Plantio
de culturas de subsistência no Semiárido nordestino: um caso a ser repensado.
Por João Suassuna
O plantio
de milho e feijão, na dependência de chuvas, no Nordeste Semiárido, é uma
atividade que não faz parte das nossas propostas de convivência com o clima da
região. O clima semiárido é muito irregular, no tocante à caída das
precipitações, portanto, inadequado ao cultivo de tais culturas, quando
plantadas em regime de sequeio (na dependência única e exclusiva das chuvas).
Não assinaria embaixo uma proposta como essa, que viesse a pôr em risco o
sustento e a vida do cidadão que reside no Polígono das Secas.
Em recente entrevista na mídia, Manelito Dantas
Vilar, proprietário da fazenda Carnaúba, localizada no município de Taperoá
(PB), no Semiárido paraibano, fez comentários sobre a loteria existente na
caída das chuvas no Cariri do Estado, fazendo referência à semelhança existente
com as precipitações de Paris, na França. Segundo ele, em Paris, as
precipitações alcançam um volume médio anual de cerca de 600 mm, equivalente ao
que é precipitado na região de Taperoá, em igual período. Apenas salientou uma
diferença fundamental: as chuvas de Paris ocorrem em 183 dias, de forma bem
distribuída no tempo e no espaço. Já as do Cariri paraibano ocorrem em
cerca de 42 dias, no máximo, portanto concentradas irregularmente em curto
período de tempo. Essa característica é imperiosa de ser observada, pois é, com
ela, que advêm todas as impropriedades de se plantar, na região, as culturas de
subsistência, que necessitam de umidade suficiente, e em momentos bem
específicos do desenvolvimento da planta, para a satisfação de seu ciclo
biológico de: germinar, se desenvolver, florir e frutificar. Faltando a umidade
necessária, em um dos segmentos do ciclo, haverá certamente a quebra da safra
das culturas, com as consequências nefastas à vida do produtor rural, tão bem
conhecidas por todos nós nordestinos.
Uma planta de milho ou de feijão leva, em média,
cerca de 90 dias para ser colhida. Na região semiárida, a semeadura dessas
culturas costuma ocorrer no dia de São José (19 de março), para ser colhida no
dia de São João (24 de junho). É a esperança do sertanejo de vir a ter milho
verde no período junino, para a confecção das variadas iguarias de milho, tão
apreciadas na região. É por essa razão que as chuvas ocorridas no dia de São
José, enchem de esperanças o sertanejo, na crença de um ano com chuvas
regulares e, portanto, de boas colheitas.
Como produzir grãos numa região com problemas
climáticos tão sérios, se podemos produzir, e com competência, a proteína
animal em termos de carne e leite e, a partir desses produtos, adquirir os
grãos necessários à alimentação, produzidos em outras localidades do país, com
condições mais propícias para assim fazê-lo? É uma questão de se adequar uma
política agrícola, que efetivamente não temos, a uma realidade regional.
A Embrapa vem trabalhando a genética das plantas de
milho e feijão, no sentido de torná-las precoces. Esse trabalho tem chegado a
resultados interessantíssimos. Recentemente, a instituição desenvolveu nova variedade de feijão Caupi, com ciclo vegetativo
inferior a 60 dias. Com esses resultados, a sua intenção é o de aumentar as
chances nos plantios dos cultivares, quando realizados em regime de sequeiro,
ou seja, a expensas das chuvas que, normalmente, ocorrem na região.
Respeitando as intenções da Embrapa nesse trabalho,
mas a nossa opinião é a de que, mesmo com a utilização de cultivares precoces,
os resultados nele obtidos não irão alcançar o sucesso desejado pelos
pesquisadores, pelo simples fato de não haver ainda, na ciência, mecanismos de
se fazer chover no momento adequado e nas quantidades volumétricas suficientes
para a satisfação dos cultivos. Ora, no caso do Cariri paraibano, as chuvas são
concentradas em 42 dias do ano. Nesse diminuto intervalo de tempo, torna-se
impossível se prever a caída das chuvas, em volumes suficientes e no momento
adequado, necessárias ao cumprimento do ciclo biológico dos vegetais, mesmo com
as novas características de precocidade adquiridas. No caso do milho, por
exemplo, em linguagem sertaneja, faltará sempre a chuva da “boneca” (fase
vegetativa na qual a espiga está formada e os grãos estão em processo de
desenvolvimento) e no do feijão o problema irá residir na fase de
desenvolvimento dos grãos.
Na visão de José do Patrocínio Tomaz Albuquerque,
um dos maiores hidrogeólogos do Nordeste, os cultivos de subsistência no
Semiárido são importantes, desde que haja aportes hídricos para realizá-los.
Segundo ele, “ a alternativa correta na produção de alimentos, não é somente
uma (sequeiro), mas a correção das irregularidades que o afetam pelo uso dos
recursos hídricos acumulados, seja superficialmente, seja subterraneamente.
Além, é claro do incremento do xerofitismo. Porém, sem radicalismos. As águas
subterrâneas continuam desconhecidas e, por isso, subestimadas em sua
importância na correção de tais irregularidades. Principalmente as contidas nos
aquíferos aluviais (há, inclusive, aquíferos aluviais intermitentes, como os
rios, cujas águas não são aproveitadas e se perdem, também, por evaporação). Só
um programa de pesquisas com sondagens poderia revelar onde e como dispor de
todas estas águas subterrâneas dos aquíferos aluviais. Isso e tantas outros
estudos e ações governamentais é o que falta para encarar, com relativo
sucesso, o problema de nosso Semiárido”.
Isso posto, defendemos um novo modelo de
exploração agrícola para ser implantado no Semiárido. Esse modelo deve passar,
necessariamente, pela exploração racional da capacidade de suporte da região,
com a utilização dos elementos biológicos solo, água, plantas xerófilas,
e animais adaptados, fugindo, sempre que possível, das culturas de grãos na
dependência de chuvas (culturas de sequeiro). A instabilidade climática da
região é muito severa, resultando, invariavelmente, em perdas frequentes de
safras.
Finalizamos essa breve análise, com uma observação
feita por Mônica Silveira, repórter da Globo Nordeste, quando da realização da Série sobre a Seca de
2013, editada
no mês de maio, no Recife. Numa hora em que estavam recolhendo, na caatinga, as
carcaças dos animais mortos pela seca, a repórter se referia aos laticínios
produzidos na fazenda Carnaúba, evidenciando a possibilidade de, mesmo em
período de seca severa, se “produzir queijos finos no Semiárido, temperados
com plantas nativas da Caatinga, direto da região mais seca do Brasil. Segundo
ela, delicadeza e sabor para alcançar paladares de quem nem imagina o que é a
luta para enfrentar tanta adversidade”.
Sobre o
assunto:
O agrônomo João Suassuna, pesquisador da Fundação
Joaquim Nabuco, expõe em Brasília novo modelo de exploração agrícola no
Semiárido.
SEMI-ÁRIDO:
proposta de convivência com a seca (2002)
As
armadilhas do clima (2004)
Aprendendo
a conviver com o Semi-árido (2007)
MAPITOBA
vem sendo apontada como a nova fronteira agrícola do país
MAPITOBA, a verdadeira região produtora de grãos no
Nordeste, em regime de sequeiro.
Seca de
2013 pode comprometer 100% da safra de grãos no Ceará http://www.remabrasil.org/Members/suassuna/campanhas/seca-de-2013-pode-comprometer-100-da-safra-de-graos-no-ceara
O artigo também foi editado no Portal
ECODEBATE, no seguinte endereço eletrônico:
SEGURO
GARANTIA-BODE, artigo de Clóvis Guimarães Filho
COMENTÁRIOS
João
Suassuna - Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Recife
Esse artigo também foi editado no Portal ECODEBATE, portanto as discussões do
assunto já poderão ser realizadas do outro lado do planeta. Escrevi o texto,
com o propósito de que seja melhor esclarecido o Seguro Safra, dinheiro que
atualmente vem sendo oferecido ao produtor rural do Semiárido nordestino,
mediante os frequentes insucessos que o mesmo vem tendo em suas
colheitas.
Existe um estudo da Embrapa afirmando que, safras
seguras, nos limites do Semiárido (principalmente de milho e feijão), só
ocorrem em 20% dos casos, ou seja, em 10 anos agrícolas, apenas 2 têm relativo
sucesso. O restante, invariavelmente, resulta em colheitas pífias.
Os dirigentes nordestinos sabem disso, mas,
mesmo assim, incentivam o produtor rural no plantio das culturas, porque ele
(dirigente) vive a expensas do voto do cidadão agricultor. O Seguro Safra vem a
calhar nessa ocasião. Por outro lado, o agricultor residente nos limites do
Semiárido, também sabe das possibilidades de insucessos que tem nessa
atividade, mas, mesmo assim planta as culturas, pela certeza de ter um
dinheirinho fácil, dos dirigentes, para cobrir os prejuízos no campo. E isso
vem se tornando uma bola de neve. Não irá acabar nunca! E está viciando o
cidadão nordestino. Se a questão é oferecer recurso financeiros para ajudar o
produtor rural a implantar seus sistemas de produção, que o faça mediante outra
lógica financeira. Por que não instituir uma linha para o atendimento das
necessidades agrícolas do produtor, mediante a implantação de sistemas com as
tecnologias de convivência com o Semiárido, a exemplo do Seguro Palma
Forrageira, Seguro Bode, Seguro Capim Buffel, ou mesmo Seguro Bagaço de Cana?
Essas linhas financeiras seriam mais verdadeiras e trariam mais rendas ao
agricultor nordestino.
Rinaldo
dos Santos - Editor Chefe da Revista O BERRO
Prezado
Dr. Suassuna,
É
muito bem colocada essa questão do crédito fácil para culturas que não irão
vingar. É uma atitude criminosa, eleitoreira, que precisa ser acusada.
O velho
ditado, calcado na dura experiência da agricultura de gêneros perecíveis, diz o
seguinte: "De cada 10 anos, 1 é ótimo, 2 são razoáveis, 3 são medíocres, 4
são péssimos".
Lamentavelmente,
é nos anos "péssimos" e "medíocres" que surgem as melhores
safras de votos para os governantes.
Rinaldo
dos Santos
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