Código Florestal: nem toda a terra está disponível para o ser humano.
Entrevista com Roberto Malvezzi,
especialista em temas socioambientais da Comissão Pastoral da Terra do São
Francisco.
http://www.wwf.org.br/informacoes/noticias_meio_ambiente_e_natureza/?32082
Fazendo o caminho inverso de muitos
brasileiros que até hoje fogem da seca, o paulista Roberto Malvezzi (foto)
migrou para o Nordeste nos anos 1980, onde mergulhou na realidade sertaneja na
divisa da Bahia com o Piauí, na margem esquerda do São Francisco. Vivendo as
lutas pela terra e pela água junto às populações pobres, descobriu que a
opressão e o descaso das políticas públicas podem ser combatidos com
mobilização social. Nessa entrevista concedida ao Comitê Brasil em Defesa das
Florestas, o filósofo militante avalia a tramitação do novo Código Florestal, o
papel de parlamentares e do Governo no desmonte da legislação ambiental
brasileira e alerta que, no futuro, a avaliação desses governos pode ser bem
diferente. Confira abaixo os principais trechos.
Comitê Brasil em Defesa das Florestas -
Conte um pouco sobre sua trajetória.
Roberto Malvezzi – Nasci em 1953 na pequena cidade de Potirendaba (SP). Saí de lá com 14 anos. Fiz Filosofia, Teologia e Ciências Sociais. Fui seminarista durante anos. Em 1979, vim ao sertão da Bahia, na divisa com São Raimundo Nonato (PI). O pessoal que trabalhava na paróquia trazia gente do Sul de ônibus e ficávamos nas comunidades, alfabetizando as crianças. Estava terminando o Regime Militar, começando as greves do ABC, a ideia do PT e do sindicalismo. Em janeiro de 1980, decidi morar em Campo Alegre de Lourdes (BA) por três anos. Na época, estava sendo concluída a Barragem de Sobradinho, o que provocou a realocação de quatro cidades: Casanova, Remanso, Sento Sé e Pilão Arcado. Lá viviam 72 mil pessoas. Os prefeitos eram nomeados pelo presidente da República, não tínhamos partidos ou sindicatos na região. Foi a Igreja que assumiu esse papel de organizar a população, de tentar dar apoio diante do caos. Após esses três anos, larguei o seminário. Depois de cinco, me casei. Acabei ficando e já são mais de 30 anos.
Roberto Malvezzi – Nasci em 1953 na pequena cidade de Potirendaba (SP). Saí de lá com 14 anos. Fiz Filosofia, Teologia e Ciências Sociais. Fui seminarista durante anos. Em 1979, vim ao sertão da Bahia, na divisa com São Raimundo Nonato (PI). O pessoal que trabalhava na paróquia trazia gente do Sul de ônibus e ficávamos nas comunidades, alfabetizando as crianças. Estava terminando o Regime Militar, começando as greves do ABC, a ideia do PT e do sindicalismo. Em janeiro de 1980, decidi morar em Campo Alegre de Lourdes (BA) por três anos. Na época, estava sendo concluída a Barragem de Sobradinho, o que provocou a realocação de quatro cidades: Casanova, Remanso, Sento Sé e Pilão Arcado. Lá viviam 72 mil pessoas. Os prefeitos eram nomeados pelo presidente da República, não tínhamos partidos ou sindicatos na região. Foi a Igreja que assumiu esse papel de organizar a população, de tentar dar apoio diante do caos. Após esses três anos, larguei o seminário. Depois de cinco, me casei. Acabei ficando e já são mais de 30 anos.
A grande bancada ruralista, que tem poder
no Congresso e já não tinha como evitar multas por seus crimes, partiu para o
desmonte da lei.
CBDF - Em seu trabalho na Comissão Pastoral da Terra (CPT), o que você tem vivenciado no sertão do São Francisco?
RM - Aqui a CPT surgiu em função das necessidades da população de Sobradinho. Com a construção da barragem, fomos entrando muito nas questões de pobreza, de água. Em Campo Alegre de Lourdes não tem rios. A única água lá é a de chuva. Então veio a seca de 1982, naquele tempo sem infraestrutura. O que a gente viu foi migração, sofrimento humano e mortalidade infantil. A gente pensou que podia levantar nomes de pessoas mortas pela seca. Em poucos municípios, foram mais de 7 mil nomes. Vimos que não conseguiríamos jamais fazer esse levantamento. A projeção à época foi é de que mais de 1 milhão de pessoas tenham morrido de fome, de sede, de inanição. Então, entrou muito a luta da água, a partir de uma necessidade concreta, que é a luta pela terra.
CBDF - O papel da sociedade civil é fundamental nessas lutas, inclusive na do Código Florestal. Você poderia relembrar o contexto da tramitação da lei no Congresso e as partes envolvidas nessa história?
RM - Fui membro da equipe da CNBB que elaborou o texto base da Campanha da Fraternidade da Água, em 2004. E tivemos de recorrer ao Código Florestal, porque a Lei Brasileira de Recursos Hídricos, a 9.433/1997, não toca na proteção dos mananciais. No Código estava a proteção das nascentes, das matas ciliares em torno dos rios, das encostas. A gente dizia: ‘Isso já é lei, mas não funciona na prática. As matas ciliares, as nascentes e as encostas não estão sendo respeitadas’. Pelo Código Florestal que tínhamos, tinha que ter mata ciliar de 500 metros em cada margem do São Francisco. Hoje, ele tem apenas 5% de mata ciliar. Então, pode-se imaginar o que significaria hoje se a lei obrigasse os latifundiários a recompor as matas nas margens do rio. Estamos passando por um desmonte da legislação ambiental do Brasil em função de crimes ambientais que foram cometidos. É uma reação às exigências legais que começaram a pesar sobre quem cometeu esses crimes. A grande bancada ruralista, que tem poder no Congresso e já não tinha como evitar multas por seus crimes, partiu para o desmonte da lei. Mesmo com o veto parcial da Dilma e com as mudanças que ela propôs, o resultado final não terá mais nada a ver com o Código Florestal que tínhamos.
O governo não só se omitiu, mas permitiu que o projeto dos ruralistas andasse com toda a tranqüilidade.
CDBF – No fim das contas, o código foi desfigurado.
RM - Absolutamente desfigurado, e sem que a gente saiba exatamente aonde vai chegar, porque a lei ainda está sendo alterada. Tem muita coisa nos detalhes, e é nos detalhes que o diabo mora.
CBDF - E quem são os atores chave que estão capitaneando esse desmonte?
RM – A bancada ruralista. Não é fácil detectar quem se alia a ela, mas há indícios, observando a última votação sobre o Código Florestal. O que chamávamos de esquerda acabou votando com os ruralistas. E o governo não só se omitiu, mas permitiu que o projeto dos ruralistas andasse com toda a tranquilidade. Depois, tentou adiar, postergar. Grande parte dos deputados, inclusive do PT, tem no caixa de campanha só financiamento de empresas do agronegócio.
Mais de 1.200 rios do norte de Minas, que são afluentes do São Francisco, morreram.
CBDF – Eles traíram as origens?
RM – Sim, dá para usar essa expressão.
CBDF – Quais seriam alguns desses partidos?
RM - PT, PCdoB, todos esses partidos aí votaram na sua grande maioria com os ruralistas. Nem falo do PMDB e de outros, que já são do mundo das oligarquias.
CBDF – Os pequenos produtores têm sido usados como massa de manobra para reduzir a proteção das florestas. Que efeitos desse novo “Código Florestal” você vê justamente sobre os pequenos?
RM - Lideranças com tradição entre os movimentos sociais tiveram uma atitude complicada na defesa dos pequenos agricultores com foco na ideia de que se você tem pouca terra e for colocar o que o Código exigia você reduzia a área produtiva dos pequenos agricultores. Mas, desde o começo, sempre foi possível fazer um discernimento entre os pequenos e os grandes agricultores. Para os pequenos, você abre casos especiais. Mas de forma geral, o que está acontecendo? Estamos inviabilizando a vida de milhares de pequenos proprietários em nome da produção, porque você solapa as bases naturais da pequena propriedade. Estivemos em maio em Januária (MG), na região do rio dos Cochos. O rio tinha morrido e as comunidades estavam indo embora. Mas eles mesmos fizeram trabalho de recomposição da mata ciliar e o rio voltou a correr e a abastecer outras comunidades que ficaram sem água. A gente tem notícia de que mais de 1.200 rios desse tipo, do norte de Minas, que são afluentes do São Francisco, morreram em função da agricultura comercial que tomou espaços que eram da água. Tem que colocar esse dilema para os pequenos agricultores.
O agronegócio já deixou para trás pelo menos 80 milhões de hectares de terras degradadas.
CBDF – A legislação em vigor amplia a possibilidade de uso da terra. Na prática, o que isso significa para os produtores?
RM – O agronegócio já deixou para trás pelo menos 80 milhões de hectares de terras degradadas. Para esse grupo é mais fácil avançar sobre novas áreas, nem que seja para também degradá-las, do que recuperar o que foi degradado. Esse é o custo que eles não querem pagar - por isso mudaram a legislação para ter ‘segurança jurídica’. Não fosse o papel desenvolvido por inúmeras populações, a Caatinga não teria cerca de 50% preservados. Mas os grandes latifúndios do Nordeste, se quiserem expandir o desmatamento, estão autorizados por lei. Este ano secaram os aquíferos do Platô de Irecê, no semiárido baiano. Agora falta água até para beber. O mesmo pode acontecer no oeste do Estado, no chamado “mundo do agronegócio”, onde querem dispensar as outorgas que limitam o uso de água subterrânea.
CBDF – Alterar o Código Florestal e ampliar o uso da terra não reduz a importância de economias que aproveitem as florestas em pé e não emperra a tramitação de legislações como a do pagamento por serviços ambientais?
RM – Sem dúvida. E não podemos esquecer que nem toda a terra está disponível para o ser humano ou para a agricultura. O planeta tem exigências próprias, de respiração, de oxigenação, do ciclo do carbono. Mas é muito difícil levar esses valores a pessoas que enxergam pouco mais que os limites da propriedade.
CBDF – O atual Código Florestal reduz de forma geral a proteção das matas nas margens de rios e córregos, especialmente dos de pequeno porte. Qual o risco para os mananciais do país?
RM – As faixas entre 30 e 500 metros de vegetação na margem dos rios, dependendo de sua largura, já não eram respeitadas, mas se tinha por onde brigar. Agora, temos faixas de apenas 5 metros para os cursos menores. Sem a vegetação, a água penetra menos no solo e as enchentes ganham força e velocidade. Essa realidade geradora de tragédias foi esquecida na reforma do Código Florestal.
É um pessoal com uma visão meramente produtivista, que padece de "monocultura mental".
CBDF – A destruição da legislação florestal não é um fato isolado. Redução de áreas protegidas, descaso com indígenas e outras populações tradicionais e enfraquecimento de órgãos ambientais fazem parte de um quadro de franco retrocesso. O que está acontecendo com o Brasil?
RM - Levamos décadas construindo uma legislação socioambiental, mas agora enfrentamos uma prevalência absoluta de uma lógica econômica que pretende derrubar tudo o que entende como obstáculo a seu projeto desenvolvimentista. Como o próprio Lula declarou em 2006, ‘as questões dos índios, quilombolas, ambientalistas e Ministério Público travam o desenvolvimento do País’. Esse é o pano de fundo do projeto de desenvolvimento em curso.
CBDF – A campanha Floresta faz a Diferença foi um marco frente às mobilizações sociais da história recente do Brasil. A sanção parcial da presidente complicou ainda mais o futuro do Código Florestal. Qual a sua avaliação sobre esses movimentos?
RM – Avalio que deslanchamos um processo que alcançou a consciência da sociedade brasileira. As pessoas sabem o que está acontecendo. Pesquisas de opinião pública e outros indicadores deixaram claro que a grande maioria da população era contra mudanças no Código Florestal. Por outro lado, ficou cada vez mais evidente o fosso entre o que a sociedade quer e o que a classe política faz.
Pode ser que, no futuro, a avaliação desses governos seja bem diferente.
CBDF – Qual seria a mensagem para a população entender um pouco desse momento do país?
RM – É um momento de grandes adversidades. O povo brasileiro tem um contentamento muito grande com o governo Lula / Dilma porque muitas dessas políticas sociais foram e são muito importantes para a população, trazendo uma resposta mais imediata às questões da fome, da eletricidade, das moradias. Isso tudo é essencial. Mas o problema é o país que esse Governo está plantando para o futuro. Pode ser que, no futuro, a avaliação desses governos seja bem diferente.
Entrevista: Aldem Bourscheit (WWF-Brasil) e Carolina Stanisci (IDS)
Edição: Afra Balazina e Letícia Campos (SOS Mata Atlântica)
CBDF - Em seu trabalho na Comissão Pastoral da Terra (CPT), o que você tem vivenciado no sertão do São Francisco?
RM - Aqui a CPT surgiu em função das necessidades da população de Sobradinho. Com a construção da barragem, fomos entrando muito nas questões de pobreza, de água. Em Campo Alegre de Lourdes não tem rios. A única água lá é a de chuva. Então veio a seca de 1982, naquele tempo sem infraestrutura. O que a gente viu foi migração, sofrimento humano e mortalidade infantil. A gente pensou que podia levantar nomes de pessoas mortas pela seca. Em poucos municípios, foram mais de 7 mil nomes. Vimos que não conseguiríamos jamais fazer esse levantamento. A projeção à época foi é de que mais de 1 milhão de pessoas tenham morrido de fome, de sede, de inanição. Então, entrou muito a luta da água, a partir de uma necessidade concreta, que é a luta pela terra.
CBDF - O papel da sociedade civil é fundamental nessas lutas, inclusive na do Código Florestal. Você poderia relembrar o contexto da tramitação da lei no Congresso e as partes envolvidas nessa história?
RM - Fui membro da equipe da CNBB que elaborou o texto base da Campanha da Fraternidade da Água, em 2004. E tivemos de recorrer ao Código Florestal, porque a Lei Brasileira de Recursos Hídricos, a 9.433/1997, não toca na proteção dos mananciais. No Código estava a proteção das nascentes, das matas ciliares em torno dos rios, das encostas. A gente dizia: ‘Isso já é lei, mas não funciona na prática. As matas ciliares, as nascentes e as encostas não estão sendo respeitadas’. Pelo Código Florestal que tínhamos, tinha que ter mata ciliar de 500 metros em cada margem do São Francisco. Hoje, ele tem apenas 5% de mata ciliar. Então, pode-se imaginar o que significaria hoje se a lei obrigasse os latifundiários a recompor as matas nas margens do rio. Estamos passando por um desmonte da legislação ambiental do Brasil em função de crimes ambientais que foram cometidos. É uma reação às exigências legais que começaram a pesar sobre quem cometeu esses crimes. A grande bancada ruralista, que tem poder no Congresso e já não tinha como evitar multas por seus crimes, partiu para o desmonte da lei. Mesmo com o veto parcial da Dilma e com as mudanças que ela propôs, o resultado final não terá mais nada a ver com o Código Florestal que tínhamos.
O governo não só se omitiu, mas permitiu que o projeto dos ruralistas andasse com toda a tranqüilidade.
CDBF – No fim das contas, o código foi desfigurado.
RM - Absolutamente desfigurado, e sem que a gente saiba exatamente aonde vai chegar, porque a lei ainda está sendo alterada. Tem muita coisa nos detalhes, e é nos detalhes que o diabo mora.
CBDF - E quem são os atores chave que estão capitaneando esse desmonte?
RM – A bancada ruralista. Não é fácil detectar quem se alia a ela, mas há indícios, observando a última votação sobre o Código Florestal. O que chamávamos de esquerda acabou votando com os ruralistas. E o governo não só se omitiu, mas permitiu que o projeto dos ruralistas andasse com toda a tranquilidade. Depois, tentou adiar, postergar. Grande parte dos deputados, inclusive do PT, tem no caixa de campanha só financiamento de empresas do agronegócio.
Mais de 1.200 rios do norte de Minas, que são afluentes do São Francisco, morreram.
CBDF – Eles traíram as origens?
RM – Sim, dá para usar essa expressão.
CBDF – Quais seriam alguns desses partidos?
RM - PT, PCdoB, todos esses partidos aí votaram na sua grande maioria com os ruralistas. Nem falo do PMDB e de outros, que já são do mundo das oligarquias.
CBDF – Os pequenos produtores têm sido usados como massa de manobra para reduzir a proteção das florestas. Que efeitos desse novo “Código Florestal” você vê justamente sobre os pequenos?
RM - Lideranças com tradição entre os movimentos sociais tiveram uma atitude complicada na defesa dos pequenos agricultores com foco na ideia de que se você tem pouca terra e for colocar o que o Código exigia você reduzia a área produtiva dos pequenos agricultores. Mas, desde o começo, sempre foi possível fazer um discernimento entre os pequenos e os grandes agricultores. Para os pequenos, você abre casos especiais. Mas de forma geral, o que está acontecendo? Estamos inviabilizando a vida de milhares de pequenos proprietários em nome da produção, porque você solapa as bases naturais da pequena propriedade. Estivemos em maio em Januária (MG), na região do rio dos Cochos. O rio tinha morrido e as comunidades estavam indo embora. Mas eles mesmos fizeram trabalho de recomposição da mata ciliar e o rio voltou a correr e a abastecer outras comunidades que ficaram sem água. A gente tem notícia de que mais de 1.200 rios desse tipo, do norte de Minas, que são afluentes do São Francisco, morreram em função da agricultura comercial que tomou espaços que eram da água. Tem que colocar esse dilema para os pequenos agricultores.
O agronegócio já deixou para trás pelo menos 80 milhões de hectares de terras degradadas.
CBDF – A legislação em vigor amplia a possibilidade de uso da terra. Na prática, o que isso significa para os produtores?
RM – O agronegócio já deixou para trás pelo menos 80 milhões de hectares de terras degradadas. Para esse grupo é mais fácil avançar sobre novas áreas, nem que seja para também degradá-las, do que recuperar o que foi degradado. Esse é o custo que eles não querem pagar - por isso mudaram a legislação para ter ‘segurança jurídica’. Não fosse o papel desenvolvido por inúmeras populações, a Caatinga não teria cerca de 50% preservados. Mas os grandes latifúndios do Nordeste, se quiserem expandir o desmatamento, estão autorizados por lei. Este ano secaram os aquíferos do Platô de Irecê, no semiárido baiano. Agora falta água até para beber. O mesmo pode acontecer no oeste do Estado, no chamado “mundo do agronegócio”, onde querem dispensar as outorgas que limitam o uso de água subterrânea.
CBDF – Alterar o Código Florestal e ampliar o uso da terra não reduz a importância de economias que aproveitem as florestas em pé e não emperra a tramitação de legislações como a do pagamento por serviços ambientais?
RM – Sem dúvida. E não podemos esquecer que nem toda a terra está disponível para o ser humano ou para a agricultura. O planeta tem exigências próprias, de respiração, de oxigenação, do ciclo do carbono. Mas é muito difícil levar esses valores a pessoas que enxergam pouco mais que os limites da propriedade.
CBDF – O atual Código Florestal reduz de forma geral a proteção das matas nas margens de rios e córregos, especialmente dos de pequeno porte. Qual o risco para os mananciais do país?
RM – As faixas entre 30 e 500 metros de vegetação na margem dos rios, dependendo de sua largura, já não eram respeitadas, mas se tinha por onde brigar. Agora, temos faixas de apenas 5 metros para os cursos menores. Sem a vegetação, a água penetra menos no solo e as enchentes ganham força e velocidade. Essa realidade geradora de tragédias foi esquecida na reforma do Código Florestal.
É um pessoal com uma visão meramente produtivista, que padece de "monocultura mental".
CBDF – A destruição da legislação florestal não é um fato isolado. Redução de áreas protegidas, descaso com indígenas e outras populações tradicionais e enfraquecimento de órgãos ambientais fazem parte de um quadro de franco retrocesso. O que está acontecendo com o Brasil?
RM - Levamos décadas construindo uma legislação socioambiental, mas agora enfrentamos uma prevalência absoluta de uma lógica econômica que pretende derrubar tudo o que entende como obstáculo a seu projeto desenvolvimentista. Como o próprio Lula declarou em 2006, ‘as questões dos índios, quilombolas, ambientalistas e Ministério Público travam o desenvolvimento do País’. Esse é o pano de fundo do projeto de desenvolvimento em curso.
CBDF – A campanha Floresta faz a Diferença foi um marco frente às mobilizações sociais da história recente do Brasil. A sanção parcial da presidente complicou ainda mais o futuro do Código Florestal. Qual a sua avaliação sobre esses movimentos?
RM – Avalio que deslanchamos um processo que alcançou a consciência da sociedade brasileira. As pessoas sabem o que está acontecendo. Pesquisas de opinião pública e outros indicadores deixaram claro que a grande maioria da população era contra mudanças no Código Florestal. Por outro lado, ficou cada vez mais evidente o fosso entre o que a sociedade quer e o que a classe política faz.
Pode ser que, no futuro, a avaliação desses governos seja bem diferente.
CBDF – Qual seria a mensagem para a população entender um pouco desse momento do país?
RM – É um momento de grandes adversidades. O povo brasileiro tem um contentamento muito grande com o governo Lula / Dilma porque muitas dessas políticas sociais foram e são muito importantes para a população, trazendo uma resposta mais imediata às questões da fome, da eletricidade, das moradias. Isso tudo é essencial. Mas o problema é o país que esse Governo está plantando para o futuro. Pode ser que, no futuro, a avaliação desses governos seja bem diferente.
Entrevista: Aldem Bourscheit (WWF-Brasil) e Carolina Stanisci (IDS)
Edição: Afra Balazina e Letícia Campos (SOS Mata Atlântica)
Fonte para edição no Rema:
Ruben Siqueira
Comissão Pastoral da Terra / Bahia
Articulação Popular São Francisco Vivo