quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

João Suassuna

As armadilhas do clima.

 

O pássaro carão quando canta no sertão é sinal de muita chuva. Contrariando todas as previsões meteorológicas de um ano seco, a ave deu os seus primeiros piados no dia 11 de janeiro de 2004, trazendo fortes chuvas para a região e alegrando os sertanejos que gritavam alegremente: ¿canta carãozinho de Nossa Senhora!¿, numa espécie de agradecimento à chegada daquela situação hidrológica salvadora que fazia anos não acontecia. Passados 20 dias de intensos aguaceiros, o resultado foi desastroso: um sem-número de açudes estourados, estradas intransitáveis, muito sofrimento e, infelizmente, mortes de muitos nordestinos. A situação está sendo comparada àquela verificada em 1924, quando ocorreu cataclismo semelhante no Nordeste, vindo ao encontro da crendice popular de que os anos terminados em 4 trazem bons invernos (os anos de 1914, 1924, 1964 e 1974 foram muito chuvosos e não houve seca propriamente dita em nenhum dos outros anos terminados em quatro). Mas o fato é que já existe uma boa parcela da população nordestina munida de espingardas de grosso calibre para calar, de vez, a voz daquela ave agora indesejada. Não podia ser diferente: em curto espaço de tempo, choveu em algumas regiões do Nordeste, dez vezes a média histórica prevista para o mês de janeiro. Açudes como o Boqueirão na Paraíba, que abastece Campina Grande, com cerca de 420 milhões de m³, e o Castanhão no Ceará, com 6 bilhões de m³, próximo a Fortaleza, encheram com as fortes chuvas, fatos inusitados pois no mês dezembro de 2003 estavam praticamente vazios. Foi realmente um dilúvio bíblico, o que veio a provocar estado de calamidade pública em quase todo o Nordeste.


Para nós pesquisadores que lidamos no dia-a-dia com esses assuntos, a situação criada no Nordeste não foi motivo de surpresa. Estranhamos apenas a intensidade com que o fenômeno aconteceu. A explicação foi a seguinte: ocorreram simultaneamente uma frente fria vinda do sul do país, com grande energia, que se fixou sobre o Nordeste, aliada à antecipação, em janeiro, da ação da zona de Convergência Inter-Tropical (massa de ar carregada de umidade que chega ao Nordeste proveniente da região do equador e que normalmente costuma agir no mês de fevereiro), somada ainda ao aumento de temperatura do Atlântico sul, que causa intensa evaporação e proporciona as instabilidades condicionais, levadas, invariavelmente, pelos ventos alísios ao interior da região. As chuvas provenientes desses três fenômenos somados, ao caírem em regiões de geologia cristalina, onde os escorrimentos superficiais são maiores do que a proporção de água que se infiltra no solo, causaram as fortes enchentes divulgadas pela mídia nos últimos dias e que assustaram todos os brasileiros.


Cremos que acerca dessas questões alguns pontos precisam de um maior esclarecimento. Primeiramente, é preciso alertar a população que as fortes chuvas caídas não acabaram com os problemas hídricos do Nordeste. Apenas alguns aspectos foram atenuados. A geração de energia, por exemplo, foi um desses aspectos. Ao final do ano de 2003, o reservatório nordestino (somatório volumétrico de todas as represas responsáveis pela geração de energia no Nordeste) chegou ao seu ponto crítico (com cerca de apenas 10% de seu volume útil), sendo necessário o acionamento do parque de termelétricas, em apoio às hidrelétricas, para o suprimento da demanda de energia da região. E essa conta ficou demasiadamente cara para a população usuária da energia, pois ela já pagava pela possibilidade de vir a usar o sistema alternativo de térmicas (o chamado ¿seguro apagão¿) e, atualmente, paga também pelo seu uso, o chamado encargo de aquisição de energia emergencial, chegando a acrescer, em sua conta de energia, um percentual de cerca de 2% do valor do consumo. Cremos que o governo Lula, um governo dito popular, teria que chamar para si a responsabilidade do pagamento desses tributos, assumindo-os em sua totalidade e não transferindo-os para o povo, o qual, diga-se de passagem, é o menos culpado pela existência de tais problemas. Sobre o assunto, temos conosco três discursos proferidos, no Senado Federal, pelo Senador José Jorge, ex-mimistro de Minas e Energia do governo Fernando Henrique, pronunciamentos esses relacionados aos programas estratégicos para o aumento da oferta energética do país; aos cenários para os próximos anos em termos de oferta energética e a uma visão futurista da situação energética do Nordeste. As leituras que fizemos de tais pronunciamentos nos deram a nítida impressão de que, com os investimentos havidos em termos de construção de linhas de transmissão, por exemplo, tinham sido resolvidos de certa forma, e até com folga, os problemas energéticos do Nordeste. Pelo visto, a contar da necessidade do acionamento das térmicas, não foi isso o que sucedeu. Ao nosso modo de entender dos pronunciamentos do senador apenas destacaríamos como de real importância o seu reconhecimento de que existe, na bacia do rio São Francisco, um indesejável risco hidrológico que precisa ser tratado com o devido cuidado. Nesse ponto, sua excelência tem razão. As chuvas do sul de Minas Gerais, responsáveis diretas pelo abastecimento da represa de Sobradinho (principal fonte regularizadora de vazão do São Francisco) ocorreram em menor intensidade quando comparadas àquelas ocorridas no Nordeste nos últimos dias, ocasionando um preenchimento de cerca de 25% do volume útil da mesma, o que obrigará a CHESF a proceder a gestão dos volumes existentes no seu complexo gerador com muita parcimônia, para não se ter que voltar, em futuro próximo, a se utilizar o parque gerador de termelétricas, onerando mais uma vez a vida do nordestino que já anda tão sacrificada. É viver para crer.


Outro aspecto importante a ser mencionado diz respeito ao atual cultivo de culturas de subsistência, principalmente milho e feijão, aproveitando-se a umidade do solo proveniente do atual período de enxurradas da região. Como houve antecipação do plantio com as chuvas de janeiro (no Carirí paraibano os meses mais chuvosos são março e abril) é possível que haja problemas na condução dessas culturas. Normalmente, as sementes precisam de umidade suficiente para germinar, desenvolver-se, florir, frutificar e chegar ao ponto de colheita. Não temos bola de cristal para fazer uma avaliação mais precisa do que irá acontecer com essas sementes lançadas ao solo fora da época de plantio. As que não se perderem por excesso de água (morte do embrião por encharcamento) correrão o risco de não concluírem o seu ciclo vegetativo, por descompasso na caída de novas chuvas. A quebra desse ciclo, com enormes prejuízos na produção, costuma ser um fato corriqueiro no Semi-árido, situação essa que recebe a denominação de seca verde.


Finalmente, lembraríamos o aspecto do abastecimento das populações nordestinas. Verificamos que houve um certo alento, pois a situação era realmente calamitosa e desesperadora, com boa parte da região sendo assistida por frotas de caminhões-pipa, com os problemas financeiros e políticos disso advindos e conhecidos por todos os nordestinos. Precisamos reconhecer em primeiro lugar, como alternativa válida, a importância das grandes represas para o abastecimento das populações. Em Campina Grande, por exemplo, vai-se deixar de falar sobre racionamento d´água pelo menos nos próximos três anos. Alguns dias de fortes chuvas foram suficientes para fazer a represa sangrar e desativar o programa de distribuição de água com caminhões¿pipa existente em toda a região. No entanto, as chuvas trarão novamente à baila as questões da transposição do rio São Francisco para o abastecimento de 6 milhões de pessoas no Nordeste. A certeza disso prende-se ao fato de que o ano de 2004 será eleitoral e, portanto, sujeito às espertezas de alguns candidatos que fazem desse polêmico projeto o seu palanque de luta, transformando as possibilidades de abastecimento em uma crescente fonte de votos provenientes do sedento povo nordestino. Seguramente haverá candidato que irá colocar até o mapa da transposição em sua propaganda eleitoral. Ao invés de esse gesto ser considerado um exemplo de uma boa plataforma política, o mesmo deveria ser enquadrado como crimes eleitoral e ambiental, além de uma incompetência econômica de graves conseqüências. O que seria mais viável técnica e economicamente, o uso do potencial hídrico existente em cada estado nordestino (o atual momento está muito propício para se fazer esse tipo de avaliação, tendo em vista os aqüíferos estarem praticamente cheios) ou a transposição das águas do São Francisco para locais distando cerca de 500 km das margens do rio?


Há anos estamos denunciando essas questões polêmicas e a impressão que temos é de que poucos as levam em consideração. Existe a tendência de se continuar a vender a ilusão de que a transposição é a única forma de resolver os problemas do abastecimento nordestino, e o povo, estupidamente, continua a acreditar nisso. Em 2004 abriram-se enormes voçorocas sobre essas questões cujo destino só se elucidará no futuro.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Setor elétrico: o sujo falando do mal lavado.
 
 Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
 
 
Apesar de seu caráter essencial, o setor elétrico brasileiro não tem sido levado em conta com a relevância necessária para atender os interesses estratégicos da população. Ele tem tido um papel que o situa no jogo da disputa eleitoral. Ou seja, vivemos a partidarização energética, que ficou evidenciada desde o inicio do século XXI. E isso não tem contribuído para encontrar os caminhos da segurança energética, da modicidade tarifária, da qualidade dos serviços oferecidos, e ainda mais, a diminuição dos impactos sócio-ambientais na escolha das fontes energéticas.
 
O processo de reestruturação do setor elétrico iniciado em 1995, com a “meia sola” do que ficou conhecido como o "Novo Modelo do Setor Elétrico" a partir da lei 10.848 de março de 2004, que instituiu as atuais bases do mercado de energia brasileiro, desestruturou por completo o sistema existente, principalmente com a introdução de um modelo mercantil. A partir de então a energia elétrica é tratada e sujeita as leis de mercado. Não muito diferente de um pacote de bolacha comprado no mercadinho da esquina.
 
O que poderia parecer uma vantagem comparativa devido a ¾ da energia elétrica produzida no país ser gerada nas hidroelétricas (o restante com as termoelétricas, mais caras), acabou se tornando um grande motivo de preocupação. Em particular, devido às mudanças climáticas e seus efeitos decorrentes, que cada dia mais tem assola o planeta Terra. Por exemplo, o calor extremo no Sudeste e a seca no Nordeste brasileiro. O que está acontecendo agora, portanto, é exatamente o que os cientistas do clima prevêem que começará a ocorrer com mais frequência daqui para frente.
 
Virou moda, ainda mais em ano eleitoral, falar mal da política energética do governo federal. Em parte com toda razão, visto as conseqüências nefastas do modelo mercantil adotado, e que resultou em tarifas escandalosamente altas, uma sofrível qualidade no abastecimento com as interrupções freqüentes no fornecimento de energia elétrica, os apagões (na geração e transmissão) e os apaguinhos (na distribuição). Além dos riscos cada vez maiores do racionamento.
 
Todavia o que chama a atenção, e nos indigna é a critica partir de setores, de pessoas, que até “ontem” estavam à frente da gestão da política energética, e que foram e são os responsáveis, coadjuvantes diretos juntamente com os gestores atuais, dos descaminhos e descalabros, que tem levado a tanta insegurança e  problemas para o presente e futuro do Brasil.
 
Nas criticas atuais que partem de candidatos presidenciais (ora aliados, ora opositores), políticos oportunistas, “especialistas” de plantão (cada partido político tem o seu), de jornalistas setoriais, de consultoras, lemos, vemos e ouvimos uma ladainha que se repete insistentemente, não importa que o que se defende hoje, se ataque amanhã. São visões de curto prazo, imediatistas, cujo objetivo é o desgaste político. Não existe compromisso com as idéias, com a coerência, enfim com o país. É um vale-tudo onde a busca pelo poder político é o que interessa, mesmo que para isso o país afunde.
 
O que importante é minar quem esta no poder. E ai, se incluem os “lobistas”, fabricantes de equipamentos que querem “vender” sua tecnologia, as grandes construtoras que querem construir mais e mais usinas, escritórios de engenharia. Aqui é o interesse econômico que prevalece ao interesse nacional.
 
O que é comum na política energética do governo anterior e do vigente é a falta de planejamento (em uns mais e outros menos), de investimentos necessários à modernização do sistema de transmissão e distribuição, a valorização dos técnicos e funcionários do setor, a falta de apoio na diversificação da matriz elétrica incorporando novas fontes renováveis de energia (sol, vento), uma política agressiva de conservação e uso eficiente de energia em conjunto com uma política industrial destinada a equipamentos mais eficientes, e uma falta de transparência crônica aliada a decisões antidemocráticas do Conselho Nacional de Política Energética. Que dê Conselho não tem nada, simplesmente aprova as propostas do poder executivo. E sem dúvida urge desbancar grupos políticos conservadores, retrógrados e com uma ética questionável no manejo da coisa pública instalados há décadas no Ministério de Minas e Energia.
 
A receita para sair do “buraco negro” em que se meteu o setor elétrico brasileiro requer vontade política. Mas que lamentavelmente nem o atual governo tem, e nem os anteriores tiveram. Portanto cabe a nós, o povo, decidir o que realmente queremos para nosso país. O resto são churumelas.

Governo admite falta de energia.

Chuvas e o volume de água que chega aos reservatórios do País foram inferiores ao esperado.
Correio da Paraíba - Edição de 14/02/2014
 
Brasília - Pela primeira vez, o governo mudou o tom em relação aos recorrentes problemas de  energia elétrica que ocorreram nos últimos meses e admitiu o risco de desabastecimento. Em nota divulgada ontem pelo Ministério de Minas e Energia, no trecho final, em que o governo assegura a normalidade no fornecimento de eletricidade este ano, a garantia é condicionada a fatores climáticos e ao consequente comportamento dos reservatórios das hidrelétricas.
"Portanto, a não ser que ocorra uma série de vazões pior do que as já registradas, evento de baixíssima probabilidade, não são visualizadas dificuldades no suprimento de energia no País em 2014", diz o comunicado.
A nota foi divulgada durante reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE). O secretário de Energia Elétrica do Ministério, Ildo Grudtner, limitou-se a ler o comunicado, sem responder às perguntas dos jornalistas.
O teor da nota oficial contrasta com as recentes afirmações do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Um dia antes do apagão do dia 4 de fevereiro, Lobão disse que o risco de desabastecimento era nulo. "Estamos com mais de 40% nos principais reservatórios. Não enxergamos nenhum risco de desabastecimento de energia. Risco zero", afirmou na ocasião.
O governo confirmou que as chuvas e o volume de água que chega aos reservatórios das hidrelétricas do País foram inferiores ao esperado. Segundo o comitê, em janeiro e na primeira semana de fevereiro, as afluências ficaram em 54% da média histórica nas regiões Sudeste/Centro-Oeste e de 42% no Nordeste.
Ainda assim, o ministério reiterou que há segurança e equilíbrio estrutural. Segundo o governo, há uma sobra de energia de 9% em relação às projeções feitas para o ano.
 
Sobre o assunto:


País pode conviver com novos apagões
 
Nordeste tem déficit de geração de energia
 
O apagão voltou! artigo de João Suassuna
 
Geração de energia elétrica do Nordeste: uma pilha fraca no final do túnel, artigo de João Suassuna
Risco de um novo racionamento de energia elétrica? artigo de Heitor Scalambrini Costa
Racionamento de energia pode vir logo
Obras que poderiam proteger o sistema elétrico brasileiro de apagões estão atrasadas.
Nível de reservatórios das hidrelétricas ainda é baixo
Energia regula destino político da presidente Dilma Rousseff
É baixo o nível de águas em reservatórios de hidrelétricas no Brasil
Situação volumétrica dos reservatórios das hidrelétricas da CHESF - 10/05/2013
Matriz de energia em pane
 
COMENTÁRIOS
João Suassuna - Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Recife
Já é um bom começo, o reconhecimento do governo, de que um dos problemas dos apagões vividos na atualidade pode ter sido ocasionado pela insuficiência hídrica nos reservatórios das hidrelétricas. Os motivos que vinham sendo alegados pelas autoridades já estavam pondo o governo em situação vexatória. Em próximos eventos de falta de energia, é prudente que não se culpem os raios trelosos, nem, tampouco, as operações inadvertidas de funcionários do setor elétrico. O povo já está esclarecido, o suficiente, para começar a rir dessas estultices. Precisamos torcer, isso sim, para que os períodos chuvosos aconteçam de forma satisfatória, para a pronta recuperação dos reservatórios.
 
 
 
 
 
por João SuassunaÚltima modificação 24/02/2014 09:53

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Reedição Crítica da Transposição do Rio São Francisco, artigo de Luiz Alberto Rodrigues Dourado.

Como avaliar o processo de transposição do rio São Francisco diante da grave crise sócio-hidroambiental que perpassa sua Bacia Hidrográfica?


INTRODUÇÃO
[EcoDebate] Após diversas peripécias e descalabros licitatórios, financeiros e de manifesta insustentabilidade em todos os âmbitos o projeto é retomado agora, mesmo contra o interesse majoritário do CBHSF, então ente legitimado para os processos decisórios. O escancarado desrespeito à definição prioritária do Projeto de Revitalização, a partir da Decisão Plenária em 2003, não conseguiu ganhar velocidade, nem como pretensa “moeda de troca”. Atropelado pelo mote da transposição, seguindo sem força suficiente, como as águas do Velho Chico que mal alcançam agora o exutório num processo sinuoso, lento exangue e moribundo. O processo segue a passos lentos com recursos restritos da cobrança para uma Bacia Hidrográfica tão grande em dimensão e problemas, formada por 6 Estados, Distrito Federal, União, mais de 500 cidades e um contingente populacional que beira 19 milhões de pessoas, a reboque de uma decisão autocrática, centralista, imoral e ilegal da instância governamental da União que se obstina de forma absurda no mote da desvairada transposição.
O peso político e as pressões dos poderes hegemônicos assim associados é quem ditam as regras da gestão hidroambiental, gerando todos esses processos injustos que conspiram com a tomada de decisões, sempre e sempre tomada nos gabinetes, de cima para baixo, de forma autocrática e centralística, jogando na lata do lixo as “decisões” legitimadas dos comitês, sobretudo o CBHSF, palco deste grande debate.
A REEDIÇÃO EM CAPÍTULOS DA REMENDADA DA DESASTRADA TRANSPOSIÇÃO
Esta contido na Lei 9.433/97 que a análise de usos das águas para transposições, deverá se dar no âmbito do Plano de Recursos Hídricos da Bacia”, atendendo-se prioritariamente os usos internos e mais relevantes como o abastecimento, para depois validar processos externos e de outros vieses de demandas.
A questão pode ser muito bem ilustrada e argumentada incontrastavelmente com a alusão, dentro de uma lei física da natureza que determina que: só quem tem é que pode dar; e que um “moribundo em UTI” não pode ser “doador de sangue”, sob nenhuma hipótese. A bacia doadora não cumpriu com o finalismo prioritário de atender as demandas internas e essenciais de abastecimento e não pode se dispor a transpor água para interesses do agronegócio insustentável e deixando o abastecimento de lado. Uma obra de tal envergadura não pode atender interesses mesquinhos, sobretudo quando entra em jogo vultosos recursos públicos que não beneficiarão o grande contingente de necessitados em uma área de grande vulnerabilidade, martirizando o já tão sofrido povo com mais esta falácia.
Na visão do CBHSF, certamente muito abalizada, o projeto não analisou os “impactos referentes à capacidade do rio no atendimento às crescentes demandas hídricas que dele se requer, nem tampouco apresenta um cenário transparente de qual é o universo real das demandas hídricas da bacia receptora”. Feito destrambelhadamente, de forma insustentável e ao arrepio da lei sem considerar os usos prioritários, a manutenção ecossistêmica e nem o alcance de gerações porvindouras.
Este aspecto o projeto da transposição é pautado nas variadas demandas do governo federal que na sua incúria e ação despropositada, como se não bastasse a transposição, pleitos e demandas para a navegação (a jusante), aduções despropositadas e falseadas com sofismas de enganação de água para beber e para todos, além de uma expansão de agricultura irrigada em meio a uma crise na fruticultura no Vale do São Francisco. No entanto, o pior é a questão ainda mais grave, relacionada com a tentativa de implantação de usinas nucleares (Itacuruba, Rodelas e Piranhas) tendo como guardador de resíduos o Raso da Catarina.
Diante do cenário de insustentabilidade que beira o desastre quase completo não podemos aceitar situações absurdas de abusos de insustentabilidade que ocorrem na bacia sob o beneplácito de instâncias governamentais que inclusive apoiam e fomentam este estado caótico.
Esta tem sido a tônica fundamental predominante no São Francisco com a desventurada transposição, agora com as vazões restritivas e depois com a questão dos usos múltiplos que estarão agora, “supostamente” sob a égide da nova Lei 9.433/97 que prevê USOS MÚLTIPLOS. Certamente sabemos que sempre haverá um uso hegemônico, mas agora a dinamite acesa está nas mãos do governo.
Os interesses governamentais se dividem conflituosa e inconciliavelmente entre os usos para geração de energia, retorno da navegação depois de um desmonte catastrófico, transposição, expansão da irrigação e canais de aduções.
Não obstante, não podemos nos esquecer da questão fulcral, qual seja: o maior golpe hídrico da história, a fracassada transposição do rio São Francisco que agora já deixa ver a verdade nua e crua de um projeto fracassado no nascedouro. O Pacto das Águas só pode ser restaurado com a recomposição de legitimidade que foi usurpada pelas instâncias governamentais (ANA, IBAMA, CHESF etc.).
Revendo os capítulos trágicos da novela transposição, tudo começa com a decisão soberana do comitê de priorizar a Revitalização da Bacia do Rio São Francisco, com base na sustentabilidade em todos os âmbitos, a partir dos delineamentos postos no Plano Decenal, que foi aprovado em julho de 2004, durante reunião em Juazeiro, na Bahia, à exceção do ponto que definiria o uso externo das águas da bacia, que foi postergado para uma reunião extraordinária, após o pedido de vistas pelo Secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente – MMA, a fim de assegurar uma melhor avaliação pelo assunto.
Durante esta reunião extraordinária, em outubro de 2007, as atribuições do Comitê de Bacia para definir os usos das águas do rio São Francisco foi questionada pelo Secretário do MMA, que propôs que tal matéria fosse definida pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, presidido pela então Ministra do Meio Ambiente Marina Silva, no qual a maioria dos membros é representante do governo, intentando com o ardil uma manobra nefanda.
Ao votar a matéria, o Comitê considerou legítimas as suas atribuições e, por 42 votos contra 4, estabeleceu que as águas do São Francisco só poderiam ser utilizadas fora da Bacia em casos de escassez comprovada e para consumo humano e dessedentação animal, consoante as condições do rio, do atendimento interno de diversos usos e salvaguardando o equilíbrio ecossistêmico e o alcance intergeracional. Este foi o maior acinte já verificado em um processo democrático dentro de um Parlamento das Águas (CBHSF).
Através da resolução 47/2005 (17/1), o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), aprovou o Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional. No entender da ANA — Agência Nacional de Águas: “O comitê de bacia é órgão responsável pela aprovação do plano da bacia onde são definidas as prioridades de obras e ações no âmbito da bacia hidrográfica e tem o papel de negociador, com instrumentos técnicos para analisar o problema dentro de um contexto mais amplo. Todavia, a outorga de direito de uso da água na bacia é de responsabilidade dos órgãos gestores estaduais e da ANA. A deliberação sobre ações que transcendem o âmbito da bacia é de responsabilidade do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, órgão superior do sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos”. Aqui ficou demonstrado de forma falaciosa o leitmotiv do golpe que seria dado.
O Governo Federal se contrapôs e o CBHSF submeteu a questão a consulta pública nas 4 regiões fisiográficas da bacia (Alto Médio Submédio e Baixo São Francisco) com contingente de cerca de 4.000 participantes que, soberana e lidimamente, optam por rejeitar qualquer tipo transposição.
Estabeleceu-se assim um conflito de competências e interpretações da lei que vem sendo alvo de disputas judiciais ainda em curso, o que atrasou o início das obras.
Na IV Plenária do CBHSF (outubro de 2004) o CBHSF promulgou suas decisões sobre prioridades e critérios de outorgas
Então adveio o primeiro golpe vil e execrável: O Ministério da Integração (MI) que deveria se teve a audácia de divulgar informações falsas, torcidas e tergiversadas sobre a decisão do CBHSF, logo devidamente contestada pela DIREX CBHSF. Aliás, o Ministério deveria se chamar de Ministério da Desintegração, por conta de todos os processos acintosos que vem realizando, ao arrepio dos delineamentos contidos na Carta Magna e na Lei 9.433/97 não só em relação ao Comitê do São Francisco, como de outras instâncias. Inexiste qualquer integração entre as políticas do MI, políticas estaduais, setoriais, municipais e de recursos hídricos, tomando como base o lócus dos comitês.
Seguindo a linha histórica, a decisão no CNRH foi marcada por um estratagema ilegal e imoral, a partir da inserção de mais um membro do governo, desbalanceando o Colegiado aviltando o compósito triparte e paritário. Isto representa uma mácula indelével na história da gestão hídrica nacional.
Na reunião em 17/01/05 o CNRH aprova o Projeto de Transposição sem que houvesse análise das câmaras técnicas relacionadas, sobretudo a CTIL, atropelando a lidimidade do Plano da Bacia.
Contrariando a Lei que outorgou poderes ao CNRH para decidir sobre projetos deste jaez, porém, dentro da conformidade e da legalidade e, sobretudo, respeitando os delineamentos postos na Política Nacional de Recursos Hídricos que o próprio CNRH deve primeiramente zelar, ou seja, respeitar as prioridades estabelecidas nos Planos de Bacias na análise legal e sustentável destes projetos.
Em 30/11/04 a Reunião do CNRH foi suspensa por liminar do MP em razão de processo de análise acerca do conflito de uso na instância do CBHSF.
O CBHSF contesta outorga preventiva e requer sua anulação, pois fere Lei 9433 e não atende as prioridades e critérios de outorga do Plano de Bacia.
Sobre a Outorga Preventiva contida na Resolução 29/ANA, o Comitê enviou recurso à ANA com pedido de anulação por ilegalidade, baseado em parecer das câmaras técnicas.
Segundo análise abalizada do Prof. Luís Carlos Fontes, a outorga tem uma redação propositadamente dissimulada e dá a entender que é só
26 m3/s e destinada para uso humano, mas autoriza todos os usos econômicos. A vazão real outorgada: média de 65 m3/s.
O CBHSF chega à conclusão de que o projeto de transposição, particularmente o eixo Norte, é essencialmente de interesse econômico e apenas pequena parcela será destinada ao consumo humano e animal, em valor bastante inferior aos 26 m3/s alegados, o que deixa entrever uma manobra sórdida perpetrada pelo governo.
A ANA analisa e despropositadamente concede outorga definitiva e ainda a Certificação de Sustentabilidade do Empreendimento (CERTOH) da transposição, em menos de dois meses, sem o necessário estudo e rigor técnico requeridos deixando entrever, ainda na análise do nobre professor Luis Carlos Fontes que:
1. privilegiou os interesses do empreendedor e dos Estados do NE;
2. recorreu a artifícios técnicos e jurídicos para justificar sua decisão.
3. ignorou os questionamentos técnicos e as inúmeras denuncias do Banco Mundial, da SBPC, do MP, de Universidades Federais e das ações em curso na Justiça.
4. ANA limitou-se a aceitar as respostas das diligências, eximindo-se da responsabilidade de verificar a veracidade das mesmas. Os dados dos documentos do MI foram os únicos considerados e tidos como verdadeiros apesar dos inúmeros questionamentos e contradições.
5. Agiu ilegalmente ao violar diversos artigos da Lei 9.433/97
O Cotejamento da outorga ilegal diante do diploma legal, a Lei 9.433/97 nos leva a considerar o seguinte:
Que compete ao CBHSF nos termos postos no art. 13 da Lei n.º 9.433/97 e art. 6º da Lei 9984/2000 (ANA):
Definir, no Plano da Bacia, as prioridades de uso. Por sua vez a Resolução CNRH 16/2001 (art. 13), estabelece, no Plano da Bacia, os limites e critérios para outorga que não foram respeitados. Tem-se ainda a Resolução 707/2004/ANA (art. 9º). No entanto, a explicitação vem no bojo do art. 13 da Lei 9.433/97 que diz:
“Toda outorga estará condicionada às prioridades de uso estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos e deve preservar o uso múltiplo”.
Nenhuma das Notas Técnicas considerou que a transposição não atende ao Plano da Bacia. A única referência ao Plano é o reconhecimento do limite de 360 m3/s de vazão outorgável, mas as outorgas concedidas já extrapolam este limite. Ademais, não adota as prioridades e os critérios de outorgas definidos no Plano de Bacia.
Existem a partir daí muitos processos relacionados com a falcatrua promovida pelo Governo Federal de convalidar os processos ilegais deflagrados. Entre eles a exigência do Decreto 4.024/2001 que estabelece critérios e procedimentos de sustentabilidade (CERTOH) para implantação ou financiamento de obras de infraestrutura hídrica com recursos financeiros da União, acima de dez milhões de reais. Na realidade fora apresentado um déficit hídrico fabricado pelo governo. Sabidamente, a operacionalidade da infraestrutura, por meio de mecanismo institucional definido para a CODEVASF não garanta a continuidade da operação da obra de infraestrutura hídrica que terá muitos problemas insanáveis. O CERTOH se tornou ERRÔNEOH.
Não se pode esquecer também um outro dado do problema — como será feita essa distribuição de água, caso seja concretizado o projeto da transposição?
No estudo realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte foram apresentados os seguintes questionamentos:
— qual o custo do metro cúbico de água ao chegar ao consumidor final?
— quem pagará: o governo, o consumidor doméstico ou o produtor agrícola?
— quem operará a distribuição de água?
— a questão fundiária será resolvida ou agravada?
— o projeto servirá ao “empoderamento” de quem?
— ele traz um plano de desenvolvimento sustentável e solidário das áreas favorecidas?
O Comitê considerou que “a lógica do chamado ‘projeto São Francisco’ continua centrada com exclusividade na realização de grandes obras de engenharia hídrica, inteiramente desconectadas de uma visão mais ampla da problemática geral das populações do semi-árido brasileiro”.
O CBHSF através de dois ofícios do seu presidente solicitou a analise do Balanço Hídrico das bacias receptoras, para verificação da escassez hídrica para consumo humano e dessedentação animal.
O compromisso formal do então Presidente da ANA foi de que tal analise técnica ocorreria por ocasião da emissão do CERTOH.
A realidade inconcussa dos fatos é que a ANA não realizou o estudo. Ao contrário, assumiu os dados do MI “goela abaixo” como verdadeiros, não analisou sua veracidade.
Ao se analisar a NT007 a ANA assume de forma passiva a nova justificativa da transposição: o objetivo agora não é suprir escassez para todos os usos, mas aumentar a segurança hídrica para uso humano. A ANA só considera como estudo hidrológico a NT 390/2005: existe disponibilidade. Todavia o CBHSF tem entendimento contrário e se embasa no Plano de Bacia.
Com este estratagema, não analisou que a maior parte da água é destinada a usos econômicos, tentando lavar as mãos como Pilatos, livrando-se da obrigação comprovar a necessidade da transposição pela existência de deficit hídrico global.
Na impossibilidade de comprovar a escassez que justifique a transposição para uso humano, a ANA transfere a responsabilidade para os Estados e para o MI:
• Exigiu que a oferta hídrica local seja calculada com 100% de garantia – clara intenção de diminuir sensivelmente a oferta nas bacias receptoras.
- um tratamento desigual com a Bacia do Rio São Francisco (95 % de garantia em todas as vazões)
– aumenta a oferta doadora e deixa a Bacia do Rio São Francisco com menor garantia que as bacias receptoras;
• obrigou aos Estados assumirem como verdadeiros os números “manipulados pelo MI e o compromisso de ALTERAR os Planos Estaduais onde os valores forem discordantes dos dados do MI. Aqui se esbarra acintosamente contra a verdade e a legalidade que são atiradas na lama por tamanho acinte.
• Os Estados são obrigados a endossar a demanda apresentada pelo MI (Banco Mundial que foi superestimada). Não há nenhuma comprovação por doc. Técnico ou Planos Estaduais.
• Um dos aspectos mais escandalosos da manobra para diminuir a oferta hídrica foi a exigência da ANA para que os Estados se comprometam a não mais utilizar a água subterrânea (que deve ficar como reserva estratégica)
– Os Estados se comprometem a só utilizar as águas subterrâneas, esgotada toda a disponibilidade superficial.
– Como pode uma secretaria de Estado dar tal garantia? O que vão fazer, lacrar os poços existentes e aviltar a competência dos Estados?
Na Plenária de Pirapora (BA) o CBHSF decide recorrer ao MPF (08/05) denuncia que a ANA extrapolou limite alocável e requer providências diante da ameaça à sustentabilidade da bacia. Neste sentido o CBHSF declara que:
O projeto de transposição trará prejuízos e sérias restrições ao desenvolvimento futuro da bacia, com perspectiva de esgotamento da disponibilidade hídrica para fins consultivos em um horizonte de 25 anos, constituindo-se um projeto de transferência de emprego e renda.
Sem querer adentrar nas análises técnicas feitas pelo nobre Professor Luis Carlos Fontes a síntese é, inquestionavelmente, a proposta descabida da ANA de vazão de 425 m3/s, extrapoladora do limite alocável.
A História do Brasil está manchada de lama e de sangue em todo o processo de governabilidade e pretensa governança hidroambiental brasileiro está permeado de “golpes e “fraudes”, denotando o espírito criminoso sem punibilidade dos agentes de governo e de Estado só para favorecer grupos econômicos poderosos e minoritários, em detrimento da grande maioria.
Inquestionavelmente, a base normativa do PISF é o Decreto nº. 5.995/96″, decreto autônomo, capaz de suscitar seu controle por meio de ADI.
Neste sentido se recorre à propositura abalizada do nobre professor Luis Carlos Fontes neste contexto, quais sejam:
“CONDIÇÕES PRÉVIAS MINIMAS PARA UM DIALÓGO definidas até agora pelo CBHSF nos seus documentos:
1. RESPEITO AO PLANO DA BACIA E AOS PRINCIPIOS DA LEI 9433.
2. CONCLUSÃO DO PACTO DE GESTÃO DAS ÁGUAS DA BACIA, COM A CONSTRUÇÃO DO ACORDO DE ALOCAÇÃO ESPACIAL E AMBIENTAL (VAZÕES ECOLÓGICAS) E DA GARANTIA DAS VAZÕES DE ENTREGA DOS AFLUENTES.
3. ESTAR EM CURSO UM EFETIVO PROGRAMA DE REVITALIZAÇÃO QUE FAÇA JUS A ESTE NOME E COM RECURSOS ASSEGURADOS PARA ATINGIR SUAS METAS.
4. GARANTIA DE ACESSO À ÀGUA EM TODO O SEMI-ÁRIDO, EM UM PATAMAR ADEQUADO.
5. ATIVAÇÃO DOS PROJETOS PARALISADOS E CONCLUSÃO DOS PROJETOS DE IRRIGAÇÃO EXISTENTES NA BACIA (180.000 HECTARES).
6. PACTUAÇÃO PRÉVIA QUE INCLUA UM PROJETO DESENVOLVIMENTO INTEGRADO, INCLUSIVO E DE CONVIVÊNCIA COM O SEMI-ÁRIDO”.
No que tange agora à judicialização, levando em conta o fulcro de manifesto conflito federativo. Assim temos:
Todas as ações em curso requerem o respeito às decisões do Plano da Bacia e competências do Comitê, sendo que duas delas, com liminares vigentes, estão no STJ
As manifestações da ANA nestas ações declaram que a outorga está de acordo com o Plano da Bacia e não reconhece competências normativas do Plano e do Comitê em estabelecer critérios
CONSELHO FEDERAL DA OAB: aprova parecer declarando projeto ilegal e reconhecendo as prerrogativas do Comitê
ASPECTOS JURÍDICOS RELACIONADOS
Tramitam no Supremo Tribunal Federal pelo menos 14 ações contra a transposição, tendo os seguintes aspectos sendo contestados:
Terras indígenas:
O ponto de captação do eixo norte situa-se no território indígena Truká, já demarcado. Trechos dos canais situam-se também em território Truká em processo de demarcação pela Funai. O artigo 49, inciso XVI, estabelece que é competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar a utilização de recursos naturais em Terra Indígena. Esta matéria não foi deliberada pelo Congresso Nacional. O artigo 231 torna obrigatória a consideração da opinião das comunidades afetadas pela utilização dos recursos hídricos que estejam em seu território, o que também não ocorreu.
Normas de recursos hídricos:
O Plano de Bacia, aprovado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), permite que os recursos hídricos da Bacia podem ser aproveitados fora da mesma para uso humano e animal em caso de comprovada escassez. No caso do projeto, a Agência Nacional de Águas – ANA já outorgou o uso das águas para irrigação, carcinicultura e para a indústria, conforme previsto na Lei 9433/97.
Normas ambientais:
Os Estudos de Impacto Ambiental e os Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) referem-se apenas aos canais de transposição e consideram os reais impactos positivos e negativos na Bacia do São Francisco e nas bacias receptoras. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)já aprovou estes estudos. À medida que o projeto inicial foi sendo modificado, novos estudos deveriam ter sido efetuados, o que também não ocorreu. O estudo de alternativas ao projeto (Resolução Conama 01/86) está completo: a obra é comparada com as cisternas, poços, dessalinização ou com a não realização da obra ficando evidente que a Transposição em si é a mais viável sob os pontos de vista técnicos, econômicos, sociais e ambientais.
Diante do maior conflito hídrico do país, instalado por incúria do Governo Federal e pela terrível e inadmissível leniência do Supremo Tribunal Federal que optou por julgar assuntos mais “bombásticos” e com maior repercussão midiática do que questões mais relevantes e preeminentes que podem decidir o futuro da Bacia Hidrográfica mais importante do país, não só pelo grande contingente populacional em situação de grande vulnerabilidade social, como também por conglobar uma grande área territorial de semi-árido com terríveis problemas hidroambiental, ao longo do decurso histórico, onde predominou o quase absoluto menoscabo das políticas públicas governamentais.
Inquestionavelmente, Revitalização e Transposição são incompatíveis e inconciliáveis na perspectiva apresentada, sobretudo pela discrepância em termos de legalidade e sustentabilidade sócio-hidroambiental da primeira contra a face díspar da segunda. Porém, o traço que os separa está marcado pela situação de degradação na qual o rio se encontra. Fica caracteriza a sanha destrutiva de alguns com comprometimento de muitos.
O egrégio professor e insigne constitucionalista Dr. Yves Gandra pontua com muita propriedade e de forma precisa a catadupa de vícios insanáveis contidos no desventurado projeto de transposição, citando a inobservância do art. 37 da CF, no que tange à falta de observância de vários princípios. Entre as diversas ilegalidades elencadas temos ainda os arts. 23, 170, 225. Notadamente que a administração pública deveria erigir o primado da legalidade como ponto de partida, submetendo-se aos ditames legais. No entanto, advém outros, consectários como a impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência também desobedecidos. Valendo-se do poder discricionário, o governo resolveu extrapolar as normas disciplinadoras e ir além dos limites e marcos referenciais constantes na lei. Ficou patente no contexto das obras a partir mesmo dos imbróglios das licitações a má gestão caracterizada pela exorbitância de aditivos e uma série de problemas e peripécias relacionadas que descambam nitidamente para a arbitrariedade e ineficiência comprovadas. Estes fatos concretos e manifestos indicam pronto controle judicial.
No que tange ao princípio da eficiência, socorre-nos ainda o Dr. Gandra ao apresentar os trabalhos do Banco Mundial que denotam a precariedade do rio, contraditória aos argumentos pífios do governo. Por outro lado, não se pode afirmar que a transposição seria a melhor forma de levar água ao nordeste brasileiro, sobretudo quando se tem alternativas melhores, mais viáveis e mais eficientes sob todos os aspectos. No entanto, não entraremos na seara de discussões técnicas porque dá margem a muitos malabarismos, sobretudo dos espertalhões do governo que estão sempre de plantão para manipular a mídia e apresentar falácias malsãs. Fundamentalmente, o projeto avilta os princípios, fundamentos, objetivos, diretrizes, instrumentos e estrutura do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, exarados na Lei 9.433/97 que norteia toda a Política Nacional de Recursos Hídricos do Brasil. Isto de per si é suficiente para desmontar a forma tinhosa com que o governo federal se aferra ao projeto.
Quanto aos fundamentos, art. 1º da Lei 9.433/97, podemos inferir que, em relação à situação de escassez com que se apresenta o rio para seus usos prioritários e outros internos da bacia não tem cabida o intento de transposição, porquanto milhares de ribeirinhos ainda passam sede, fome e vivem na miséria, em razão da falta de atendimento prioritário que devem ter por parte do governo nas três esferas.
Em relação aos objetivos, art. 2º da Lei 9.433/97 fica clara a impossibilidade de alcance intergeracional, sabendo-se que neste ritmo, já está completamente comprometido este atendimento. Inquestionavelmente, o projeto é insustentável em todos os aspectos e a transposição, diante das demandas crescentes e exponenciais, afigura-se como inapropriado e inadequado para a manutenção do uso dos recursos na própria bacia.
No que diz respeito às diretrizes temos no art. da Lei 9.433/97, podemos observar a completa dissonância na gestão dos aspectos qualidade e quantidade, que são indivorciáveis, acompanhada da desintegração entre gestão hídrica e ambiental, com grande vilipêndio no aspecto social. Por fim, a desarticulação do planejamento dos recursos com o dos setores usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional, culminando com a grande afronta às decisões legitimadas do Comitê de Bacia que congloba em seu compósito todas as lídimas representações. Esta usurpação de competência representa o maior golpe hídrico de que se tem conhecimento, onde os demais entes do Sistema de Gerenciamento (SINGREH), vinculados ao governo, conspiraram e tramaram o golpe, com manobras execráveis. Violaram de forma ignóbil o Plano Diretor, instrumento de planejamento norteador e solaparam a competência irrenunciável do Comitê.
Concernente à questão das outorgas, a outorga preventiva (Resolução 29/ANA) primeiramente não se observou nem o art. 11 nem o art. 13 da Lei 9.433/97, ipisis verbis:
Art. 11. O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água”.
“ Art. 13. Toda outorga estará condicionada às prioridades de uso estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos e deverá respeitar a classe em que o corpo de água estiver enquadrado e a manutenção de condições adequadas ao transporte aquaviário, quando for o caso (grifo nosso).
Parágrafo único. A outorga de uso dos recursos hídricos deverá preservar o uso múltiplo destes”.
Vale ressaltar que todos os aspectos relacionados com a outorga devem estar adstrita ao instrumento Plano Diretor do Comitê, que estabelecera previamente que as prioridades de usos das águas da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, como insumo produtivo ficam restritas, exclusivamente, aos usos internos da bacia e estabelece critérios para uso externo à bacia. Tal decisão se fundamenta nos atendimentos de usos para abastecimento, geração de energia, aspectos de preservação hidroambiental, e insumo para agricultura no interior da bacia. Considerou ainda a imperiosa necessidade de não acentuar o processo de grande perda de caudal e vulnerabilidade do rio, com a despropositada transposição.
Neste ponto é preciso aclarar que o CBHSF não se nega a dar água para quem precisa, sobretudo para atender usos prioritários, porém não pode permitir usos externos não necessários e não prioritários, ordenando o imediato atendimento das necessidades internas que são prementes, além de ter o compromisso com a revitalização, para salvaguardar os interesses de futuras gerações.
Para tanto, o Plano de Bacia define que em relação ao uso externo para Estados, a alocação de águia fica restrita aos usos em consumo humano e dessedentação animal, em situação de escassez comprovada, não podendo ser utilizada como insumo produtivo, como, por exemplo, para fins de irrigação.
Se as bacias externas provarem necessidade, o processo poderá ser feito, como no caso do Eixo Leste, sabidamente para atendimento prioritário. No entanto, após a sinalização positiva do CBHSF neste sentido, os especuladores de plantão conluiados com políticos inescrupulosos se adiantaram para comprar as terras na região onde está prevista a adução, modus operandi comum, dos aproveitadores de plantão que como “carcarás” estão sempre à espreita para atacar, fato que não foi também observado na questão. Sem nos adentramos na questão da comprovação de inconteste escassez, qualquer intento sério de levar água para abastecimento deve se valer de canalizações recomendáveis e não com canais abertos como é o caso da transposição.
A outorga preventiva da ANA estabelecida na Resolução 29 não assegura controle quantitativo, pois não estabelece limite para a parcela adicional de água a ser derivada na transposição, com notório desvio das prioridades estabelecidas no Plano de Bacia, em descompasso com o princípio da eficiência e ferindo os arts. 11 e 13 da Lei 9.433/97, supramencionados. Não existe limite de outorga e certamente ultrapassará o valor da máxima vazão alocável definida no Plano de Bacia, sobretudo com o déficit crescente que compromete o caudal do rio. Cabe mencionar que o Rio São Francisco é o rio que mais perdeu caudal em toda a América do Sul, comprometendo sua sobrevivência futura em relação à sua peculiaridade de cortar os socavões do nordeste semiárido. As restrições e condicionalidades estabelecidas no Plano de Bacia são, portanto, apropriadas e legalmente dispostas, em face das vulnerabilidades crescentes e ameaçadoras da integridade da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.
Outro aspecto que merece ser destacado é a sustentabilidade geral, sócio-hidroambiental, pois, no bojo mesmo do preconiza a lei e além dela, cremos que gestão hídrica e ambiental são inseparáveis. Notadamente que ainda não se fez ponte integrativa entre gestão ambiental e hídrica. Mesmo com o óbice de discrepâncias nas ações institucionais com atuações isoladas temos que a gestão ambiental “dizem que” se ocupa da preservação, conservação e proteção ambiental. No que tange à gestão hídrica o foco é USOS. Esta discrepância se dá, sobretudo porque temos anomalias postas de forma conflitante.
Quando a gestão ambiental que se diz de caráter protetivo (não distributivo em essência) busca fazer a proteção esbarra, por exemplo, na CONAMA 357/05 que determina por seu instrumento que se pode, com a simples classificação de corpos d”água, dar permissividade para contaminação. Isto a nosso ver é uma das anomalias porque basta se valer da classificação para se dar “permissividades” de todo tipo.
O STF está devendo aos quase 19 milhões de pessoas que vivem na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco o pronto julgamento. Não pode mais o STF procrastinar esta decisão de julgamento das 14 ações encetadas pelo CBHSF sabidamente de grande relevância e que urge decisão.
Por outro lado, inexiste integração efetiva entre o a gestão ambiental e a gestão hídrica, sempre dissociadas, mesmo tendo dentro da mesma esfera de governo as duas áreas setorizadas, em salas contíguas. Não há interlocução e nem comunicação e as atividades são incomunicáveis, pois não há permuta de informação entre as duas instâncias complementares, que deveriam trabalhar pari passu.
O deficit hídrico, a poluição, a contaminação e a distribuição hídrica falham por este motivo: simplesmente o fulcro são USOS E ABUSOS, NUMA VISÃO PARTICULARIZADA, imediatista, setorizada, onde o órgão que deveria salvaguardar os “desprotegidos” meio ambiente (hidroambiental) em toda sua integridade, não o faz e deixa à mercê dos conluio de interesses associados forte e espuriamente entre o poder político-institucional e o poder econômico. Esta é a crua realidade dos fatos. IBAMA não cumpre com suas missões institucionais e se transformam em “doadores” de benesses sob a forma de licenciamentos e permissões absurdas aos interesses de poucos que só pensam em saquear de forma insustentável sem repor e sem responsabilidade alguma com os efeitos desastrosos que se avolumam exponencialmente em grande espectro.
É preciso estabelecer um Pacto Institucional em bases reais e efetivas, diante das grandes necessidades dentro da GIRH e levando em conta as carências da bacia num processo de governança que leve em conta os três fatores obrigatórios: a gestão descentralizada “in totum”, não falsa descentralização como sói acontecer, gestão participativa em toda a sua amplitude e integrada e consentânea com as decisões legitimadas do comitê, em consonância com as políticas setoriais e integradas com as políticas hidroambientais.
A governança é tripartite também. Porém, o Pacto das Águas vai além da propositura tímida da ANA em relação aos Estados. Na verdade, se estriba em manifesta vontade político-institucional, de forma concreta, além dos meros compromissos formais de carta de intenções (Carta de Petrolina), para um plano de trabalho conjunto que se traduza em obras de revitalização de alcance sócio-hidroambiental.
Antes, é preciso considerar a efetividade do:
  • Fortalecimento do Comitê como ambiente de negociação e consenso
  • Implementação dos Instrumentos de Gestão, começando pelo Plano de Bacia sempre procrastinado.
Os instrumentos de cooperação estão postos (agentes, stakeholders e parceiros); os instrumentos de cooperação estão disponíveis (cooperação técnica, informação disponíveis, recursos do FERHBA, suporte do Comitê Pai, com recursos e aporte de projetos)
O Comitê já tem a sua estrutura humana bem consolidada, sendo apropriadamente chamado de “Comitê da Resistência”, com poucos bravos que ainda não arredaram as trincheiras das lutas ingentes, mas não inglória.
Com pouca gente, é bem verdade, porém com gente de qualidade, amadurecida nas fráguas de terríveis combates, sobretudo, a partir mesmo de sua formação histórica que agora precisa avançar em outra oitava superior, desemperrando este grande obstáculo interposto pelas instâncias governamentais. Os desafios são multifários e descomunais, porém impostergáveis.
É requerida a compatibilização de esforços ingentes para superar os problemas e desafios presentes e futuros. Já sabemos qual o tamanho do meu desafio. Resta agora articularmos as parcerias necessárias para conjugarmos esforços em torno do enfrentamento.
A propósito, no bojo da Lei 9.433/97 vamos encontrar o seguinte:
Art. 31. Na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, os Poderes Executivos do Distrito Federal e dos municípios promoverão a INTEGRAÇÃO das políticas locais de saneamento básico, de uso, ocupação e conservação do solo e de meio ambiente com as políticas federal e estaduais de recursos hídricos.”
Neste aspecto o Ministério da Integração tem sido o principal agente de desintegração na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.
Colocando em uma matriz de interação temos uma grande e alta complexidade no processo de gestão. Esta complexidade não está adstrita a mecanismos administrativos, estruturais ou técnicos em si, mas na falta de alinhamento da instância gestora que atua de forma diametralmente oposta e conspira contra o processo. E pensar que apresenta a CODEVASF, órgão apenas executor, sem expertise em gestão, ainda mais sem “musculatura” para efetivar a gestão da Transposição. No aspecto da governabilidade o processo caminha para a entropia e o rotundo fracasso está anunciado!
Por outro lado, a falta de suporte básico funcional e o desrespeito às decisões legitimadas do CBHSF representa uma retrogradação na Política Hidroambiental e compromete a Política e o Sistema Nacional de Recursos Hídricos. O CBHSF necessita de ganhar força, por meio do respeito, para ter a robustez necessária e poder enfrentar os desafios que estão postos em relação ao processo de “salvação” da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, diametralmente oposta à pretensão desvairada do Governo Federal com o mote da transposição.
No que diz respeito à ação do Poder Público e suas instâncias governamentais temos o que dita o artigo 30 da Lei 9.433/97
“IV – promover a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental”.
Isto tem ficado somente no papel e na retórica vez que predominam os USOS E ABUSOS, sem efetividade da PROTEÇÃO AMBIENTAL.
Com a radiografia da governabilidade temos o diagnóstico para promovermos a governança. Por enquanto está travada, já que os agentes de governo “transitórios” que “pongaram” no Estado e possuem interesses e objetivos díspares da gestão séria e responsável e tomam os agentes da governança como inimigos figadais. Como “cachorros doidos” precisam largar o osso da governança, literalmente, porque já demonstraram o seu rotundo fracasso ao longo de um decurso histórico de rotundo fracasso na governabilidade.
Como construir uma pretensa governança com estes elementos dispostos neste arranjo, deveras conspirador contra as determinações legais e contra o dever-obrigação institucional?
De onde tirar compromissos para consolidar uma pactuação necessária para a gestão integrada, participativa e descentralizada? A governança está agrilhoada à má governabilidade e não pode avançar por conta de tantas ingerências autocráticas e despóticas das instâncias governamentais que deviam dar bom exemplo. Aliás, são promotoras de maus exemplos recorrentes.
A nossa crise hidroambiental tem sua raiz político-institucional neste processo anômalo que precisa ser amputado cirurgicamente de forma a não promover outras “metástases” que colapsarão todo o Sistema Hídrico, como vem acontecendo.
No aspecto institucional de controle e fiscalização ambiental, o IBAMA tem sido omisso, agindo sempre como Pilatos, sempre conspirando contra os comitês, inviabilizando e obstaculizando os seus processos, mormente os mínimos que são atinentes ao respeito de suas decisões legitimadas.
Este é o nó górdio que foi dado na gestão hidroambiental do Brasil por meio de uma catadupa de ações ilegais, desastradas e conspiradoras do processo institucional a cargo das instâncias de Estado. Este nó precisa ser urgentemente desatado. A única forma é a alternância política para ver se se encontra uma brecha de atuação mais efetiva até que cheguemos a uma governança total, como pretende a Carta Magna e os diplomas supervenientes.
Por enquanto o tempo está “fechado” e temos tempestade permanente por parte do conluio do O.N.S. ANA, CHESF, IBAMA etc., que não se atinam para a problemática da Bacia do São Francisco. Qualquer movimento em busca de processos decisórios está atrelada a este mau tempo formado pelas nuvens espessas e escuras do conluio político-institucional desfavorável.
Sem desatar esse nó não se pode chegar a nenhum termo em questão de arbitragem da problemática da Revitalização mantida de forma tinhosa e despropositada. O solo atual é totalmente aridificado e não existem insumos para que se cultive, absolutamente nada em termos de negociação que não passam de “intenções” orquestradas para enrolar e ludibriar o CBHSF. Isto está provado até a saciedade. É triste dependermos da política, mas é o único viático possível para a consecução desse e de outros objetivos semelhantes no âmbito da governança. Aliás, a governabilidade séria, eficiente e responsável promove a pretendida governabilidade.
O peso político e as pressões dos poderes hegemônicos assim associados é quem ditam as regras da gestão hidroambiental, gerando todos esses processos injustos que conspiram com a tomada de decisões, sempre e sempre tomada nos gabinetes, de cima para baixo, de forma autocrática e centralística, jogando na lata do lixo as “decisões” legitimadas dos comitês.
Esta tem sido a tônica fundamental predominante no São Francisco com a desventurada transposição, agora com as vazões restritivas e depois com a questão dos usos múltiplos que estarão agora, “supostamente” sob a égide da nova Lei 9.433/97 que prevê USOS MÚLTIPLOS. Certamente sabemos que sempre haverá um uso hegemônico, mas agora a dinamite acesa está nas mãos do governo. Será que teremos água na Bacia (BHSF) para atender concomitantemente à transposição, aduções, irrigação, ao pretendido retorno da navegação a montante? Ou será que a vazão restritiva tem fito único em guardar água para a Copa do Mundo? E pensar que o desastrado governo da Bahia “governo de todos eles, ádvenas e forasteiros” pretende expandir a irrigação em mais de 800.000 hectares. Depois de destruir todo o oeste baiano, comprometendo ainda o escoamento de base do Aquífero Urucuia, quantitativa e qualitativamente (com a maior descarga de agrotóxicos), provedor de água quando não chove nas cabeceiras de Minas. Estouvadamente agora requer água para o Canal do Sertão Baiano, tenta encobrir a gestão hidroambiental desastrada que ocorre nas bacias baianas, sobretudo na Bacia do rio Paraguaçu, em estado de colapso. Com que água? E pensar que a Bahia tem mais de 1.800 km de margem (esquerda e direita) com os ribeirinhos passando sede em sua maioria e uns poucos abastecidos por carros pipas, poucos quilômetros da margem do rio que recuou ainda mais por conta da perda de caudal do rio (a maior da América do Sul) que já compromete mais de 30%. Uma desfaçatez inominável. Como compatibilizar água para gerar energia e navegação e água para irrigar e transpor?
Será que teremos água na Bacia (BHSF) para atender concomitantemente à transposição, aduções, irrigação, ao pretendido retorno da navegação a montante? Ou será que a vazão restritiva tem fito único em guardar água para a Copa do Mundo e Olimpíadas?
OS PROBLEMAS SE AGRAVAM EXPONENCIALMENTE
Se a montante, em Sobradinho que funciona como o reservatório mantenedor do equilíbrio das reservas hídricas que se adentram nos socavões do semiárido a situação é preocupante, o que se observa a jusante?


Foto: http://www.sertaonoticias.com/noticias/brasil/18184


Pessoas atravessam a pé o rio entre Alagoas e Sergipe. Foto da ponte que liga Propriá-SE à Porto Real de Colégio em Alagoas : www.quersaberpolitica.com.br

O cenário a jusante é ainda mais preocupante e temerário, sobretudo quando a estiagem prolongada acentua o surgimento de diversos bancos de areia, que crescem exponencialmente. Nesta imagem que foi divulgada nas redes sociais, é possível ver que com o nível do rio baixo, muitas pessoas da região estão conseguindo realizar a travessia entre as cidades de Propriá (SE) e Porto Real do Colégio (AL), pelos bancos de areia.
Tem-se ainda o problema relacionado com a temerária formação de ambientes lênticos a partir do lago de Itaparica, com maior ênfase, com o desencadeamento do processo de eutrofização já em curso, conforme constatação do hidrólogo Pedro Molinas.
Ressalta-se ainda o grave problema relacionado com a contaminação por agrotóxicos, fertilizantes resultando em acúmulo de concentrações anormais de metais pesados no Lago de Sobradinho. Esta detecção foi feita por pesquisadores da EMBRAPA, por meio de análises das amostras identificaram teores totais de metais pesados – Ferro (Fe) e Cádmio (Cd) – superiores aos que são permitidos por lei.
Outras substâncias, como o acefato, metalaxil, oxyfluorfen, pendimetalina, e carbendazim, foram detectadas em 90% das amostras, indicando o potencial de contaminação da água do Lago por agrotóxicos muito utilizados nos cultivos de cebola. Um dado que também merece atenção é o que constata que 99% das amostras de água coletadas em áreas rurais ribeirinhas nos municípios de Sobradinho, Casa Nova, Sento Sé e Remanso apresentaram altas concentrações de coliformes fecais. A contaminação detectada decorria da presença de estercos de animais.
No que tange aos problemas relacionados diretamente com o projeto da transposição (externos à bacia) vale ressaltar que, na Paraíba, as águas da transposição do rio São Francisco vão se misturar a águas poluídas por esgotos.
Em matéria publicada por Márcia Dementshuk, (Portal Ecodebate) ela sinaliza bem a contramão da transposição na Paraíba, onde as águas limpas do São Francisco vão se misturar com as águas poluídas por esgotos sem tratamento em diversos municípios.
Isto demonstra sobejamente a falta de gestão e irresponsabilidade das instâncias governamentais que se aferram de forma tinhosa no despropósito da transposição nos moldes absurdos que estão postos, num crescente exponencial de ações desastradas e inconsequentes, numa visão diametralmente oposta à do diretor-presidente da Agência Nacional das Águas (ANA). Segundo ele existe uma pretensa oferta de segurança hídrica a partir da transposição. Sabidamente mesmo com a triplicação do orçamento que já exorbitou, não se conseguirá nenhuma segurança hídrica.
O rio São Francisco é o rio que mais perdeu caudal na América do Sul, em um percentual assustador.
Depreende-se claramente por todas as razões que a transposição é a via dos desatinados e aloprados que não se conscientizam da real problemática do rio São Francisco, fomentando as desilusões hídricas para um povo tão sofrido pelas intempéries existenciais, sociais e hidroambientais.
Ao longo de todo o rio, desde o Alto, Médio e Submédio, culminando no Baixo São Francisco, onde o processo se acentua ainda mais, como assinala o pesquisador e biólogo José Alves Siqueira em sua pesquisa com mais 99 pesquisadores alertam enfaticamente que: “o rio São Francisco está em processo de “extinção inexorável”.
Será que o Ministério da Desintegração tem consciência destes fatos, corroborados por provas documentais, já que nunca tiveram a hombridade de percorrer o rio?
Com a falta da chuva, a vazão do rio, controlada pela CHESF, que era de 1.300 m cúbicos por segundo, passará a ser de 1.100 m cúbicos por segundo. Com a redução do nível do rio por meio das vazões restritivas, haverá redução também dos gastos com o funcionamento das termoelétricas.
O período de cheia da região é entre os meses de dezembro a março. Quando falta chuva, os prejuízos ambientais se acentuam e dão sinal por meio do grande processo de erosão do Velho Chico com a evidente formação de bancos de areia e redução drástica da reprodução dos peixes.
Ainda no bojo das vazões restritivas, além de afetar os reservatórios, sobretudo o de Sobradinho em acentuada baixa, o objetivo esconso é guardar água para gerar energia na Copa do Mundo e Olimpíadas, posto que o Governo Federal não tem “fôlego” para fazer qualquer intervenção estrutural que se repercuta em curto prazo.
Não podemos nos esquecer do maior golpe hídrico da história, a fracassada transposição do rio São Francisco que agora já deixa ver a verdade nua e crua de um projeto fracassado no nascedouro. O Pacto das Águas só pode ser restaurado com a recomposição de legitimidade que foi usurpada pelas instâncias governamentais (ANA, IBAMA, CHESF etc.).
 

IMAGENS REAIS E ATUAIS DO DESCALABRO DA TRANSPOSIÇÃO
Foto: Notícias R7 e http://desacato.info/2013/03
 
A História do Brasil está enlameada e até coberta de sangue em todo o processo de governabilidade e pretensa governança hidroambiental brasileiro está permeado de “golpes e “fraudes”, denotando o espírito criminoso sem punibilidade dos agentes de governo e de Estado só para favorecer grupos econômicos poderosos e minoritários, em detrimento da grande maioria.
Aqui se concretiza o poema que foi musicado pelo juazeirense e músico Marcos Roriz que diz que as águas doces do Velho Chico se tornariam lágrimas, lágrimas que o barranqueiro derramou”. Porém, até quando existirão águas e lágrimas para chorar?
Ó Velho Chico! Rio da minha vida a correr não mais primaveril, cantando a morte em cujo mar já não mais deságuas.
AO DESCALABRO DA GESTÃO ENERGÉTICA E HÍDRICA
Depois da farra de 2012 de consumo de água em Sobradinho para bancar o “sudeste maravilha”, o cenário de crescente e exponencial demanda insustentável ameaça de “apagão”. Isto sem falar na COPA e Olimpíadas que resultarão no colapso total iminente.
Segundo um grande especialista, o sistema elétrico brasileiro virou o SUS, não tem energia nem para começar a conversa que será travada agora nos moldes preconizados pela Lei 9.433/97 para os usos múltiplos. O racionamento imediato seria a única ação racional possível e o Governo terá que pagar caro por isso.
Politicamente isto é impossível, então vamos para o cassino apostar na chuva fora de temporada que possa cair ou para a igreja para pedir um milagre a São Pedro. É nisto que confiam os “burrocratas” governamentais em relação à questão.
Na realidade, o que vai acontecer é um fortíssimo racionamento após as eleições, não sem antes detonar todos os estoques de água de Tucuruí, Sobradinho, Xingó e até de Furnas.
As consequências ambientais e sociais serão terríveis e gerará prejuízos políticos incalculáveis. O engenheiro Pedro Molinas percorreu todo o Lago de Itaparica em novembro e observou a acentuadíssima degradação da área em relação a junho e julho que já era muito evidente e preocupante.
Tudo isto se acentua por conta das malfadadas vazões restritivas que causam enormes prejuízos aos demais usuários da bacia.
Mais um ano, inclusive com mais de restrições de vazões vão realmente mudar de forma impactante a paisagem e a hidrologia do São Francisco, de forma irreversível.
Segundo Molinas, a estiagem do São Francisco é também regular, depende da voracidade na retirada de energia do sistema. Como há sempre déficit, sempre se opera com vazões mínimas.
O CBHSF fica impotente diante da imposição autocrática das instâncias governamentais que agem orquestradamente, para manter a ótica governamental, mesmo “tratorando” as suas decisões legitimadas. A ANA, cada vez mais desprestigiada. A CHESF, despencada do pedestal, agora mendiga como qualquer usuário água para mover suas turbinas, sempre sujeita às imposições do O.N.S. operador controlado por ádvenas e mascarados, que age à socapa, de forma draconiana e desonesta, escapando da discussão séria.
Neste sentido o problema fica nas mãos do governo porque não se poderá atender aos interesses concorrentes com o déficit existente; tampouco atender aos interesses hegemônicos, às exigências da FIFA para a COPA, Olimpíadas, entre outras demandas hegemônicas. O Brasil não se preparou estruturalmente para a demanda energética e agora vai explodir causando muitos estragos.
Inexoravelmente o Governo terá que pagar um grande preço político porque não terá coragem de tomar medidas drásticas em período de eleição, empurrando o ônus para depois, sacrificando mortalmente a população que deverá se precatar deste descalabro.
Oxalá o Comitê do São Francisco integre a agenda dos presidenciáveis, pois servirá de marco definidor para que o povo da bacia saiba os que realmente colocam em pauta com propostas adequadas a problemática da Bacia do Rio São Francisco e seus quase 19 milhões de pessoas que nela vivem. Quais projetos dos presidenciáveis consideram a Bacia de forma sustentável em todas as dimensões requeridas?
Permanece a luta titânica do CBHSF como ente legitimado para se contrapor ao poder autocrático das instâncias governamentais que deram o maior golpe hídrico da história do Brasil. Capitaneado pela ANA e CNRH que também recebeu um golpe antidemocrático no seu compósito majoritário em relação ao poder público, adveio em sequência o IBAMA, a CHESF, o Ministério da Integração e outros correlatos no processo que intenta, a alto custo e de forma insustentável em todas as vertentes, impor interesses espúrios e alheios às necessidades internas da Bacia, que apresenta suas crescentes e exponenciais carências e não pode vislumbrar opção diversa da revitalização essencial e impostergável.
O Pacto das Águas é um sofisma de enganação engendrado maquiavelicamente para gerar falsas esperanças. A real pactuação perpassa, necessariamente pela restauração do respeito às decisões soberanas do CBHSF recompondo a governança concreta que apresenta três vieses obrigatórios e iniludíveis: descentralização chegando até a ponta, no comitê; participação geral e ampla e integração efetiva com a autenticação da legitimidade que foi usurpada pelas instâncias governamentais (ANA, IBAMA, CHESF etc.). Neste diapasão vem aí para a prova de fogo a renovação do Plano de Bacia, A renovação das outorgas de hidrelétricas com o grande imbróglio causado pelas vazões restritivas, agora nos moldes delineados pela Lei 9.433/97, contemplando o respeito aos usos múltiplos. Será que teremos avanços?
Fora disso é apenas manobra para impor as decisões centralísticas do governo que se alia espuriamente com os setores hegemônicos ligados ao grande capital. Por isso é que comungamos da visão do Dr. Gandra quando aponta diversas facetas do Estado Criminoso” ao que acrescentamos “impune ad aeternum”. Sequer o Poder Judiciário tem força para obstar os descalabros perpetrados pelos agentes de Governo e Estado, que “deitam e rolam” em grande escalada de absurdidades e afrontas legais, impunemente.
Quem sabe um levante orquestrado de forma organizada, valendo-se de todos os mecanismos políticos, legais e institucionais para promover a reversão deste processo, impondo o devido respeito às decisões legitimadas do CBHSF?
Luiz Alberto Rodrigues Dourado
Secretário da Associação dos Condutores de Visitantes e Brigada Voluntária de Morro do Chapéu (ACVB MC)
Bel. em Turismo pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR).
Pós-graduado em Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro (UGF-RJ)

Pós-Graduado em Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável –Universidade Gama Filho de Brasília
Tradutor com expertise no âmbito da Antropologia Meso-Americana (Maia, Asteca, Chavin)
Membro Titular da Câmara Técnica Institucional Legal do Comitê de Bacia Hidrográfica do rio São Francisco (CTIL) e GACG (ANA/AGBPV)) pela DIREX CBHSF

EcoDebate, 19/02/2014
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por João SuassunaÚltima modificação 19/02/2014 11:50

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