quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016


Saneamento é necessário na PB para receber águas do São Francisco

 


Transposição vai beneficiar 170 municípios paraibanos. Açudes que devem receber as águas também recebem esgoto.
Assista ao vídeo, clicando no endereço abaixo:
Do G1 PB
O esgotamento sanitário é essencial para os 170 municípios paraibanos que vão receber as águas do Rio São Francisco quando a obra da transposição for concluída. Vão ser beneficiados com a obra cidades da região de Monteiro, no chamado Eixo Leste, e de Cajazeiras, no Eixo Norte. Porém, muitos desses municípios ainda não colocaram o esgoto longe das ruas, rios e açudes.
Durante esta semana, o JPB 2ª Edição exibe uma série de reportagens especiais sobre saneamento básico nos municípios da Paraíba. Nesta terça-feira (16), o destaque é para o problema do esgotamento sanitário nas cidades que vão ser beneficiadas pela transposição das águas do Rio São Francisco.
  • O Açude de São Gonçalo, por exemplo, recebe o esgoto das cidades de Marizópolis e de Nazarezinho. Além disso, é ele que, com pouco mais de 2% de sua capacidade, abastece as duas cidades. “Vem diretamente do vaso sanitário, de tudo, banho, pia, vai tudo pra dentro do açude”, comentou o pescador Francisco Soares da Costa.

    Para acabar com a agressão à população e ao meio ambiente, o esgoto tem que ser tratado. Marizópolis investiu nisso por meio da construção de lagoas que recebem a sujeita de parte da cidade. Porém, elas só recebem. A obra, concluída há anos, está praticamente abandonada, aos pedaços.
Em Sumé, no Cariri, a situação é bem parecida. Atualmente, o esgoto da cidade é jogado em lagoas que foram construídas na região. Porém, segundo os moradores, ele não é tratado e volta para o leito do rio. Com isso, o local virou uma espécie de criadouro de mosquitos.
Para o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, Anivaldo Miranda, o esgotamento sanitário é muito importante nessas áreas. “É preciso que, no estado da Paraíba, as obras complementares referentes ao tratamento dos esgotos e dos afluentes que serão gerados por essa água sejam ser feitas”, explicou.
Açudes que devem receber as águas do Rio São
Francisco na Paraíba também recebem esgoto
(Foto: Wellington Campos/TV Cabo Branco)
 Com o esgoto indo para o lugar errado, paraibanas como a dona de casa Rita Silva vão continuar presas ao racionamento severo. Ela só tem acesso a água uma vez por semana e tem que se programar para guardar essa água. “Na quarta-feira. O dia todinho de água. Aí eu tenho três caixas [para encher]. Foi uns R$ 350 cada uma”, comentou.

A Prefeitura de Marizópolis informou que tem um projeto para sanear toda a cidade, mas sem data certa para conclusão das obras. O órgão ainda disse que, por causa da crise, não tem como fazer a conservação necessária da lagoa de tratamento dos esgotos.
A Prefeitura de Sumé também disse que trabalha para sanear todos os bairros e que a manutenção da lagoa seria de responsabilidade da Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa). A Cagepa limitou-se a dizer que os esgotos coletados estão todos indo para a lagoa de tratamento,
A Prefeitura de Nazarezinho, por sua vez, informou que já existe um convênio para construir o sistema de esgotamento sanitário do município, mas que os recursos ainda não chegaram.
 por João Suassuna última modificação 19/02/2016 15:12
Fev 24 em 11:21 AM
Meus Prezados,
Só o fato de as autoridades estarem gerando expectativas para os paraibanos, de possibilitar a chegada das águas do Rio São Francisco, na região de Piancó, é de uma inconsequência técnica e política sem precedentes. O Velho Chico não teria volumes suficientes para o atendimento de novas demandas. Na Paraíba, a transposição segue em duas direções. A primeira, pelo Eixo Leste do projeto, chegando ao município de Monteiro e, posteriormente, em Campina Grande, com as águas fluindo pela bacia do rio Paraíba. O segundo curso, pelo Eixo Norte, com as águas do Velho Chico chegando a Cajazeiras e seguindo em direção à barragem de Santa Cruz, no Rio Grande do Norte.  Pelo que se tem percebido atualmente, o São Francisco, devido à existência de um sério risco hidrológico, para o atendimento aos múltiplos e conflituosos usos a que é submetido, já não dispõe de volumes para o atendimento de novas demandas. Portanto, é preciso mais juízo nesse povo, para que não venhamos exaurir, de vez, com o que restou do rio da Integração Nacional.

ÁGUA NO BRASIL

 




Essa é a transcrição, na íntegra, do item 5, da Terceira Parte do livro de Aldo Rebouças (“O Uso Inteligente da Água” - Escrituras Editora - SP, 2004), que trata da Água no Brasil. Nesse item, o leitor terá uma ideia precisa da localização, gestão, quantidades e qualidades dos recursos hídricos do nosso país e, em especial, das águas subterrâneas existentes na sua região Semiárida. Boa leitura. João Suassuna.
O Brasil tem uma área de 8.547.403,5 km² e uma população de 170 milhões de habitantes (IBGE, 2000). Ocupa 47,7% da área da América do Sul e é o quinto país do mundo, tanto em extensão territorial quanto em população. Além disso, o Brasil é uma república federativa, localizado entre as latitudes de 35° Norte e 34° Sul e Longitudes de 35° e 74° Oeste, sendo cortado pelas linhas do Equador Terrestre e do Trópico de Capricórnio.
Em termos hidrológicos é um país-continente. Em termos pluviométricos, mais de 90% do território brasileiro recebe chuvas entre 1.000 e mais de 3.000 mm/ano. Apenas nos 400.000 km² do contexto semiárido do Nordeste, onde as rochas de idade pré-cambriana são praticamente subaflorantes e impermeáveis, as chuvas são mais escassas (entre 400 e 800 mm/ano) e, relativamente, mais irregulares. Os rios do Nordeste semiárido têm regime temporário, ou seja, secam praticamente durante os períodos sem precipitações de águas atmosféricas nas respectivas bacias hidrográficas.
Entretanto, a interação do quadro pluviométrico mais abundante com as condições geológicas dominantes engendra importantes excedentes hídricos que fluem pela superfície e pelo subsolo, alimentando uma das mais extensas e densas redes hidrográficas perenes do mundo, cuja descarga total média de longo período é de 182.633 m³/s ou 5.753 km³/ano.
Em 1965, teve lugar em Washington o 1° Simpósio Internacional sobre Dessalinização da Água, quando os representantes dos países participantes, inclusive o Brasil, verificaram que pouco se sabia sobre as águas dos respectivos territórios. Isso representou o começo da cooperação internacional no setor de recursos hídricos e foi iniciado o Decênio Hidrológico Internacional (1966-1975), sob a coordenação da Organização das Nações Unidas para a Educação e Ciências - UNESCO. Vale destacar que esse Decênio passou a se chamar Programa Hidrológico Internacional - PHI, sempre com a participação do Brasil.
Em 1977, a ONU realizou a 1° Conferência Internacional sobre a Água, em Mar del Plata (Argentina), já buscando planejar maneiras mais eficientes de utilizar e conservar as reservas de água do mundo, criando-se "O Decênio da Água Potável".
A distribuição, pela sua população, da quantidade de água que escoa pelos rios do Brasil, representa uma oferta da ordem de 33.841 m³/ano per capita. Essa situação coloca o Brasil na classe dos países ricos de água-doce das Nações Unidas. Além disso, têm-se as éguas subterrâneas, cujo volume estocado até a profundidade de 1.000 m é estimado em 112.000 km³.
Os dados fluviométricos disponíveis indicam que a contribuição dos fluxos subterrâneos as descargas de base dos rios - valor seguro das taxas de recarga das éguas subterrâneas que ocorrem no subsolo da bacia hidrográfica - varia entre 11 mm/ano nas bacias hidrográficas esculpidas nas rochas cristalinas subaflorantes do Nordeste semiárido, de 100 a 200 mm/ano nos seus domínios sedimentares e atinge mais de 600 mm/ano nas bacias sedimentares do Amazonas e Paraná, por exemplo.
O valor médio das recargas das águas subterrâneas, no Brasil, é estimado em 3.144 km³/ano. A extração de apenas 25% dessa taxa média de recarga já representaria uma oferta de água-doce à população brasileira da ordem de 4.000 m³/ano per capita. Portanto, mesmo no subsolo, o Brasil dispõe de muita égua, ainda que se considerando 1.000 m³/ano per capita como a taxa abaixo da qual se caracteriza o estresse hídrico.
Essa situação de abundância de água-doce no Brasil já era reportada por Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal em 1500, na sua primeira carta sobre o descobrimento. Ao tocar a zona úmida costeira do Nordeste semiárido assim declarava: " em se plantando tudo dá, em função das águas que tem...".
MUITA ÁGUA NOS RIOS: MÁ DISTRIBUIÇÃO E GRANDES DESPERDÍCIOS
Grandes civilizações nasceram, floresceram e se desenvolveram onde havia muita água, enquanto outras pereceram ou decaíram quando o suprimento de água deixou de ser abundante. Muitas pessoas ainda se matam pela água lamacenta de um poço ou de um rio, muitas ainda adoram os deuses da chuva, rezando para que a mandem por ser ela a fonte da Vida.
Quando deixa de chover por longos períodos, as plantações secam, a fome assola regiões muito importantes e verifica-se, atualmente, racionamento de energia hidrelétrica.
Outras vezes, as chuvas caem intensa e repentinamente, de tal forma que os rios transbordam, cobrindo e afogando tudo e todos que se coloquem no caminho de suas águas. Todavia, a ocorrência de secas ou chuvas onde não mora ninguém ou não existe interesse econômico ou político não passa de um fenômeno meteorológico.
Nossa demanda de água cresce constantemente. À medida que cresce a população, as fábricas e irrigações consomem sempre mais. Assim, uma coisa é certa: precisa-se de quantidades cada vez maiores de água e a única fórmula que se conhece, até agora, para se conseguir um equilíbrio entre oferta e demanda na área considerada é transformar a ideia tradicional de que a solução é aumentar sua oferta e passar a dar-lhe um uso cada vez mais eficiente.
Nas últimas décadas, verifica-se a necessidade de evoluir do usufruto do capital - água em abundância e demais recursos naturais, mão de obra barata, principalmente - para cenários que visam a uma produtividade crescente. Em outros termos, a palavra de ordem, atualmente, é produzir cada vez mais com o uso de cada vez menos água.
Para fins de gestão de recursos hídricos, o território brasileiro é dividido em 12 regiões hidrográficas, conforme mostra a figura 8. Nessa divisão, deve-se atentar para o fato de que se considerou as bacias dos rios temporários do Nordeste Setentrional juntamente com as dos rios perenes do Nordeste Oriental.
Entretanto, no Nordeste Setentrional, ou Sertão, o meio ecológico predominante é semiárido e as bacias hidrográficas dos rios que drenam essa área foram esculpidas nas rochas cristalinas praticamente impermeáveis e subaflorantes. Como decorrência, a cobertura vegetal dominante é do tipo caatinga, ou seja, vegetação adaptada aos longos períodos sem chuvas. Assim, os rios dessa área têm regime de fluxo temporário.
Ao contrário, a pluviometria nas bacias hidrográficas dos rios que drenam o Nordeste Oriental e mais regular e abundante - entre 1.000 e 3.000 mm/ano. As bacias hidrográficas foram esculpidas em rochas cristalinas cobertas por espesso manto de rochas alteradas ou de sedimentos arenosos. Os rios que drenam o Nordeste Oriental são perenes, ou seja, nunca secam, sobretudo nos seus médios e baixos cursos, onde as densidades de população são maiores e a falta de saneamento básico constitui um problema vexatório. Em consequência, a esquistossomose predomina nessas áreas, como doença hídrica endêmica.
Portanto, os problemas de abastecimento de água nessa área são muito mais de eficiência da oferta e de usos. Logo, esses são muito diferentes daqueles engendrados pelas secas periódicas que assolam o Nordeste semiárido. Basta lembrar que, regra geral, as empresas estatais de abastecimento de água no Nordeste não coletam sequer os esgotos que geram e apresentam índices de perdas totais - perdas físicas em razão dos vazamentos de água nas redes de distribuição e perdas financeiras, devido às ligações clandestinas e roubo de água - entre 40 e 70%, isto é, da água que é captada, tratada e injetada nas redes de distribuição.
Além disso, o Programa de Uso Racional da Água - PURA -, mostra que na Região Metropolitana da Grande São Paulo (RMSP), por exemplo, os desperdícios atingem cerca de 70% da vazão que chega na torneira do usuário. Considerando que se trata de cerca de 63.000 litros por segundo em média, os quais são repartidos pela população de 17 milhões de habitantes, resulta numa taxa per capita de 320 litros por dia. Todavia, a vazão de projeto da rede de distribuição é de 250 litros por habitante por dia. Dessa forma, a empresa de água está tratando mais do que a população precisa. O problema não é, pois, de falta de água, mas de um uso mais eficiente.
Quantos aos desperdícios na agricultura, deve-se considerar que sobre cerca de 93% dos quase três milhões de hectares irrigados no Brasil, ainda se utilizam os métodos de irrigação menos eficientes do mundo, tais como o espalhamento superficial (56%), aspersão convencional (18%) e pivô central (19%). Deve-se considerar, ainda, que esses dois últimos métodos, além de serem pouco eficientes em termos de consumo de água, são de uso intensivo de energia elétrica, cuja produção no Brasil depende de água.
A descarga média de longo período dos rios que drenam o território brasileiro é, atualmente, de 182.633 m³/s, ou cerca de 34.000 m³/ano per capta. Entretanto, levando-se em consideração a descarga média gerada na região hidrográfica do Amazonas, situada em território estrangeiro, estimada em 89.000 m³/s, o potencial total de água-doce que flui pelos rios do Brasil é da ordem de 272.000 m³/s (ANA, 2002).
A relação entre as demandas - para consumo humano de 384 m³/s, irrigação de 1.344 m³/s, consumo animal de 115 m³/s, industrial de 299 m³/s e média total de 2.141 m³/s - e a descarga total média de longo período dos rios de 182.633 m³/s mostra que a escassez de água ainda não ocorre no Brasil. A relação demandas versus potenciais é de apenas 0,2 % na bacia do Amazonas, 0,6% na do Tocantins, 3,6% na do Parnaíba, 7,9% na do São Francisco, a mais elevada de 8,9% no Nordeste e de 1,2% apenas no Brasil, por exemplo. Entretanto, essas demandas são crescentes, assim como os desperdícios e a degradação da qualidade ambiental.
Desse modo, o Brasil tem muita água, mesmo no Nordeste. Porém, o seu uso cada vez mais eficiente desempenhará, certamente, um papel vital na saúde atual e futura da nossa sociedade e na produção de alimentos, principalmente. O uso eficiente da água nos rios do Brasil significa a possibilidade de suprir as necessidades humanas básicas, sem destruir o meio ambiente, a qualidade da água, garantir o crescimento econômico e social com proteção ambiental.
Verifica-se que o Brasil tem água mais do que suficiente nos rios em qualquer das suas regiões geográficas. Logo, nada justifica o Brasil permanecer na vala comum dos países com escassez de água, para proporcionar o desenvolvimento essencial, para melhorar os meios de vida da sua população, para sustentar o seu crescimento e, eventualmente, estabilizá-lo em nível adequado.
Basta considerar que, virtualmente, em todas as zonas áridas do mundo a umidade do solo é inferior a 300 mm/ano, a vegetação é escassa e a produtividade de biomassa é inferior a 3 t/hectare/ano. Entretanto, técnicas de irrigação tem tornado possível uma maior produtividade, aliadas ao uso mais eficiente da água e dos recursos naturais.
No outro extremo tem-se a zona de clima equatorial, onde a umidade do solo atinge mais de 1.500 mm/ano e os potenciais naturais de biomassa no Brasil são superiores a 40 t/hectare/ano Entretanto, o Brasil corre grande risco de perder a honrosa posição de maior produtor mundial de alimentos (mais de 100 milhões/t) se não der uma maior atenção aos seus recursos hídricos e aos seus solos, porque para cada quilo de grão produzido nos Estados de São Paulo e Paraná, por exemplo, estima-se que se perde 10 vezes mais solo por erosão (Telles, 2002). Por sua vez, no meio temperado, tradicional produtor de alimentos, a umidade do solo é de apenas 550 mm/ano e a produtividade de biomassa é de apenas de 10-12 t/hectare/ano (WRl, 1990).
Portanto, mercados abertos e competitivos, dentro e entre os países, deverão fomentar a inovação de tecnologias que engendram o uso eficiente cada vez maior da água, além de proporcionarem oportunidades a todos para melhorar suas condições de vida. No entanto, esses mercados devem dar os sinais corretos, os preços dos bens e serviços devem ser os mais baixos possíveis, de tal forma que os custos de sua produção, usos, reciclagem e disposição final dos resíduos líquidos e sólidos atendam às perspectivas do desenvolvimento sustentado. Isso é fundamental e mais fácil de alcançar mediante uma síntese dos instrumentos econômicos destinados a corrigir as distorções e estimular a inovação, o contínuo aprimoramento, com padrões reguladores para orientar o desempenho de iniciativas voluntárias por parte do setor privado.
OS TRÊS SETORES DO MUNDO ATUAL
Atualmente, o mundo é visto como formado de três setores distintos, interdependentes e indissociáveis: o governo ou o primeiro setor, as empresas ou o segundo setor e a sociedade civil organizada, o terceiro setor. Nesse quadro, as empresas são, certamente, a espinha dorsal que dá suporte ao corpo formado pelo governo e a sociedade civil organizada. Assim, espera-se que as empresas e a sociedade civil, que elegem os governos, tornem-se parceiros efetivos e definam as necessidades de políticas públicas. Essas políticas regionais, estaduais ou nacionais, deverão ser ajustadas às diferentes situações locais.
As novas regulamentações e instrumentos econômicos devem estar harmonizados entre os parceiros comerciais, ao mesmo tempo reconhecendo que os níveis e condições do desenvolvimento variam de um lugar para outro, o que resulta em diferentes necessidades e capacidades. O governo central deve fazer surgir as mudanças gradualmente e por um período razoável de tempo, para possibilitar um planejamento realista e ciclos de investimento.
Por sua vez, as empresas deverão atuar segundo os princípios do desenvolvimento sustentável, avançando, valorizando e encorajando os investimentos e poupanças a longo prazo, orientados pela disponibilidade de água-doce e de informações adequadas.
As políticas e práticas do comércio global devem ser abertas, oferecendo oportunidades a todas as regiões hidrológicas. Essas práticas deverão levar ao uso e conservação da água e dos recursos naturais, de tal forma que será mais importante o uso cada vez mais eficiente da água do que continuar ostentando sua abundância. Em outras palavras, será sempre mais efetivo embasar o desenvolvimento sobre o rendimento ou a produtividade do capital água ou dos recursos naturais, do que sobre sua abundância ou com a visão tradicional extrativista.
Uma visão clara de um futuro sustentável mobiliza as energias humanas na execução das transformações necessárias, rompendo com os padrões estabelecidos de que a única solução dos problemas de escassez da oferta d'água é o aumento da sua oferta. À medida que os líderes de todos os segmentos da sociedade integrarem forças para transformar a visão das empresas, a inércia será superada e a cooperação tomará o lugar do confronto.
AS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS
Durante as últimas décadas do século passado era crescente o número de exemplos positivos da utilização racional do manancial subterrâneo, como a alternativa de solução mais barata para abastecimento humano nos países mais desenvolvidos. Essa situação decorre, fundamentalmente, do fato da água subterrânea ocorrer de forma extensiva no meio e se achar, relativamente aos rios e açudes, protegida dos agentes de poluição –tanto nas cidades quanto no meio rural.
Tendo em vista que a captação da água subterrânea é feita, em geral, pelo próprio usuário, a percepção da necessidade de um uso mais eficiente da água é mais fácil do que extraí-la de um rio, com dinheiro público.
Efetivamente, como as obras para utilização da água dos mananciais de superfície são construídas com grandes investimentos públicos, a percepção da necessidade de se fazer um uso cada vez mais eficiente da água disponível é quase sempre mais difícil, principalmente, quando o seu uso mais importante é para irrigação.
Devido à falta de controle - federal, estadual ou similares - na extração, recarga ou monitoramento da água subterrânea, não se tem uma avaliação segura do número de poços já perfurados, tanto no mundo, quanto no Brasil, A UNESCO estima que cerca de 250 milhões de poços estão em operação no mundo e talvez 10% no Brasil. Somente no Estado de São Paulo, a Associação Brasileira de Águas Subterrâneas - ABAS, 2003 - estima que cerca de 15 mil poços sejam perfurados por ano, atualmente.
As águas subterrâneas no Brasil continuam sendo extraídas livremente por meio de poços de qualidade técnica duvidosa, para abastecimento de hotéis de luxo, hospitais, indústrias e condomínios privados. Dessa forma, tem-se, com grande frequência, casos de contaminação das águas extraídas: por esgotos domésticos, vazamento de combustíveis e de estoques de produtos químicos, percolação de líquidos vários de depósitos de resíduos sólidos domésticos e industriais etc. Ainda é muito comum o poço que recebe filtros em toda a extensão arenosa do seu perfil geológico, sobretudo quando a camada aquífera fica acima do seu nível estático (NE). Essa prática tem dois agravantes principais: (i) significa desperdício de recursos financeiros, já que se coloca uma coluna de filtros na camada aquífera freática, por exemplo - cujo custo pode ser o dobro do tubo de revestimento simples e, possivelmente, fica sem produzir água - e (ii) a colação de filtro na camada aquífera freática, que significa um aumento dos riscos de contaminação cruzada das águas extraídas, mormente, quando os poços estão localizados nas cidades, nos terrenos das próprias fábricas ou nos perímetros irrigados. Por sua vez, ainda é frequente a colocação de bomba cujo setor de sucção fica posicionado em frente ao intervalo de filtros, causando a produção de areia, o que tem ensejado à construção de "desareiadores" junto aos poços, numa prova eloquente de que não apresentam uma boa qualidade técnica construtiva.
Também é habitual a colocação de pré-filtros ou de cascalho em todo o espaço anular entre o revestimento e a parede do furo do poço, até sua boca. Essa prática enseja a penetração de poluentes superficiais nos poços, tais como: esgotos sanitários, vazamento de postos de gasolina, de tanques superficiais ou semienterrados de produtos químicos, principalmente, ocasionando a contaminação cruzada da água que é produzida.
Outra constatação normalmente observada e muito danosa consiste na instalação de bombas não convenientemente dimensionadas nos poços. Quando os registros de descarga dos poços trabalham estrangulados, significa que as bombas instaladas estão superdimensionadas. Como resultado, têm-se grandes consumos de energia elétrica para bombeamento, rápida incrustação ou entupimento dos filtros, queda da eficiência hidráulica do poço e produção de areia. Além disso, a refrigeração do motor e prejudicada, pelo fato de a água circular em alta velocidade. Ao contrário, quando se coloca uma bomba subdimensionada no poço, tem-se que sua vida útil também é sensivelmente reduzida, por que as baixas velocidades de fluxo não proporcionam condições adequadas de resfriamento do respectivo motor. O mesmo se observa em poços com bombas situadas abaixo de seções de filtros, tendo em vista que a maior produção do referido poço poderá ser proporcionada pelos aquíferos situados acima.
Em geral, é da cultura do povo não fazer manutenção ou limpeza periódica dos poços. Consequentemente, muitas vezes o nível da água se aprofunda, levando a interpretação de que o poço secou. Nesses casos, usuários e perfuradores concordam que a solução seria perfurar novo poço. Ledo engano: o que se verifica com frequência é uma perda da capacidade de produção do referido poço, uma vez que a nova perfuração chega a lograr maior produção que a anterior.
Considerando-se as precárias condições naturais de estocagem de água subterrânea nos terrenos cristalinos do Nordeste - manchas aluviais e zonas de rochas fraturadas -, os rios que drenam as bacias hidrográficas esculpidas no seu contexto semiárido têm regime de fluxo temporário, ou seja, secam, praticamente, durante os períodos sem chuvas nas respectivas bacias hidrográficas. A ideia dominante no Brasil é que a extração da água subterrânea não constitui uma alternativa segura de abastecimento da população.
Entretanto, deve-se levar em conta que o problema hidrológico verdadeiro do Nordeste semiárido não é que chove pouco - entre 300 e 800 mm/ano -, mas que evapora muito - entre 1.000 e mais de 3.000 mm/ano. Assim, não há condições de recarga artificial de aquíferos na área, seja para proteger a água da evaporação intensa que ocorre na região, seja da poluição que é engendrada pelo lançamento dos esgotos domésticos não tratados nos rios secos e pela não coleta da maior parte do lixo que se produz.
A empresa que se instala numa bacia hidrográfica onde a sociedade civil é falida, cedo ou tarde atingirá a falência, sobretudo, quando o governo ou o setor primário não tem uma política pública que vise, prioritariamente, ao interesse da sociedade civil organizada.
Já dissemos mais de uma vez que os rios que drenam mais de 90% do território nacional são perenes, ou seja, nunca secam, revelando uma grande abundância de água-doce no seu território. Certamente essa condição muito contribui para que o Brasil ostente a grande exuberância da sua cobertura vegetal e maior biodiversidade do planeta, além da posição de grande produtor mundial de alimentos. Contudo, se o Brasil não se empenhar em obter uma produtividade crescente com essa abundância de capital - riqueza em recursos naturais, mão de obra, energia abundante e barata - e continuar deslumbrado com a abundância de água que é dada pela visão de rios perenes, muito em breve estaremos amargando a situação de país rico em água-doce que não produz nem para comer.
O vexatório quadro sanitário das nossas cidades já assinala a baixa eficiência do fornecimento da água, por exemplo, onde os índices de perdas totais - vazamento físico de água nas redes de distribuição e perdas de faturamento devido aos roubos de água e tráfico de influência, principalmente - variam entre cerca de 40% e mais de 60%.
Com base nos resultados dos poços produtores de água considerados mais consistentes, elaborou-se o mapa apresentado na fig. 9, onde o território brasileiro foi dividido em termos de potenciais de produção de água subterrânea, ou de vazão especifica m³/h por metro de rebaixamento do nível de água no respectivo poço.
 
Esse cenário mostra que a única região relativamente pobre de água subterrânea no Brasil é o domínio de rochas cristalinas subaflorantes do semiárido do Nordeste. Nessa área, a capacidade específica dos poços é inferior a um m³/h por metro de rebaixamento de seu nível d'água.
A análise estatística do Resíduo Seco (RS) ou dos Sólidos Totais Dissolvidos (STD) mostra que 75% das amostras de água da zona semiárida do Nordeste provêm dos seus terrenos sedimentares e são classificadas como água potável, salvo casos locais e ocasionais de poços que são contaminados pela infiltração de águas rasas, especialmente, nas zonas urbanas onde não se tem sequer coleta de esgotos sanitários da maior parte do lixo que se produz, vazamento de tanques diversos e a ocupação do solo é, regra geral, desordenada. Nas zonas fraturadas aquíferas do embasamento geológico de idade pré-cambriana e praticamente impermeável do Nordeste semiárido, somente 37% das amostras analisadas de água apresentaram teores de sólidos totais dissolvidos (STD) inferiores ao limite de potabilidade da região, que é de 2.000 mg/l (Rebouças, 1973).
Entretanto, deve-se considerar a possibilidade, conforme mostra a experiência local e internacional, de que a extração das águas estocadas nas planícies aluviais e zonas de rochas fraturadas aquíferas subjacentes, durante o período de chuvas, principalmente, induz uma maior dinâmica de renovação dessas águas. Decorre que as águas subterrâneas salobras do cristalino do Nordeste semiárido tendem a melhorar de qualidade à medida que são utilizadas e, dessa forma, podem abastecer as populações ou dessedentar os animais. Porém, para tanto, torna-se necessário proceder ao seu monitoramento.
De qualquer forma, a extração de 1 m³/h por metro de rebaixamento num poço com potencial de rebaixamento de nível de 10 metros, por exemplo, durante 16 horas por dia, significa a oferta de um volume diário de 160 m³ de água ou 160.000 litros. Com essa quantidade seria possível abastecer uma população entre 1.500 e 2.000 pessoas com uma taxa de consumo diário de 100 l/hab/dia.
Vale ressaltar que a necessidade mínima de água para o consumo no semiárido do Nordeste foi estimada pelo instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada - IRPAA, 2001. Dessa forma, verifica-se que o gado consome 53 litros por dia; cavalo e jumento, 41; cabra, ovelha e porco, 6; galinha 0,2; criança, homem e mulher, 14 litros por dia. Assim, a família mais o rebanho precisam em oito meses de cerca da metade da capacidade de produção de um poço construído numa zona de rochas fraturada aquífera praticamente impermeável do cristalino pré-cambriano do Nordeste semiárido.
Além disso, os estudos desenvolvidos pela EMBRAPA/CPATSA, 2000, em convênio com o Banco do Nordeste, indicam que a salmoura produzida pelos dessalinizadores, porventura instalados em poços com égua salgada no Nordeste semiárido, tem um grande alcance econômico e social, porque pode ser aplicada na aquicultura e/ou na irrigação de plantas halófitas forrageiras para caprinos e ovinos, principalmente.
No extenso domínio de rochas cristalinas com espesso manto de alteração ou recobertas por terrenos sedimentares diversos, a capacidade específica dos poços pode variar de mais de um m³/h por metro até 5 m³/h.m, ou cerca de 3 m³/h.m em média. Considerando-se que o regime de produção de cada poço compreenda 16 horas por dia e que se verifique 30 metros de rebaixamento do nível da água, a oferta seria de um milhão e quinhentos mil litros/dia de água, suficiente para abastecer cerca de 15 mil pessoas, com uma taxa de consumo de 100 litros/dia per capita. Porém, à medida que "quem tem um poço não tem nenhum", espera-se que o serviço público de abastecimento de água tenha mais de um poço produtor. Assim, cerca de 3.500 cidades do Brasil com população inferior a 20.000 habitantes poderiam ser abastecida por dois ou mais poços.
Nos domínios hidrogeológicos de borda das principais bacias sedimentares do Brasil, a capacidade específica dos poços varia entre 5 e 10 m³/h.m, ou 7,5 m³/h.m, em média. Considerando que os poços produtores nessa área funcionem cerca de 16 horas por dia e que o rebaixamento do nível de água seja de 40 metros, a oferta por poço seria da ordem de 4,8 milhões de litros de égua por dia, ou o suficiente para abastecer cerca de 30 mil pessoas por poço, com uma taxa de consumo de 150 l/dia per capita. Nessas áreas, as condições de abastecimento da população das Cidades, principalmente, seriam viáveis para abastecer populações em torno de 20.000 pessoas.
Finalmente, têm-se os domínios hidrogeológicos mais promissores. Nesses domínios, a capacidade especifica de cada poço pode atingir mais de 20 m³/h.m, porém, de forma conservadora, considerou-se valor superior a 10 m³/h.m. Esses aquíferos artesianos são confinados por camadas relativamente pouco permeáveis e basálticas, inseridos nas bacias sedimentares do Amazonas (1,3 milhão km²); a bacia do Maranhão-Piauí (700 mil km²) e do Paraná no Brasil (l milhão km²). Nessas bacias sedimentares os sistemas aquíferos artesianos destacam-se pela importância econômica e social. Nesse quadro, tem-se o aquífero Guarani que representa a maior reserva de água-doce subterrânea do mundo (50.000 km³ e cerca de 166 km³/ano de recarga), o qual compreende cerca de 839.800 km² no Brasil, 225.300 krn² na Argentina, 71.700 km² no Paraguai e 58.400 km² no Uruguai.
Considerando que o regime de produção de cada poço compreenda um funcionamento de 16 horas por dia e que se verifique uma queda do nível de água no respectivo poço de 50 m, a oferta seria de 8.000 m³/dia ou 8 milhões de litros de água por dia, suficiente para abastecer cerca de 40.000 pessoas por poço, com uma taxa de consumo de 200 litros/dia per capita.
 
Assim, além das águas que fluem pelos rios, a alternativa de abastecimento humano com água subterrânea precisa ser considerada. Pelo fato da água subterrânea poder ser captada no próprio lote do condomínio, da indústria ou no perímetro irrigado e ter, em geral, qualidade adequada ao consumo humano, não tem os custos de transporte ou de tratamento. Por sua vez, a sua extração desordenada atual poderá produzir sérios impactos nas descargas de base dos rios, nos níveis mínimos dos reservatórios, e recalques nos terrenos.
Até a última década do século passado, os indicadores mais seguros de estabilidade e riqueza de uma nação eram suas reservas de petróleo e dos recursos minerais não renováveis. Atualmente, esses indicadores são questionados por estrategistas de mercado, em relação à água, recurso natural renovável no mundo, mas não inesgotável e de valor econômico em muitas partes da Terra.
A partir da última década, principalmente, considera-se que a cobrança pelo direito de uso da água é uma forma de se conseguir um uso cada vez mais eficiente. No Brasil, em particular, embora se ostente a maior descarga de água-doce do mundo nos seus rios, lutar pelo uso cada vez mais eficiente da gota d'água disponível é lutar contra a pobreza, pela vida, pela saúde e pela comida para todos (Rebouças, 2002C).
No Brasil, o comprometimento da renda per capita com a conta d'água e esgoto já representa cerca de 1%, considerando-se as tarifas e os níveis de atendimento atuais. Supondo-se a extensão para toda a população brasileira do serviço de coleta e tratamento de esgotos, e cobrando-se as tarifas atuais, a conta d'água e esgoto chegaria a 2% da renda per capta, Enquanto isso, nos países desenvolvidos, o comprometimento da renda per capita com a conta d'água e esgotos varia entre 0,3 e 0,8% do seu valor (SEDU/PR, 2002).
A TRANSPOSIÇÃO DE BACIAS HIDROGRÁFICAS NO BRASIL
A alternativa de transporte de água entre bacias hidrográficas diferentes, como a realizada entre as bacias do Rio Piracicaba e Alto Tietê, para abastecimento da cidade de São Paulo ou, no Nordeste, como o Rio São Francisco - Jaguaribe, ou entre as bacias dos rios Tocantins e São Francisco, por exemplo, precisa ser avaliada à luz do arcabouço - legal e institucional - vigente, em especial a Lei Federal n° 9.433/97, que impõe viabilidade ambiental e social, dentre outras, além do simples equacionamento hidrológico-técnico ou hidráulico. Deve-se levar em conta, também, os novos conhecimentos hidrológicos disponíveis.
Assim, caberá aos comitês de bacia hidrográfica a decisão sobre o que se vai fazer com a água disponível no respectivo setor geográfico. Dessa forma, tendo em vista as grandes perdas de água por evaporação, no Nordeste semiárido, parece que a alternativa mais viável seria transportar o excedente de energia hidrelétrica gerada na bacia do Tocantins para a bacia do Rio São Francisco, e fazer um uso múltiplo cada vez mais eficiente da água disponível na região, tal como para abastecimento da população, saneamento básico, irrigação e produção hidrelétrica.
A experiência tem mostrado, por exemplo, que as perdas por evaporação de água no reservatório de Sobradinho, no Rio São Francisco, são da ordem de 500 m³/s, enquanto a vazão media do Rio Colorado, nos Estados Unidos, é de apenas 400 m³/s e base do uso múltiplo na Califórnia e Arizona, principalmente, há aproximadamente 200 anos, pelo menos. Por sua vez, o método tradicional de espalhamento superficial de água no Nordeste semiárido - 56% da área de perto e 3 milhões de hectares irrigados no Brasil - é como derramar água no solo para evaporar (Telles, 2002).
Portanto, no Nordeste semiárido, a utilização desse método tem como decorrência uma produtividade agrícola progressivamente mais baixa, porque a evaporação intensa da água espalhada no solo forma a sua crescente salinização e consequente perda de produtividade. Assim, em termos de eficiência da atividade, em USD por m³ de água utilizado, a sua prática tem revelado ser, além de crime ambiental, uma tolice econômica (PROCEAGRl, 2000).
No entanto, a utilização do pivô central e da aspersão convencional, respectivamente 19% e 18% da área irrigada, de perto de 3 milhões de hectares no Brasil, tem se revelado pouco recomendada, tanto em termos de eficiência econômica USD por m³ de água, quanto de uso intensivo de energia hidrelétrica para bombeamento, recalque ou pressurização da água que é fornecida. Assim, sobre perto de 93% dos quase 3 milhões de hectares irrigados no Brasil, utilizam-se os métodos menos eficientes do mundo de uso da água (Telles, opr cit.).
A cobrança da conta mensal referente ao consumo de energia elétrica pelas atividades de irrigação em Iguatu, Ceará, por exemplo, serviu para mostrar ao usuário que, mesmo quando a água pode ser bombeada livremente de poços, rios ou de açudes, ela não é gratuita. A propósito, tanto no Nordeste quanto no Estado de São Paulo, verificou-se que o mercado só remunera a produção das culturas irrigadas quando a eficiência econômica da atividade é superior a 1,0 USD por m³ de água fornecido. Isso significa produção de frutas e flores no Nordeste semiárido, cuja eficiência econômica do cultivo pode atingir mais de 6,0 USD por m3 de água utilizado (BN, 1999). Contudo, a irrigação tradicional de arroz, milho, soja e feijão no Nordeste apresenta eficiências econômicas muito baixas, entre 0,01 e 0,20 USD por m3 de água utilizado, e consumos de água entre 8.000 e 21.000 m³/ano por hectare (BN, op. cit.). No Estado de São Paulo, a viabilidade econômica fica restrita aos cultivos de café e frutas plantadas de forma mais densa, isto é, menos espaçadas, e com consumo de água variando entre menos de 5.000 e 7.000 m³/ano por hectare, principalmente (Rebouças, 2002C).
Basta lembrar que a Organização Mundial de Saúde - OMS - estima que cada USD investido em saneamento básico, representa uma redução de 4 a 5 USD em despesas com o tratamento das doenças de veiculação hídrica que afetam a maioria da população do Terceiro Mundo, fundamentalmente. Não obstante, verifica-se que, tanto os poderes da república e executivo, legislativo ou judiciário - quanto os partidos políticos no Brasil, parecem não considerar esse aspecto como uma prioridade e que sem água não se faz saneamento básico.
TRANSFORMAÇÃO DEMOGRÁFICA E ÁGUA NO BRASIL
O mundo experimentou uma inusitada transformação demográfica a partir da Revolução Industrial, cujo início verificou-se na Grã-Bretanha durante o século XVIII e começou a estender-se às outras partes da Europa e à América do Norte no início do século XIX. No Brasil, essas transformações só aconteceram a partir de 1940 e, mais propriamente, na segunda metade do século XX (tabela 2).
 
A Revolução Industrial gerou um grande aumento na produção de vários tipos de bens e grandes mudanças na vida e no trabalho das pessoas, destacando-se o crescimento desordenado da demanda localizada da água, grandes desperdícios e a degradação da sua qualidade em níveis nunca imaginados nas cidades, indústria e agricultura. Todos esses aspectos são, certamente, importantes fatores que engendraram a "crise da água", que se anuncia como capaz de dar origem a guerras entre nações, ainda neste século XXI.
O que interessa em definitivo ao cliente ou usuário é que o fornecimento da água seja regular e que o preço cobrado seja o justo. Em outras palavras, o que lhe interessa é que o fornecimento seja feito sem racionamento ou operação rodízio, sem grandes índices de perdas totais que, no Brasil, variam entre 40% e 60% da água captada, tratada e injetada nas redes de distribuição. Que seja estimulada a redução dos grandes desperdícios - tanto pela substituição de equipamentos obsoletos, tais como bacias sanitárias que necessitam de 18-20 litros por descarga, quando se tem no comércio tipos mais modernos que exigem apenas 6 litros de água, quanto pelo hábito de banhos muito longos, varrer calçadas, pátios e carros com o jato da mangueira, por exemplo.
Entretanto, chama a atenção a inércia política que faz com que, em nenhum momento, os poderes constituídos da nação, bem como os partidos políticos, tenham considerado como prioritários os problemas ocasionados pela falta de saneamento básico nas cidades.
O fato é que as estatísticas indicam que mais de 90% da população é servida pela rede de distribuição de água. Porém, omite-se a precariedade dos serviços de saneamento básico no Brasil - oferta irregular de água, falta de coleta e tratamento de esgotos e de coleta e deposição adequada do lixo que se produz nas cidades. Além disso, o vexatório saneamento básico nas cidades brasileiras é significativo gerador das doenças que afetam, principalmente, a população mais pobre e um dos mais fortes impedimentos ao desenvolvimento do País com justiça social.
Como a experiência nos países desenvolvidos tem mostrado que a parte mais sensível do corpo humano e o bolso, uma das recomendações do Banco Mundial (BM) e da Organização das Nações Unidas (ONU) para reduzir o desperdício e a degradação da qualidade da água é considerá-la como um recurso natural de valor econômico, ou seja, uma mercadoria com preço de mercado, como estabelece, aliás, o terceiro princípio da Lei Federal brasileira n° 9.433/97.
Diferentemente do petróleo, a água do Planeta Terra é um recurso natural renovável, mas que precisa ser usado com eficiência cada vez maior, evitando-se a degradação da sua qualidade. Em termos globais, não devera faltar água-doce no mundo( Entretanto, a distribuição dessa água é muito irregular, é crescente o desperdício e a degradação da sua qualidade atinge níveis alarmantes. Dessa forma, muito embora não possa faltar água no mundo, poderá faltar água na sua torneira, à medida que poderá faltar dinheiro para pagar a conta do fornecimento da água limpa de beber.
O PROBLEMA NO NORDESTE SEMIÁRIDO DO BRASIL
Ao se deixar um copo d'água num aposento durante alguns dias, este poderá secar, à medida que as moléculas de água situadas na superfície do líquido se liberem daquelas mais abaixo e subam ã atmosfera na forma de vapor. Quando um líquido evapora de uma superfície, esta se torna mais fria porque a sua transformação em vapor consome calor. Dessa forma, um ventilador elétrico produz uma sensação de esfriamento, porque a corrente de ar ocasiona uma rápida evaporação da água que é engendrada pela nossa transpiração. O calor gasto na transpiração ou suor é fornecido pelo nosso próprio corpo. Essa mesma regra é valida quando nos dias quentes se borrifa água nas calçadas de uma rua, para se obter uma sensível queda das temperaturas, já que a evaporação da água borrifada consome calor.
O ar pode conter maior quantidade de vapor de água nos climas quentes do que nos frios. Assim, a quantidade de vapor ou umidade pode ser muito alta nas regiões tropicais, enquanto em clima mais frio decresce bastante. A 32°C pode haver o dobro da quantidade de vapor de água na atmosfera do que a 21°C, por exemplo. Assim, construir pequenos açudes no Nordeste semiárido do Brasil ou grandes obras em locais inadequados, utilizar métodos de irrigação como espalhamento superficial, aspersão convencional e pivô central, poderá significar espalhar água para evaporar, enquanto esses métodos de irrigação são perfeitamente eficientes noutras condições climáticas. Assim e que os baixos coeficientes de utilização dos grandes açudes construídos no semiárido do Nordeste no Estado do Ceará, ficando entre 1,6 e 39,4%, corroboram a assertiva de que pagamos, efetivamente, à natureza um alto "preço" pela acumulação em açudes mal dimensionados da água disponível no semiárido (Vieira, 2002).
Quanto aos métodos de irrigação mais utilizados no Brasil - espalhamento superficial (56%), pivô central (19%) e aspersão convencional (18%) e, são, certamente, os mais fotogênicos, mas se inserem dentre os menos eficientes no mundo (Telles 2002) Todos esses aspectos precisam ser levados em consideração nos processos de uso inteligente da água. No semiárido do Nordeste do Brasil, por exemplo, o problema hidrológico não é que chove pouco - entre 400 e 800 mm/ano - mas que evapora muito - entre 1.000 e mais de 3.000 mm/ano (Rebouças, 1973, 1997 & Macedo, 1996).
As secas no Nordeste semiárido do Brasil poderiam ser definidas como o processo que é gerado pela ocorrência das chuvas em regime incompatível com as necessidades das culturas de subsistência, tais como milho e feijão (Rebouças & Marinho, 1970, Rebouças, 1973, 1997). Durante os anos de seca, a ocorrência das chuvas é particularmente irregular (Rebouças, 1997). Essa irregularidade é bem dimensionada pelo coeficiente de variação - relação percentual entre o valor médio da pluviometria e o seu desvio padrão - cujos valores nos anos de seca situam-se entre 45% e 70%, enquanto no resto do Brasil o coeficiente de variação das chuvas fica entre 15% e 20% todos os anos. Assim, se as chuvas ocorressem de forma regular, não seriam suficientes para atender às altas taxas de evaporação. Decorrente da irregularidade das chuvas na sua região semiárida, principalmente, esta não é um deserto. Tem-se na região a "seca verde”, ou seja, aquela em que as águas das chuvas intensas infiltram nos solos rasos da região e dão suporte à explosão do verde da caatinga, embora não sejam suficientes ou adequadas ao desenvolvimento das culturas de subsistência, tais como o milho e o feijão.
Há anos em que predomina o escoamento superficial do excedente hídrico criado pela grande intensidade de ocorrência das chuvas, quando os rios, praticamente secos durante a maior parte do ano, se transformam em caudalosos cursos de água que enchem os açudes.
Durante os últimos 150 anos, milhares de açudes rasos e dezenas de outros profundos foram construídos pelo Governo Federal, pelos Governos estaduais, em cooperação ou por particulares, no Nordeste semiárido do Brasil. Lamentavelmente, verifica-se que muito investimento improdutivo e operacionalmente não sustentável foi feito, seja porque os grandes e pequenos açudes mais servem para evaporar água do que para regularizar a sua oferta, seja porque os grandes açudes, que poderiam ser uma fonte confiável de água, não se integraram numa política pública de uso racional da água, uma vez que os meios necessários nunca foram sequer construídos - sistemas de adução, canais e adutoras, por exemplo - para conduzir água para onde a maior parte da população da região vive e trabalha. Assim, o açude de Orós, orgulho do Ceará, teve sua construção concluída em 1958, mas só recebeu uma tomada de água 20 anos depois.
Esse problema está sendo parcialmente resolvido através da construção de adutoras, pelo PROÁGUA, programa financiado pelo Banco Mundial. Uma dessas adutoras deverá atender à cidade de São Raimundo Nonato, Piauí, que sempre sofreu racionamento de água nos anos de seca, apesar de distar somente 43 km do açude Petrônio Portela, cuja capacidade de armazenamento é de 181 milhões de m³, e mais 10 localidades, beneficiando uma população de cerca de 60.000 pessoas. Lamentavelmente, no caso da adutora Potiguar, verifica-se a preferência por uma grande obra fotogênica para levar água do açude Armando Ribeiro Gonçalves de Açu para abastecer a cidade de Mossoró, enquanto a solução mais barata de abastecimento público é destinada a beneficiar o setor privado do cimento e da agricultura irrigada.
Além dos açudes públicos, em cooperação ou privados, cuja capacidade de estocagem é da ordem de 30 bilhões de m³, outro tanto de água poderia ser ofertado pelos milhares de poços inoperantes por razões diversas. Os poços foram perfurados ao longo das últimas décadas, principalmente pelo Governo Federal, sem o devido equacionamento institucional, isto é, sem que uma solução tenha sido sequer cogitada para fazer a operação e manutenção do próprio poço, da bomba submersa, do cata-vento ou compressor e, caso exista, do dessalinizador.
Os métodos de irrigação tradicionais consomem muita água - arroz, 21.000 m³/ano por hectare, milho 17.000 m³/ano por hectare e feijão 8.000 m³/ano por hectare - enquanto para produzir uva o consumo de água é inferior a 5.000 m³/ano por hectare, por exemplo. Por outro lado, a eficiência econômica da produção de grãos é muito baixa - USD/m³ -, variando entre 0,01 para o arroz, 0,04 para o milho e 0,20 para o feijão, enquanto a produção de frutas pode atingir USD/m³ de água ofertada de 6,10. Assim, o mercado da agricultura irrigada no Nordeste semiárido verifica que o consumo de água inferior a 5.000 m³/ano por hectare é ótimo, entre 5.000 e 7.000 m³/ano por hectare bom, entre 7.000 e 10.000 m³/ano por hectare como valor limite e crítico, quando o consumo de água fica acima de 10.000 m³/ano por hectare (BN, 1999). Desse modo, o fato de a ANA considerar para outorga taxas entre 1 e 2  l/s por hectare ou entre 31.500 e 63.000 m³/ano por hectare, parece que privilegia o desperdício ou não considera os limites impostos pelo agronegócio de viabilidade econômica da agricultura irrigada no Nordeste (BN, 1999).
Deve-se atentar para o fato de que o reduzido grau de desenvolvimento do Nordeste tem a ver, certamente, com a ocorrência de secas na sua região semiárida, mas não tanto quanto se veicula costumeiramente ou faz crer o discurso oficial. Como o Brasil ostenta uma pobreza endêmica no Nordeste semiárido, principalmente, torna-se vulnerável à crise de água ou de outra qualquer. É evidente que, se os habitantes do bairro dos Jardins, São Paulo, migrassem para Guariba, no Piauí, a primeira providência seria estabelecer uma urbanização adequada, água encanada, coleta de esgotos e de lixo, para qual não faltaria grupo econômico interessado em investir, uma vez que a população poderia pagar. Assim, o problema maior do Nordeste semiárido, cujo Índice de Exclusão Social é um dos mais vexatórios (fig. 10), é a falta de condições para sua crescente população superar os níveis de pobreza (Campos et al, 2003).
 
Basta considerar que, se fosse a seca realmente a causa do atraso do Nordeste, ter-se-ia um grande desenvolvimento a partir da sua Zona da Mata Litorânea, do Agreste, dos Brejos de Altitude e do Piauí, cuja taxa de disponibilidade de água nos seus rios é de perto de 9.000 m³/ano per capta, ou seja, a mesma de um norte-americano, por exemplo. Nessas áreas não se têm maior falta de água do que normalmente se tem no Brasil chuvoso ou no mundo em geral. A nosso ver, os efeitos negativos, de natureza econômica e social, que são atribuídos às secas periódicas que assolam a região, estão relacionados, mais propriamente, à estrutura reguladora de mercado (Rebouças, 1997).
Assim, salvo melhor juízo, na Grande Seca que assolou o Nordeste semiárido do Brasil no período de 1876-79, a fome em massa foi uma tragédia política evitável, não um desastre natural. Senão, como explicar o fato de que, no século em que a fome em tempo de paz desapareceu para sempre da Europa Ocidental, esta tenha aumentado de forma tão devastadora em grande parte do mundo colonial, e de modo especial nas regiões assoladas pelas secas (Carvalho, 1988).
Do mesmo modo, como pesar as presunçosas afirmações sobre os benefícios vitais das estradas e dos modernos mercados de grãos, quando tantos milhões de pessoas, sobretudo na Índia britânica, morreram ao lado dos trilhos das ferrovias ou nos degraus dos depósitos de grãos, ao mesmo tempo em que a produção de grãos das áreas assoladas pelas secas era vendida aos consumidores europeus, cujos preços e formas de pagamento eram mais do interesse do mercado da época.
Quase sem exceção, os historiadores modernos que escrevem sobre a história mundial do século XIX, de um privilegiado ponto de vista europeu ou americano, principalmente, têm ignorado as megassecas e fomes que assolaram o que agora chamamos de Terceiro Mundo.
A UNESCO, coordenadora do Decênio Hidrológico Internacional - 1965-1975, e a partir de então Programa Hidrológico internacional (PHI), estima que, na pior das hipóteses, sete bilhões de pessoas em 60 países estarão enfrentando falta de água na metade deste século, Na melhor das hipóteses, serão dois bilhões de pessoas em 48 países nessa situação. Isso vai depender do desenvolvimento de políticas públicas de uso e conservação da água disponível e de uma drástica mudança de mentalidades.
Os problemas de atitude e comportamento - tanto dos governos, quanto das empresas e da sociedade, em geral - são componentes essenciais da crise da água. Além disso, a inércia dos dirigentes e o fato de a população mundial não ter consciência total da dimensão do problema, indicam que se torna necessário tomar medidas corretivas com urgência (UNESCO, 2003)
Dessa forma, tanto o Banco Mundial quanto as Nações Unidas, consideram que o princípio da cobrança pelo direito de uso da água, poderia ser uma medida indutora do seu uso mais racional, de combate aos desperdícios e degradação da sua qualidade, cujos níveis já alcançados nunca foram imaginados. Esses cenários vêm sendo estudados desde a década de 1980 pelos estrategistas do mercado global, que passaram a pressionar - por meio do FMI e Banco Mundial, principalmente - a criação de mecanismos que possibilitassem a cobrança, nos termos do usuário/pagador ou do poluidor/pagador, das águas dos rios, das nascentes, dos poços, das águas de reciclagem ou de reúso das águas.
É evidente que, nessa abordagem, as necessidades vitais de abastecimento do indivíduo deverão ser, preliminarmente, consideradas. No plano nacional estabelece-se que todo individuo terá direito a um consumo de 40 litros por dia per capita. Em termo internacional, a tendência é considerar 50 litros por dia per capita. Entretanto, se o indivíduo vai ter o benefício de uma rede coletora de esgotos, a experiência mostra que não se pode pensar numa taxa de consumo diário interior a 100 litros per capita (Hespanhol, 2003).
De qualquer forma, o conceito de água como dádiva inesgotável da natureza e um bem da humanidade vem sendo modificado desde os anos 80. O bem comum passa, então, a ser tratado como mercadoria para consumo, com preço de mercado. Isso vem ocorrendo desde o momento em que os principais centros financeiros do mundo se deram conta de que a importância de uma nação passaria pela utilização mais eficiente da água, ou seja, como uma mercadoria.
O problema de abastecimento de água no Brasil não é devido à falta de água, mas ao quadro de pobreza endêmica que atinge a maior parte da sua população, a qual não pode pagar pelo serviço de captação, transporte, tratamento e distribuição da água limpa para beber. A mais importante arma contra a privatização dos serviços de saneamento é a eficiência, tanto no mundo quanto no Brasil. Em outras palavras, considerando que os investimentos públicos necessários foram realizados – tanto para construção de obras de captação, adutoras de transporte, estações de tratamento, quanto para implantação das redes de distribuição que atendem perto de 90% da população – conseguir que a água chegue regularmente na torneira de cada um e com qualidade garantida, são as metas que tanto atraem os grupos financeiros nacionais ou internacionais. Na maioria dos países do mundo, onde se trem a universalização da oferta de água – 90% da população são abastecidas e o serviço de coleta de esgotos atende cerca de 80% - as perdas totais de água, tais como vazamento físico das redes de distribuição e falta de faturamento por causa do roubo de água, principalmente, atingem coeficientes razoáveis de 5 a 15%. Por sua vez, pode-se beber a água que chega à torneira e as empresas de saneamento – oferta d'água, coleta e tratamento de esgotos, coleta e disposição adequada do lixo que se produz nas cidades, geralmente - são públicas.

Anexos


(ÁGUA NO BRASIL.docx - 427.65 Kb)

por João Suassuna última modificação 19/02/2016 14:22

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Transposição do São Francisco: o elefante branco nordestino?

19.02.2016
 
Transposição do São Francisco: o elefante branco nordestino?. 23812.jpeg
"Estou apostando e quero que esse projeto saia e que seja oferecido para a sociedade para fins de abastecimento, pois não vai ter volume para tudo. Com todos esses usos que se quer, esse projeto se transformaria no futuro num grande elefante branco", alerta o pesquisador
 

João Suassuna é nordestino. O engenheiro agrônomo, e sobrinho do escritor Ariano Suassuna, destaca que essa relação com o nordeste o faz acompanhar há mais de 20 anos as discussões em torno das alternativas para amenizar a secura dessas terras. Para ele, a transposição do Rio São Francisco nunca deveria ser tida como prioridade. "Eles (técnicos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC) chegaram à conclusão, já em 2004, que o São Francisco tem uma séria limitação para fornecimento de volumes para um projeto de transposição", destaca em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line. Segundo ele, foi por isso que o grupo pensou em alternativas. "O nordeste teria que construir uma infraestrutura hídrica no setentrional para buscar as águas que já existem na região. A região tem 70 mil represas", aponta.
Suassuna ainda destaca que mesmo com todo investimento, há nordestinos que não verão uma gota do São Francisco. "É a chamada população difusa, que vive nos pés de serras, são pessoas que são assistidas por frotas de caminhões pipa e que continuarão nessas condições porque não há uma adutora da transposição prevista", explica.
Com muito menos recurso do que a transposição, outros projetos tentam dar conta das demandas dessa população através da construção de cisternas. Para o pesquisador, aliando as duas frentes, o primeiro projeto "resolveria o problema de abastecimento em municípios de até cinco mil habitantes e esse programa de construção de cisternas resolveria o problema do abastecimento da população difusa".
Entretanto, fato é que - por questões políticas - venceu e está sendo implementado o projeto de transposição do Rio São Francisco. "Eu lamento muito porque estão fazendo um projeto dessa envergadura num rio que não tem a mínima condição de fornecimento desses volumes, custando mais do que o dobro do que a alternativa", completa Suassuna. Mas o que fazer? O pesquisador entende que a saída é fiscalizar de cima as obras e apontar qualquer mau uso do dinheiro público ou peripécias dasempresas que realizam a obra. Hoje, segundo ele, é preciso torcer que, já que está se investindo tanto nesse projeto, se faça do São Francisco uma fonte paraabastecimento humano. "Agora, estou apostando e quero que esse projeto saia e que seja oferecido para a sociedade para fins de abastecimento, pois não vai ter volume para tudo (irrigação e geração de energia)" sinaliza.
João Suassuna (foto abaixo) é engenheiro agrônomo, pesquisador da fundação Joaquim Nabuco, no Recife, e especialista em convivência com o semiárido.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O senhor acompanha os debates sobre a transposição do Rio São Francisco há mais de 20 anos. Como avalia o projeto? Por que e como a transposição se tornou uma alternativa para combater a seca no nordeste?
João Suassuna - Estou envolvido nos debates da transposição desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. Ele veio ao nordeste com sua comitiva, foi até a bacia do São Francisco, pegou um pouco da água e disse que o Rio era generoso e que não haverá de secar, porque o povo pegaria sua água só um pouquinho ali, outro aqui.
 
 
Acabei pegando essa visão do ex-presidente e fiz meu primeiro artigo, em 1995, criticando tal perspectiva. É preciso entender que o São Francisco é um rio de muitos usos e ele tem uma grave limitação de fornecimento de volumes. Tem 60% de sua bacia em geologia cristalina, onde nesse tipo de geologia seus tributários (tributário, em Geografia, é um termo que designa um curso de água que deposita suas águas em outro rio ou lago) secam em determinada época do ano e deixa de mandar água para o Rio, que tem uma limitação de vazão.
A vazão média do São Francisco é de 2,8 mil metros cúbicos por segundo. Se traçarmos um paralelo com o Rio Tocantins, por exemplo, que é da Bacia Amazônica, que tem a mesma área de bacia do São Francisco, 640 mil quilômetros quadrados, vermos que tem cinco vezes mais volume. Pois é um rio que corre nosedimentário, tem muita água e seus tributários são perenes. Ai está a diferença. O São Francisco é um rio hidrologicamente pobre.
A ideia da transposição
Em agosto de 2004, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPCrealizou uma reunião internacional no Recife, reunindo pesquisadores da Europa que mostraram para nós suas experiências de transposições de bacias. Os técnicos da SBPC, os 40 expoentes da hidrologia nacional, partiram dos exemplos apresentados e foram pesquisar os volumes, as minucias do São Francisco. Eles chegaram à conclusão, já em 2004, que o São Francisco tem uma séria limitação parafornecimento de volumes para um projeto de transposição dessa envergadura.
Para se ter ideia, se concluiu em 2004 que o Rio, para fins consultivos (quando se retira água de um manancial e essa não retorna), só dispunha de 25 metros cúbicos por segundo. Isso para atender um projeto que vai necessitar de uma média de 65 metros cúbicos por segundo. Diante desse cenário, os técnicos destacaram que era preciso uma proposta alternativa, pois se falava no abastecimento de 12 milhões de pessoas no nordeste e mais 350 mil hectares para irrigar.
A alternativa
Assim, nessa reunião de 2004, os técnicos da SBPC fizeram a proposta de que o nordeste teria que construir uma infraestrutura hídrica no setentrional para buscar as águas que já existem na região. São as águas interiores do nordeste, pois a região tem 70 mil represas. Essas represas acumulam um potencial de 37 bilhões de metros cúbicos. É o maior volume de água represada em regiões semiáridas do mundo, e tudo isso está aqui no nordeste brasileiro. Foi assim que os técnicos pensaram numa proposta de buscar essa água e fornecer para população por meio de tubulações, visando o abastecimento das pessoas. Essa proposta existe e consta em relatório.
Desenvolvendo a alternativa
 Além disso, em janeiro de 2006, a Agência Nacional de Águas - ANA, se baseando nas informações dessa reunião, fez uma proposta chamada Atlas Nordeste de Abastecimento Urbano de Água. O projeto previa a elaboração de uma estrutura para buscar essas águas que já existem no interior do nordeste e distribuir em municípios de até cinco mil habitantes. Era uma proposta bem mais abrangente, pois visava o abastecimento de 34 milhões de pessoas. O projeto deTransposição do São Francisco visa apenas o abastecimento de 12 milhões de pessoas.
E pasme: o projeto da ANA tinha menos da metade do custo previsto para a transposição em 2004, que na época era de seis bilhões de Reais. O projeto da ANA era de cerca de três bilhões de Reais. Ou seja: um projeto que custaria a metade e com uma abrangência muito maior.
As decisões
O curioso é que quando chegou a hora dessas propostas serem todas apresentadas ao Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, para buscar financiamento, venceu a transposição do São Francisco. Isso eu lamento muito porque estão fazendo - mais de 70% dos canais estão prontos - um projeto dessa envergadura num rio que não tem a mínima condição de fornecimento desses volumes, custando mais do que o dobro do que a alternativa. Hoje, o custo da transposição está orçada em pouco mais de 8 bilhões de Reais. Observe como esse Atlas Nordeste, no projeto da ANA, resolveria o problema de 34 milhões de pessoas em município de até cinco mil habitantes.
Complementação à alternativa
Entretanto, ainda existe uma população no nordeste que não vai ver uma gota de água do São Francisco. É a chamada população difusa, que vive nos pés de serras, nos sítios e pequenas propriedades, são pessoas que são assistidas por frotas de caminhões pipa e que continuarão nessas condições porque não há uma adutora da transposição prevista para levar uma só gota. Pensando nessa população difusa, existe uma instituição não-governamental, a Articulação do Semiárido - ASA Brasil, que congrega o trabalho de 600 outras Ong's que tem sua atuação voltada para a convivência com o semiárido.
A ASA Brasil, juntamente com o Ministério de Desenvolvimento Social, elaborou um projeto de construção de cisternas rurais de placas. Essas cisternas têm 16 mil litros, são construídas nos oitões das casas para aproveitar as águas que caem das chuvas, e garantem água de boa qualidade para beber e cozinhar - não pode ser para outro uso, se não, entra em exaustão - para uma família de cinco pessoas nos oito meses sem chuva na região. Assim, está resolvido o problema para essa população que giram em torno de 12 milhões de pessoas.
Então, veja: com o Atlas Nordeste se resolveria o problema de abastecimento em municípios de até cinco mil habitantes e essa programa de construção de cisternas da ASA Brasil resolveria o problema do abastecimento da população difusa.
IHU On-Line - Mas nenhum dos projetos é realidade hoje?
João Suassuna - Somente o da ASA Brasil é realidade. Hoje, da meta de um milhão de cisternas já deve haver algo em torno de 700 mil em funcionamento. E para essa população difusa, a ASA Brasil está desenvolvendo também uma segunda água. É uma cisterna produtiva, maior, volumetricamente falando, com 52 mil litros e construída no campo para irrigar as culturas.
É construída uma espécie de grande calçada para captação da água da chuva, a chamada calçadão. No semiárido chove até 800 milímetros, volume suficiente para encher essa cisterna e aguar a horta. Assim, temos a água para o campo e também para beber, captada nos oitões de casa.
Com essas iniciativas, o problema da seca no nordeste estaria resolvido. Mas não, foram atrás do projeto mais caro de transposição que hoje está aí com as obras atrasadas. 70% dos canais já foram construídos e temos notícias de vazamentos.
IHU On-Line - Como compreender a opção por esse projeto mais caro? Que relação política podemos estabelecer com essa opção?
João Suassuna - As autoridades colocaram na cabeça que a água é um bemnatural infinito, portanto pode ser usada a bel prazer. Isso não pode ser encarado assim! O Brasil é um país riquíssimos em água, 12% da água que escoa superficialmente no planeta está no Brasil, mas tem limitações sérias dedistribuição dessa água. 73% dos volumes nacionais estão na Bacia Amazônica, uma região com pouca gente, menos de 7% da população nacional está lá.
No sul e sudeste temos algo em torno de 19% e no nordeste 3%, dos quais dois terços na Bacia do Rio São Francisco. Não foi por acaso que as autoridades quiseram ir atrás dessa água. Mas, por um lado, esqueceram que o Rio São Francisco não tinha a menor condição de fornecer esses volumes que se esperava.
Por outro lado, foi a oportunidade que o Governo Lula teve de investir no nordeste brasileiro. São 8,2 bilhões de Reais. Onde é que ia conseguir esse dinheiro? Nunca um presidente da República teve a oportunidade de empurrar 8,2 bilhões de Reais para o nordeste brasileiro. Só que o lado que ele enxergou foi o financeiro e não pode ser dessa forma. Observe que coisa maluca: empurraram 8,2 bilhões de Reais num projeto em um rio que não tem, hoje, condições sequer de gerar energia, não tem volumes para isso.
Agora, estou apostando e quero que esse projeto saia e que seja oferecido para a sociedade para fins de abastecimento, pois não vai ter volume para tudo.
IHU On-Line - Então, o senhor defende o uso apenas para o abastecimento da população, abandonando os usos para irrigação de culturas e geração de energia?
João Suassuna - Sim. Seria uma incompetência muito grande do governo ao aplicar 8,2 bilhões de Reais em projeto no qual o Rio não tem volume sequer para gerar energia. Com todos esses usos que se quer, esse projeto se transformaria no futuro num grande elefante branco. Então, como aplicaram muito dinheiro nisso, estou rezando para que esse projeto saia e seja inaugurado.
Agora, para o uso dessas águas é preciso outro trabalho muito sério. Os hidrogeólogos têm de entrar em campo para avaliar a verdadeira demanda hídrica do nordeste, mas com fins de abastecimento humano. É preciso, assim, chegar a umvolume demandante para esse fim. É um trabalho que também precisa ser feito em toda a Bacia do São Francisco para se saber que volumes o Rio pode fornecer.
Uma vez chegado a esse volume, que não sei de quanto vai ser, tem-se determinar uma instituição isenta de ingerências políticas para fazer a gestão desse uso das águas. Uma instituição como hoje está a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco - Codevasf para gerenciar as águas do São Francisco é colocar a raposa dentro do galinheiro. Hoje, é a instituição que cuida da irrigação das áreas cultivadas do Vale do São Francisco. E ela tem o poder de gerenciamento da água. Não pode ser assim, tem de ser uma instituição que não sofra com ingerências políticas, pois, se não, vão tirar o restinho de água do Rio, acabando de matar o São Francisco.
IHU On-Line - Em janeiro, o tribunal de Contas da União apontou uma série de negligências no Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que podem levar ao assoreamento do Rio. Qual a importância do Programa? Por que vem sendo negligenciado?

João Suassuna -
 O São Francisco é um rio de barranco e retiraram a mata ciliar, que fica nesses barrancos, para usar como lenha para fazer carvão, nos vapores que cruzavam o São Francisco. Ao retirar toda essa vegetação, começou a ocorrer odesbarranqueamento do Rio e todo esse solo foi carreado para o leito. Houve oassoreamento e hoje há a necessidade de revitalizar isso tudo.
Outro detalhe: todos os esgotos das cidades que estão margeando o São Franciscosão despejados in natura no Rio. A grande Belo Horizonte, para se ter ideia, coloca seus esgotos dentro do Rio das Velhas, que, por sua vez, é um afluente do São Francisco. Assim, essa água está chegando no leito do São Francisco em péssima qualidade. A mesma água que querem que abasteça 12 milhões de pessoas. O nordeste não tem sistemas confiáveis de tratamento de esgoto.
Temos que partir para revitalizar tudo isso, plantando a vegetação que foi arrancada e resolvendo os problemas de esgotamento sanitário. E para isso se demanda muito dinheiro e tempo. E aí está o problema. Aonde vão pegar recursos para fazer uma obra dessa magnitude, já o Governo estando sem recursos para terminar a obra de transposição? Tudo isso tem levado o Governo a ficar omissocom relação a esse plano de revitalização.
IHU On-Line - Recentemente, em Cabrobó, Pernambuco, houve um vazamento no canal que faz a transposição. Qual sua avaliação quanto a qualidade da obra?
João Suassuna - Percebemos que as empreiteiras contratadas para fazer a transposição entraram de peito aberto no projeto sem ter conhecimento de causa com relação ao meio ambiente da região. Há um escudo cristalino (tipo de geologia onde as rochas, que dão origem ao solo, estão com alguns pontos aflorados na superfície, deixando o solo ralo e com escoamento muito intenso, com pouca infiltração de água) em mais de 70% da área. Praticamente não temos águas de subsolo aqui na região e as que temos, nas fraturas das rochas, são muitosalinizadas. As águas da chuva, quando batem nesse tipo de substrato, se mineralizam com muita facilidade, deixando a água salobra (aquela que apresenta mais sais dissolvidos que a água doce e menos que a água do mar).
As empreiteiras não tinham conhecimento de causa dessa geologia e começaram a cavar os canais, quando bateu nas rochas tiveram de usar explosivos. O resultado é que essa obra foi atrasando e encarecendo ao longo do tempo. Esse projeto é muito heterogêneo em termos geológicos ao longo dos canais.
O primeiro erro
Quando construíram os primeiros canais, cometeram o primeiro erro grave: não colocaram água dentro desses canais. Qualquer leigo sabe o que poderia ocorre: numa região quente como essa nossa aqui no nordeste, onde a temperatura do solo passa facilmente dos 40 graus, os canais esquentavam muito durante o dia. E durante a noite esfriavam de vez. Então, o concreto dos canais, com toda essa variação e amplitude de temperatura, acaba rachando. O que rachou de canal aqui no nordeste nesse projeto da transposição foi uma coisa de doido. O Governo Federal acabou tendo de entrar em campo para contratar gente para reparar algo que nem havia fica pronto e já estava danificado.
O rompimento
Agora, começaram a colocar água e inaugurar alguns trechos dos canais, os canais de aproximação (que retira água do São Francisco e leva para a primeira represa para, a partir dela, começar a bombear água para todo o sistema). É nesses canais que, há algumas semanas, houve um rompimento. Foi justamente o que falei: a geografia é heterogênea. Pegou um canal com uma certa inclinação, e com os volumes da água passando ali, acabou rompendo e a água começou a cair fora do canal.
Foi um vexame, pois os agricultores que já esperavam por essa água há muito tempo viram aquilo acontecer e ficaram muito tristes. Um dano como esses num canal significa que para o conserto tem que haver um aporte de recursos muito grande. E esse projeto já não tem mais muito recurso nem para terminar a obra, agora, imagine para reparar um problema desses. Então, estão fazendo algo paliativocolocando areia e barro para ver se diminui o vazamento para pensar numa forma futuro de resolver o dano.
Deveria haver uma fiscalização constante ao longo dos canais para identificar esses problemas, porque um vazamento desses, quando identificado no começo, é de fácil solução. Agora, quando já chega a desmoronar as paredes, começa a haver vazamento, que leva a desmoronamento maior daquela parede e um desperdício de água muito maior.
IHU On-Line - A crise hídrica que assolou o sudeste nos últimos anos evidenciou que a seca no Brasil não é só um problema nordestino. O que a crise hídrica ensinou ao país? Como a falta de água em estados como São Paulo repercutiu no nordeste?

João Suassuna -
 Perdemos, recentemente, um hidrogeólogo chamado Aldo Rebouças. Era uma das pessoas que mais entendiam das águas do Brasil. Em seu último livro, O Uso Inteligente da Água (São Paulo: Escrituras, 2013), fala num português muito fácil de entender: o problema do sul, do sudeste, do nordeste é degestão. Tem-se que saber usar a água disponível. Então, o que aconteceu no sudeste, em São Paulo, deixando o Brasil todo preocupado, foi só por falta de gestão. Usaram as águas em demasia, num limite em que as represas não poderiam fornecer.
Isso não aconteceu só em São Paulo. Acontece diariamente aqui no nordeste. Quando se constrói uma represa, é preciso entender que ela tem o poder de regularização daquele rio que foi represado. Existe um volume disponível naquele rio que tem que ser obedecido, é o volume de regularização. A gente costuma trabalhar com 10% de garantia, ou seja, quando se constrói uma represa e obedece o poder de regularização, sem tirar uma gota a mais desse limite, essa represa jamais secará.
Mas o que ocorre? Se constrói uma represa e a primeira providência é fazer um perímetro irrigado grande, depois começa a abastecer o povo de centenas de municípios. Assim, a represa não aguenta e seca. Por isso que secou a represa deBoqueirão, que abastece Campina Grande, Paraíba.
É uma represa de 400 milhões de metros cúbicos e praticamente entrou em volume morto. Campina Grande, que tem 450 mil habitantes, entrou em problemas sérios de abastecimento. Imagine uma cidade desse porte ter racionamento de quatro ou cinco dias.
Secaram o açude que abastece Caicó, no Rio Grande do Norte, o açude que abastece Acari, no Rio Grande do Norte, e centenas de açudes aqui do estado da Paraíba estão em estado crítico. Tudo porque as autoridades usaram em demasia as águas dos açudes. Se houvesse a consciência de que com o planejamento e com gestão não tem como secar esses açudes, a situação hídrica do nordeste e do Brasil era diferente.
IHU On-Line - Em entrevista concedida à IHU On-Line em 2010 , o senhor destacou que "da Bahia para baixo" ninguém conhece ou sabe dos impactos da obra. Isso mudou?
João Suassuna - Não mudou nada. E tem mais um detalhe: as águas do São Francisco vão para o setentrional nordestino, dos estados de Pernambuco para cima. Para baixo, SergipeAlagoasBahia e Minas Gerais, que é o berço das águas do Brasil, não há concordância em absoluto com o projeto de transposição porque as águas estão saindo de seus territórios para uso em estados lá da frente.
Quem está ao sul de Pernambuco não vai usufruir uma gota de água desse projeto. Pedem até compensação hídrica pelo que estão perdendo. E se a gente observar os estados que estão acima de Pernambuco veremos de 99,99% dessa população é favorável a transposição porque são os beneficiários diretos.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
João Suassuna - Há dois meses, o Tribunal de Contas da União - TCU encontrou um uso ilícito de recursos da transposição. Falou-se, a mídia de modo geral noticiou algo em torno de 200 milhões de Reais em superfaturamentos. Mas isso ficou abafado e ninguém fala mais. Isso deveria voltar à tona, a sociedade precisa acompanhar e descobrir para onde foi esse recurso para que isso não volte a acontecer.
(Por João Vitor Santos - Instituto Humanistas Unisinos (IHU On Line) Entrevista especial com João Suassuna - Foto: Fundação Joaquim Nabuco)
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