinhos.
O financiamento das campanhas no Brasil, ou seja, o modo como os partidos
políticos custeiam suas campanhas eleitorais, segundo a legislação vigente,
pode vir de recursos públicos e privados. Oficialmente, a forma de
arrecadação e de aplicação dos recursos são submetidas a um complexo
conjunto de regras que deveriam controlar, enquadrar e multar o candidato,
sempre que houvesse abusos contra as regras eleitorais. Mas não servem para
muita coisa. Regras podem ser boas quando cumpridas, no entanto, na ilha da
fantasia, é tudo “faz de conta”. A fiscalização praticamente não existe. E
quem deveria fazê-la “olha para o outro lado”. Uma vergonha.
Quanto à origem, os recursos destinados às campanhas eleitorais podem ser
recursos próprios dos candidatos, doações de pessoas físicas, doações de
pessoas jurídicas, doações de outros candidatos, de comitês financeiros ou
partidos políticos, receitas decorrentes da comercialização de bens e
serviços ou da promoção de eventos, bem como da aplicação financeira dos
recursos de campanha.
O projeto *Às Claras *(http://www.asclaras.org.br/@index.php), atuando
desde 2002, mostra que as eleições no país são “compradas” pelos grandes
grupos econômicos, que se constituem na fonte mais importante de
financiamento das campanhas. As empreiteiras dominam as doações. Para elas
é um investimento com retorno certo. Segundo o Instituto Kellog para cada
real doado a candidatos, as empresas obtêm R$ 8,50 em contratos públicos.
Os maiores financiadores de campanhas, não por acaso, são justamente
aqueles com interesse em licitações de serviços públicos. As mais
conhecidas no Brasil, por sua atuação no setor de construção civil, as
chamadas “quatro irmãs” – Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade
Gutierrez – são as maiores financiadoras das eleições. Alguma dúvida do
porquê estas empresas e suas terceirizadas dominam o cenário das obras
publicas?
A farsa da democracia é construída desde a legislação eleitoral, que
determina as regras do jogo, indo até o empresariado que financia as
grandes campanhas eleitorais. Daí a necessária reforma política. Não se
pode admitir que nosso país tenha “donos”. Obviamente uma reforma
substantiva não ocorrerá com este Congresso Nacional. E talvez com nenhum
outro, enquanto não alterarmos sua atual genética, moralmente corrompida.
Para quem ainda não desistiu, a *participação *é a pedra de toque para as
mudanças que a maioria deseja para o país. Se discutirmos sobre as próximas
eleições tanto quanto se discutiu sobre o acidente que tirou Neymar da
seleção brasileira, com certeza estaremos no caminho para construir um país
melhor para a maioria do seu povo.
Informações sobre o Fórum Social Temático Energia a ser realizado em
Brasília de 7 a 10 de agosto: www. fst-*energia*.orgEis uma uma contribuição ao debate energético.
Caso considere interessante, por gentileza queira divulgar,
cordialmente,
Heitor
terça-feira, 5 de agosto de 2014
Térmicas continuarão ligadas no mínimo até o fim do ano
Conforme o ONS, a expectativa é que haja uso "acentuado" dessas usinas nos próximos meses e até em 2015.
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/negocios/termicas-continuarao-ligadas-no-minimo-ate-o-fim-do-ano-1.1063532
Com o maior custo da energia térmica, as distribuidoras tiveram que ser ajudadas pelo governo e por empréstimos feitos por meio da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, que acabarão sendo pagos pelo consumidor
Em 12 meses, a energia residencial soma uma alta de 7,95%. O indicador acumulado mostra que o benefício da redução das tarifas de energia em 16%, no ano passado, já ficou para trás, diante da necessidade de reajustes maiores
Fortaleza/Rio de Janeiro. Após a série de reajustes tarifários de dois dígitos aprovados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para grande parte das distribuidoras do País neste ano, tendo em vista o maior custo da energia gerado pelo acionamento das usinas termelétricas, os consumidores brasileiros devem voltar a sentir o peso da energia elétrica em seus orçamentos no próximo ano. Desta vez, o aumento pode vir além do esperado.
Tendo em vista o volume insuficiente de chuvas para recuperar o volume dos reservatórios das principais hidrelétricas do País, o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp, afirmou, ontem (22), que as usinas termelétricas em operação deverão ficar ligadas até o final deste ano. Segundo ele, a expectativa é que haja uso "acentuado" das termelétricas nos próximos meses e até no próximo ano.
Segundo projeção da ONS, os reservatórios das usinas das regiões Sudeste e Centro-Oeste (a principal fornecedora de energia ao Sistema Interligado Nacional) devem fechar julho, em nível de 33% de energia armazenada, chegando a 18,5%, em novembro deste ano, caso as previsões meteorológicas se confirmem. Na última segunda-feira, o nível dos reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste era de 34,68%, conforme o ONS. Já no Nordeste, o nível dos reservatórios das hidrelétricas estava em 33,61%. As hidrelétricas do Sul e do Norte possuíam os melhores níveis de armazenamento: 92,59% e 87,98%, respectivamente.
Funcionamento
Conforme Hermes Chipp, mesmo que o regime de chuvas que enche os reservatórios das principais hidrelétricas do País seja equivalente à média histórica, as termelétricas vão continuar funcionando.
"(O objetivo é garantir) o armazenamento (de água nos reservatórios). Não deixar o nível cair tanto e tentar recuperar um pouco o reservatório e dar uma tranquilidade", disse.
Impacto para o consumidor
Na avaliação do presidente do Conselho de Consumidores da Companhia Energética do Ceará (Coelce), Erildo Pontes, o impacto do consumo da energia gerada por usinas termelétricas deverá ser muito mais forte para o consumidor no próximo ano. "Seguramente, nós vamos ter um aumento muito grande em 2015, seja reajuste ou revisão", diz, lembrando que, neste ano, a tarifa de energia do Ceará teve um reajuste médio de 16,77% aprovado pela Aneel, acima do pleito feito pela Coelce.
"Para a sociedade, é extremamente preocupante a situação que a gente vive no momento. Quando o ONS diz que 100% das térmicas estão em operação, significa que boa parte da nossa energia tem um custo muito alto. A geração de energia térmica pode ser de seis a oito vezes mais cara que a energia hidrelétrica", completa.
Campanha
Para Erildo Pontes, uma campanha governamental para conscientizar a sociedade sobre o momento atual e sobre a necessidade de realizar um consumo mais racional seria importante para melhorar um pouco o cenário.
"Tá faltando que o governo tenha coragem para lançar alguma campanha de redução do consumo de energia. É uma irresponsabilidade muito grande que o governo não esteja fazendo hoje o que fez em 2001. Hoje, estamos consumido livremente uma energia mais cara", afirma o presidente do Conselho de Consumidores da Coelce.
Pontes lembra ainda que a ajuda financeira do governo às distribuidoras e os empréstimos realizados por meio da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, serão pagos pelos consumidores. "Mais na frente, isso será pago por todos nós", enfatiza.
Aneel: R$ 6,5 bi resolvem rombo do setor elétrico
Brasília. O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Romeu Rufino, confirmou nesta terça-feira, 22, que o valor demandado pelas empresas de distribuição para resolver o rombo do setor até o fim deste ano é de R$ 6,5 bilhões. A medida será feita por meio de um financiamento bancário da ordem de R$ 3,5 bilhões, além de um empréstimo via BNDES, que deve ser de R$ 3 bilhões. Segundo ele, as condições dos novos empréstimos seguem as mesmas da operação firmada no primeiro semestre deste ano, quando as distribuidoras de energia tiveram acesso a um empréstimo bancário de R$ 11,2 bilhões.
Esse primeiro crédito de R$ 11,2 bilhões foi o suficiente para cobrir as despesas das distribuidoras apenas até abril. "O valor demandado pelas empresas é mesmo de R$ 6,5 bilhões e esse valor, a princípio, resolve o problema até o fim do ano", disse Rufino, ao chegar para a reunião semanal da diretoria colegiada do órgão regulador.
Segundo ele, o BNDES pode entrar no pool de bancos que já foi responsável pelo primeiro empréstimo ou ter um contrato em separado com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que faz a ponte entre as instituições financeiras e as empresas de energia. "Se o BNDES participar, deve aderir à operação já desenhada. A ideia é que sejam as mesmas condições já acordadas", afirmou Rufino. "As garantias dadas são muito robustas e fortes", completou.
O diretor-geral lembrou que o empréstimo ainda está em negociação e disse esperar que o novo contrato possa ser firmado até o dia 31 deste mês, prazo até o qual parte da liquidação dos gastos de maio do setor foi adiada pela Aneel. "Mas se não sair o novo empréstimo até essa data, podemos adiar novamente a liquidação", concluiu.
Esses novos valores repassados ao setor deverão refletir em aumentos gradativos nas tarifas dos consumidores durante dois anos, a partir de 2015.
Reajustes afetam meta da Inflação
Rio de Janeiro. De acordo com analistas de mercado, a energia elétrica poder ser a principal contribuição para que a inflação do Brasil ultrapasse o teto da meta do governo para este ano, que é de 6,5%.
A energia já foi o principal impacto de alta no índice prévio da inflação - o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) - de junho e deve avançar ainda mais até o fim do ano, com a previsão de novos reajustes.
Com o reajuste de 18% das tarifas da Eletropaulo (as de maior peso no IPCA), a energia elétrica subiu, no País, 1,35% no IPCA-15 de julho. A previsão é de que esse aumento seja ainda mais intenso no IPCA fechado, já que parte do aumento não foi ainda incorporado.
Com altas maiores neste ano por conta dos reajustes mais salgados autorizados pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para a maioria das distribuidoras em razão do custo extra da energia com o uso mais intensivo das térmicas, a energia subiu 6,39% neste ano - acima do IPCA-15 até julho (4,17%).
Acumulado
Em 12 meses, a energia residencial soma uma alta de 7,95%, acima dos 6,51% do índice geral - que neste mês rompeu o teto da meta e se situou no maior patamar desde junho de 2013.
O indicador acumulado mostra que o benefício da redução das tarifas de energia em 16% no ano passado já ficou para trás diante da necessidade de reajustes maiores para as distribuidoras não quebrarem com o aumento do custo da energia comprado das usinas. E os aumentos só não são maiores porque o governo federal empurrou a maior parte da conta para 2015 e 2016, depois das eleição presidencial deste ano.
Peso
Com o novo socorro anunciado pela Aneel às distribuidoras, que deverão receber mais R$ 6,5 bilhões, analistas alertam que essa conta será paga pelo consumidor a partir do ano que vem e a inflação de 2015 já entrará o ano com esse "peso adicional".
A inflação também só não superará a meta deste ano porque outros preços controlados pelo governo foram contidos neste ano eleitoral - algo que costuma ser praxe em todos os anos de pleitos. Um dos exemplos é a tarifa de ônibus, congeladas em importantes capitais do País.
Também não aumentaram o preços das passagens Recife, Distrito Federal, Fortaleza, Salvador e Curitiba. Com isso, os ônibus subiram 3,48% neste ano, abaixo da inflação média.
A expectativa é que esses aumentos represados também ocorram em 2015, segundo analistas. Ônibus e energia são dos itens de maior peso no orçamento das famílias.
Previsões
Apesar dessa contenção de reajustes de preços e tarifas administradas, as consultorias esperam um IPCA muito perto do teto da meta neste ano. A Rosenberg & Associados prevê 6,3% - e conta com a freada dos alimentos para tal. A LCA espera uma taxa baixa também no IPCA fechado em junho (0,07%) diante da expectativa de queda de artigos de vestuário com as liquidações, nova deflação de alimentos e de passagens aéreas, além do recuo dos preços de serviços pessoais.
COMENTÁRIOS
João Suassuna - Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Recife
E as autoridades do setor elétrico, apostaram todas as suas fichas na interligação do setor, para solucionar, de vez, os problemas de geração elétrica do nosso país. Erraram feio! As termelétricas, concebidas para usos emergenciais, agora estão sendo usadas de forma permanente. Essa é a principal razão de o governo ter perdido o controle das tarifas de energia do povo brasileiro. As tarifas, com o uso dessas térmicas, irão parar na estratosfera. E o que dizer da utilização das águas da transposição do São Francisco, rio responsável por cerca de 95% da energia gerada no Nordeste? As autoridades teimam em não aceitar que esse erro irá custar muito caro ao bolso do usuário brasileiro. Ninguém merece!
por João Suassuna — Última modificação 23/07/2014 15:51
Pesquisador João Suassuna contesta irrigação de cana no Semiárido defendida por ministro.
http://www.asabrasil.org.br/Portal/Informacoes.asp?COD_CLIPPING=1263&WORDKEY=Jo%E3o%20Suassuna
Site Rema Atlântico
Verônica Pragana - Asacom
24/08/2011
No último dia 9, o Jornal do Commercio de Pernambuco publicou a matéria “Irrigação terá 5 bilhões”, na qual o ministro da Integração, Fernando Bezerra Coelho, anunciou um projeto nacional de irrigação no Semiárido do Nordeste para viabilizar a “nova fronteira da cana-de-açúcar”.
“O ministro defendeu que essa área por onde vão passar os projetos de irrigação “é a nova fronteira da cana-de-açúcar e o Semi-árido do Nordeste atende a lógica da geração do etanol”. Pelos cálculos do ministério, dos 200 mil hectares a serem irrigados, 100 mil deles poderão ser ocupados com a cana-de-açúcar.”, revela um trecho da reportagem.
Para debater sobre esse projeto, a Asacom entrevistou o pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, especialista no estudo hidrológico do Semiárido, autor do livro “A transposição do Rio São Francisco na perspectiva do Brasil real” e tem mais de 80 artigos publicados, muitos dos quais sobre o projeto de transposição.
O que o senhor acha de plantar cana irrigada no Semiárido?
João Suassuna - O Rio São Francisco é um rio de múltiplos usos, tem uma importância enorme na geração de energia no Nordeste. Já temos mais de 10 mil megawatts de potência instalada no rio. A região é uma grande importadora de energia. No ano de 2010, o sistema Chesf gerou seis mil megawatts médios e a região precisou de oito mil megawatts médios. Ou seja, o rio São Francisco já não atende a geração de energia do Nordeste. Temos que consumir energia vinda de fora. Nós também temos um parque irrigável importante na margem do rio São Francisco, algo em torno de 800 [mil] a um milhão de hectares, dos quais 340 mil já estão irrigados, isso já leva uma fatia enorme da água do São Francisco.
Numa hora em que o São Francisco já não dispõe de volume pra gerar a energia necessária no Nordeste, na hora em que temos um parque de irrigação que cresce essa área a 4% ao ano e já existem projetos em carteira que não vão pra frente porque o rio São Francisco não dispõe de volume pra atender a irrigação daquela área prevista, nessa hora se quer tirar água para irrigar o oeste de Pernambuco, que se fala em 160 mil hectares, dos quais 80 mil só com cana de açúcar. Isso, fisicamente, é impossível atender com os volumes do São Francisco atuais a essa área que estão pretendendo irrigar. A cana de açúcar é um vegetal muito eficiente em pegar os gases atmosféricos e os nutrientes do solo para transformar em sacarose, mas precisa de muita, muita água.
Seguramente, não vamos contar com os volumes [de água] do São Francisco primeiro para atender as demandas de energia e irrigação que já vinham sendo feitas e, agora, querer irrigar mais 160 mil hectares, 80 mil só com cana de açúcar? Fisicamente, isso vai ser impossível.
Asacom - Quando o senhor fala deste parque de irrigação, o senhor inclui o a irrigação prevista no projeto de transposição do São Francisco?
João Suassuna - Não. Porque esta irrigação prevista no projeto de transposição é no Nordeste Setentrional, é fora da bacia do rio, são 350 mil hectares a mais. Isso só tem a agravar o problema.
Eu tenho estudado a questão da transposição há 16 anos, tenho mais de 80 artigos circulando na internet e no ano de 2010 escrevi um livro aproveitando todo esse acervo de informação gerado por mim. Falo, neste livro, sobre as debilidades do São Francisco em oferecer volumes para atender a tudo isto. Já tem a irrigação, a geração de energia no Nordeste e querer levar as águas para atender a 12 milhões de pessoas que estão sedentas e ainda irrigar 350 mil hectares nas margens dos canais, é outra coisa que vai ser impossível. Estou mostrando que existem alternativas mais interessantes.
O próprio governo federal mostrou estas alternativas com a edição do Atlas Nordeste de Abastecimento Urbano de Água, que é um trabalho que está sendo coordenado hoje pela ANA [Agência Nacional de Águas]. É um trabalho que, com metade do custo previsto para a transposição - com R$ 3,3 bi quando a transposição estava prevista no primeiro momento no valor de R$ 6,6 bi - abastece algo em torno de 34 milhões de pessoas no Nordeste, enquanto a transposição visa o beneficiamento de 12 milhões de pessoas. É um projeto socialmente mais abrangente. E, pra surpresa nossa, quem foi priorizado no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) não o foi o Atlas e sim a transposição.
Asacom - Mas esse projeto de transposição revela um modelo de desenvolvimento econômico concentrador das riquezas...
João Suassuna - Pois é. Essa água seguramente não vai atender a quem mais precisa no Nordeste, que é a população difusa, que vive nos pequenos lugarejos, nos sítios, nas propriedades, nos grotões. Essa população, que hoje é assistida por frotas de carros-pipa, ela não vai ver uma gota da água do São Francisco porque essa água, quando abastecer as principais represas do Nordeste, vai ser utilizada pelo grande capital. É um modelo de concentração de renda para os grandes. Os pequenos, as populações difusas, vão continuar sendo assistidas por frotas de caminhões pipa. No nosso modo de entender é exatamente aí onde reside a indústria da seca.
Asacom - De que maneira a sociedade pode se organizar para fazer resistência ao projeto de irrigação de cana no Semiárido?
João Suassuna - Já existe uma ação que no meu modo de entender é muito importante. Foi feito o zoneamento da cana-de-açúcar pela Embrapa, que excluiu a cana-de-açúcar irrigada dos limites do Semiárido porque [a região] não dispõe de volume suficiente [de água] pra praticar esse tipo de cultivo. Antes de se propor um projeto maluco como esse de se tirar água da represa de Sobradinho pra irrigar 160 mil hectares no oeste de Pernambuco, tem que se observar os trabalhos já feitos por órgãos oficiais, como a Embrapa. Se existe um trabalho de zoneamento agrícola que exclui a cana de açúcar dos limites do Semiárido, por que se propor a irrigação de 80 mil hectares de cana no Semiárido? Isso não tem sentido.
Asacom - E ainda há os impactos ambientais de uma monocultura num solo suscetível à desertificação...
João Suassuna - Os solos do Semiárido são solos dificílimos de serem trabalhados, porque nós temos 70% do Semiárido com uma geologia que chamamos de cristalino. A rocha que dá origem ao solo está praticamente na superfície, em alguns lugares chega a aflorar. Esses tipos de solos são difíceis de serem drenados. E essa região tem uma evapotranspiração muito acentuada, evapotranspira no Nordeste seco mais de dois mil milímetros por ano, numa região que chove até 800 [milímetros]. Se você observar diretinho chove mais de baixo para cima do que de cima pra baixo. E se não houver uma assistência técnica adequada, o cidadão que pegar água do São Francisco e começar a irrigar e não se preocupar com a drenagem, vai ter um insucesso tão grande e, a curto prazo, vai começar a salinizar toda a região. Isso é uma coisa que estamos começando a divulgar neste momento.
O que se deveria estar sendo feito hoje no governo Dilma e já tinha questionado isso no governo Lula, era primeiro partir para revitalizar toda a bacia do São Francisco, que está completamente degradada, já não temos mais matas ciliares, as matas estão virando carvão. Em todo o oeste de Pernambuco tem uma jazida de gipsita, que é transformada em gesso sob o uso da lenha da Caatinga. Naquela região, que faz parte da bacia do são Francisco, já não tem mais Caatinga. A gente teria que prestar mais atenção e investir todas as nossas fichas nisso aí e não tirar água do rio para abastecer o povo que nós sabemos que não vai ser abastecido e sim essa água vai ser direcionada para o grande capital, é a criação de camarão, é a irrigação em grande escala e por aí vai.
E outra: temos que dar apoio sim ao trabalho que a ASA [Articulação no Semi-Árido Brasileiro] vem fazendo nessas tecnologias de acesso à água que vem da chuva, que é o caso da cisterna rural de 16 mil litros que abastece uma família de cinco pessoas – água para beber e cozinhar – nos oito meses sem chuva. Isso é uma coisa certa. A gente faz um cálculo de telhado que em um metro de telhado, se chover um milímetro, você tem um litro d´água. E no Semiárido chove até 800 milímetros! Você tendo aquela água e acumula no oitão de casa, isso é uma alternativa que soluciona a questão da água para beber. Partiríamos para o Atlas Nordeste, para o abastecimento de municípios de até cinco mil habitantes, e teríamos soluções extremamente mais viáveis em termos de problemas de abastecimento e não partindo para uma transposição do São Francisco, que é um projeto faraônico que só vai encher os bolsos das empreiteiras e dos grandes empresários.
por João Suassuna — Última modificação 22/07/2014 16:30
O São Francisco já é um rio intermitente, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)
Embora não tenha cortado totalmente seu fluxo de água, o São Francisco já é praticamente um rio intermitente.
A atual defluência – saída de água rio abaixo - da represa de Três Marias, em Minas Gerais, é de 150 m3 por segundo (sic!). Não se espantem, é essa mijada de gato. Portanto, um fiapo de água para o que já foi o grande Rio São Francisco (CBHSF).
Essa realidade é visível a olho nu em municípios como Pirapora. Até a extração de água para abastecimento humano das cidades ribeirinhas já está comprometida. Se formos fala em navegação, pesca, etc., é melhor procurar nas fotografias.
A cidade de Xique-Xique, no médio São Francisco, se abastece de um braço do Velho Chico. Em 40 dias – se o rio não recuperar volume – terá seu abastecimento cortado. A calha central está há mais de trinta quilômetros da cidade. Portanto, Xique-Xique vai conhecer o que é um rio intermitente antes das demais cidades.
Abaixo, em Sobradinho, a defluência está em 1.100 metros cúbicos por segundo. As maiores balsas de transporte de passageiros entre Juazeiro e Petrolina estão encostadas no porto. Não há profundidade para sua navegação.
Gostaria de saber onde andam os políticos, os técnicos, o pessoal do governo que projetou a Transposição e nos diziam com arrogância em todos os debates que a defluência em Sobradinho era - com absoluta segurança - de 1800 metros cúbicos por segundo, portanto, a extração de água para a Transposição seria absolutamente insignificante. Onde será que eles estão?
Em terceiro, abaixo de Xingó, no Baixo São Francisco, a defluência também continua com 1.100 metros cúbicos por segundo, comprometendo até a produção de água para consumo humano e para a bacia leiteira de Alagoas. Sergipanos e alagoanos são os que pagam a conta de toda degradação e irresponsabilidade de quem destrói o São Francisco. Na foz, o mar já adentrou o rio em cerca de 50 quilômetros.
Hoje ainda se fala na Transposição, ela continua na mídia, por muitos considerada ainda como a redenção do Semiárido. Vamos respeitar a ignorância dessa afirmação, afinal o Nordeste e o Semiárido continuam desconhecidos para 90% dos brasileiros, mas vale lembrar que 40% do Semiárido brasileiro estão em território baiano, portanto, longe dos eixos da Transposição.
Quantos ainda falam da Revitalização? Alguém tem alguma notícia?
O São Francisco continua em processo de extinção rápida e fatal. Mesmo assim fala-se em projetos de 100 mil hectares de cana irrigada em Pernambuco, 800 mil hectares de cana irrigada na Bahia, Transposição para outros estados, assim por diante.
Certamente voltará a chover, o rio vai recuperar volume, mas, as secas serão cada vez maiores e mais constantes. A NASA, anos atrás, projetava que o São Francisco seria um rio intermitente em 2060. Realizamos a façanha de antecipar a projeção em mais de 40 anos.
Roberto Malvezzi - É membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT) - Bahia
COMENTÁRIOS
João Suassuna - Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Recife
O que havíamos previsto, nos últimos 20 anos de muita luta, aconteceu: o Velho Chico entrou em estado crítico e já não vai mais poder contribuir, com seus volumes, para o atendimento das necessidades dos nordestinos, sem, antes, acontecer o pior. Nesse artigo, Roberto Malvezzi mostra, de maneira clara, que o rio está dando seus últimos suspiros. Não foi por falta de aviso que essa situação viesse acontecer. Nos debates que participamos, na tentativa de salvar a vida do rio, alertávamos para o pior: por ser um caudal de múltiplos usos, e sem o planejamento devido, era fácil de se chegar à conclusão de que o São Francisco secaria ou pelo menos chegaria à situação em que se encontra. Questionamos isso ao ex-ministro Ciro Gomes, no programa Roda Vida em São Paulo, onde debatemos a questão, que não deu a mínima atenção para as nossas preocupações. Chegamos até a escutar absurdos, de algumas autoridades de que, mesmo colocando um equipamento ultra sensível na margem do rio, este não seria capaz de medir a variação de seu nível, dada a pequena retirada volumétrica que iria ser efetuada. Erraram e erraram feio. O Velho Chico está aí, com a sua ossatura à mostra, para calar a boca daqueles que, em ato de pura imprudência e incompetência para com as causas ambientais, conseguiram por um fim na pujança do rio da Integração Nacional. Esse assunto terá que ser muito bem esclarecido na campanha presidencial que se avizinha.
Ricardo Ramalho - Instituto Terraviva.
Caro João Suassuna,
Classifico a mensagem, embora verdadeira, como cruel e impactante. Não
imaginava essa velocidade vertiginosa na decadência de nosso Velho Chico,
pela sua imponência e serenidade, enquanto vital curso d'água para o
Semiárido Brasileiro. Sem sequer entrarmos no mérito da famigerada
transposição, o rio agoniza sob o ausente olhar do poder público nos seus
três âmbitos. Continuam desmatando suas margens, assoreando seu leito e
poluindo suas águas, contrariando os mais elementares princípios ambientais
para uma propalada revitalização de sua bacia, com a absoluta inércia dos
órgão que deveriam cuidar do meio ambiente. Lamentável, lamentável,
lamentável!
Ecossaudações
Ricardo Ramalho
Engenheiro agrônomo e ambientalista do Instituto Terraviva.
segunda-feira, 9 de junho de 2014
TRANSPOSIÇÃO DE ÁGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO: planejar é preciso, artigo de João Suassuna
Saga da Transposição do Rio São Francisco - Artigo 25 - 10/09/2001
http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=661&Itemid=376
Que as conseqüências das secas sirvam de lição para a necessidade de se planejar melhor as ações estruturadoras no Semiárido nordestino.Cenários controvertidos.
A realidade hídrica, principalmente nos aspectos atinentes à oferta e uso das águas, é tema que, historicamente, tem marcado o debate sobre o Semiárido nordestino. Essas preocupações têm motivado os pesquisadores a se concentrar na busca da compreensão existente entre o clima, o solo, a água e as plantas e sua importância para a população.
Após o agravamento da crise de abastecimento hídrico do Nordeste no ano de 1995, a transposição de águas do rio São Francisco passou a ser vista como a única alternativa possível de solução desse problema. Atualmente, existem dois cenários bem definidos com relação ao tema. O primeiro é o cenário do imediatismo, caracterizado pela ânsia de fazer chegar água, a todo custo, nas torneiras da população (pensamento muito comum na classe política), sem haver, no entanto, a preocupação com as consequências impostas ao ambiente ao se adotar essa alternativa; o segundo é o cenário da ponderação, caracterizado por preocupações constantes (principalmente no meio técnico) com relação às limitações das fontes hídricas na condução do processo transpositório. O primeiro cenário diz respeito às questões do Brasil virtual ou oficial e, o segundo, às questões do Brasil real.As observações realizadas nesse relato estarão contidas no cenário do Brasil real.
Quantitativos hídricos.
Para o tratamento mais adequado das questões hídricas do nosso planeta é imperioso visualizarmos melhor a forma de distribuição das águas nas suas diversas regiões.
O planeta Terra é constituído de, aproximadamente, 1.370.000.000 km³ de água, distribuídos em 2/3 de sua superfície. Com esse considerável volume, o nosso planeta poderia ser chamado de planeta Água. Desse total, 97% compõem as águas do mares e oceanos, portanto são constituídos de águas salgadas. As águas doces correspondem a, apenas, 3% daquele total. Desse pequeno percentual de água doce existente, 2/3 encontram-se localizados nas calotas polares, portanto com água em estado sólido, não havendo, no momento, tecnologia disponível para ofertá-la às populações. O 1/3 restante corresponde a aproximadamente 1% do volume inicial. Esse é o volume disponível para o consumo da população mundial, estimada hoje em mais de 6 bilhões de pessoas.
O Brasil é um país privilegiado em termos de recursos hídricos. Ele detém cerca de 12% da água doce que escorre superficialmente no planeta. Desses recursos, 72% estão localizados na bacia amazônica, região na qual vivem menos de 8% da população nacional. O Nordeste brasileiro detém míseros 3%, 2/3 dos quais encontram-se na bacia do rio São Francisco.
O quadro 1 trata da disponibilidade per capita de água, em diversas regiões do planeta, inclusive no território nacional. Na primeira classe de disponibilidade (> do que 20.000 m³/hab./ano), estão considerados todos os estados da região norte, sendo Roraima o estado campeão em oferta de água do país. Dos estados nordestinos, pertencentes ao Semiárido, apenas o Piauí está em situação confortável (considerado um estado rico em ofertas hídricas, pelo fato de fornecer volumes superiores a 5.000 m³/hab./ano), fato este advindo de riqueza significativa de água em seu subsolo e da existência de um grande rio perene - o Parnaíba - que faz fronteira com o estado do Maranhão; o estado da Bahia (em situação limite em termos de oferta hídrica, com fornecimentos volumétricos superiores a 2.500 m³/hab./ano), chega a ter mais água do que o estado de São Paulo, por ser beneficiado pelas águas do rio São Francisco e possuir áreas sedimentares esparsas, mas significativas, em seu território. A situação dos demais estados nordestinos é preocupante (pobres em água, pelo fato de fornecerem volumes inferiores a 2.500 m³/hab./ano), destacando-se, entre eles, a Paraíba e Pernambuco, como estados campeoníssimos em baixa oferta hídrica para os seus habitantes, cabendo a este último o fornecimento de apenas 1.320m³/hab./ano.
Quadro 1 - DISPONIBILIDADE DE ÁGUA
Disponibilidade
hídrica
per capita
m³/hab./ano País Disponibilidade
hídrica
per capita
m³/hab./ano
Estado
brasileiro Disponibilidade
hídrica
per capita
m³/hab./ano
Abundante
> 20.000 Finlândia
Suécia
22.600
21.800 Roraima
Amazonas
Amapá
Acre
MatoGrosso
Pará
Tocantins
Rondônia
M.G do Sul
Goiás
Rio G. do Sul 1.747.010
878.929
678.929
369.305
258.242
217.058
137.666
132.818
não disponível
não disponível
20.798
Muito rico
> 10.000 Irlanda
Luxemburgo
Áustria 14.000
12.500
12.000 Maranhão
Sta. Catarina
Paraná
Minas Gerais 17.184
13.662
13.431
12.325
Rico
> 5.000 Portugal
Grécia
6.100
5.900 Piauí
Espírito Santo 9.608
7.235
Situação limite
> 2.500 França
Itália
Espanha 3.600
3.300
2.900 Bahia
São Paulo 3.028
2.913
Pobre
< 2.500 Reino Unido
Alemanha
Bélgica 2.200
2.000
1.900 Ceará
Rio de Janeiro
Rio G. do Norte
Alagoas
Distrito Federal
Sergipe 2.436
2.315
1.781
1.752
1.751
1.743
Situação crítica
< 1.500 Paraíba
Pernambuco 1.437]
1.320
Fonte: Secretaria de Recursos Hídricos de São Paulo - 2000
Fragilidad eambiental.
Qual a razão dessa miséria hídrica nos estados nordestinos? O grande responsável por toda essa adversidade existente é o próprio ambiente natural da região, principalmente por seus condicionantes climáticos e geológicos, agravado ainda pela ação inconsequente de seus habitantes (estima-se no Semiárido uma população de cerca de 20 milhões de pessoas, das quais, no exacerbar de uma seca, 10 milhões passam sede e fome).
Geograficamente falando, o Nordeste brasileiro está localizado muito próximo à linha do equador. O Recife está situado a 8° graus de latitude sul. Fortaleza encontra-se a 3° graus. Isso significa que os raios solares incidem de forma perpendicular à linha do solo, fenômeno este que tem influência significativa não apenas na elevada temperatura do ambiente (a média da região é de 26° C) mas, e principalmente, na evaporação e na insolação (evaporam-se no Semiárido mais de 2.000 mm/ano e a região dispõe de mais de 2.800 horas de sol/ano).
Apesar de sofrer a influência de diversas massas de ar formadoras de seu clima (Equatorial Atlântica, Equatorial Continental, Tépida Atlântica, Tépida Kalaariana e Polar), o Nordeste tem clima semiárido em mais da metade de sua área, porquanto essas massas de ar adentram a região com pouca energia, trazendo consequências danosas não apenas pelo baixo volume de chuvas caídas, mas também pela periodicidade irregular dessas precipitações. O quadro 2 mostra alguns exemplos da irregularidade na caída das chuvas no município de Souza, na Paraíba, em anos considerados secos, citados por Guimarães Duque no seu livro "O Nordeste e as Lavouras Xerófilas". Nele observa-se que, no ano de 1941, o total de chuvas caídas foi de 674 mm. No mês de março daquele ano choveu 309 mm, ou seja, 45% do precipitado em todo o ano, e a chuva em um único dia no mês de março foi de 125 mm, ou seja, 40% do que choveu durante todo o mês. Esse aspecto bem demonstra a anormalidade climática da região, tendo a mesma voltado a se repetir nos anos de 1942, 1951, 1953 e 1958.
Ainda com relação às secas, outros fenômenos merecem ser citados: o El Niño, caracterizado pelo aumento de temperatura no Pacífico, próximo às costas do Peru, que provoca deslocamentos de correntes aéreas entre os estados de São Paulo e Paraná, impedindo a subida das frentes frias oriundas da região polar, que interferem nas precipitações do Nordeste, e a variação nas temperaturas do Atlântico, nas suas partes norte/sul, próximas ao litoral nordestino, que também exerce influência significativa na caída das chuvas na região, havendo possibilidades de bom período chuvoso, quando as temperaturas na sua parte sul encontram-se mais elevada, quando comparadas àquelas de sua parte norte.
Com relação à geologia, no Nordeste existem dois grandes conjuntos estruturais: o Escudo Cristalino e as Bacias Sedimentares.
O Escudo Cristalino, que representa cerca de 70% da área semiárida nordestina, é constituído por solos geralmente rasos, nos quais as rochas que lhes dão origem estão praticamente à superfície, chegando a aflorar em alguns pontos. Essas características resultam em baixa capacidade de infiltração de água nesses solos e, por conseguinte, alto escorrimento superficial e reduzida drenagem natural. As únicas possibilidades de existência de água nesse tipo de estrutura encontram-se: nas fraturas das rochas cristalinas e nos aluviões próximos a rios e riachos. As fontes hídricas em tais condições normalmente têm baixa vazão e, como se isso não bastasse, as águas são extremamente ricas em sais.
Um rio que corre sobre o cristalino apresenta-se, na época das chuvas, com muita água, e, dependendo do volume de água caído, com enchentes descomunais. Uma vez encerradas as chuvas, volta ao seu leito normal, diminuindo a vazão paulatinamente e, em determinada época do ano, interrompe o seu curso. É um rio temporário. O melhor exemplo a ser citado de um rio que corre sobre o escudo cristalino, na região semi-árida, é o Jaguaribe, no Ceará, considerado o maior rio seco do mundo.
Quadro 2 - IRREGULARIDADE NA CAÍDA DAS CHUVAS
Paraíba - Município de Souza - Açude de São Gonçalo
Ano de 1941 (considerado seco)
Chuva total do ano
Chuva total do mês de março
Chuva total do dia 6 de março 674 mm
309 mm (45% do ano)
125 mm (40% do mês)
Ano de 1942 (considerado seco)
Chuva total do ano
Chuva total do mês de abril
Chuva total do dia 10 de abril 468 mm
207 mm (44% do ano)
93 mm (44% do mês)
Ano de 1951 (considerado seco)
Chuva total do ano
Chuva total do mês de abril
Chuva total do dia 23 de abril 726 mm
317 mm (43% do ano)
115 mm (36% do mês)
Ano de 1953 (considerado seco)
Chuva total do ano
Chuva total do mês de março
Chuva total do dia 26 de fevereiro 563 mm
254 mm (45% do ano)
113 mm
Ano de 1958 (considerado seco)
Chuva total do ano
Chuva total do mês de março
Chuva total do dia 28 de março 535 mm
275 mm (51% do ano)
127 mm (46% do mês)
Diante dessas características do ambiente cristalino, entendem-se as razões que possibilitaram uma verdadeira corrida para a construção de açudes nessa região. Hoje é estimada, no Nordeste, a existência de mais de 70.000 açudes, os quais são responsáveis pelo represamento de cerca de 30 bilhões de m³ de água (a represa de Sobradinho está excluída dessa estatística por ser considerada o maior lago artificial do Nordeste e de possuir, sozinho, cerca de 34 bilhões de m³ de água). É o maior volume de água represada em regiões semiáridas, no mundo. Apesar de possuir um volume de água considerável, pesa sobre a região uma triste estatística: as 24 maiores represas têm capacidade de acumular 12,7 bilhões de m³, mas apenas 30% desse volume são utilizados na irrigação e no abastecimento das populações. Os 70% perdem-se com a evaporação. Por sua vez, a represa Armando Ribeiro Gonçalves, a segunda maior do Nordeste (a primeira é Sobradinho), localizada no município de Açu, no Rio Grande do Norte, com capacidade de acumular 2,4 bilhões de m³, é subutilizada. Estima-se que ela tenha condições de abastecer toda a população do estado do Rio Grande do Norte nos próximos 20 anos, se considerado um consumo médio de 200 litros/pessoa/dia. Mesmo sendo portadora de riqueza volumétrica significativa, está previsto o seu abastecimento com as águas oriundas do São Francisco, pelo projeto transpositório que se encontra, atualmente, em curso. Esse fato pode ser comparado a uma chuva que se precipita no molhado, se observada a situação de penúria hídrica em que se encontra todo o Seridó norte-rio-grandense, região na qual existem reais necessidades de abastecimento e que não foi contemplada com uma gota sequer das águas do Velho Chico.
Já nas Bacias Sedimentárias, as condições naturais são opostas àquelas do Escudo Cristalino. Normalmente, são caracterizadas pela existência de solos profundos, porosos, com alta capacidade de infiltração, baixo escorrimento superficial e boa drenagem natural. Essas características possibilitam a existência de um grande suprimento de água, de boa qualidade, no lençol freático dessas bacias. No Nordeste, esse conjunto está localizado em cerca de 30% da região semiárida. Pelo fato de representar um percentual muito pequeno, em relação à área total do Nordeste, vale aqui um alerta: não é conveniente se extrapolarem os exemplos de riquezas hídricas existentes nas áreas sedimentárias, para o Nordeste como um todo. São recursos hídricos importantes, sem a menor sombra de dúvidas, mas essas águas devem ser exploradas com eficácia e utilizadas com muita parcimônia, evitando-se. Devem ser evitados os maus exemplos de desperdícios, como aqueles existentes no município de Cristino Castro, região do Vale do Gurguéia, no sul do Piauí, onde poços jorram noite e dia, sem que se saibam os usos que são dados à água.
Quais as características de um rio que tem seu leito sobre o sedimentário? Pelo fato de ocorrerem infiltrações significativas e boa drenagem natural nos solos, os rios, em tais circunstâncias, têm constantemente seus volumes enriquecidos, tornando-se perenes. Nesse aspecto, o melhor exemplo é conferido ao rio Parnaíba que separa os estados do Piauí e Maranhão.
Aldo da Cunha Rebouças, no trabalho "Panorama da Degradação do Ar, da Água Doce e da Terra no Brasil", publicado em 1997 através do CNPq, entre outras análises, mostra os quantitativos volumétricos existentes no subsolo dos principais domínios hidrológicos do Brasil. Nesse trabalho, são destacados os volumes existentes nas bacias sedimentares nordestinas, bem como aqueles existentes no seu escudo cristalino. O quadro 3 evidencia a grande diferença volumétrica existente entre os referidos domínios, cabendo ao escudo cristalino (600.000 km² de área), pertencente ao aquífero principal Zonas Fraturadas, um volume estimado de apenas 80 km³, enquanto na Bacia sedimentar do Maranhão (700.000 km² de área), pertencente ao aquífero principal Arenito Itapecuru, Ar. Cordas-Grajaú, Ar. Motuca, Ar. Poti-Piauí, Ar. Cabeças e Ar. Serra Grande, um volume significativamente maior, estimado em cerca de 17.500 km³ de água. Esses dados mostram que aproximadamente 70% das águas de subsolo existentes no Nordeste, estão localizadas nos estados do Maranhão e do Piauí.
Levando esses conceitos em consideração, ao ser analisada a transposição de águas em si, observa-se que o rio São Francisco corre, por toda a extensão do Semiárido, sobre uma geologia cristalina. Esse fato faz com que todos os seus afluentes apresentem, nessa região, regimes temporários, o que resulta em significativas limitações de vazão, no período de estiagem. Esse aspecto condiciona ao rio uma vazão média histórica da ordem de 2.800m³/s.
O rio tem aproximadamente 2.700 km de extensão, entre o seu nascedouro, na Serra da Canastra (MG), e a sua foz, no pontal do Peba (AL). Ele é subdividido em ALTO (da Serra da Canastra até Pirapora), MÉDIO (de Pirapora até Remanso), SUBMÉDIO (de Remanso até Paulo Afonso) e BAIXO São Francisco (de Paulo Afonso até o Oceano Atlântico). Tudo que ocorre ao longo de todo o rio São Francisco é reflexo do que acontece na sua parte ALTA. É lá onde ocorrem as precipitações que irão abastecer a represa de Sobradinho, responsável direta pela regularização da vazão do rio; é onde são formadas as cheias necessárias para manutenção da vida na parte ribeirinha do rio; é onde a pesca e a navegação se fazem com maior intensidade e é, portanto, a região na qual se deveria ter um tratamento diferenciado por parte de nossas autoridades, o que, na realidade, não vem acontecendo.
Através dos comentários acima, percebe-se o quanto o Nordeste semiárido é frágil em termos ambientais, provavelmente não existindo, com tais características, outra região similar em zonas tropicais de todo o mundo. Somem-se a essas questões, secas sucessivas e uma total falta de planejamento, por parte de nossas autoridades, no usos dos recursos hídricos... O resultado é o que estamos presenciando atualmente no Nordeste: cidades de certo porte como Caruaru (PE) e Campina Grande (PB), com racionamentos de água significativos; cidades como Arcoverde (PE) e Bezerros (PE) com colapso no abastecimento e em estado de calamidade pública, havendo necessidade da intervenção do governo, através do uso de carros-pipa e do envio de um trem carregado com 300.000 litros de água para o abastecimento das populações e, o exemplo mais marcante, a cidade do Recife, com mais de 3 milhões de habitantes em sua região metropolitana, que chegou a ter um racionamento de 9 dias sem água, intercalados com um dia com água em alguns bairros. Essa situação de Recife é lamentável, porquanto a cidade se encontra sobre uma geologia sedimentária riquíssima em água e localizada numa região onde chove, em média, 2.000 mm/ano.
Quadro 3 - PRINCIPAIS DOMÍNIOS HIDROLÓGICOS DE ÁGUA DOCE SUBTERRÂNEAS E INTERVALO DE VAZÃO DE POÇOS NO BRASIL.
Domínio Aqüífero Área
(km²) Sistema Aqüífero
Principal Volume
d’água (km³)
Intervalo Vazão de Poço
(m³/h)
Substrato Aflorante 600.000 Zonas fraturadas 80 < 1 - 5
Substrato Alterado 4.000.000 Manto rochas alteradas
e/ou fraturas 10.000 5 - 10
Bacia Sedimentar Amazonas 1.300.000 Ar. Barreiras
Ar. Alter do Chão 32.500 10 - 400
Bacia Sedimentar
São Luís/Barreirinhas 50.000 Ar. São Luís
Ar. Itapecuru 250 10 - 150
Bacia Sedimentar
Maranhão 700.000
Ar. Itapecuru
Ar. Cordas-Grajaú
Ar. Motuca
Ar. Poti-Piauí
Ar. Cabeças
Ar. Serra Grande 17.500
10 - 1000
Bacia Sedimentar
Potiguar - Recife 23.000 Ar. Barreiras
Calcário Jandaíra
Ar. Açu-Beberibe
230
5 - 550
Bacia Sedimentar
Alagoas - Sergipe 10.000 Ar. Barreiras
Ar. Marituba 100 10 - 350
Jatobá-Tucano-Recôncavo 56.000 Ar. Marizal; Ar. Tacaratu;
Ar. São Sebastião 840 10 - 500
Bacia Sedimentar
Paraná (Brasil) 1.000.000 Ar. Baurú-Caiuá Basaltos
S.Geral; Ar. Furnas/Aquidauana
Ar. Botucatu-Piramboia-R.Branco
50.400
10 - 1700
Depósitos Diversos
773.000
Aluviões, dunas
411 2 - 40
Totais 8.512.000 @ 112.000
O Projeto
Para resolver o problema de penúria hídrica do Nordeste, coube ao governo federal elaborar uma proposta, que consistia no transporte de águas do rio São Francisco para as regiões necessitadas, aproveitando o potencial de oferta hídrica supostamente disponível no rio (o Nordeste possui apenas 3% de toda a água doce existente no País, 2/3 dos quais se encontram na bacia do São Francisco), conforme comentado no início deste relato.
O plano de usar as águas do rio São Francisco para resolver tais problemas, nos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, remonta ao século XIX. Foi em 1886 que o engenheiro Tristão Franklin Alencar de Lima cogitou, pela primeira vez, nessa ideia. Desde então, muitas outras propostas surgiram, mas em nenhuma foi comprovada eficácia suficiente que justificasse sua execução.
Em 1985, novas alternativas foram estudadas pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). Cogitou-se, inclusive, na interligação da Bacia do Tocantins com o Velho Chico. Há sete anos, um outro projeto fracassou. Dessa vez, a ideia do então ministro da Integração Regional, Aloísio Alves, era transportar 280 m³/s de água do São Francisco para quatro estados nordestinos.
A proposta atual prevê, em duas tomadas d’água, a retirada de 127 m³/s a partir da cidade de Cabrobó (PE), eixo norte (de onde serão bombeados até 99 m³/s) e do lago de Itaparica (BA), eixo leste (de onde sairão os 28 m³/s restantes). No Ceará, o rio Jaguaribe e bacias metropolitanas de Fortaleza seriam interligadas pelo Canal do Trabalhador. No Rio Grande do Norte, os rios beneficiados seriam o Apodí e o Piranhas-Açu. Na Paraíba, as águas do Velho Chico alimentariam as vazões dos rios Piranhas e Paraíba. Em Pernambuco, os rios Brígida e Moxotó seriam contemplados.
Para as águas alcançarem as vertentes dos referidos estados, teriam que ser elevadas a 164 metros de altura, no eixo norte, e 304 metros no eixo leste; passarem por túneis e aquedutos e percorrerem dois mil quilômetros de rios e canais a céu aberto, com perdas por evaporação e infiltração. Porém, o bombeamento não seria contínuo, pois o objetivo do projeto visa tão somente suprir alguns açudes para compensar a água evaporada, abastecendo mais de seis milhões de pessoas e irrigando cerca de 300 mil ha de terra a 500 km de distância das margens do rio.
Com os múltiplos usos existentes, será que o rio dispõe ou poderia dispor de água suficiente para suprir essas metas? Com vistas a responder a essa indagação, é necessário tecer alguns comentários sobre a situação em que se encontra a bacia do São Francisco na atualidade.
Rio doente
A bacia do São Francisco abrange uma área aproximada de 640.000 km², em que existem cerca de 500 municípios, dos quais 97 em suas margens, e uma população estimada em cerca de 14 milhões de pessoas.
A primeira questão a ser observada é a poluição existente em suas águas. Pode-se imaginar as consequências ambientais advindas do despejo diário dos esgotos domésticos desse significativo contingente populacional na calha do rio. A grande Belo Horizonte, por exemplo, despeja diariamente seus esgotos - domésticos e industriais - no rio das Velhas e no Paraopeba, importantes afluentes do São Francisco. Trata-se de um problema de saúde pública que terá que ser solucionado, antes mesmo de se fazer uso de suas águas.
Os desmatamentos indiscriminados são outro fator que merece atenção especial na sua bacia. As siderúrgicas mineiras consomem anualmente cerca de 6 milhões de toneladas de carvão vegetal, 40% dos quais oriundos das matas nativas da região. A remoção dessa biomassa para uso industrial tem causado danos significativos ao ambiente: estima-se que 75% das florestas nativas do estado de Minas Gerais, bem como 95% das matas ciliares da bacia do São Francisco tenham sido destruídas.
A expansão da fronteira agrícola, no Noroeste mineiro e em todo o Oeste baiano, principalmente com o plantio do café e da soja irrigados, é outro fator que tem causado danos significativos ao São Francisco. Em regiões possuidoras de uma malha fluvial importantíssima para a regularização da vazão do rio, os desmatamentos praticados, principalmente nas cabeceiras de alguns de seus afluentes, têm ocasionado, com certa frequência, exaustão de nascentes, com consequente diminuição de vazão do Velho Chico, como ocorreu recentemente com os rios Cabeceira Grande, Sucuriú, Capão e Ribeirão do Salitre, todos pertencentes à bacia do rio Corrente, importante tributário do São Francisco. Desprovida de vegetação ciliar, as margens desses rios ficam sujeitas à erosão, trazendo, como consequência, assoreamentos em seus leitos, o que dificulta a navegação. Estima-se que estejam sendo carreados anualmente para o leito do Velho Chico, cerca de 18 milhões de toneladas de solos, volume equivalente a 2 milhões de caminhões caçambas. As balsas que atravessavam o rio, na altura de São Romão (MG) foram impedidas de navegar, devido à formação de bancos de areia naquela localidade, obrigando os usuários a proceder a travessia em um pequeno lugarejo à sua montante, denominado Cachoeira do Manteiga.
Estes comentários são importantes, como formadores de opinião sobre a realidade da região sanfranciscana, e mostram a necessidade de se empreenderem ações estruturadoras e revitalizadoras no rio.
Ações antrópicas
Dois aspectos importantes que devemos levar em consideração para o entendimento da situação em que se encontra a bacia do São Francisco, estão relacionados com as ações desenvolvimentistas realizadas pelo homem. O primeiro diz respeito à exploração do potencial irrigável do rio, estimado em cerca de 3 milhões de hectares, nos quais já foram implantados cerca de 340 mil hectares, ao longo de toda a sua bacia. Considerando-se, para fins de cálculo do consumo de água, 0,5 litro por segundo para irrigar 1 hectare, a exploração dessa área já utiliza atualmente cerca de 170 m³/s das águas do rio.
O outro aspecto a ser considerado diz respeito à implantação do programa de eletrificação do Nordeste pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). A um custo estimado em cerca de 13 bilhões de dólares, a Chesf, ao longo dos últimos 60 anos, explorou, com muita competência e através da saga de um povo, todo o potencial gerador do rio, contando, atualmente, com cerca de 10 mil MW/h instalados. Todo o complexo gerador da Chesf utiliza, do São Francisco, uma vazão mínima garantida de aproximadamente 2.060 m³/s.
A construção das represas das usinas geradoras acarretou enormes problemas para a atividade pesqueira da região. As espécies de piracema estão desaparecendo do rio, devido à impossibilidade que têm de fazerem o seu trajeto natural de subida das corredeiras, para a realização das desovas. Ademais, as águas no interior das represas tiveram a turbidez e a temperatura modificadas, confundindo a fisiologia das fêmeas e abortando as desovas. Ainda com relação a essas questões, o sistema Chesf, após a construção das represas, regularizou a vazão do São Francisco. Esse aspecto fez com que começassem a existir críticas muito fortes, por parte dos que habitam as localidades ribeirinhas, os quais alegam que o rio está correndo com pouca água. Isso despertou o imaginário das pessoas no sentido de começar a entender a razão da captura de peixes de espécies marinhas, como o camurim e o xaréu, em localidades distantes do estuário do rio, como vem ocorrendo no município de Porto Real do Colégio, a aproximadamente 100 km de sua foz. Ora, se o peixe de água salgada consegue adentrar a uma distância de 100 km do seu habitat natural, é porque os níveis de sal nas águas do São Francisco estão tão elevados que possibilitam a formação de um ambiente favorável à sobrevivência de tais espécies. Diante desse fato, está-nos parecendo que as incursões das águas do mar para o interior do rio, estão sendo maiores do que as incursões naturais das águas do rio em direção ao mar. Em outras palavras, o rio está perdendo essa luta.
Águas comprometidas
A irrigação de 340 mil ha, praticada atualmente no vale do São Francisco, já vem comprometendo em cerca de 170 m³/s, a vazão média do rio, que é de 2.800 m³/s. Afora esse aspecto, tem-se que levar em conta, também, os volumes utilizados na geração de energia, estimados em cerca de 2.060 m³/s (vazão mínima garantida), bem como os volumes ditos ecológicos - aqueles relativos à evaporação (exacerbada na região semiárida e que subtrai de Sobradinho cerca de 200 m³/s), às infiltrações naturais no solo, às utilizações realizadas pelas plantas e os volumes já comprometidos no abastecimento das populações ribeirinhas - os quais, juntos, podem comprometer a vazão do rio em mais 330 m³/s. Percebe-se, portanto, que, dadas às prioridades de usos múltiplos existentes no São Francisco, a sua vazão média total encontra-se bastante comprometida. Com as subtrações mencionadas, o rio só poderá dispor, para outros usos, de cerca de 240 m³/s (volume estimado pela CODEVASF na proposição de seus projetos), dos quais está prevista a retirada, através do processo transpositório, de até 127 m³/s.
A geração de energia
As questões da geração de energia no Nordeste são de deixar qualquer pessoa que tenha o mínimo bom-senso em verdadeiro estado de pânico. Como se sabe, o São Francisco é responsável por mais de 90% da energia que é gerada na região. Com relação a esse aspecto, criou-se uma situação inédita no país, que ainda não foi corretamente dimensionada pela opinião pública. Em tempos de paz, nenhum governo do mundo jamais colocou o seu país sob risco tão alto como o que existe no Brasil de hoje. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) prevê que chegaremos, em novembro de 2001, com apenas 10% do volume dos reservatórios preenchidos (estima-se que Sobradinho esteja com apenas 5%), a menos que ocorram verdadeiros dilúvios bíblicos, o que é um fato muito pouco provável nas nascentes do São Francisco, nos meses de agosto, setembro e outubro. Do mês de julho até o início de agosto de 2001, operou-se com cerca de 18% do preenchimento dos reservatórios. Talvez o presidente e sua equipe econômica não saibam de uma informação crucial: se chegarmos aos níveis de 10% dos volumes previstos, ignora-se o que poderá ocorrer. As turbinas instaladas no Brasil são programadas para gerar energia em 60 hertz, ou seja, com 60 ciclos por segundo, e só podem fazê-lo nessa frequência, pois todas as máquinas, equipamentos e eletrodomésticos instalados no país estão ajustados a ela. Isso exige que as turbinas mantenham, com estabilidade, uma certa velocidade de rotação. Quando a coluna d’água diminui devido ao esvaziamento dos reservatórios, o peso da água também diminui e o fluxo se torna menos estável, exigindo que as turbinas façam mais esforço para manter a rotação programada (daí a importância de se entender o conceito de volume útil das represas, nas questões da geração elétrica). Se o esforço for excessivo, os sistemas de proteção entram em ação automaticamente, interrompendo a geração. Essas condições predispõem o sistema para os apagões, ou seja, ocorrem quedas súbitas e descontroladas de energia, que podem ser sequenciais, por sobrecarga. Foi o que ocorreu em toda a região sudeste em princípios de 1999. Se o nível de 10% for de fato atingido, o sistema elétrico brasileiro, que já foi referência mundial, não terá mais confiabilidade operacional. Não se trata de hipótese longínqua. Ao contrário, é a mais provável. Em vez de reconhecer a gravidade da crise e trabalhar para enfrentar o pior cenário, o governo federal resolveu apostar nas providências celestiais. São Pedro foi o primeiro a ser culpado pela crise energética que desestabilizou a vida de todos os brasileiros desde maio de 2001. Aos poucos, especialistas verificaram que, de fato, a baixa pluviometria tem-se acentuado nos últimos cinco anos, mas comprovaram que a falta de chuvas não pode ser responsabilizada, sozinha, pelo risco e custo social e econômico do apagão. Em meio ao embate político e jurídico, rastreou-se a culpa também na queda dos investimentos na geração e nas linhas de transmissão de energia, no modelo de privatização das companhias geradoras e na dependência da produção nacional de energia, na sua grande maioria, de fontes hidrelétricas. Em resumo, na ausência de "planejamento" e "gestão" do setor elétrico. Caso chova bastante nos próximos meses (o que é um fato pouco provável, pois a estação é seca no alto São Francisco), passaremos raspando pelo caos, sofrendo os inconvenientes já bem conhecidos por todos nós.
E foi exatamente nesse cenário de seca e, consequentemente, de descompassos volumétricos das represas e da necessidade de racionamento de energia, que o governo federal apostou todas as suas fichas no projeto transpositório do rio. Felizmente, prevaleceu o bom-senso e o projeto foi engavetado, pelo menos temporariamente.
A água necessária
Tendo em vista o total desabastecimento hídrico hoje existente, vivenciado por boa parte da população nordestina, e existindo no rio São Francisco cerca de 70% das águas disponíveis na região nordeste, é de se supor que, uma vez realizada dentro de parâmetros técnicos confiáveis, a transposição de suas águas possa vir a ser considerada como mais uma ferramenta alternativa, dentro das já existentes, com vistas a solucionar tal problema. Aliás, as águas do São Francisco já estão sendo utilizadas em Pernambuco, através da Adutora do Oeste (0,4 m³/s), aduzidas no município de Orocó para o abastecimento da população de Ouricurí, percorrendo uma distância de cerca de 200 km.
Inicialmente, poder-se-ia fazer cumprir o que determina o artigo 21 da Constituição de 1988, no seu inciso XIX, que estabelece a competência da União em instituir um sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso. Mais do que produtora de energia, a água é matéria-prima da agricultura e insumo da indústria. É garantia de higiene doméstica e saúde pública. Alguns estados vêm trabalhando muito nos últimos anos para incorporar esses princípios em suas legislações e políticas públicas, criando conselhos estaduais, comitês de bacias, grupos de usuários de água etc., mas, infelizmente, a grande maioria dos estados nordestinos tem sido relapsa com relação a esse assunto. Embora tenhamos uma lei federal que fixa os fundamentos da Política Nacional dos Recursos Hídricos (Lei 9433, de 08/01/1997) e tendo sido, recentemente, criado pelo governo federal o Comitê da Bacia do rio São Francisco, pouco se avançou na incorporação dos princípios que definem esse novo quadro institucional no país. A lei do estado de São Paulo, de 1991, foi a primeira e serviu de base para a Lei das Águas, no âmbito federal, e de modelo a várias leis estaduais.
Como pode faltar água num país tropical de clima úmido que detém a maior descarga de água doce do mundo; que conta com um número enorme de rios perenes em quase todo seu território e com uma reserva de 12% de toda a água potável do planeta?
Existindo os instrumentos legais acima descritos (a instituição de um sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e a definição de critérios de outorga de direitos de seu uso), em cuja implementação, infelizmente, até hoje estamos engatinhando, é necessária a realização do planejamento hidráulico da bacia do Velho Chico com a elaboração de um verdadeiro orçamento de suas águas, anualmente revisado em função da sua maior ou menor disponibilidade, que varia a cada ciclo hidrológico, para darmos resposta aos questionamentos de falta de água da região. Esse orçamento iria definir: X m³/s para uso humano e animal; Y m³/s para irrigação na bacia; Z m³/s para geração de energia elétrica; T m³/s para transposição para outras bacias; W m³/s para a indústria, etc. A Agência Nacional da Água - ANA (autarquia com autonomia administrativa e financeira, a qual se encontra vinculada ao Ministério do Meio Ambiente), órgão recentemente criado pelo governo federal, poderá vir a ter um papel fundamental nessas ações, implementando a política nacional de recursos hídricos e gerenciando o sistema, atuando mais diretamente nas bacias federais, isto é, aquelas com rios interestaduais.
Lacunas existentes
Na bacia do São Francisco foram identificados, desde a década de 60, três milhões de hectares potencialmente irrigáveis, e seu aproveitamento tem sido feito de maneira muito lenta. Como explicar que existam, ou que existiram recursos para levar água a centenas de quilômetros de distância, enquanto as terras próximas ao rio permanecem não beneficiadas?
As águas do São Francisco transpostas para os rios Jaguaribe, Apodí, Piranhas-Açu e Paraíba não irão resolver o problema da seca no Nordeste. Como elas chegarão ao nordestino que vive a uma ou duas léguas das margens desses rios? O problema de falta d’água já existe próximo aos rios existentes na bacia do São Francisco e não é verdade que a transposição irá acabar com o fornecimento de água através de carros-pipa.
Considerando a vazão média de bombeamento da transposição de 60 m³/s (poderá haver bombeamentos de até 127 m³/s) e o preço da energia elétrica de R$ 35,00 por Mwh, o custo total de energia a ser gerada mais os custos de bombeamento (já descontada a energia que seria gerada na futura usina do eixo Norte, conforme indicado nos estudos de viabilidade da transposição) ultrapassa anualmente R$ 70 milhões.
Tais estudos de viabilidade informam que, no eixo Norte a água será elevada de uma cota mínima de 325,30 até 490,01, ou seja, uma diferença de nível de 164,71 metros, enquanto no eixo Leste a água será elevada de uma cota de 280,00 até 603,36, portanto uma elevação de 304,36 metros. Haverá energia suficiente para os bombeamentos necessários, quando a região passa pela maior crise energética de sua história, a qual aflige todos os brasileiros?
Qual a efetiva destinação das águas transpostas com o projeto:
- Para consumo humano e animal?
- Para a irrigação?
Quais as perdas por evaporação?
Quais as perdas por infiltração?
Quais os volumes de águas transpostas que chegarão ao mar?
Qual o custo total do empreendimento?
Que parcelas integrarão o preço a ser pago pelos usuários (amortização do investimento e operação, incluindo bombeamento e manutenção)?
Quem irá gerenciar a água transposta?
Quem irá construir, operar e manter o sistema?
Quais as salvaguardas contra especuladores e grileiros?
Quais as defesas previstas para evitar a expulsão de pequenos proprietários e posseiros nas áreas beneficiadas pela transposição?
Ações necessárias
Foi a noção equivocada de abundância de água, entre nós brasileiros, que nos levou ao falso entendimento da inesgotabilidade de nossas reservas hídricas, principalmente as existentes aqui no Nordeste.
Primeiramente, é importante observar que a transposição não pode ser vista como a única alternativa viável para se resolver, de vez, os problemas hídricos da região. Não podemos e não devemos colocar em um plano secundário os investimentos já realizados em outros setores, como por exemplo a geração de energia e a irrigação, visando a solução de tais problemas. Sendo assim, ações estruturadoras precisam continuar recebendo a atenção necessária por parte das autoridades competentes.
Inicialmente, é de vital importância a revitalização do rio, através do reflorestamento das regiões acometidas pelos desmatamentos indiscriminados. A responsabilidade por essa incômoda situação se estende ao desrespeito e descuido das pessoas para com as leis e a lógica da natureza. São os agressivos e silenciosos desmatamentos que impedem a água, oriunda das precipitações naturais, de se infiltrar na terra. Os reflorestamentos são ações necessárias como forma de conter, tanto o processo erosivo do solo como o da exaustão de nascentes, já verificados em várias localidades da bacia do rio São Francisco. Atenção especial deverá ser dada às matas ciliares, como forma de conter os desbarranqueamentos havidos nas suas margens, os quais são vetores dos processos de assoreamentos existentes em seu leito que impedem ou dificultam a navegação.
O monitoramento das vazões do rio é outro ponto merecedor de destaque. Por tratar-se de um rio com múltiplos usos de suas águas, poder-se-iam concretizar ações, no sentido de se proceder a um acompanhamento sistemático das vazões do São Francisco, adotando-se o mesmo critério que vem sendo observados nos açudes do Ceará, nos quais são utilizados sensores nesses corpos d’água para obtenção dos dados volumétricos e seu imediato tratamento em um centro de processamento em Fortaleza. Com efeito, bastaria a distribuição de sensores em pontos estratégicos de sua bacia, notadamente na sua parte ALTA (tudo o que ocorre no São Francisco é consequência do que ocorre nesse setor do rio), para serem obtidos, instantaneamente, em um centro de processamento, os dados de vazão do rio constantemente atualizados.
O tratamento dos esgotos, oriundos das indústrias e dos municípios existentes na sua bacia, é fundamental para possibilitar a utilização das águas do Velho Chico sem riscos para a saúde das pessoas que habitam a região.
É, também, fundamental que se comece a pensar na viabilidade de se transpor águas de outras bacias hidrográficas, para o São Francisco. Sobre essa questão, a transposição de águas do Tocantins é, sem dúvida, um caminho a ser percorrido. Contudo, alguns esclarecimentos precisam ser feitos: primeiramente, é preciso observar que a bacia do Tocantins está localizada em uma cota 333 metros abaixo da cota do divisor de águas da bacia do São Francisco. Isso significa dizer que há necessidade de bombeamentos para a transposição de suas águas, o que implica em custos elevados na realização do projeto. Existem estudos que comprovam a necessidade de haver, pelo menos, quatro estações elevatórias, a um custo estimado em mais de um bilhão de dólares.
Outro aspecto a ser considerado é o destino dado às águas procedentes do Tocantins. Se forem destinadas ao aumento da capacidade de geração de energia elétrica do São Francisco, seria muito mais viável, economicamente, ampliar o potencial gerador da usina de Tucuruí, localizada no rio Tocantins, e transportar parte dessa energia para o Nordeste, através de linhas normais de transmissão.
Seria prudente observar, também, as limitações de vazão dos rios que compõem a bacia do Tocantins. No caso em questão, as águas seriam bombeadas, para o São Francisco, através do rio do Sono (afluente do Tocantins) o qual, nas proximidades de sua nascente, segundo informações precisas de técnicos da Chesf, dispõe de um potencial transpositor da ordem de 50 m³/s, não mais do que isso.
Outra possibilidade está no aproveitamento das águas de duas lagoas (Jalapão e Varedão) existentes no divisor de águas entre as bacias do Tocantins e do São Francisco, localizadas nas proximidades do município de Formosa do Rio Preto, no Noroeste baiano. Segundo Caio Lóssio Botelho, professor da Universidade Estadual do Ceará, já há uma transposição natural, de cerca de 110 m³/s, da lagoa de Varedão para o São Francisco (veja essa possibilidade na internet, no seguinte endereço: http://www.fundaj.gov.br/docs/tropico/desat/lossio.html). Segundo o professor Caio, bastaria um aprofundamento nessa lagoa para haver um incremento significativo de vazão para o Velho Chico, em até 260 m3/s, sem comprometer o sistema Tocantins.
No entanto, a alternativa mais viável de todas, e sem dúvida a mais barata, seria a de transportar as águas do rio Grande para o São Francisco, na altura da represa de Furnas, no sul do estado de Minas Gerais. Nessa represa, também construída em um divisor de águas (Grande/São Francisco), bastaria a construção de uma comporta, em um dos seus diques, para as águas caírem naturalmente no riacho denominado Pium-i e, por gravidade, chegarem ao São Francisco. O problema existente nessa alternativa é que o rio Grande é afluente do rio Paraná, o qual, por sua vez, é um rio de águas internacionais. A esse respeito, existe legislação específica que torna difícil a realização da obra. Ademais, não se sabe a reação do governo de Minas Gerais a esse tipo de proposta.
Outras questões também são merecedoras de apoio, como forma de se tentar minimizar os problemas de abastecimento das regiões sedentas nordestinas.
É preciso que se dê continuidade ao processo de construção de grandes represas na região, fazendo-se, sempre que possível, a interligação de suas bacias, como forma de utilizar melhor as suas águas. A perfuração de poços em regiões sedimentárias é outra alternativa importante, a qual deve ser apoiada conjuntamente com a ampliação do programa de construção de cisternas no meio rural, principalmente para o atendimento das comunidades carentes, e com as pesquisas na reutilização de águas servidas para o usos menos nobres, tais como aguar jardins, lavar calçadas, automóveis, dar descargas em sanitários etc.. É preciso, contudo, que se ponha em prática a cobrança da água, prevista no Código das Águas de 1934, que já estabelecia a água como um bem público e, portanto, sujeita a outorga e a cobrança, prevendo-se o destino do dinheiro cobrado em aplicações nas próprias bacias.
Finalmente, é importante destacar que a crise energética trouxe uma lição para o país. A de que, com planejamento, coordenação e envolvimento da opinião pública, é possível obter resultados expressivos em qualquer área do conhecimento. No caso específico do chamado Ministério do Apagão foi definido um objetivo: a redução do consumo de energia. Depois, definiu-se uma meta: reduzir em 20% o consumo dos brasileiros e, posteriormente, definiram-se as ações, com cada consumidor recebendo a sua meta de consumo de energia. O coordenador do Ministério, ao divulgar semanalmente os resultados obtidos, ajudou a criar o necessário envolvimento de toda a população, tornando possível, com a adoção desse plano, livrar o país dos chamados apagões.
por João Suassuna — Última modificação 07/05/2014 09:58
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