A situação “Hidro-ilógica” da Transposição do São Francisco – 11/12/2020
Eixo Norte da
Transposição - Imagem do Google
Estamos iniciando
uma atividade semanal de informações, aos interessados, da real situação
operacional dos eixos Norte e Leste da Transposição do Rio São Francisco. Para
efeito da análise dos volumes bombeados em ambos os canais do projeto, foram
utilizadas as informações do Plano de Gestão Anual da Transposição
do Rio São Francisco, da Agência Nacional de Águas (ANA), em cujo
Anexo II são estabelecidos os quantitativos volumétricos mensais para o uso das
águas do caudal.
Após vultosos
investimentos realizados no projeto da Transposição, cuja cifra já ultrapassa
os R$12 bilhões, atualmente as águas do Velho Chico não estão chegando ao seu
destino final.
O Eixo Norte do
projeto, por exemplo, que visa o abastecimento do agronegócio dos Estados de
Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte, além de atender as demandas hídricas
das populações da Grade Fortaleza (CE), foi inaugurado,
em 26/06/2020, no trecho compreendido entre
a Barragem de Milagres, no município de Verdejante (PE) e a barragem de Jatí, CE, cujos volumes começaram
a fluir em direção ao projeto cearense (Cinturão
das Águas) e, também, ao Estado do Rio Grande do Norte. O Professor
Doutor em Hidrologia, João Abner Guimarães Jr, voltou a fazer críticas à inviabilidade técnico-econômica dessa
obra, notadamente no trecho compreendido entre a barragem de Jatí-CE e o
destino final das águas, no Rio Grande do Norte. Segundo Abner, a solução para o abastecimento hídrico
da região passa, necessariamente, pela adoção de medidas que busquem e controlem os
recursos hídricos já existentes na região, através da definição de políticas
públicas que sejam capazes, não só de serem comprometidas com a boa aplicação
da água em si, mas, também, com a adoção de soluções que sejam efetivas e
duradoras. Notícias da internet do dia 27/10/2020 deram conta de que a condução
das águas nesse eixo, para o CE e RN, estão ocorrendo normalmente. O Eixo Norte
está com 97,50% de suas obras concluídas.
O Eixo Leste do
projeto atende prioritariamente as demandas hídricas (abastecimento) das
regiões agrestes dos estados de Pernambuco e da Paraíba (municípios da bacia do
Rio Ipojuca, PE, o município de Campina Grande e regiões de seu entorno),
havendo previsão, também, para o uso das águas no agronegócio paraibano
(projeto Acauã-Araçagi).
Apesar de esse eixo
ter sido inaugurado em 2017, resolvendo o grave problema de abastecimento de
Campina Grande, atualmente as águas do Rio São Francisco não estão fluindo
conforme o previsto. Na Terça do Crea realizada no dia 17/11/2020,
tratando de como garantir os múltiplos usos da água
diante da escassez e crescente demanda, o ex-Secretário de Recursos Hídricos
do Estado de Pernambuco, Almir Cirilo, fez comentários acerca das razões pelas
quais os fluxos das águas da Transposição foram interrompidos para Campina
Grande. Na ótica de Cirilo, a razão disso deveu-se à fluência das águas a céu
aberto, na bacia do Rio Paraíba, entre os municípios de Monteiro e Campina
Grande, levando ao desperdício volumétrico de grande monta, consequência direta
das infiltrações, evaporação e outros aportes nas irrigações existentes naquele
trecho, além do lançamento de elementos contaminantes (esgotos), o que tem
levado a um desperdício de cerca de ¾ dos volumes bobeados do projeto, aos
campinenses. Ainda segundo o ex-Secretário, para a solução desse problema é
importante que se comece a pensar em ações suplementares futuras, com o uso de
tubulações adutoras, a exemplo do que vem sendo praticado na Adutora do
Agreste, em Pernambuco, para o abastecimento de vários municípios da bacia do
Rio Ipojuca, os quais, atualmente, passam por sérios problemas de escassez
hídrica.
Além do mais, a
falta de critérios nos usos das águas dos principais aquíferos do Velho Chico,
a exemplo do Urucuia, têm interferido diretamente nas vazões de base
dessas fontes hídricas, em direção a calha do rio, resultando em
significativas variações volumétricas no caudal. Trabalho realizado pelas Universidades
Federais do Rio de Janeiro, Viçosa e Oeste da Baía, deu conta de que a irrigação
com pivôs centrais, praticada no Oeste da Bahia, sobre esse aquífero, já
rebaixou o seu lençol freático em cerca de 6,63 m. Um problema de grandes
proporções criado, tendo em vista a ausência quase que total de gestão hídrica,
em praticamente toda região semiárida do país, cujas consequências são
previsíveis, principalmente se levado em consideração o lamentável estado de
incapacidade hídrica existente no São Francisco, o que tem dificultado o
atendimento das demandas oriundas dos variados e conflituosos usos existentes
em toda sua bacia hidrográfica.
Existindo essa
problemática, é de se supor das dificuldades que existirão pela frente,
principalmente se levado em consideração o cumprimento das metas do projeto da
Transposição, notadamente no abastecimento de 12 milhões de pessoas na região
setentrional nordestina e na irrigação de uma área estimada em cerca de 150 mil
ha, numa tentativa de mudança do cenário de pobreza existente na região.
Finalmente, o
projeto da Transposição do Rio São Francisco passa por sérios problemas
de gestão hídrica, que poderão comprometer os
usos futuros das águas em todo Setentrional nordestino. Medidas urgentes
na melhorias desses aspectos devem ser tomadas, para que seja garantida a
necessária segurança hídrica de todo o Semiárido brasileiro.
Algumas
características técnicas do Projeto da Transposição:
Características das
represas reguladoras de vazão do Rio São Francisco
- A construção das
represas de Três Marias e Sobradinho, na calha do São Francisco, possibilitou
às autoridades do setor hídrico do país, o total controle volumétrico de vazões
do rio, ao longo de toda a sua bacia hidrográfica.
- Com a
regularização das vazões do Velho Chico, a Chesf passou décadas gerando a
energia do Nordeste brasileiro, com uma vazão média regularizada de cerca de
2.060 m³/s.
- Informações
volumétricas, na calha do São Francisco, obtidas nos postos de observações da
Chesf, localizados entre a nascente e a foz do rio – Fonte: Chesf
Dia 11/12: UHE Três Marias (controle das defluências de Três
Marias) 805 m³/s; São Romão 1.827 m³/s; São Francisco – 1.863 m³/s; Bom Jesus
da Lapa – 1.247 m³/s; Morpará – 1.271 m³/s; Juazeiro (controle das defluências
de Sobradinho) 1.193 m³/s e Propriá (controle das defluências de Xingó) 3.127
m³/s. (dados da Chesf)
- Situação crítica do projeto da
Transposição: A represa de Sobradinho acumulou no ano de 2017, apenas
1,98% de sua capacidade útil, e defluiu para a regularização das vazões do
Submédio e Baixo São Francisco, apenas 554 m³/s.
Capacidade total de
Três Marias: 20 bilhões de m³ - Fonte: ANA
Afluência: 467
m³/s
Defluência: 805
m³/s
Percentual
volumétrico atual da represa: 47,31%
Capacidade total de
Sobradinho: 34 bilhões de m³ - Fonte: ANA
Afluência: 1.450
m³/s
Defluência: 1.117
m³/s
Percentual
volumétrico atual da represa: 52,73%
Características técnicas dos eixos
do Projeto
- Irá passar pelos
dois eixos do projeto, uma vazão de até 127 m³/s, sendo 99 m³/s no Norte e 28
m³/s no Leste.
Plano de Gestão
Anual (PGA) dos Eixos Norte e Leste da Transposição
ANEXO II do PGA
Vazão média
bombeada m³/s
Eixo Leste |
Jan/20 |
Fev/20 |
Mar/20 |
Abr/20 |
Mai/20 |
Jun/20 |
EBV-1 |
8,71 |
8,71 |
8,54 |
9,30 |
9,30 |
4,56 |
EBV-2 |
8,59 |
8,59 |
8,44 |
9,19 |
9,19 |
4,47 |
EBV-3 |
8,41 |
8,41 |
8,30 |
9,04 |
9,04 |
4,36 |
EBV-4 |
8,21 |
8,21 |
8,12 |
8,22 |
8,21 |
3,59 |
EBV-5 |
7,60 |
7,60 |
7,56 |
7,57 |
7,57 |
3,00 |
EBV-6 |
7,17 |
7,17 |
7,15 |
7,15 |
7,15 |
2,60 |
Eixo Leste |
jul/20 |
Ago/20 |
set/20 |
out/20 |
nov/20 |
dez/20 |
EBV-1 |
4,47 |
3,16 |
3,35 |
3,35 |
3,35 |
3,35 |
EBV-2 |
4,63 |
3,06 |
3,22 |
3,22 |
3,22 |
3,22 |
EBV-3 |
4,49 |
2,93 |
3,05 |
3,05 |
3,05 |
3,05 |
EBV-4 |
3,68 |
2,14 |
2,23 |
2,23 |
2,23 |
2,23 |
EBV-5 |
3,04 |
1,51 |
1,55 |
1,55 |
1,55 |
1,55 |
EBV-6 |
2,63 |
1,12 |
1,14 |
1,14 |
1,14 |
1,14 |
Vazão média
bombeada m³/s
Eixo Norte |
Jan/20 |
Fev/20 |
Mar/20 |
Abr/20 |
Mai/20 |
Jun/20 |
EBI-1 |
0,51 |
0,36 |
0,36 |
0,94 |
1,51 |
15,81 |
EBI-2 |
0,29 |
0,21 |
0,21 |
0,76 |
1,33 |
15,23 |
EBI-3 |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
0,56 |
14,12 |
Eixo Norte |
Jul/20 |
Ago/20 |
Set/20 |
Out/20 |
Nov/20 |
Dez/20 |
EBI-1 |
15,82 |
3,46 |
3,44 |
3,42 |
3,39 |
2,91 |
EBI-2 |
15,24 |
3,08 |
3,06 |
3,04 |
3,01 |
2,62 |
EBI-3 |
14,12 |
2,14 |
2,14 |
2,15 |
2,15 |
1,86 |
Eixo Norte - Fonte: Chesf
- Extensão de 402
km
- Serão atendidos
os estados de PE, CE, PB e RN
- Existência de 12
reservatórios de diversos tamanhos, com potencial de armazenamento de cerca de
56 milhões de m³.
- Perspectiva de
atendimento a 232 municípios nos estados, e uma população estimada em cerca de
7,5 milhões de pessoas.
- Vazão do Rio São
Francisco na tomada d´água em Cabrobó (Estação de Ibó): 1.159 m³/s
- Vazão de bombeamento
da EBI-1 (PGA) do mês de dezembro/20: 2,91 m³/s
- Vazão da última
estação de bombeamento EBI-3 (PGA) do mês de outubro/20: 1,86m³/s
- O Professor
Doutor em Hidrologia, João Abner Guimarães Jr, voltou a fazer críticas sobre
a inviabilidade técnico-econômica da obra,
notadamente no trecho compreendido entre a barragem de Jatí-CE e o destino
final das águas, no Rio Grande do Norte. Segundo Abner, a solução para o abastecimento hídrico
da região passa, necessariamente, pela adoção de medidas que busquem e controlem os
recursos hídricos já existentes na região, através da definição de políticas
públicas que sejam capazes, não só de serem comprometidas com a boa aplicação
da água em si, mas, também, com a adoção de soluções que sejam efetivas e
duradoras.
- Notícias de 20/08/2020 deram conta de que foram abertas
as comportas da barragem de Jatí para a condução das águas do São Francisco ao
Cinturão das Águas, no Ceará (temporariamente em manutenção devido ao rompimento
de duto da barragem). Notícias da internet do dia 27/10/2020 deram conta de que a condução
das águas nesse eixo, após os reparos devidos, voltou à normalidade. O Eixo
Norte está com 97,50% de suas obras concluídas.
Eixo Leste - Fonte: Chesf
- Extensão de 220
km
- Serão atendidos
os estados de PE e PB
- Existência de 16
reservatórios de diversos tamanhos, com potencial de armazenamento de cerca de
910 milhões de m³.
- Perspectiva de
atendimento a 169 municípios nos estados, e uma população estimada em cerca de
4,5 milhões de pessoas.
Reservatório da
hidrelétrica de Itaparica
Capacidade total do
reservatório: 11 bilhões de m³
Afluência: 830
m³/s
Defluência: 2.437
m³/s
Percentual
volumétrico atual da represa: 54,68%
Esse Eixo foi
inaugurado pelo Presidente da República, em 26/06/2020.
Vazão de
bombeamento da EBV-1 (PGA) do mês de dezembro/20: 3,35 m³/s
Vazão da última
estação de bombeamento EBV-6 (PGA) do mês de outubro/20: 1,14 m³/s
Em 2018, a adutora de Moxotó (PE) começou a
operar abastecendo os municípios pernambucanos de Sertânia, Arcoverde, Pesqueira, Brejo da Madre de Deus, Belo Jardim, Alagoinha, Tacaimbó, São Bento do Una, Sanharó e Custódia, cuja captação é na mesma fonte que
abastece Campina Grande, ou seja, o Eixo Leste da Transposição.
A adutora do Agreste (inaugurada a primeira fase) irá aduzir volumes
do Rio São Francisco, via eixo Leste do projeto da Transposição, para o
abastecimento de municípios pernambucanos localizados na bacia do Rio Ipojuca
- 0 m³/s (atualmente em fase de testes da primeira fase)
Capacidade do açude
de Poções (30 milhões de m³, Monteiro): 69,82%. Destino
dos volumes da transposição para o açude de Camalaú - Fonte: Aesa
Capacidade do açude
de Camalaú (48 milhões de m³, Camalaú): 68,30%. Destino dos
volumes da transposição para o açude de Boqueirão de Cabaceiras - Fonte: Aesa
O destino final da
água desse eixo é o açude de Boqueirão de Cabaceiras, para o abastecimento de
Campina Grande e 18 municípios de seu entorno.
Boqueirão de
Cabaceiras - Fonte: Aesa
Capacidade do
reservatório: 411,6 milhões de m³
Volume morto do
reservatório: 8,20% de sua capacidade
Percentual
volumétrico útil atual: 46,50% (em declínio
volumétrico)
Vazão afluente do
projeto da Transposição do São Francisco em Boqueirão: 0 m³/s
Vazão de
regularização de Boqueirão de Cabaceiras – 1,25 m³/s
Defluência de Boqueirão para
Acauã: 2,2 m³/s
Reservatório de Acauã
- Fonte: Aesa
Capacidade do
reservatório: 253 milhões de m³
Volume morto do
reservatório: 8,00% de sua capacidade
Percentual
volumétrico útil atual: 8,08% (em declínio
volumétrico)
Vazão afluente em
Acauã: 2,2 m³/s
Vazão
defluente para o projeto Acauã-Araçagi: 0 m³/s
COMENTÁRIOS
José Do Patrocínio Tomaz Albuquerque –
Hidrogeólogo e Consultor
Infelizmente, pelo
que ainda estão fazendo com as águas subterrâneas, responsáveis por estas
vazões na estação de Estio, o nível mínimo do Rio São Francisco vai voltar a se
repetir, sim. Afirmo isto com base na evolução da situação volumétrica dos
reservatórios da CHESF, publicados semanalmente por nosso amigo João Suassuna
no site da Carta de Morrinhos. A contribuição da vazão de
base vem diminuindo, semana após semana. A afluência a Sobradinho tem sido
maior pela contribuição da defluência de Três Marias. No dia 10/09/2020 foi de
780 m3/s com a contribuição de Três Marias ascendendo a 670 m3/s, o que
significa que a vazão de base suprida pelos aquíferos existentes na bacia do
São Francisco, a montante de Sobradinho, estão contribuindo com, apenas, 102
m3/s. Isto nunca se verificou antes. É só olhar a série hidrológica de longo
período, mesma a da grande seca recente. E olhe que viemos de um período
chuvoso abundante neste ano de 2020. Entre Três Maria e Sobradinho há uso
demais de águas subterrâneas. Responsável? Só a irrigação justifica isso!
Sobre o assunto
Baixo nível de
reservatórios faz ONS prever 'dificuldade' no fornecimento de energia
http://www.suassuna.net.br/2020/12/a-questao-energetica-baixo-nivel.html
Situação dos
Principais Reservatórios do Brasil – 11/12/2020
http://www.suassuna.net.br/2020/12/situacao-dos-principais-reservatorios_11.html
Postado
há Yesterday por João Suassuna